Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
195/11.8GBLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: EVASÃO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
DETENÇÃO
Nº do Documento: RP20131120195/11.8GBLMG.P1
Data do Acordão: 11/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – O bem jurídico protegido pelo crime de evasão p. e p. pelo art.º 352º do C. Penal, é a segurança da custódia oficial, um dos níveis de refracção do bem jurídico mais lato que abarca todos os crimes contra a administração pública: a autonomia do Estado visando completar a protecção da administração realização da justiça.
II – Na revisão do C. Penal de 1995, no preceito legal, além de alterações meramente formais, ao substituir-se a expressão “pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reacções criminais privativas de liberdade” pela expressão “pessoa legalmente privada da liberdade”, visou-se abranger também as pessoas submetidas a medida de segurança privativa da liberdade, a prisão preventiva e a obrigação de permanência no domicílio.
III - Condição fundamental e pressuposto exigível para a consumação do tipo é a legalidade da captura ou da privação da liberdade pelo que, para alguém cometer o crime de evasão, é necessário estar, efectivamente, privado da sua liberdade.
IV – A detenção inicia-se com a ordem de, com a voz de, e termina na sua efectiva - e não meramente declarativa - concretização e execução.
V - Apenas quando o agente passa a estar sob a custódia do poder público é que, furtando-se à acção da justiça, se verifica a violação do interesse jurídico tutelado pela incriminação em causa.
VI - Até lá, aquele a que é dada voz de detenção, se fugir antes da sua efectiva concretização, antes da sua execução ser levada à prática, com a inerente diminuição de liberdade de movimentos e de livre mobilidade, não comete qualquer ilícito penal e designadamente o crime de evasão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo comum singular 195/11.8GBLMG.P1 do 1º Juízo de Lamego

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foi proferida sentença, julgando-se a acusação totalmente procedente e, em conformidade, condenando o arguido B….., como autor material de um crime de evasão, p. e p. pelo artigo 352.º/1 C Penal, na pena de 3 meses de prisão, convertida em 90 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, no montante global de € 630,00.

I. 2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido – pugnando pela alteração do decidido e pela sua absolvição – apresentando o que designou de conclusões, mas que como tal e, na noção comummente aceite de resumo das razões do pedido não podem ser entendidas, pelo que aqui se não procede à sua transcrição, deixando-se, tão só, enunciadas as questões aí enunciadas:
os vícios do erro notório na apreciação da prova, da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
erros de julgamento;
nulidade da sentença, por violação do disposto nos artigos 379.º/1 alínea c) C P Penal, conjugando com os artigos 51º C P Penal e 116º C Penal;
violação do disposto no artigo 352º C Penal, conjugado com o artigo 254º e ss. C P Penal;
a violação dos princípios constitucionais do “contraditório” e do “in dubio pro reo”.

I. 3. Respondeu o Magistrado do MP pugnando pela improcedência do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, no segmento em que vem invocada a contradição entre os factos provados contidos nos pontos 5 e 6, no confronto com o provado contido no ponto 8, a ser esclarecida, em novo julgamento.

No cumprimento do disposto no artigo 417º/2 C P Penal, o arguido defendeu que a repetição do julgamento nada adianta, em face da materialidade que vem provada, mantendo tudo o que defendera aquando da interposição do recurso.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.
No caso presente, de harmonia com as conclusões apresentadas, suscita o recorrente para apreciação, as seguintes questões:
erros de julgamento;
nulidade da sentença, por violação do disposto nos artigos 379.º/1 alínea c) C P Penal, conjugando com os artigos 51º C P Penal e 116º C Penal;
violação do disposto no artigo 352º C Penal, conjugado com o artigo 254º e ss. C P Penal;
a violação dos princípios constitucionais do “contraditório” e do “in dubio pro reo”.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados

No dia 29 de Agosto de 2011, cerca das 16h40m, o arguido, tripulava o quadriciclo de matrícula ..-FN-.., de cor azul, no Lugar do Purgaçal, Penude, comarca de Lamego, quando foi abordado por uma patrulha de agentes da GNR, constituída pelos militares C…… e D….., devidamente uniformizados com a farda da GNR;
Na mesma viatura circulavam com o arguido dois ocupantes, uma criança e um adulto, sendo que, nenhum dos ocupantes utilizava capacete;
No acto de fiscalização foram solicitados ao arguido os documentos da viatura e do próprio;
Perante tal solicitação o arguido dirigiu aos agentes da GNR a seguinte expressão: “não dou os meus documentos, ide chatear o caralho”;
Nesse momento foi dada ao arguido, pelos agentes da GNR, voz de detenção;
O Arguido foi assim informado de que estava detido, por agentes da GNR, que possuíam poder para tal;
No então, não obstante ter ouvido a voz de detenção que lhe foi dada, que sabia ser legal, o arguido dirigiu aos mencionados militares a seguinte expressão: “ide-vos foder, tenho mais que fazer palhaços de merda”, sendo que em acto contínuo, colocou-se em fuga, tripulando o aludido quadriciclo, conduzindo-o em direcção a um terreno com muita vegetação e relevo irregular, pois sabia que o veículo dos agentes da GNR não possuía características para ali circular;
Nesse dia já não foi possível proceder à detenção do arguido e condução do mesmo às instalações da GNR;
Assim, no dia 30 de Agosto de 2011, pelas 16h00, e após várias diligências para a apurar a identidade e paradeiro do arguido o agente da GNR C…., dirigiu-se a uma habitação sita no Lugar do Purgaçal, Penude, onde se encontrava o quadriciclo.
Nesse local, foi abordado o arguido que dirigiu ao agente da GNR a seguinte expressão: “Tu és mesmo um palhaço, vai foder a cabeça a outro. Hei-de apanhar-te e foder-te, filho da puta”
Ao tripular o quadriculo em causa, conduzindo-o pelo terreno com vegetação, pondo-se em fuga, sabendo que se encontra detido, o arguido actuou com o propósito, então conseguido, de se furtar à detenção que legalmente o privava da liberdade.
Nas circunstâncias atrás descritas agiu o arguido, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta lhe estava proibida por lei e de que incorria em responsabilidade criminal a praticá-la:
DA CONTESTAÇÃO
No dia 29.08.2011 havia um incêndio que estava a deflagrar relativamente perto do local onde se encontravam, tendo o arguido observado um helicóptero que estava a ajudar a combater o fogo;
Do dia 30.08.2011, nas circunstâncias descritas na acusação pública, o agente C…. deslocou-se à casa do pai do arguido, encontrando-se lá com este e com o seu irmão, a fim de verificar a existência do quadriciclo;
Foram levantados autos de contra-ordenação contra o arguido por infracções estradais por parte das autoridades policiais;
Uma das acusações feitas ao arguido é a desobediência ao sinal de paragem do agente de autoridade – auto nº273561537, e referente ao dia 29.

III. 3. As questões suscitadas, pela ordem de precedência lógica e, não necessariamente, pela dada pelo arguido.

III. 3. 1. A nulidade da sentença.
Considera o arguido ser a sentença nula, por violação do disposto no artigo 379.º/1 alínea c) C P Penal.
Isto porque,
1. tendo os autos sido arquivados na parte em que o ora recorrente vinha acusado da prática de três crimes de injúrias, não poderia o tribunal a quo pronunciar-se em sede de sentença sobre os factos relacionados com tal matéria, estando aqui incluídos os factos dados como provados sob os nº.s 4 e 7, na parte em que se refere às alegadas injúrias, ainda os factos dados como provados sob nº.s 9, 10 e 14 (mais uma vez na parte relacionada com as eventuais injúrias), já que para além de estarem relacionados com o eventual crime de injúrias, (facto n.º10), se tratam de factos que estão relacionados com o dia 30 de Agosto de 2011, ou seja, estão fora do âmbito da matéria de facto que objectivamente interessa nos presentes autos;
por outro lado, ao ter sido decidido mandar arquivar o processo na parte respeitante aos crimes de injúrias antes da fase do julgamento onde o arguido iria apresentar a sua prova em tribunal, fez com que a mesma se tornasse desnecessária sobre essa matéria (já que não era expectável que tal matéria fosse objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido);
tendo sido decidido o arquivamento sobre essa matéria antes da fase de produção de provas pela defesa, não podia o tribunal ter-se pronunciado sobre a mesma;
é que, e independentemente do que foi dito pelas testemunhas da acusação sobre essa matéria, o tribunal recorrido ao dar como provados factos que não foram objecto de contraditório e que não faziam parte da factualidade do crime em discussão, está claramente a exceder as suas atribuições, pois pronuncia-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, violando ainda o princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no nosso ordenamento jurídico;

2. e ainda porque, o facto nº.2 dado como provado extravasa o que se discutira nos presentes autos;
efectivamente, não tendo tais factos sido objecto de qualquer acusação, e não fazendo os mesmos parte do tipo de crime em discussão, constitui matéria que vai muito além das questões que o tribunal recorrido podia tomar conhecimento,
por outro lado ainda, tendo havido desistência de queixa, extinguiu-se a legitimidade do MP, violando-se dessa forma os artigos 51.º C P Penal e 116.º C Penal;
o facto n.º 16, dado como provado deverá traduzir o que foi efectivamente alegado (vide artigo 24.º da contestação) e o documento que foi junto ao processo (certidão do auto de contra-ordenação n.º 2 73561537”, e referente ao dia 29/08, ”donde resultou a acusação da prática da seguinte infracção: “desobediência ao sinal regulamentar de paragem de autoridade/agente de autoridade competente para fiscalizar o trânsito. O condutor pôs-se em fuga recusando identificar-se”;
por outro lado, o tribunal recorrido ao limitar-se a dar como provados dois factos sobre essa matéria (factos 15 e 16) sem que se tenha pronunciado sobre os mesmos em sede de fundamentação torna a sentença nula nos termos do artigo 379.º/1 alínea c) C P Penal, porque não se pronunciou sobre uma questão fundamental.
No entanto cremos bem que se não verifica qualquer das apontadas causas de nulidade da sentença.
O tribunal ao decidir da forma como decidiu, não cometeu o vício, nem de excesso, nem de omissão de pronúncia.
Conheceu do que tinha que conhecer. Nada mais. Nuns casos descrevendo factos para melhor entendimento do real contexto dos factos, sem daí extrair consequência algumas – a não ser o situar e enquadrar dos factos. Noutro, não revelando – como não tinha que o fazer, dado o seu carácter inócuo (ao contrário do que defende o arguido) – a razão de ser de se ter lavrado o auto de notícia, levado aos factos provados.

III. 3. 2. Apreciemos então, o que afinal se reconduz, não tanto a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida – que o arguido integra a um passo nos vícios da decisão e, noutro, em erros de julgamento - mas, antes e, segura e decisivamente, a uma possível deficiente compreensão da realidade, espelhada nas expressões concretas utilizadas da redacção final dada ao julgamento da matéria de facto e, por via disso e, por arrastamento, a um possível erro na subsunção dos factos ao Direito, de resto, já apreensível na acusação pública, o que depois veio a ser vertido na sentença.

III. 3. 2. 1. Discorda e manifesta estranheza, desde logo, porque não se pode dar como provado por um lado que o ora recorrente foi detido, e por outro que se furtou a essa mesma detenção.
Em concreto, pelo facto de o tribunal julgar como provado que foi dada voz de detenção ao arguido (facto 5) e que o mesmo foi informado que estaria detido (facto 6), para logo dizer a seguir que não foi possível proceder à detenção do arguido porque o mesmo se colocou em fuga (factos 7, 8 e 11), para de seguida, se afirmar que ao tripular o quadriciclo em causa, conduzindo-o pelo terreno com vegetação, pondo-se em fuga, sabendo que se encontrava detido, o arguido actuou com o propósito, então conseguido, de se furtar à detenção que legalmente o privava da liberdade.
Até porque, foi anda julgado como provado sob o n.º 16, que em virtude dos factos alegadamente ocorridos nesse dia 29 de Agosto, foi levantado um auto de contra-ordenação pelos mesmos agentes que fizeram o auto de notícia que deu origem a este processo, donde consta: “desobediência ao sinal regulamentar de paragem de autoridade/agente de autoridade competente para fiscalizar o trânsito. O condutor pôs-se em fuga recusando identificar-se” - portanto, nem sequer se teria dado o primeiro passo para se proceder à detenção, que seria a imobilização do veículo por si conduzido.
Donde, conclui que, da prova produzida, não resulta de forma nenhuma que o ora recorrente tenha ficado detido, isto é, privado da sua liberdade, o que constitui o pressuposto fundamental para se ter verificado o crime de evasão.

Invoca depois os depoimentos dos agentes de autoridade, que disseram:
que nunca se chegou a concretizar a detenção do arguido, por não ter obedecido ao sinal de paragem;
que na sequência dessa situação levantou um auto de contra-ordenação ao arguido pela desobediência do mesmo ao sinal de paragem que lhe foi dado pela autoridade.

III. 3. 2. 2. Subsunção dos factos ao direito

De acordo com o disposto no artigo 352.º/1 C Penal “quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até dois anos”.
Esta norma está inserida no capítulo dedicado aos crimes contra a autoridade pública e na secção intitulada de, tirada e evasão de presos e do não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal.
No dizer de Cristina Líbano Monteiro, in Cometário Conimbricense, o bem jurídico protegido por esta incriminação não é outro senão a segurança da custódia oficial, um dos níveis de refracção do bem jurídico mais lato que abarca todos os crimes contra a administração pública: a autonomia do Estado visando completar a protecção da administração realização da justiça.
Por isso, não só reportada a decisões finais mas ainda, a outras que surjam no decurso do processo penal vg. a detenção ou as medidas de coacção detentivas, que por visarem satisfazer as necessidades que as determinou, não pode o sistema deixar de prover ao seu efectivo acatamento.
Até à alteração legislativa operada no C Penal através do Decreto Lei 48/95 de 15MAR, a previsão do crime de evasão, artigo 392.º, tinha a seguinte redacção:
“1 - Quem, encontrando-se em situação, imposta nos termos da lei, de detenção, internamento, ou prisão, em regime fechado, ou aproveitando a sua remoção ou transferência, se evadir, será punido com prisão até 2 anos.
2 - Se a evasão tiver lugar de um estabelecimento que funcione em regime aberto a pena será de prisão até 4 anos.
3 - Se a evasão tiver lugar de um estabelecimento que funcione em sistema de segurança média, a pena será de prisão até 3 anos.
4 - Se o facto for cometido com violência ou por meio de ameaças contra as pessoas ou mediante arrombamento a pena será de prisão de 2 a 4 anos.
5 - Se a violência ou as ameaças forem exercidas por meio de armas ou contra um grupo de pessoas, a pena será de prisão de 3 a 5 anos.
6 - A pena poderá ser reduzida de metade quando o agente se entregue, antes da condenação, à autoridade competente.
7 - A tentativa é punível,”

Donde se destaca - além de alterações meramente formais, a substituição da expressão “pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reacções criminais privativas de liberdade” por “pessoa legalmente privada da liberdade”, alteração que se destinou a abranger também as pessoas submetidas a medida de segurança privativa da liberdade, a prisão preventiva e a obrigação de permanência no domicílio
Assim se retomando, de resto a redacção que constava do Projecto inicial apresentado pelo Prof. Eduardo Correia.
Nada autoriza a pensar que o legislador tenha querido alterar – quer no sentido do alargamento quer no da restrição – a extensão dada a este novo conceito, cfr. Cristina Líbano Monteiro in loc. cit.
Ou no dizer de Simas Santos e Leal Henriques, in C Penal, 2.º vol, 1110, procurou-se instituir “um regime mais simples e claro”, em que se censuram apenas aquelas situações de evasão da responsabilidade do próprio recluso que importa efectivamente conter, apud Ac STJ de 3.3.98, in CJ, I, 215.

Portanto, condição fundamental e, único pressuposto exigível, é a legalidade da captura ou da privação da liberdade.
Que no caso resultaria de detenção em flagrante delito, por crime punível com pena de prisão – as provadas injúrias.
Assim, para alguém cometer o crime de evasão p. e p. pelo artigo 352.º/1 C Penal é necessário estar, efectivamente, privado da sua liberdade, que constitui o elemento objectivo do crime em causa.

Da matéria de facto provada resulta que,
o arguido quando tripulava um quadriciclo, na via pública, foi abordado por uma patrulha de agentes da GNR, constituída por 2 militares, devidamente uniformizados com a farda da GNR, com dois ocupantes, uma criança e um adulto, sendo que, nenhum deste utilizava capacete;
no acto de fiscalização foram solicitados ao arguido os documentos da viatura e do próprio;
perante tal solicitação o arguido dirigiu aos agentes da GNR a seguinte expressão: “não dou os meus documentos, ide chatear o caralho”;
nesse momento foi dada ao arguido, pelos agentes da GNR, voz de detenção;
o arguido foi assim informado de que estava detido, por agentes da GNR, que possuíam poder para tal;
no então, não obstante ter ouvido a voz de detenção que lhe foi dada, que sabia ser legal, o arguido dirigiu aos mencionados militares a seguinte expressão: “ide-vos foder, tenho mais que fazer palhaços de merda”, sendo que em acto contínuo, colocou-se em fuga, tripulando o aludido quadriciclo, conduzindo-o em direcção a um terreno com muita vegetação e relevo irregular, pois sabia que o veículo dos agentes da GNR não possuía características para ali circular;
ao tripular o quadriculo em causa, conduzindo-o pelo terreno com vegetação, pondo-se em fuga, sabendo que se encontra detido, o arguido actuou com o propósito, então conseguido, de se furtar à detenção que legalmente o privava da liberdade.
Foram levantados autos de contra-ordenação contra o arguido por infracções estradais por parte das autoridades policiais – um das quais, cfr. auto n.º 273561537, e referente ao dia 29 é a de “Desobediência ao sinal regulamentar de paragem de autoridade/agente de autoridade competente para fiscalizar o trânsito. O condutor pôs-se em fuga recusando identificar-se”.
Destes factos resulta, a nosso ver, que quando o arguido fugiu, se já lhe tinha sido dada voz de detenção, a mesma ainda se não havia concretizado nem executado.
O crime de evasão não se basta com a voz de detenção.
Não obstante esta voz de detenção, com os agentes fisicamente a abordarem o arguido, em acção de fiscalização do trânsito, este colocou o veículo em marcha, ao mesmo tempo que manifestava, por mais de uma vez – sendo que terá sido na sequência das primeiras injúrias que lhes dirigiu, que terá sido dada voz de detenção - desagrado com a actuação dos agentes e fugiu do local.
O arguido nunca por nunca esteve privado da liberdade.
Nem a readquiriu com a sua fuga.
Tudo foi rápido e subsequente. Sem intermediação de qualquer lapso de tempo, por que se possa entender ter estado privado da liberdade.
Os apontados vícios na formulação da descrição do ocorrido, atem-se, desde logo, ao significado semântico da expressão “detenção”.
Detenção que se inicia com a ordem de, com a voz de, e que termina na sua efectiva – e não meramente declarativa - concretização e execução.
Apenas quando o agente passa a estar sob a custódia do poder público - aqui abrangendo a situação de detenção por particular até ser entregue à autoridade pública – é que – furtando-se à acção da justiça, se verifica a violação do interesse jurídico tutelado pela incriminação.
O que aconteceria no caso, se se tivesse efectivado a detenção material do agente, com a sua condução, desde logo, até ao Posto, ao Tribunal e se no percurso, ou lá chegado, lograsse ausentar-se.
Evadir de resto, tem o significado de iludir, de escapar.
Até lá, aquele a que é dada voz de detenção se fugir, antes da sua efectiva concretização, antes da sua execução ser levada à prática, com a inerente diminuição de liberdade de movimentos e de livre mobilidade, não comete qualquer ilícito penal e designadamente o crime de evasão.
Cremos que no caso concreto, estávamos ainda na primeira fase do iter a que se reconduz o processo de detenção – como sucessão encadeada de actos materiais.
Donde, não está preenchido, no caso, o elemento objectivo do crime de evasão: o estado de privação de liberdade e a modificação desse estado, por iniciativa do detido.
Ao contrário do decidido por este Tribunal no Acórdão de 15.12.2004, em concordância com o Acórdão do STJ de 3.3.98, ambos no site da dgsi, que decidiram que “sendo a detenção do agente, legal, nos termos do artigo 253.º/2 C P Penal e n.º 2, alínea b) C P Penal, é evidente que se o detido escapar, há-de fatalmente cometer o crime p. e p. no artigo 352.º/1 C Penal, porque preencheu o pressuposto essencial da legalidade da detenção”, no caso dos autos estamos perante uma situação completamente diferente.
Trata-se, seguramente, do não acatamento da voz de prisão, de ordem de detenção, por fuga sendo que a detenção não chegou a concretizar-se nem a executar-se.
Donde não se pode ter em face da materialidade apurada, preenchida a factualidade típica do crime de evasão.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…… e, em conformidade, revogando-se a decisão recorrida, decretar a sua absolvição.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 20 de Novembro de 2013
Ernesto Nascimento
Artur Oliveira