Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
706/07.3TAVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
DESOBEDIÊNCIA
EMBARGO DE OBRAS
VENDA DE IMÓVEL
Nº do Documento: RP20150617706/07.3TAVFR.P1
Data do Acordão: 06/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para se saber se ocorreu a prescrição do procedimento criminal há que determinar, antes de mais, o período de tempo durante o qual o prazo da prescrição esteve suspenso [“ressalvado o tempo de suspensão” – art. 121.º, n.º 3, do Cód. Penal].
II – É legítimo o embargo de obras determinado por um vereador no uso de competência delegada pelo presidente da câmara.
III – No ato praticado no uso de poderes delegados, a falta de referência dessa qualidade não afeta a legalidade da própria delegação de poderes.
IV – O arguido deve ser absolvido da prática do crime de Desobediência, do art. 348.º, n.º 1, do Cód. Penal, se se provar que à data em que se verificou o desacatamento do embargo o arguido já não era proprietário do imóvel e o auto não precisar se os trabalhos foram executados antes ou depois da transmissão da propriedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 706/07.3TAVFR.P1
1ª Secção Criminal

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Tribunal

1. Relatório
1.1. Para julgamento em processo comum e perante tribunal singular, foi pronunciado B…, devidamente identificado nos autos, imputando-lhe o MP a prática, em autoria material, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, em conjugação com o artigo 100º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 177/01, de 4 de Junho.
1.2. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida a seguinte decisão (transcrição):
“(…)
Nos termos expostos, decido:
1). Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 66 (sessenta e seis) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário em € 15 (quinze euros), perfazendo o montante global de € 990 (novecentos e noventa euros).
2). Condenar o arguido nas custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça no mínimo legal.
Remeta, após trânsito, boletim ao registo criminal.
(…) ”.
1.3. Inconformado com a condenação, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, terminando a motivação com as conclusões seguintes (transcrição):
1) Antes de conhecer das questões de direito do Recurso, importa conhecer a questão da Prescrição,
2) Pois, já tendo ocorrido a prescrição do procedimento criminal, ficam prejudicadas as restantes questões,
3) A questão da prescrição do procedimento criminal, como se sabe, é de conhecimento oficioso, já que as causas de extinção do procedimento criminal se revestem de natureza pública,
4) Pelo que, nesta data podemos considerar prescrito o presente procedimento criminal, porquanto este já perfez mais de 7 anos e meio,
5) Completada a prescrição, têm os beneficiários dela a faculdade de recusar o cumprimento da prestação e de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, nos termos do artigo 304° do Código Civil.
6) A Prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de desobediência é uma causa extintiva da responsabilidade criminal e, por isso, do procedimento criminal inerente e sendo oficioso o seu conhecimento, mais não resta que, conhecendo-a aqui, deva nesta oportunidade ser declarada.
7) Nestes termos, uma vez que desde a data da infração até Janeiro de 2015, já decorreu lapso de tempo superior a sete anos e meio, já operou o Instituto da Prescrição nos presentes autos,
8) Sendo a Desobediência datada de 8 de Maio de 2007 (alínea g) da matéria de facto provada), desde 8 de Maio de 2007 até 05 de janeiro de 2015, já decorreram mais de sete anos e sete meses, pelo que já prescreveu o procedimento recorrente.
9) Nestes termos, nos melhores de Direito e exposto, deverá ser declarada extinta peia prescrição a responsabilidade criminal do arguido e, consequentemente, ser declarado extinto o procedimento criminal contra ele instaurado.
10) Sem conceder, mas por mera cautela processual, sempre se dirá que faltam requisitos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em questão, sendo um deles designadamente a falta de emanação por autoridade competente da ordem ou mandado legítimo.
11) E, nos termos do n° 6 do artigo 102° do DL n° 555/99, de 16/12, o embargo e respectivo auto devem ser notificados ao requerente ou titular da Licença ou autorização, contudo houve violação deste normativo legal, uma vez que o Embargo foi notificado não à requerente ou titular da Licença, mas a terceiro, ou seja, ao arguido, aqui recorrente, cuja ilegitimidade se argui aqui para todos os efeitos legais.
12) Foram violados os artigos 102° a 109° do DL n° 555/99, de 16/12, e artigos 68° e 69° da Lei n° 160/99, de 18,09.”
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1.4. O MP junto do Tribunal “a quo” respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência.
1.5. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.6. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.7. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto (transcrição):
“FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
a) No dia 26 de Novembro de 2007, pelos Serviços de Fiscalização da Câmara Municipal …, foi verificado que o arguido, B…, num seu prédio sito na Rua …, nesta Freguesia e Comarca de Santa Maria da Feira, procedia a obras de alteração e ampliação.
b) Antes de iniciar a obra o arguido não se muniu da necessária licença de construção e respectivo alvará.
c) Assim, no dia 29 de Março de 2007, a Câmara Municipal …, através do Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo, com base na informação elaborada pelos aludidos Serviços, ordenou o embargo da referida obra.
d) No dia 29 de Março de 2007 os fiscais municipais, C… e D…, deslocaram-se ao lugar onde decorria a obra, notificando o arguido do seu embargo total, uma vez que estava a ser realizada sem licença.
e) Nesta altura a obra encontrava-se, no lado nascente concluída no que refere à parte de pedreiro e no lado poente com reboco interior e exterior das paredes, faltando todas as restantes artes.
f) Na sequência do embargo o arguido foi ainda notificado que deveria, de imediato, suspender a obra e foi advertido que não poderia prosseguir quaisquer trabalhos naquela, sem ordem expressa da Câmara Municipal e que, caso a continuasse, incorreria na prática de um crime de desobediência.
g) A 8 de Maio de 2007, os Serviços de Fiscalização da Câmara Municipal verificaram que a obra embargada havia sido continuada uma vez que tinham sido realizados os seguintes trabalhos: execução de vários pilares, execução da cofragem para as vigas e para a 1ª placa na parte da construção do lado sul (nova), e a da construção encostada à extrema norte na fase de trolha, electricista e picheleiro.
h) Assim se verifica a desobediência protagonizada pelo arguido, uma vez que levou a efeito a continuação da obra, sem ter sido autorizado a tal.
i) Ao continuar a obra que havia sido embargada o arguido quis desobedecer, como efectivamente aconteceu, a uma ordem legítima, regularmente comunicada e emanada de um funcionário competente para o efeito.
j) O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente.
k) Bem sabendo da natureza reprovável e proibida da sua conduta.
Mais se provou:
l) No dia 7 de Novembro de 2005, o Presidente da Câmara Municipal …, proferiu o seguinte despacho: «Assim, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 64°, 65°, 68° e 69° da Lei n.° 169/99, de 18/9, na sua redacção actualizada e tendo em conta o novo regime jurídico da Urbanização e Edificação, o regime jurídico dos estabelecimentos de restaurações e bebidas, dos empreendimentos turísticos, dos estabelecimentos de comércio ou armazenagem de produtos alimentares, não alimentares e de prestação de serviços, as competências, próprias e delegadas, do Presidente da Câmara que a seguir se discriminam são delegadas e subdelegadas no Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo, E…, para ser exercidas apenas no âmbito do respectivo Pelouro:
(…) 1- POR SUBDELEGAÇÃO (…) G) Fiscalização das Operações Urbanísticas (art. 94º do DL 555/99); H) Embargo (art. 102º do DL 555/99 conjugado com a alínea m) do n.º 2 do art. 68º da Lei 169/99, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/02, de 11/1); (…).».
m) Tal despacho foi publicitado por edital afixado no átrio dos Paços do Município no dia 7 de Novembro de 2005.
n) O pedido de autorização da obra em causa foi apresentado pela mulher do arguido, F…, no dia 25 de Outubro de 2006, nos Serviços da Câmara Municipal ….
o) A mulher do arguido, enquanto requerente do respectivo licenciamento, foi notificada do referido embargo da obra, por carta registada, recebida no dia 3 de Abril de 2007.
p) No dia 13 de Abril de 2007, foi celebrada uma escritura pública, perante a Notária G…, na qual figuraram como outorgantes: PRIMEIROS: B…, NIF ………, natural da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, titular do Bilhete de Identidade número ……., emitido em 25 de Março de 2004 pelos SIC de Lisboa e mulher F…, NIF ………, natural da freguesia …, concelho de Santa Maria, da Feira, titular do Bilhete de Identidade número ……., emitido em 25 de Março de 2004 pelos SIC de Lisboa, casados na comunhão de adquiridos e residentes na Rua …, número …, …, da referida freguesia …. SEGUNDOS: H…, casada, natural da freguesia e concelho de Espinho, residente na Rua …, número …, …, Porto, titular do Bilhete de Identidade número ……., emitido em 15 de Fevereiro de 2005 pelos SIC do Porto; e I…, casado, natural da freguesia …, concelho do Porto, residente na Rua …, número …, .°, Porto, titular do Bilhete de Identidade número ……., emitido em 03 de Outubro de 1997 pelos SIC do Porto, que outorgam, respectivamente, na qualidade de administradora, qualidade que confirmou ter, e procurador e em representação da sociedade anónima: “J…, S.A.”, NIPC ………, matriculada sob o mesmo número na Primeira Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira, com sede em …, freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, com o capital social de dois milhões e quinhentos mil euros, qualidade e poderes para o acto que constam de certidão do Registo Comercial, conjugada com procuração bastante, documentos que arquivo em fotocópias. TERCEIRQS: A) O referido “B…”; e B) K…, casado, natural da freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, residente na Rua …, número .., …, Santa Maria da Feira, titular do Bilhete de Identidade número ……, emitido em 03 de Setembro de 1999 pelos SIC de Lisboa; C) L…, casado, natural da freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, residente na Rua …, número …, .° direito, …, Santa Maria da Feira e titular do Bilhete de Identidade número ……., emitido em 16 de Maio de 2002 pelos SIC de Lisboa, os quais outorgam na qualidade de únicos administradores, qualidade que confirmaram ter, em nome e em representação de “M…, S.A.”, NIPC ………, matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira, com sede na Rua …, n.° .., freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, com o capital social de cinquenta mil euros, adiante também abreviadamente designada por “M…”, qualidade e poderes para o acto que constam de certidão comercial, conjugada com a acta número quatro, da Reunião do Conselho de Administração de dois de Abril de dois mil e sete, documentos que arquivo, este último em pública-forma.».
q) Em tal acto, os seus intervenientes produziram as seguintes declarações: «DECLARARAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES: Que pela presente escritura e pelo preço global de QUATROCENTOS E SESSENTA E OITO MIL E QUINHENTOS EUROS, que já receberam, vendem à representada dos terceiros outorgantes, a dita “M…”, livre de ónus ou encargos, o seguinte: (…). E) Pelo preço de DUZENTOS E QUARENTA E CINCO MIL QUATROCENTOS E CINQUENTA EUROS o PRÉDIO URBANO composto por edifício destinado a armazéns e actividade industrial, com logradouro, sito na Rua …, número onze, freguesia e concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número “dois mil setecentos e quarenta e oito”, de Santa Maria da Feira e inscrito no artigo 4387 da respectiva matriz, com o valor patrimonial tributário de 245.450,00 euros, definitivamente registado a favor dos vendedores pela inscrição “G - dois”, sobre o qual incide uma hipoteca registada a favor da N…, S. A., conforme inscrição “C um”, cujo cancelamento está assegurado por documento que fica na posse da mesma N…, S.A.. F) Pelo preço de SEIS MIL QUINHENTOS E CINQUENTA EUROS o PRÉDIO URBANO composto por terreno destinado a construção urbana, situado no … (Rua …, n.° ..), freguesia e concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número dois mil quatrocentos e trinta e nove” de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo P 4686, (correspondente ao artigo 262 da respectiva matriz rústica), definitivamente registado a favor dos vendedores pela inscrição “G - três”, sobre o qual incide uma hipoteca registada a favor da N…, S. A., conforme inscrição “C - um”, cujo cancelamento está assegurado por documento que fica na posse da mesma N…, S.A. (…). DECLARARAM OS TERCEIROS OUTORGANTES, na indicada qualidade em que outorgam: Que, para a sua representada, aceitam a presente venda, nos termos exarados e que os prédios ora adquiridos se destinam a revenda. ASSIM O DISSERAM E OUTORGARAM.»
r) À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.
s) O arguido tem um mestrado em Ciências Empresariais e é gestor de uma empresa, auferindo cerca de € 3.000 mensais.
t) Vive com a sua mulher e três filhos menores, de quatro, onze de quinze anos de idade.
u) O agregado familiar reside em casa própria, pagando uma prestação bancária de aproximadamente € 1.000 mensais, atinente ao empréstimo contraído para sua aquisição.
v) A mulher do arguido aufere o vencimento de € 1.500 mensais como Directora de um Colégio de propriedade de uma Sociedade comercial, detida em 50% pelo casal.
Não existem factos não provados.
Motivação da matéria de facto:
A decisão teve por base a prova produzida em audiência, nomeadamente:
- As declarações do arguido, o qual, não obstante aduzir que o prédio onde foi implementada a dita obra não lhe pertencia, mas era da propriedade de sua mulher – facto directamente contrariado pela certidão da escritura pública, emitida pelo Cartório Notarial de G…, junta de folhas 203 a 217, que o próprio apresentou com a sua contestação, bem como pela cópia da certidão da 1ª Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Ferira, junta de folhas 20 a 24 –, num discurso desculpabilizante, reconheceu que, juntamente com a sua mulher, decidiu iniciar as obras em apreço antes de obter a necessária licença pois a construção em causa era de um colégio e queriam terminá-la antes do início do ano lectivo, em Setembro de 2007, motivo pelo qual, apesar de admitir ter ficado plenamente ciente que não poderia prosseguir as obras após a sua notificação pessoal do respectivo embargo, decidiu continuar com a sua realização, confirmando que tanto ele como a sua mulher – indiscriminadamente – davam as ordens ao engenheiro responsável pela conclusão dos trabalhos.
- O teor do auto de desacatamento de folhas 3 a 5, do auto de notícia de folhas 37 a 38, do auto de embargo, constante de folhas 32 a 36, em conjugação com o depoimento da testemunha C…, Fiscal Municipal, que procedeu ao embargo em apreço e que, de forma clara, segura e isenta descreveu o estado das obras em apreço no momento do embargo e no momento ulterior da fiscalização do seu cumprimento, confirmando a correspondência das fotografias juntas de folhas 3 a 5.
- A certidão do despacho de delegação de competências, emitida pela Câmara Municipal …, junta de folhas 244 a 250, e do respectivo edital, junta de folhas 262 a 263.
- A cópia do pedido de licenciamento, junta de folhas 10 a 24, o aviso de recepção junto a folhas 25, e a notificação junta a folhas 26.
- O certificado do registo criminal junto a folhas 189.
- As declarações do arguido no que concerne às suas condições pessoais.”

2.2. Matéria de direito
O recorrente insurge-se contra a decisão que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, em conjugação com o artigo 100º, n.º 1, do DL n.º 555/99, de 16/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 177/01, de 4/06, suscitando as seguintes questões: (i) prescrição do procedimento criminal; (ii) falta do elemento objectivo do tipo - “emanação por autoridade competente da ordem ou mandado legítimo” e (ii) violação do art. 102º, 6 do DL 555/99, de 16/12.
Vejamos cada uma das questões suscitadas.
(i) Prescrição do procedimento criminal.
Alega o arguido que, tendo em conta o disposto no n.º 3 do art. 121º do Código Penal, já ocorreu a prescrição do procedimento criminal respeitante aos factos reportados nos autos, o que prejudica o conhecimento das restantes questões. Na verdade, entende que, tendo já decorrido mais de 7 anos e meio desde a prática da infracção, o respectivo procedimento criminal prescreveu; a prática da infracção ocorreu em 8 de Maio de 2007, pelo que na data da interposição do recurso, em 5 de Janeiro de 2015 (por lapso o arguido escreve 2014), esse prazo já tinha decorrido.
É evidente o erro em que incorre o recorrente.
É verdade que o crime por que foi condenado (desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a), do C.P) prescreve no prazo de 5 anos (art. 118º, 1, c) do C.P), tendo em conta a moldura penal prevista no art. 348º, 1 do C.P. E também é verdade que o art. 121º, 3 do C. Penal dispõe (tal como transcreve o recorrente) que a prescrição do procedimento criminal “tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.
Assim, para se aplicar o regime previsto no n.º 3 do art. 121º do C.P, ou seja, para se saber se ocorreu efectivamente a prescrição, há que determinar, antes de mais, o período de tempo durante o qual o prazo da prescrição esteve suspenso, pois esse período de tempo é, como refere o art. 121º, 3 do C. Penal, “ressalvado”.
Ora, nos termos do art. 120º, 1, b) e 2 do C.P, a prescrição do procedimento criminal suspende-se a partir da notificação da acusação ou da pronúncia, até à sentença condenatória, por um período máximo de 3 anos, voltando a suspender-se por um período máximo de 5 anos, a partir da sentença condenatória (cfr. art. 120º, n.ºs 1, e) e 4 do C.P, na redacção introduzida pela Lei nº. 19/2013, de 21/02, com entrada em vigor a 24.03.2013).
Deste modo e no presente caso, o prazo da suspensão da prescrição poderá atingir 8 anos, os quais, somados aos 7 anos e 6 meses a que alude o art. 121º, 3 do C.P, só levam à prescrição se não ocorrer o trânsito em julgado da decisão final, num período de tempo de 18 anos e 6 meses. Ou seja, tendo a infracção ocorrido em 8 de Maio de 2007, só em 8 de Novembro de 2025 ocorreria a prescrição do procedimento criminal.
Ainda que não fosse aplicável o regime introduzido pela Lei nº. º 19/2013, de 21/02, a prescrição estaria sempre suspensa pelo período de 3 anos, por força do art. 120º, 1, b) 2, do C.P. Ora, também de acordo com este regime a prescrição só ocorreria 10 anos e seis meses após a data dos factos (08.05.2007), ou seja, em 8 de Novembro de 2017.
É portanto evidente que não ocorreu a prescrição do procedimento criminal.
(ii) Falta do elemento do tipo “emanação por autoridade competente da ordem ou mandado legítimo”.
Alega o arguido – argumento já esgrimido e refutado na sentença recorrida – que a ordem a que terá desobedecido não era legítima, pois foi emitida por entidade incompetente. A lei considera competente para proceder ao embargo de obras ilegais o Presidente da Câmara e, no presente caso, o embargo foi determinado por um Vereador, no uso de competência delegada. Ora, argumenta o recorrente que a lei, neste caso, não permitia a delegação de poderes e, daí, a ilegalidade da ordem.
A sentença recorrida refutou a tese do arguido, seguindo um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20 de Outubro de 2008. Neste acórdão (que abordou uma questão semelhante) entendeu-se que o Dec. Lei 559/99, de 16.12, não quis revogar a Lei n.º 169/99, de 18.09, sendo que esta lei, no seu artigo 69º, permitia que o Presidente da Câmara delegasse a sua competência própria ou delegada, e o art. 68º, al. m) da mesma Lei atribuía ao Presidente da Câmara competência para proceder ao embargo.
A nosso ver, o recorrente não tem razão.
O Dec. Lei 555/99, de 16/12, não revogou expressamente qualquer dos artigos da Lei n.º 169/99, de 18.09. Esta lei (169/99, de 18/09) veio a ser revogada apenas pela lei n.º 75/2013, de 12/09 e, portanto, ainda estava em vigor em 8 de Maio de 2007 (data da infração). Tratava-se da Lei que estabelecia o regime de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias e nela se estabelecia (art. 68º) o quadro geral dos poderes do Presidente da Câmara.
Por seu turno, no art. 69º, 2 da referida Lei, sob a epígrafe “Distribuição de funções”, dizia-se expressamente: “O presidente da Câmara pode delegar ou subdelegar nos vereadores o exercício da sua competência própria ou delegada”.
É assim claro que a lei geral sobre a distribuição de funções dos órgãos do Município permitia ao Presidente da Câmara a delegação do exercício das funções que lhe eram atribuídas. Deste modo, e perante uma regra geral que permitia a delegação de poderes do Presidente da Câmara, nos Vereadores, a mesma só seria ilegal se uma lei em concreto proibisse expressamente a delegação de poderes.
Dado que o Dec. Lei 555/99, de 16.12, na redacção vigente na data da delegação de poderes, não proibia a delegação de poderes do Presidente da Câmara, tal delegação era possível (legal) por aplicação da regra geral prevista no art. 69º, 2 da lei 169/99, de 18/09.
No presente caso, o Presidente da Câmara delegou o exercício da competência ora em causa, referindo-se expressamente ao “embargo” (art. 102º do DL 555/99 conjugado com a alínea m) do n.º 2 do art. 68º da lei 169/99, na redacção dada pela Lei 5-A/02, de 11/1) – cfr. fls. 245 e segs e al. l) da matéria de facto provada.
É portanto evidente a falta de razão do arguido.
Alega ainda o arguido (neste ponto) que a delegação de poderes era inválida, por não identificar, de forma cabal, “os actos de delegação, designadamente os seus autores, bem como as datas e os locais onde estão ou foram publicadas”.
Trata-se, sem dúvida alguma, de argumentação inconcludente. Como decorre de folhas 263 dos autos, foi afixado edital, em cumprimento do art. 37º, 2 do CPA, dando conhecimento da delegação de poderes ora em causa.
Resta acrescentar que a referência (ou a falta dela), no acto praticado no uso de poderes delegados, dessa qualidade, não pode afectar (como é óbvio) a legalidade da própria delegação de poderes. O uso do poder delegado é algo que ocorre depois da delegação e, portanto, as ocorrências posteriores a um acto não podem determinar a sua invalidade, pois esta é uma patologia genética que tem que ocorrer na fase de constituição do acto.
Deste modo, sendo válida a delegação de poderes e tendo o embargo sido determinado pela entidade competente (cfr. facto constante da al. c), dado como provado) o recurso do arguido deve, nesta parte, ser julgado improcedente.
(ii) Violação do art. 102º, 6 do Dec. Lei 555/99
O art. 102º, 6 do Dec. Lei 555/99, de 16/12, na versão do Dec. Lei 177/2001, em vigor na data dos factos, dizia o seguinte:
O embargo e respectivo auto são notificados ao requerente ou titular da licença ou autorização ou, quando estas não tenham sido requeridas, ao proprietário do imóvel no qual estejam a ser executadas as obras”.
O arguido alega que, de acordo com tal preceito, o embargo deveria ter sido notificado a F…, por ser a requerente, ao tempo, do pedido de licença de obras de edificação.
Ora, relativamente a esta obrigação de notificação, o arguido não tem razão, pois efectivamente a requerente da licença (mulher do arguido) foi notificada do embargo da obra, por carta registada recebida no dia 3 de Abril de 2007 (cfr. facto constante da al. o).
Por outro lado, o embargo deve ser notificado também, quando possível, ao “proprietário do imóvel no qual estejam a ser executadas as obras”, como decorre do disposto no art. 102º, n.º 2 do Dec. Lei 555/99, o que ocorreu, neste caso, na pessoa do arguido, co-proprietário do imóvel.
Assim, a circunstância de o embargo e respectivo auto deverem ser notificados também a quem requereu a licença ou autorização (n.º 6) não impede que se considere que a notificação feita ao proprietário do imóvel (no caso, o arguido) seja bastante para o vincular ao cumprimento do mesmo embargo.
Deste modo, a notificação do co-proprietário do imóvel (arguido) mostra-se em total concordância com o que dispõe o art. 102º, 2, do Dec. Lei 555/99, pelo que, nesta parte, o recorrente não tem qualquer razão, uma vez que o mesmo era co-proprietário do imóvel onde estavam a ser executadas as obras, sem licença ou autorização.
O arguido alega, no entanto, que o imóvel em causa foi vendido em 13 de Abril de 2007, pelo que em 8 de Maio de 2007 – data do auto de desacatamento do embargo – já não era co-proprietário do mesmo imóvel.
É certo que se deu como provado que o imóvel foi vendido em 13 de Abril de 2007 e que o auto que verificou o desacatamento do embargo foi lavrado em 8 de Maio de 2007 (posteriormente). Assim, e em rigor, o arguido apenas poderia ser condenado por não ter dado cumprimento ao embargo até 13 de Abril de 2007.
A matéria de facto dada como provada (constante da al. g)) descreve os trabalhos executados após o embargo, mas não nos diz se os mesmos foram executados antes ou depois de 13 de Abril de 2007.
Deste modo, não está efectivamente provado que o arguido não cumpriu o embargo (desobedeceu), uma vez que o seu incumprimento só foi documentado em 8 de Maio de 2007. Para que o arguido pudesse ser condenado pelo crime de desobediência, teria que decorrer expressamente da matéria de facto provada que houve incumprimento, ou sejam, que foram feitas obras no imóvel entre 29 de Março de 2007 e 13 de Abril do mesmo ano.
Não estando esse facto dado como provado, impõe-se concluir que não está provada a desobediência do arguido e daí que o mesmo deva ser absolvido da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, em conjugação com o artigo 100º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 177/01, de 4 de Junho.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e consequentemente absolver o arguido do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a), do C. Penal, em conjugação com o artigo 100º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 555/99, de 16.12, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 177/01, de 4.06.
Sem custas.

Porto, 17/06/2015
Élia São Pedro
Donas Botto