Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
Nº do Documento: | RP2017102649228/15.6YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/26/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 108, FLS.137-143) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | O artigo 610º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, ao caso de procedência da excepção de não cumprimento do contrato, o que conduz a que, numa tal eventualidade, haja lugar a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projecção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da excepção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção Processo n.º 49228/15.6YIPRT.P1 Comarca do Porto Vila Nova de Gaia - Instância Local - Juízo Cível - J1 Relator: Paulo Dias da Silva 1.º Adjunto: Des. Teles de Menezes 2.º Adjunto: Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto “B…, Ldª”, com sede no Lugar …, …. - … Ovar apresentou requerimento de injunção contra “C…, Ldª”, com sede na Rua …, n.º …, …, …. - … Vila Nova de Gaia onde concluiu requerendo a notificação da requerida a pagar-lhe a quantia de €31.335,36, acrescida de juros de mora.1. Relatório Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, ter procedido, por solicitação da ré, à execução de uma rede aerólica, de uma rede hidráulica e à montagem de equipamentos vários, pelo preço de €100.135,36, tendo ainda efectuado trabalhos extra no valor de €1.200,00, invocando não ter sido tal preço pago na íntegra pela ré. * A ré deduziu oposição, excepcionando com os prazos acordados para pagamento e com a não finalização da obra por parte da autora, impugnando os invocados “trabalhos a mais”.* Procedeu-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.* Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de €30.135,36, ficando a exigibilidade desse pagamento suspensa até que esta proceda à colocação das grades em falta, efectue os testes e arranques dos equipamentos e entregue os comandos dos aparelhos do ar condicionado.* Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente “C…, Ldª”, veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:I. A Ré-Recorrente não se conforma com a Douta Sentença recorrida, na parte em que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a mesma no pagamento à Autora-Recorrida da quantia de €30.135,36 (trinta mil cento e trinta e cinco euros e trinta e seis cêntimos), ficando a exigibilidade desse pagamento suspensa até que esta proceda à colocação das grades em falta, efectue os testes e arranques dos equipamentos e entregue os comandos dos aparelhos do ar condicionado. II. Entende a Ré-Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito. III. Na verdade, o Mmo Juíz a quo integrou o negócio jurídico celebrado entre as partes no Contrato de Empreitada, previsto no art.º 1027.º do Código Civil, dando como provado que a Autora-Recorrida não cumpriu completamente a obrigação a que estava adstrita, deixando parte da obra que lhe foi adjudicada pela Ré-Recorrente por executar, o que configura um caso de incumprimento parcial desse mesmo contrato de empreitada. IV. A douta sentença a quo deu assim provimento à excepção do não cumprimento do contrato, prevista no art.º 428.º do C.C. (e que, no caso de incumprimento parcial, assume a designação exceptio non rite adimpleti contractus), invocada pela Ré-Recorrente na sua Oposição, na medida em que, - e citando a sentença recorrida, - “quanto à parte do preço em falta, vale, por inteiro, o disposto no art.º 1221.º, n.º 2 do CCivil, nos termos do qual «O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no ato de aceitação da obra»” V. E julgada verificada a excepção do não cumprimento do contrato, entendeu o Mmo Juíz a quo que a obrigação do excipiente se suspende enquanto o outro contraente não cumprir ou oferecer o cumprimento simultâneo, operando uma espécie de paralisação do direito do credor até à satisfação do direito do excipiente, de modo que, enquanto tal situação se mantiver, a exigibilidade do pagamento do preço fica suspensa. VI. Determinando a douta sentença recorrida a condenação da aqui Recorrente no pagamento da quantia de €30.135,36, embora tal obrigação fique suspensa até que a Autora-Recorrida proceda à colocação das grades em falte, efectue os testes e arranques dos equipamentos e entregue os comandos dos aparelhos do ar condicionado. VII. Ora, a Ré-Recorrente considera, salvo melhor opinião, que os aludidos efeitos que o Tribunal a quo extraiu da procedência da invocada excepção do não cumprimento do contrato violam a lei, designadamente, o disposto no art.º 621.º do C.P.C., sob a epígrafe “Alcance do caso julgado” que afasta do nosso sistema a figura da condenação condicional, ao preceituar: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”. VIII. Destarte, uma vez provada a exceptio non adimpleti contractus invocada por uma das partes, não é possível a sua condenação a cumprir logo que a outra parte cumpra, porquanto, como vem de referir-se, a condenação condicional não é admitida no nosso ordenamento. IX. Ante o exposto, não podia o Tribunal recorrido condenar a Ré, ora Recorrente, a cumprir a sua prestação - pagamento do remanescente do preço se e quando a Autora-Recorrida realizar a correspondente contraprestação de colocar as grades em falta, efectuar os testes e arranques dos equipamentos e entregar os comandos dos aparelhos de ar condicionado. X. O Mmo Juíz a quo deveria ter proferido sentença que absolvesse a ora Recorrente do pedido, ainda que tal absolvição fosse temporária, isto é, sem que se forme caso julgado, na esteira do entendimento sufragado no douto Acórdão do S.T.J. de 30.09.2010: “Se procedente ( a exceptio ), conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cf. o art.º 673.º do C.P.C. - que corresponde ao actual art.º 621.º - quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária, sendo, por este motivo, doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando como excepção peremptória (art.º 493.º, n.º 2 - que corresponde ao actual art.º 576.º, n.º 3 )”. XI. Estamos, assim, perante uma excepção material dilatória pois exclui, de momento, a pretensão da Autora - Recorrida (por oposição à excepção peremptória, que a afasta definitivamente) e que é também uma excepção substancial, conduzindo à absolvição do pedido, sem mais, contrariamente à excepção processual. XII. Este é, aliás, o sentido e orientação da Jurisprudência mais recente - vide, entre outros, Acs. S.T.J. de 30.09.2010 e 15.03.2012 e Ac. da Relação do Porto de 30.01.2012. XIII. O Tribunal a quo incorreu em claro erro de julgamento no que respeita aos efeitos da procedência da excepção do não cumprimento do contrato, devendo ser proferida sentença de absolvição do pedido (embora, - é certo, - não definitiva) da Ré, aqui Recorrente. XIV. O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos artºs 428.º do Código Civil e artºs 621.º e 576.º, n.º 2, ambos do C.P.C. XV. A douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra, a proferir por V. Exas, Mmos Juízes Desembargadores que, concedendo nas conclusões ora formuladas, absolva a Recorrente dos pedidos. * Foram apresentadas contra-alegações.* Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso consiste em aferir do mérito da decisão, nomeadamente, das consequências da verificação dos pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato e da admissibilidade da condenação condicional. * Dos autos resultam assentes com interesse para apreciação do recurso e em 1ª instância os seguintes factos:3. Conhecendo do mérito do recurso: 3.1 Factos assentes 1. A autora é uma sociedade que tem por objecto a venda e instalação de produtos para aquecimento, gás e electricidade. 2. A ré, entre outras coisas, dedica-se à construção civil e electromecânica. 3. A autora foi contactada pela ré, para orçamentar uma obra a realizar em … - … Angola. 4. Foi solicitado o orçamento para a realização de uma rede Aerólica, rede Hidráulica e montagem de equipamentos vários, tudo conforme orçamento de fls. 39 e ss. e 11 vº e ss., que aqui se dá por reproduzido. 5. Orçamento este no valor de €100.135,36. 6. A ré aceitou o orçamento. 7. No dia 20 de Novembro de 2013 foram facturados serviços no valor de €55.000,00, pela factura FA…/2013, com indicação de pronto pagamento. 8. Deste valor a ré pagou a quantia de €40.000.00. 9. A autora, no dia 30 de Janeiro de 2014 facturou a quantia de €45.135,36, correspondente à restante obra, através da factura FA 2014/.., com indicação de pronto pagamento. 10. No dia 5 de Novembro de 2014 a ré entregou à autora a quantia de €30.000,00. 11. Da obra adjudicada à autora falta colocar as grades e efectuar os testes e arranques dos equipamentos, os quais dependiam da conclusão de outras especialidades alheias à autora. 12. A autora já instou a ré para efectuar o pagamento das quantias em causa nos presentes autos. 13. Relativamente às condições de pagamento, o orçamento em apreço remetia para o que viesse a ser combinado entre as partes. 14. Em 13.05.2014 a autora emitiu e enviou à ré a factura n.º …/2014 no valor de €1.200,00 cujo descritivo referia “Serviços executados conforme auto de trabalhos a mais”. 15. A autora retirou da obra os comandos dos aparelhos de ar condicionado. 16. Os comandos eléctricos seriam entregues com a realização do arranque e ensaios, para não ficarem na obra sujeitos a poeiras e/ou a serem danificados. * Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento à Autora da quantia de €30.135,36, ficando a exigibilidade desse pagamento suspensa até que esta proceda à colocação das grades em falta, efectue os testes e arranques dos equipamentos e entregue os comandos dos aparelhos do ar condicionado, sendo que a questão a resolver prende-se com o aferir das consequências da verificação dos pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato e da admissibilidade da condenação condicional.3.2. Do mérito da acção. * Vejamos, então.No caso em apreço, a Autora intentou a acção, mediante a apresentação de injunção, na qual peticionou a condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de €31.335,36, acrescida de juros de mora. Para tanto alegou, em síntese, que por solicitação da Ré, procedeu à execução de uma rede aerólica, de uma rede hidráulica e à montagem de equipamentos vários, pelo preço de €100.135,36, preço este que não terá sido pago, na íntegra, pela ora Recorrente. A Ré, ora recorrente, deduziu oposição, tendo alegado, - entre outras questões que não relevam para o presente recurso -, que a Autora não finalizou a obra, pelo que, o pagamento da quantia de €30.135,36 correspondente à diferença entre o valor do orçamento e a quantia de €70.000,00 que já foi paga só é exigível quando estiver colocado em obra todo o material constante da proposta de orçamento e os trabalhos se encontrarem integralmente executados e concluídos. Começaremos por dizer que o Tribunal a quo fez correcta classificação do contrato celebrado entre as partes, integrando-o no Contrato de Empreitada, previsto no artigo 1027.º do Código Civil que o define como o contrato “mediante o qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço”. Refere a esse propósito a sentença recorrida que o contrato dos autos “tem como objecto, não o trabalho propriamente dito, mas sim o resultado desse trabalho - a montagem de uma rede Aerólica, de uma rede Hidráulica e de equipamentos vários - sendo certo que o traço de distinção entre o contrato de prestação de serviços e a sua subespécie de empreitada consiste exactamente no facto de no primeiro se prometer uma actividade através da utilização do trabalho, enquanto que no segundo se promete o resultado desse trabalho (...)”. Na empreitada há, assim, a obrigação de prestar um facto, facto este que consiste na realização de uma obra. Quer isto dizer que a empreitada é um negócio consensual, do qual emergem efeitos meramente obrigacionais, sendo que, na sequência e como contrapartida da obrigação do empreiteiro de realizar a obra, tem o dono da obra a obrigação de lhe pagar o preço acordado. São estas as obrigações principais que emergem deste contrato. Sendo que, a propósito do preço, o Tribunal a quo deu como provado que o preço acordado foi de €100.135,36 e, tendo a Ré já liquidado €70.000,00, permanece em falta €30.135,36. De igual forma, o Tribunal a quo fez ponderado enquadramento da defesa invocada em sede de oposição na excepção do não cumprimento do contrato, prevista no art.º 428.º do C.C., cujo n.º 1 estabelece “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. Com efeito, tendo o Tribunal a quo dado como provado que na obra adjudicada à autora/recorrida falta colocar as grades e efectuar os testes e arranques dos equipamentos e, de igual modo, que não foram entregues os comandos dos aparelhos de ar condicionado, bem andou o Sr. Juíz a quo ao considerar que a Autora não cumpriu completamente a obrigação a que estava adstrita, deixando parte da obra por executar, o que configura um caso de incumprimento parcial do contrato de empreitada em apreço. Pelo que, consequentemente, assiste à Ré, ora Recorrente, a faculdade de invocar a predita excepção do não cumprimento do contrato, assumindo-se então com a designação exceptio non rite adimpleti contractus, na medida em que, - e citando a sentença recorrida, - “quanto à parte do preço em falta, vale, por inteiro, o disposto no art.º 1221.º, n.º 2 do CCivil, nos termos do qual «O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no ato de aceitação da obra»”. Ora, a questão que aqui se coloca prende-se com os efeitos que o Tribunal a quo retirou da procedência da invocada excepção do não cumprimento do contrato. Com efeito, entendeu o Tribunal a quo que julgada verificada a excepção de não cumprimento do contrato, a obrigação do excipiente suspende-se enquanto o outro contraente não cumprir ou oferecer o cumprimento simultâneo. Existe como que uma espécie de paralisação do direito do credor até à satisfação do direito do excipiente. Enquanto tal situação se mantiver, a exigibilidade do pagamento do preço fica suspensa. Transpondo tal entendimento para o caso vertente, o Tribunal a quo condenou a aqui recorrente no pagamento da quantia de €30.135,36 , embora tal obrigação fique suspensa até que a autora-recorrida proceda à colocação das grades em falte, efectue os testes e arranques dos equipamentos e entregue os comandos dos aparelhos do ar condicionado. Desse modo, a questão que se deve discutir é a das consequências da verificação dos pressupostos dessa excepção. A excepção, como sabemos, é um mecanismo legal posto à disposição do contraente para obrigar o outro contraente a cumprir pontualmente a sua obrigação e, portanto, um mecanismo de coerção destinado a exercer sobre o contraente inadimplente alguma coação destinada a levá-lo a cumprir a sua obrigação nos precisos termos em que se vinculou a fazê-lo, ou seja, a assegurar que o sinalagma contratual é respeitado. São configuráveis duas soluções quanto ao desfecho da acção destinada a exercer o direito ao qual o demandado opõe eficazmente a excepção de não cumprimento: a improcedência da acção ou a condenação do demandado a pagar quando for eliminada a causa da excepção. A doutrina e a jurisprudência dividem-se na defesa de ambas as soluções. A primeira solução encontra apoio em Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição - reimpressão, Coimbra 1985, Volume III, pág. 80, e Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina 2009, pág. 95, e na jurisprudência nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.03.2006 e de 31.01.2007, e da Relação do Porto de 05.05.2014, in www.dgsi.pt. Sustentam a segunda posição, na doutrina, Vaz Serra in A excepção de não cumprimento do contrato, Boletim do Ministério da Justiça nº 67, páginas 33 e seg., Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Coimbra Editora, 1931, Volume IV, pág. 525, José João Abrantes, in A excepção de não cumprimento, Almedina, 1986, pág. 154, Nuno Manuel Pinto Oliveira, in Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 804 e Calvão da Silva, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra 1987, pág. 335, e na jurisprudência os Acórdãos da Relação de Coimbra de 27.09.2005, da Relação de Lisboa de 26.06.2008, da Relação do Porto de 29.06.2010, e do Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2009 e de 26.10.2010, in www.dgsi.pt. São meritórios os argumentos de uma e de outra das posições e admitimos que a finalidade da exceptio de suspender apenas a exigibilidade da prestação até que a contraprestação seja cumprida ou oferecida em simultâneo, aponta no sentido de consentir a condenação do devedor a cumprir quando essa condição se verificar. Para justificar essa solução invoca-se normalmente o disposto no artigo 662.º do antigo Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 610.º do novo Código de Processo Civil, “aplicável directamente, por identidade de razão, ou por analogia”. No caso vertente o aqui Recorrente não negou o direito da Autora-Recorrida ao recebimento do remanescente do preço acordado, nem enjeita o dever de o cumprir, pretendendo tão só “paralisar temporariamente a pretensão da contraparte” (vide, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2009 e 15.03.2012), ou seja, visa o efeito dilatório de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que recebe a contraprestação a que tem direito consistente na realização dos trabalhos em falta e na entrega dos comandos do ar condicionado. A esse respeito acompanhamos inteiramente o citado Acórdão da Relação do Porto de 05.05.2014, proferido no processo n.º 17113/12.9YIPRT.P1, onde se pode ler o seguinte: “Embora o normativo se refira à inexigibilidade da obrigação, uma leitura atenta do mesmo permite-nos verificar que a situação contemplada respeita à inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação. Assim, está em causa o decurso do tempo que é algo de verificável objectivamente, ao contrário da inexigibilidade decorrente da invocação da excepção de não cumprimento por força de um cumprimento defeituoso. A fase de eliminação dos defeitos invocados é ela própria uma fase potencialmente litigiosa, pelo que não se apresenta com a certeza inerente ao decurso do tempo ou à interpelação e que justificam o regime excepcional do artigo 662º do Código de Processo Civil, actualmente, artigo 610º do Código de Processo Civil. Pela nossa parte, …, afigura-se-nos que o artigo 610º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, pelas razões acima enunciadas, pelo que a procedência da excepção de não cumprimento do contrato conduz a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projecção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da excepção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos.” Na verdade, o artigo 662.º do antigo Código de Processo Civil tinha de ser lido em conjugação com o artigo 673.º do mesmo diploma, tal como o artigo 610.º do novo Código de Processo Civil tem de ser lido em conjugação com o artigo 621.º do mesmo diploma. Nos termos do artigo 673.º/621.º a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique. Esta previsão compreende perfeitamente a situação que nos ocupa. Ao ler o artigo 662.º/610.º como lê, o Acórdão citado faz uma concatenação de ambos os preceitos que se nos afigura inteiramente correcta e feliz. Pela nossa parte, doutrinalmente, na senda de A. Von Thur (in Tratado de Las Obligaciones, Biblioteca Jurídica de Autores Españoles y Extranjeros, Reus SA 1999, páginas 53 e 54 e nota 4, da página 53), de Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição - reimpressão, Coimbra 1985, Volume III, páginas 80 e 81) e de Miguel Mesquita (in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina 2009, Miguel Mesquita, páginas 95 e 96) e jurisprudencialmente apoiados nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2006, proferido no processo n.º 06A415 e no acórdão de 31 de Janeiro de 2007, proferido no processo n.º 06A4145, no acórdão da Relação do Porto de 26 de Março de 2015, proferido no processo n.º 551/13.7TVPRT.P1, ambos acessíveis no site da DGSI, afigura-se-nos que o artigo 610.º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, pelas razões acima enunciadas, pelo que a procedência da excepção de não cumprimento do contrato conduz a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projecção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da excepção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos. Regressando ao caso vertente, afigura-se-nos assim que não podia o Tribunal recorrido condenar a Ré, ora Recorrente a cumprir a sua prestação - pagamento do remanescente do preço se e quando a Autora-Recorrida realizar a correspondente contraprestação de colocar as grades em falta, efectuar os testes e arranques dos equipamentos e entregar os comandos dos aparelhos de ar condicionado. Na verdade, tendo o Sr. Juíz a quo ficado convencido que a Autora-Recorrida se encontra em falta, deveria ter proferido sentença que absolvesse a aqui Recorrente do pedido, ainda que tal absolvição seja temporária, isto é, sem que se forme caso julgado Neste sentido entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 30.09.2010: “Se procedente ( a exceptio ), conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva ( cf. o art.º 673.º do C.P.C. - que corresponde ao actual art.º 621.º - quanto ao alcance do caso julgado formado ), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária, sendo, por este motivo, doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando como excepção peremptória ( art.º 493.º, n.º 2 - que corresponde ao actual art.º 576.º, n.º 3 )”. Trata-se, pois, de uma excepção material dilatória pois exclui, de momento, a pretensão da Autora-Recorrida, por oposição à excepção peremptória, que a afasta definitivamente. Porém, sendo uma excepção substancial, contrariamente à processual, conduz à absolvição do pedido, sem mais. É este, aliás, o sentido e orientação da Jurisprudência mais recente. Impõe-se, por isso, a procedência da apelação. * “O artigo 610º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, ao caso de procedência da excepção de não cumprimento do contrato, o que conduz a que, numa tal eventualidade, haja lugar a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projecção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da excepção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos”.Sumariando em jeito de síntese conclusiva: * Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso e, em consequência, absolver a recorrente do pedido contra si formulado.4. Decisão * Custas a cargo da apelada.* Notifique.* Porto, 26 de Outubro de 2017.Paulo Dias da Silva (Relator; Rto 107) Teles de Menezes Mário Fernandes |