Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
355/20.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
FALSIDADE
Nº do Documento: RP20210623355/20.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 729.º do CPC é claro ao estabelecer que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos” depois mencionados nas alíneas a) a i), significando isso estar-se perante uma enunciação taxativa.
II - A única situação de falsidade aí prevista é “do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução” [al. b)], que se reporta ao processo declarativo onde foi proferida a decisão exequenda e, sublinha-se, a todo o processo.
III - Quando a falsidade se reporte a actos judiciais falsos ou incida sobre documentos falsos produzidos no processo declarativo, o meio de a atacar será o recurso de revisão e não o de embargos de executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 355/20.0T8VNG-A.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 B…, S.A., executada na execução de sentença contra si instaurada por C…, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, veio nos termos do disposto no art.º 728.º, do CPC, deduzir embargos de executado.
Alega, no essencial, constar dos factos alegados que a execução baseia-se numa sentença condenatória, já transitada em julgado.
A embargante foi em 27/02/2020 notificada da referida sentença, da qual requereu reforma, pedido que indeferido.
A embargante deduziu então incidente de falsidade da acta de audiência de partes, o qual foi também indeferido. Dessa decisão apresentou recurso judicial, o qual foi admitido. Se o incidente for procedente, o Tribunal da Relação baixará o processo à 1ª instância para que processe o incidente de falsidade. E se o incidente for procedente, obrigará a dar sem efeito a douta sentença produzida, concedendo prazo à embargante para contestar.
Se tal acontecer, a presente execução deixará de ter título que a suporte.
Entende, assim, que à presente data, a sentença ainda não transitou em virtude da dedução do incidente de falsidade e que este incidente é uma questão prejudicial relevante ao desfecho da acção principal.
Nesses pressupostos, “requer que os presentes embargos sejam recebidos e consequência disso sejam procedentes e em consequência disso, seja sustada a execução com a anulação dos actos de penhora praticados”.
I.2 Pronunciando-se sobre o requerido, o Tribunal a quo a proferiu a decisão seguinte:
- «Fixo aos presentes embargos de executado, nos termos do art. 306.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, o valor de € 17.218,53.
*
A execução contra a qual são deduzidos os presentes embargos de executado tem como título executivo uma sentença.
Nos termos do art. 729.º, do Código de Processo Civil, fundando-se a execução em sentença a oposição só pode ter um dos fundamentos referidos numa das diversas alíneas do art. 729.º do Código de Processo Civil, a saber:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
No caso em análise, o título executivo é uma sentença.
A questão da falsidade da ata de audiência de partes foi arguida na ação declarativa na qual foi aqui proferida a sentença dada à execução.
Na ação declarativa não foi admitido o arguido incidente de falsidade, estando tal decisão de não admissão do referido incidente em recurso.
Sendo certo que uma eventual decisão do tribunal superior que revogue tal despacho implicará que o tribunal aprecie tal incidente, podendo o mesmo ser julgado procedente ou improcedente, tudo isso se passará no âmbito da ação declarativa, sendo que uma eventual decisão de procedência do incidente de falsidade da ata de audiência de partes poderia, efetivamente, acarretar a nulidade dos atos subsequentes que foram praticados, incluindo a prolação da sentença dada à execução.
No entanto, essa questão está pendente na ação declarativa e não nos presentes embargos: não se vai nem se pode, em sede dos presentes embargos de executado, conhecer da arguição de falsidade arguida na ação declarativa; a questão aqui suscitada não é a falsidade do processo; é a existência de um incidente de falsidade arguido e não admitido, cuja decisão de não admissão está em recurso, e cuja eventual procedência pode, em teoria, na hipótese de vir a ser julgado procedente, determinar a nulidade da sentença proferida.
Tal como sucede com a decisão judicial não transitada em julgada, que constitui título executivo não só após o trânsito em julgado, mas também quando o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo – ver art. 704.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil − , também não é o facto de estar ainda pendente de apreciação a admissibilidade do arguido incidente de falsidade, que contende com a propositura e prosseguimento da execução da sentença.
Mesmo nos casos em que a sentença dada à execução não transitou em julgado, tendo o recurso interposto efeito devolutivo, o regime aplicável é o previsto nos n.os 2 e 3 do art. 704.º do Cód. Proc. Civil, ou seja: − não pode haver pagamento do exequente nem de qualquer credor sem a prestação de caução; − a execução iniciada extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem também suspender ou modificar a decisão, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser.
Verifica-se assim que o fundamento dos presentes embargos não se enquadra em nenhuma das alíneas do supra transcrito art. 729.º do CPC.
Veja-se, aliás, que o que o executado/embargante pretende através da dedução dos presentes embargos de executado – atento o pedido deduzido − nem sequer é a extinção, total ou parcial da execução – e que é o efeito legalmente previsto da procedência dos embargos, como resulta do disposto no n.º 4 do art. 732.º do Cód. do Proc. Civil −, mas apenas a sua suspensão. Ora, os embargos de executado não visam nem se destinam a obter a suspensão da execução.
Em conformidade, atento o disposto no art. 732.º, n.º 1, al. b), do CPC, porque nenhum dos fundamentos invocados na petição inicial de embargos é passível de ser subsumido a qualquer das alíneas do citado art. 729.º do CPC, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado.
Custas a cargo do exequente/embargante.
Notifique.
Registe.
(..)».
I.3 Inconformada com esta decisão a embargante interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes:
- NOS EMBARGOS DE EXECUTADO PODEM FORMAR UM CASO JULGADO MATERIAL E SE É POSSÍVEL, ENTÃO MESMO NO CASO DE UMA SENTENÇA, É POSSÍVEL ATRAVÉS DOS EMBARGOS DE EXECUTADO OBTER UMA SENTENÇA COM FORÇA DE CASO JULGADO MATERIAL.
- O DESFECHO FINAL DO INCIDENTE DE FALSIDADE É PREJUDICIAL À QUESTÃO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA, FALTANDO ASSIM EXIQUIBILIDADE À SENTENÇA.
- A RECORRENTE ALEGOU NOS SEUS EMBARGOS DE EXECUTADO A INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO (SENTENÇA) E COMO TAL DEVERIAM TER SIDOS RECEBIDOS ASSIM, E COM O SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA DISSO SER DECLARADO INEXEQUÍVEL A SENTENÇA ENQUANTO NÃO TRANSITAR O INCIDENTE DE FALSIDADE DEDUZIDO.
I.4 O recorrido apresentou contra-alegações, que sintetizou nas conclusões seguintes:
I- O título dado à execução é uma sentença, pelo que os fundamentos à oposição mediante embargos estão estabelecidos ao artigo 729º do Código de Processo Civil.
II- A recorrente não alegou à petição inicial de embargos quaisquer fundamentos passíveis de integrar a previsão das alíneas do aludido artigo 729º.
III- Confunde as condições de admissibilidade dos embargos, quando fundados em sentença, e os efeitos advindos da sua procedência.
IV- Pretendendo através dos mesmos, e em consequência dos mesmos, suspender a execução em curso.
V- A ação executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial – ao caso recurso pendente deduzido na ação declarativa comum, pois, não tendo a execução como fim a decisão de uma causa, não pode nela verificar-se a relação de dependência que se exige ex vi do artigo 272º n.1 do C.P.C.
VI- A sentença dada à execução já se mostra transitada em julgado e, tendo decidido do mérito da causa tem força obrigatória dentro do processo mas também fora dele.
Termos em que deve a sentença que julgou a improcedência dos embargos, e agora objeto de recurso, ser confirmada, negando-se provimento ao recurso interposto.
I.5 O Digno Procurador-Geral junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo, no essencial, o seguinte:
-«[..]
Os motivos apresentados, como bem refere a douta sentença em recurso, não integram nenhum daqueles fundamentos previstos no artigo 729º do CPC, e tendo sido apresentados na acção declarativa, aí deverão ser decididos.
Assim, sendo invocado fundamento para além dos legalmente invocados, o despacho liminar a proferir deverá ser o de indeferimento(2).
Rejeitados liminarmente os embargos o processo executivo a correr seus tramites normais.(3)
Sendo que como bem salienta, ainda, a douta sentença, se, por qualquer razão, nomeadamente o êxito da falsidade invocada pela embargante/executada, a lei prevê e acautela estas situações, com o disposto no art.º 704, n.ºs 2 e 3 do CPC.(4)».
I.6 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao indeferir liminarmente os embargos de executado.
FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos com interesse para a apreciação do recurso são os mencionados no relatório, acrescidos dos seguintes:
1. Na acção declarativa, em 20-02-2020, o Tribunal a quo proferiu despacho, referindo que “ atenta a regular notificação para contestar a ação, face à falta de contestação, consideram-se confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial, em conformidade com o disposto no artigo 57.º, n.º 1 do Cód. Proc. Trabalho”, após o que passou a proferir sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Em conformidade, julgo a presente ação provada e procedente e, em consequência, condeno a Ré B…, S.A., a pagar ao Autor C… a quantia global de € 15.855,82, referente aos seguintes créditos salariais em dívida:
I − 11.084,27 € referente às horas suplementares prestadas e não pagas;
II − 1.620,00 € referente ao subsídio de alimentação não pago;
III − 2.250,00 € referente a Férias, Subsídios de Férias e Subsídio de Natal do ano de 2018;
IV − 750,00 € referente a proporcionais de Férias, Subsídios de Férias e Subsídio de Natal do ano de 2019;
V – 151,55 € referente à formação profissional em falta;
Tudo acrescido juros legais vencidos e juros de mora vincendos calculados à taxa supletiva legal que em cada momento vigorar, através da Portaria prevista no art. 559.º do Código Civil (atualmente de 4% − Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril) e até integral pagamento».
2. A sentença foi notificada às partes em 27 Fevereiro de 2020, designadamente, na pessoa do ilustre mandatário da Ré, via CITIUS.
3. Em 17 de Março de 2020, a Ré apresentou requerimento pedindo a “reforma da douta sentença porquanto a acta de audiência de partes não reflete a realidade do que se passou naquela diligência”.
4. Por despacho de 04-06-2020, o Tribunal a quo proferiu decisão sobre aquele requerimento, concluída nos termos seguintes:
Assim, indefiro o requerimento apresentado pela ré de reforma da sentença, por ser desprovido de fundamento legal, sendo intempestiva a sua apresentação para ser considerado como arguição de falsidade da ata de audiência de partes, por apresentado muito para além do prazo de 10 dias contado da data em que a ata da diligência ficou disponível e acessível no processo eletrónico (art. 451.º, n.º 2, do CPC)».
5. Notificada dessa decisão a Ré veio apresentar requerimento para “deduzir INCIDENTE DE FALSIDADE da acta de audiência de partes».
6. Pronunciando-se sobre esse requerimento o Tribunal a quo proferiu despacho de aperfeiçoamento, concluído nos termos seguintes:
Em face do exposto, ao abrigo dos arts. 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 2, e 590.º, n.º 4, do CPC, convido a parte requerente a, no prazo de 5 dias, aperfeiçoar o seu requerimento, esclarecendo (com suficiência e precisão) se afirma que a ata em discussão foi alterada após a sua elaboração e assinatura (e, nesse caso, naturalmente, qual era o teor inicial relativamente ao atual)».
7. A Ré apresentou requerimento visando suprir a insuficiência e imprecisão de alegação indicada pelo Tribunal a quo.
8. Pronunciando-se sobre o incidente de falsidade deduzido, o Tribunal a quo proferiu decisão, no que aqui releva, concluída nos termos seguintes:
-«[..]
Como havia já sido dito no despacho de 04-06-2020, o prazo para a dedução do incidente de falsidade conta-se da data em que a acta da diligência ficou disponível e acessível no processo eletrónico (de acordo com a informação dada pelo IGFEJ, o dia 2020-02-05) – art. 451.o, n.o 2, do CPC.
Resultando completamente infirmada pelas informações prestadas pelo IGFEJ a alegação efetuada pelo advogado do autor de que 10 dias após a realização da audiência de partes acedeu à acta e o seu teor não era o que a mesma tem, não admito o incidente de falsidade invocado, por claramente intempestivo (art. 451.o, n.o 2, do CPC).
[..]».
9. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação, o qual foi admitido, tendo subido em separado e encontrando-se pendente nesta Relação sob o processo (apenso) n.º 355/20.0T8VNG-B.P1.
II.1 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou ao indeferir liminarmente os embargos de executado.
Reiterando a posição defendida no requerimento inicial, defende que quando foi notificada da sentença, não interpôs recurso judicial sobre a mesma, mas deduziu incidente de falsidade sobre o teor da acta e sobre a qual foi proferida sentença, o qual foi indeferido, decisão de que interpôs recurso que se encontra pendente.
Nessa consideração, defende que esse incidente é uma questão prejudicial relevante ao desfecho da acção principal, designadamente, à prolação da sentença, pois se o incidente for procedente, o Tribunal de recurso determinará a baixa do processo ao Tribunal de 1ª instância para que processe o incidente de falsidade. E se o incidente for procedente, obrigará a dar sem efeito a sentença produzida.
Antecipamos já que não assiste razão à recorrente, antes nos merecendo inteira concordância a decisão recorrida, cuja fundamentação, clara e certeira, deu cabal e adequada resposta à questão.
A construção da recorrente para sustentar que a sentença não transitou em julgado, não tem apoio na lei processual. É o que passaremos a evidenciar, procurando encarar a questão noutra perspectiva para não repetir a fundamentação da decisão recorrida.
Como a recorrente reconhece na sua própria alegação, não recorreu da sentença proferida na acção declarativa. Não o refere a recorrente, mas na sequência da notificação da sentença requereu a “reforma da douta sentença porquanto a acta de audiência de partes não reflete a realidade do que se passou naquela diligência”, requerimento que lhe foi inferido por falta de fundamento legal, referindo-se, ainda, que a sua apresentação era intempestiva para ser convolado em requerimento para dedução de incidente de falsidade da acta de audiência de partes.
A recorrente conformou-se com essa decisão de indeferimento do pedido de reforma da sentença.
Dispõe o art.º 628.º do CPC dispõe que “[A] decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
O incidente de falsidade que a recorrente deduziu posteriormente - e que foi indeferido por intempestivo -, não integra essa previsão e, logo, é forçoso concluir que a sentença transitou em julgado.
O caso julgado material tem força obrigatória, não só dentro do processo em que a decisão é proferida, mas principalmente fora dele. Assim resulta do n.º1, do art.º 619.º do CPC, ao dispor que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
A força e a autoridade atribuídos à decisão transitada em julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito (..)” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1983, pp. 309/310].
E, como elucida Alberto dos Reis, o caso julgado exerce duas funções, uma positiva e outra negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, tendo a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade, servindo de base à execução. Exerce a segunda através da excepção de caso julgado [Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição – reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 93].
É por essa ordem de razões que a sentença, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo, só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, (art.º 704.º 1, do CPC).
Estando-se perante uma sentença transitada em julgado, o único meio processual que permite alcançar a sua alteração é o recurso extraordinário de revisão, previsto no art.º 699.º do CPC, que tem em vista fazer prevalecer o primado da justiça sobre os princípios da certeza e segurança jurídicas e, precisamente por isso, está sujeito a um apertado condicionalismo legal, desde logo no que concerne à natureza taxativa dos fundamentos de admissibilidade.
Mas importa notar, mesmo nos casos em que é admissível, “[O] recebimento do recurso não suspende a execução da decisão recorrida” [art.º 699.º, n.º3, do CPC].
Neste quadro, contrariamente ao defendido pela recorrente, é forçoso concluir que o incidente de falsidade da acta da audiência de partes suscitado na acção declarativa, mesmo que venha a ser admitido por decisão no recurso que se encontra pendente, não tem, só por si, qualquer efeito relativamente ao trânsito em julgado da sentença e, logo, à sua exequibilidade.
Como assinalou o Tribunal a quo, o art.º 729.º do CPC é claro ao estabelecer que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos” depois mencionados nas alíneas a) a i), significando isso estar-se perante uma enunciação taxativa.
Pelas razões que expusemos, a situação em apreço não está prevista em qualquer dessas alíneas. A única situação de falsidade aí prevista é “do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução” [al. b)], que se reporta ao processo declarativo onde foi proferida a decisão exequenda e, sublinha-se, a todo o processo. Como elucida Eurico Lopes Cardoso, a norma “não abrange a falsidade de qualquer termo isolado do processo de declaração, nem a de qualquer documento produzido nesse processo, mas sim a falsidade total dele ou, pelo menos, a falsidade da sentença. Quando esta tenha assentado sobre actos judiciais falsos ou sobre documentos falsos, o meio de a atacar será o recurso de revisão (..), e não o de embargos de executado” [Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, EP, 1987, p. 281].
Por conseguinte, não sendo os presentes embargos fundados em qualquer uma das situações previstas no art.º 729.º do CPC, por força do disposto no art.º 732.º n.º1, al. b), do CPC, impunha-se, como bem decidiu o Tribunal a quo, o seu indeferimento liminar.
Em conclusão, acompanha-se o tribunal a quo na decisão recorrida, inexistindo fundamento para a procedência do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º2, CPC).

Porto, 23 de Junho de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira