Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2440/16.4T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PER
CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA A FAVOR DO ISS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES
Nº do Documento: RP201704272440/16.4T8OAZ.P1
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 765, FLS 55-65)
Área Temática: .
Sumário: I - A constituição de hipoteca a favor do Instituto de Segurança Social para garantia dos seus créditos, já depois de iniciado o processo especial de revitalização, previamente autorizada pelo administrador judicial provisório, não é motivo para recusa de homologação do plano de recuperação do devedor, uma vez que não viola quaisquer regras procedimentais nem tão-pouco as normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente o princípio da igualdade dos credores.
II - A consagração do princípio de igualdade de tratamento dos credores, previsto no art. 194º do CIRE, faz com que se procurem soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente.
III - Os créditos por contribuições à Segurança Social visam assegurar interesses do Estado no que toca à implementação de um sistema previdencial, dirigindo-se a um fim público e situando-se, por isso, num nível diferente, supra individual, quando confrontados com os créditos comuns.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2440/16.4 T8OAZ.P1
Comarca de Aveiro – Oliveira de Azeméis – Juízo de Comércio – Juiz 1
Apelação
Recorrente: “B..., SA”
Recorrida: “C..., SA”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
“C..., S.A.” apresentou-se ao presente processo especial de revitalização no qual foi nomeado como Administrador Judicial Provisório o Sr. Dr. D....
Votado que foi o plano de revitalização proposto aos credores, reuniu o mesmo os votos favoráveis de 72,29% dos votos emitidos o que levou a que, por decisão proferida a 10.11.2016, fosse tal plano considerado aprovado.
Porém, quer o credor “B..., S.A.”, quer o credor “E..., S.A.” formularam pedidos de não homologação do referido plano de revitalização, nos seguintes termos:
- O credor “B..., S.A.”, pese embora o plano preveja a dotação de recursos financeiros por via de uma operação de leasing imobiliário sobre o imóvel da empresa (ou operação similar) que permita gerar meios necessários para criar um Fundo de Maneio, refere não se dizer como se irá proceder a tal operação financeira, nem que fundo de maneio irá ser criado com tal operação, dizendo-se somente que a referida operação libertará entre 650.000,00€ e 850.000,00€ para Fundo de Maneio.
Para além disso, verifica-se que o imóvel sobre o qual incidirá a operação financeira prevista no plano é o único ativo da devedora e sobre o qual, à revelia de todos os credores, foi constituída uma hipoteca a favor do ISS, o que, para além de violar o princípio de igualdade dos credores, inviabiliza qualquer operação financeira que se pretenda fazer incidir sobre o imóvel, a que acresce que deixa os credores numa situação menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
O referido Fundo de Maneio não é mais do que uma forma de a devedora se desfazer do único bem que tem e nada pagar aos seus credores.
Também prevê o plano o despedimento de 15 trabalhadores mas nada se diz quanto aos custos dessa medida.
- O credor “E..., S.A.”, afirma que a devedora já havia recorrido a um processo especial de revitalização em Dezembro de 2013, o qual correu os seus termos sob o nº 6048/13.8TBVFR no extinto 3º Juízo Cível de Santa Maria da Feira, tendo sido o respetivo plano homologado por sentença proferida no dia 6.5.2014, transitada em julgado. A devedora referindo, agora, que o plano de revitalização assentou em premissas que não se verificaram está a assumir que não o cumpriu, pelo que não pode voltar a recorrer a um processo especial de revitalização.
A devedora respondeu, defendendo o seguinte:
Relativamente ao pedido do B...:
- o plano que apresentou aos credores prevê a reestruturação de recursos humanos, a dotação de recursos financeiros para financiamento da atividade corrente (Fundo de Maneio) e a subcontratação de serviços (outsorcing);
- a devedora rentabilizará o seu imóvel através de leasing-back imobiliário ou outra operação similar com o que arrecadará entre 650.000,00 e 850.000,00€;
- a hipoteca a favor do ISS foi realizada com o conhecimento e autorização do Administrador Judicial Provisório e comunicada a todos os credores através de requerimento junto aos autos e vem mencionada no plano, sendo que foi essencial dada a natureza dos respetivos créditos;
- por outro lado, se assim a devedora não agisse, jamais obteria certidão de inexistência de dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, única forma de obter financiamento;
- a existência de uma hipoteca não prejudica a operação financeira relativa ao imóvel porque pode sempre ser constituída outra garantia bancária a favor do Instituto de Segurança Social;
- quanto ao despedimento de trabalhadores, o plano prevê tudo quanto implica essa medida, identificando os grupos de trabalhadores, estipulando os montantes necessários e o prazo de pagamento das indemnizações.
Quanto ao pedido do E..., alegou a devedora ao apresentar-se a este processo especial de revitalização que não incumpriu o primeiro, tendo-se limitado a propor novas medidas de reestruturação financeira.
Terminou pois reclamando a homologação do plano de revitalização.
Seguidamente, foi homologado, por sentença, nos termos do art. 17º-F, nºs 5 e 6 do CIRE, o plano de revitalização da devedora “C..., SA”.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o credor “B..., SA”, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - No processo especial de revitalização após a votação e aprovação do plano de recuperação, tem o juiz o dever de recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo e ainda quando tal lhe tenha sido solicitado por algum credor que demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano, ou que o plano proporciona a um credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos (arts 215º e 216 º, aplicados ex vi legis, do n.º 5, do art. 17-F, todos do CIRE).
2 - Durante o decurso do PER que deu origem a estes autos foi constituída uma hipoteca a favor do Instituto da Segurança Social, I.P., à revelia de todos os credores.
3 - O PER foi uma das principais alterações introduzidas no CIRE e que visa dar tempo e proteger os devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, para negociarem um plano com os credores no seu conjunto, permitindo-lhes continuar em actividade e evitar a insolvência.
4 - A referida protecção do devedor, requerente do PER, verifica-se, desde logo, pela aplicação de uma redução/moratória/suspensão de direitos dos seus credores.
5 - Todas estas medidas de protecção do devedor requerente do PER prejudicam os legítimos direitos dos credores, que ficam impedidos de iniciar e/ou prosseguir com as inerentes acções judiciais para recuperarem os seus créditos.
6 - Por conseguinte, o legislador impôs ao devedor, requerente do PER, determinados deveres, em troca da protecção que lhe era conferida, sendo os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros os princípios da boa-fé, de transparência e de negociação construtiva entre todos os envolvidos.
7 - Como se pode verificar pelo atrás referido, a palavra/ideia chave que o legislador aplicou no PER, plasmada em inúmeros preceitos, foi a de negociações, ou seja, a obrigatoriedade do devedor requerente do PER estabelecer negociações com todos os seus credores de modo a que se possa, eventual revitalização.
8 – Nos presentes autos, em 15/07/2016, um mês depois do início das negociações no âmbito do PER em assunto, a recorrida realizou uma escritura de hipoteca através da qual constituiu uma hipoteca voluntária a favor do Instituto da Segurança Social, I.P. sobre o único imóvel propriedade da devedora.
9 - Tal hipoteca foi constituída totalmente à revelia de todos os credores.
10 - Ou seja, a recorrida violou todos os deveres de transparência e negociação a que estava obrigada por força do PER.
11 - Tendo em consideração os efeitos que o PER tem nas acções de cobrança e outras idênticas, então não se compreende a urgência na constituição desta hipoteca por parte da recorrida, nem se compreende a necessidade da mesma ter sido feita sem prévio conhecimento dos credores.
12 – Pelo que não se compreende e não se pode aceitar que o tribunal desconsidere tais vícios de que enferma a hipoteca para avaliar se o plano deve ou não ser homologado.
13 – Já que a constituição da hipoteca à revelia de todos os credores é claramente violadora das normas procedimentais e dos princípios orientadores do PER, do princípio da igualdade entre credores, e coloca o recorrente em pior situação do que aquela em que estaria caso não fosse homologado nenhum plano, e, portanto, é motivo para não homologação do plano nos termos do art. 216º, do CIRE.
14 - O plano apresentado prevê ainda “a dotação de recursos financeiros indispensáveis à reestruturação e ao financiamento da sua actividade corrente, por via de uma operação de leasing imobiliário, sobre o imóvel da empresa, ou outra operação de similar natureza, que permite a M.A.S. gerar os meios necessários para criar o Fundo de Maneio necessário à implementação das medidas de recuperação” e, mais adiante “Daí a proposta de se autofinanciar através de uma operação financeira (leasing, alienação, participação de Fundo Imobiliário) tendo por base o imóvel e assumindo-se como inquilina”.
15 – Sucede que, tais disposições do plano não clarificam em que termos irá proceder a tal operação de leasing ou “outra de similar natureza”, nem especifica os motivos pelos quais necessita de obter Fundo de Maneio, nem qual o Fundo de Maneio que tal operação lhe permitirá obter, pelo que estão em violação com o art. 195º, nºs 1 e 2, do CIRE, relativos ao Conteúdo do Plano.
16 – O plano prevê ainda que “Uma operação deste tipo libertará entre € 650.000,00/€ 850.000,00 para Fundo de Maneio”, deixando em aberto uma margem de € 200.000,00 (!!!) e mantendo os credores na total ignorância no que se refere ao que irá fazer com o Fundo de Maneio obtido.
17 – O imóvel sobre o qual incidirá a “operação financeira” prevista no plano, trata-se do único activo da recorrida.
18 - Sobre este imóvel, no decurso do presente PER já tinha sido constituída a favor do Instituto da Segurança Social, I.P., hipoteca esta que acaba por inviabilizar a “operação financeira” a incidir sobre esse imóvel.
19 - O recorrente desconhece como pretende a recorrida fazer incidir uma venda, um leasing, ou outra qualquer operação, sobre um imóvel já hipotecado à Segurança Social.
20 - Sendo o imóvel sobre o qual a recorrida pretende fazer incidir esta operação financeira o único activo da recorrida, não pode o recorrente deixar de concluir que tal manobra se prenda precisamente com o facto de a recorrida, através da inclusão no plano de tal “operação financeira” ter encontrado uma “justificação legal” para se desfazer do activo da sociedade, utilizar o Fundo de Maneio obtido com tal operação em seu proveito e como bem entender e, a final, prejudicar os credores no caso de uma eventual insolvência.
21 - O plano prevê ainda a “Reestruturação dos recursos humanos, através do despedimento até cerca de 15 trabalhadores, consequência necessária para assegurar transformação da empresa a uma nova realidade, ou seja, a uma unidade produtiva exclusivamente prestadora de serviços”.
22 – Mais uma vez o plano é generalista, não especificando quantos trabalhadores serão despedidos e quais os custos que tais despedimentos poderão implicar para a recorrida.
23 - Por tudo o exposto, não podia ter sido homologado o plano apresentado aos credores, devendo ter tido lugar a não homologação quer nos termos do art. 215º, do CIRE, quer nos termos do art. 216º, do CIRE.
Pretende assim a revogação do despacho recorrido.
A devedora “C..., SA” apresentou contra-alegações nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se deveria ter sido recusada a homologação do plano de recuperação da devedora.
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É a seguinte a factualidade dada como provada no despacho recorrido:
1 – No final do ano de 2013, a devedora apresentou-se a um PER que correu termos no extinto 3º Juízo Cível de Santa Maria da Feira sob o nº 6048/13.8TBVFR e em sede do qual, tendo sido aprovado o plano de revitalização apresentado aos credores, veio o mesmo a ser homologado por sentença proferida no dia 06/05/2014, transitada em julgado;
2 – No dia 08/06/2016, instaurou o presente PER, alegando que as medidas aprovadas no anterior processo acabaram por não viabilizar a empresa, desde logo porque não conseguiu acesso a crédito bancário.
3 – O B... é titular de um crédito comum no montante de 295.772,78€;
4 – O E... é titular de um crédito comum no montante de 132.699,66€.
5 – O crédito do B... corresponde a 4,80% dos créditos com direito a voto e o crédito do E... corresponde a 2,15% desses mesmos créditos;
6 – O plano que foi aprovado prevê que a rentabilização do imóvel da requerente se faça através de leasing, alienação ou participação em Fundo Imobiliário que permita a devedora passar a ser inquilina desse imóvel mas recebendo um encaixe financeiro que se cifrará entre os 650.000,00€ e os 850.000,00€;
7 - Relativamente aos créditos da banca, prevê-se o seu pagamento em 120 prestações, após um período de carência de 18 meses (só para o capital em dívida) contados desde a homologação do plano.
8 – Para os créditos laborais, incluindo os resultantes do despedimento de trabalhadores, o seu pagamento será efectuado em 72 prestações mensais;
9 – Por escritura pública lavrada no dia 15/07/2016, a devedora constituiu sobre o seu único imóvel uma hipoteca voluntária a favor do IGFSS pelo valor de 194.738,23€, destinada a garantir o pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos, relativos ao processo de execução fiscal nº ................ e apensos, num total de 155.790,58€;
10 – Para o que teve o consentimento do AJP.
11 – Sobre tal imóvel já incidem:
Uma penhora a favor da AT, registada em Outubro de 2014;
Uma hipoteca voluntária a favor da AT, registada em 17/10/2014, cujo cancelamento se mostra assegurado por documento emitido pela AT.
12 – O passivo da devedora ascende a 6.163.631,72€, sendo que os créditos garantidos ascendem a 299.467,11€ e os créditos privilegiados ascendem a 960.984,39€, totalizando os créditos comuns o montante de 4.123.155,01€ e os subordinados o montante de 780.025,21€.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
O art. 1º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redação que lhe foi dada pela Lei nº 16/2012, de 20.4, estabelece que «estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I.»
Por seu turno, o art. 17º-A, nº 1 do mesmo diploma preceitua que «o processo de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.»
Trata-se de um processo especial, vocacionado para a satisfação de objetivos específicos, que supõe formas de intervenção dos interessados muito distintas do que é característico do processo civil e impõe, por isso, uma adaptação muito significativa e profunda da moldura comum.
Não é, de resto, uma modalidade do processo de insolvência, mas sim uma espécie processual que vive em paralelo e autonomamente àquele, construído para a obtenção de resultados distintos.
Com efeito, enquanto aquele se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.[1]
O objetivo do processo especial de revitalização é assim a viabilização ou recuperação do devedor. Num CIRE cujo fim precípuo era a satisfação dos direitos dos credores, o aditamento introduzido pela Lei nº 16/2012 na sua sistemática traduz uma mitigação de tal finalidade e um retorno ou colagem à anterior legislação falimentar na qual se previam figuras tendentes à consecução de tais propósitos (recuperação de empresa).
O processo especial de revitalização surgiu assim como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial num momento especialmente crítico do seu desenvolvimento, criando o legislador um novo instrumento de apoio à recuperação de empresas, com o intuito de otimização do contexto legal, tributário e financeiro em que as empresas atuam, tendo em vista a revitalização empresarial de unidades economicamente viáveis.[2]
Conforme resulta do nº 1 do art. 17º-A do CIRE, acima transcrito, o processo especial de revitalização destina-se a permitir que o devedor estabeleça negociações com os credores, ou seja, visa criar as condições necessárias para que se estabeleçam negociações com o propósito de se conseguir um acordo. Mas a celebração efetiva de um acordo continua na dependência da vontade do devedor e dos credores.[3]
Configura-se pois como um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e a fiscalização do administrador judicial provisório e em que se visa a obtenção de acordo com vista à revitalização do devedor.
O plano de recuperação pode, porém, ser aprovado ou não aprovado.
Ora, o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1 do art. 212º do CIRE – quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 da totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada (cfr. art. 17º-F, nº 3 do CIRE).
Tendo o plano de recuperação sido aprovado, cabe então ao juiz decidir se deve homologar ou recusar o plano no prazo de 10 dias subsequente à sua receção, aplicando-se, para o efeito e com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos arts. 215º e 216º, sendo que a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (cfr. art. 17º-F, nºs 5 e 6 do CIRE).
Daqui decorre que a intervenção do juiz neste processo é muito restrita.
Pode, contudo, recusar oficiosamente a homologação do plano no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando algum dos credores demonstre, em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano; b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência (cfr. arts. 215º e 216º do CIRE).
No que concerne à recusa oficiosa de homologação do plano, a que se reporta o art. 215º, o juiz deve aqui circunscrever a sua atuação aos casos de violação grave, não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, o que excluirá as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afetados.[4]
Tal significa que sempre que a violação detetada pelo tribunal for negligenciável, então a mesma não pode justificar a recusa de homologação do plano.
Sucede que a lei não define o que deva considerar-se violação negligenciável. São, na sequência do que já se referiu, as violações irrelevantes para o curso do processo. São aquelas que não interferem na boa decisão da causa, devendo, para tal efeito, fazer-se apelo ao critério previsto no art. 195º do Cód. do Proc. Civil. Ou seja, uma determinada violação não será negligenciável quando possa influir no exame ou na decisão da causa, sendo que a decisão a tomar neste domínio sempre deverá ser feita caso a caso.
Esta regra – que circunscreve a relevância das violações de regras legais aos casos em que estas não sejam negligenciáveis – aplica-se tanto às regras procedimentais como às normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
Na verdade, não existe motivo que justifique que a violação irrelevante de uma norma substantiva possa determinar a recusa de homologação do plano, mas que tal já não se verifique quando se trate da violação de uma norma procedimental.
Os dois tipos de normas devem, para estes efeitos, ser colocados em situação de paridade.
Normas procedimentais são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, onde se englobarão as regras que disciplinam as negociações a desenvolver entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e a votação do plano, tal como as que se referem ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado.
Já as normas relativas ao conteúdo do plano são todas aquelas que respeitam à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.[5]
Entre os princípios a que deve obedecer o plano de recuperação conta-se o princípio da igualdade dos credores que se acha consagrado no art. 194º, nº 1 do CIRE, aplicável “in casu” por força do art. 17º-F, nº 5 do mesmo diploma, onde se dispõe o seguinte: «O plano (…) obedece ao princípio da igualdade dos credores (…), sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas.»
Neste preceito procurou acolher-se as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto. Torna-se pois adequado buscar soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente.[6]
Contudo, este princípio de igualdade não pode ser tido por absoluto, não se impondo, de forma necessária, uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, tal como não se permite toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de diversa natureza.
Os valores subjacentes ao princípio da igualdade não podem deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade, mesmo na diferença admissível entre as soluções encontradas para créditos de natureza igualmente diversa.[7]
Regressando ao caso concreto, verifica-se que o credor/recorrente “B..., SA”, nas suas alegações, sustenta que a Mmª Juíza “a quo”, face ao disposto nos arts. 215º e 216º do CIRE, deveria ter recusado a homologação do plano, identificando para tal três situações:
- A constituição de uma hipoteca voluntária sobre o único imóvel da devedora a favor do “Instituto de Segurança Social, IP”, à margem de todos os outros credores, o que representa violação grave e não negligenciável de normas procedimentais e de princípios orientadores do processo especial de revitalização, nomeadamente do princípio da igualdade entre os credores, para além de assim se colocar o recorrente em pior situação do que se estaria caso não fosse homologado nenhum plano;
- As medidas de financiamento da devedora, através de uma operação financeira sobre o seu único imóvel, são de pouca clareza, imprecisas e insuficientes, significando violação do disposto no art. 195º do CIRE e colocando ainda os credores em pior situação do que aquela em que estariam sem qualquer plano;
- As medidas de reestruturação de recursos humanos, através do despedimento de trabalhadores, são generalistas, o que mais uma vez comporta violação do preceituado no art. 195º do CIRE.
Vejamos então se lhe assiste razão.
A devedora, já depois de instaurado o presente processo especial de revitalização, através de escritura pública celebrada em 15.7.2016, constituiu sobre o seu único imóvel uma hipoteca voluntária a favor do “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP” pelo valor de 194.738,23€, destinada a garantir o pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos, relativos ao processo de execução fiscal nº ................ e apensos, num total de 155.790,58€, o que teve o consentimento do Sr. Administrador Judicial Provisório.
Com efeito, tendo sido pela Mmª Juíza “a quo” nomeado administrador judicial provisório por despacho de 13.6.2016 (fls. 122), a devedora ficou impedida de praticar daí em diante atos de especial relevo, tal como definidos no art. 161º do CIRE, e onde se inclui a constituição de garantias [nº 3, al. f)], sem que previamente obtenha autorização para a realização de tal ato da parte daquele administrador – cfr. art. 17º, nºs 2 e 3.
Por outro lado, durante as negociações o devedor tem a obrigação de prestar toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório que haja sido nomeado para que as mesmas se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre atualizada e completa a informação a estes facultada – cfr. art. 17º-D, nº 6 do CIRE.
Sucede que dos elementos constantes dos autos se verifica que a devedora cumpriu a obrigação de informação relativamente aos credores e ao administrador judicial provisório, que sobre ela recaía, e que ao constituir hipoteca a favor do “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP” logrou a necessária autorização do administrador judicial provisório.
Prosseguindo, há a referir, em consonância com a Mmª Juíza “a quo”, que a constituição da hipoteca surgiu como uma condição imposta à devedora para que o Instituto de Segurança Social votasse favoravelmente o plano de recuperação. Se tal condição não fosse satisfeita, o Instituto de Segurança Social votaria contra o plano. “E o que aconteceria é que, pedida que fosse, e iria ser (tal como consta do PER) a recusa de homologação por parte do ISS, no mínimo, o Tribunal, ainda que homologasse o PER, teria de o declarar ineficaz em relação ao ISS.”
A questão que agora se coloca é a de saber se este procedimento constitui – ou não – ofensa do princípio da igualdade, sendo certo que as diferenciações entre credores não podem radicar na própria necessidade de aprovação do plano. É este que, na sua substância, tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade entre credores.[8]
Tal como já atrás se salientou, e se destacou também no despacho recorrido, o princípio da igualdade não se configura como princípio absoluto, não impondo necessariamente uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, bem como não justifica sempre, e em qualquer circunstância, solução diferenciada entre créditos de natureza diferente.
E os valores que presidem ao princípio da igualdade não podem deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade.
Assim, tendo em conta que o processo especial de revitalização tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao coletivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atenta a sua relevância pública.[9]
A razão objetiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que esta está assumida no art. 47º do CIRE.[10]
Ora, neste preceito distinguem-se os créditos “garantidos” e “privilegiados”, os créditos “subordinados” e os créditos “comuns”, sendo os créditos “garantidos” e “privilegiados” aqueles que «beneficiem, respetivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes».
Por seu turno, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos, devendo também ter-se em conta as circunstâncias de cada situação, nomeadamente a fonte de cada um dos créditos.[11]
No caso “sub judice” é de salientar que a hipoteca foi constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, cujos créditos gozam, desde logo, de privilégio imobiliário geral nos termos do art. 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Aliás, não se pode ignorar que os créditos por contribuições à Segurança Social visam assegurar interesses do Estado no que toca à implementação de um sistema previdencial, dirigindo-se a um fim público e situando-se, por isso, num nível diferente, supra individual, quando confrontados com os créditos comuns.[12]
Neste contexto, a constituição de hipoteca a favor do Instituto de Segurança Social sobre o único bem imóvel da devedora já depois de iniciado o processo de revitalização – e cuja manutenção é sublinhada no plano de recuperação - não viola qualquer regra procedimental, porque se mostra autorizada pelo administrador judicial provisório, tendo ainda sido cumprida a respetiva obrigação de informação por parte da devedora, tal como em nada viola o princípio da igualdade.
De resto, nesse sentido acertadamente escreve a Mmª Juíza “a quo” no despacho recorrido: “(…) o princípio da igualdade não deve proibir, sendo até natural que salvaguarde, um tratamento diferenciado entre o crédito do B... e o crédito do ISS já que este é privilegiado e sempre seria pago antes do crédito do B....”
E mais adiante continua:
“O princípio da igualdade dos credores supõe … uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. É, justamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual que não podem ser arbitrárias. Antes de se poder considerar tal justificação para o «distinguo» dos credores como razoável e relevante: perante o espaço de conformação do plano, o tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante.”
Acontece que, na linha do que se tem vindo a expor, o tratamento conferido no âmbito deste processo especial de revitalização ao crédito do Instituto de Segurança Social, através da constituição da hipoteca sobre o imóvel da devedora, não contende com o respeito pelo princípio da igualdade, uma vez que este crédito, face à sua natureza, sempre justificaria um tratamento diferenciado no confronto com os créditos comuns, designadamente com o do credor/recorrente B..., S.A.
Sustenta ainda o recorrente que as medidas de financiamento da devedora, através de uma operação financeira sobre o seu único imóvel, são de pouca clareza, imprecisas e insuficientes e que as medidas de reestruturação de recursos humanos, através do despedimento de trabalhadores, são generalistas.
Também aqui não lhe assiste razão.
No plano de recuperação, sob o título “Das medidas necessárias à recuperação da sociedade”, escreveu-se o seguinte:
“- Reestruturação dos recursos humanos, através do despedimento até cerca de 15 trabalhadores, consequência necessária para assegurar transformação da empresa a uma nova realidade, ou seja, a uma unidade produtiva exclusivamente prestadora de serviços.
- A dotação de recursos financeiros indispensáveis à reestruturação e ao financiamento da sua atividade corrente, por via de uma operação de leasing imobiliário, sobre o imóvel da empresa, ou outra operação de similar natureza, que permita a M.A.S. gerar os meios necessários para criar o Fundo de Maneio necessário à implementação das medidas de reestruturação.
- Subcontratação de serviços, tarefas e/ou fases específicas de projetos, mesmo que assuma apenas uma atividade muito residual.”
E mais adiante:
“… a empresa necessita de um avultado Fundo de Maneio. O ciclo produtivo é grande, o valor por encomenda elevado e só se sobrevive, neste mercado, comprando bem e dando crédito.
Ora a M.A.S. não consegue nenhuma destas duas ações por falta de Fundo de Maneio. Daí a proposta [de] se autofinanciar através de uma operação financeira (leasing, alienação, participação de Fundo Imobiliário) tendo por base o imóvel e assumindo-se como inquilina. Uma operação deste tipo libertará entre €650.000,00/€850.000,00 para Fundo de Maneio.”
No plano de recuperação salientou-se ainda a “aposta numa equipa mais reduzida de profissionais com capacidade de realizar todas as funções e, por via do recurso à subcontratação, assumir e dar resposta em tempo oportuno a todas as encomendas que possam surgir. Pretende-se que, mais do que uma unidade produtiva, constitua uma base de gestão de recursos capaz de, por via da subcontratação, dar resposta a todos os desafios. A empresa terá uma redução de efetivos.”
E seguidamente escreveu-se que “a nova estrutura de recursos humanos da empresa contará apenas com um Administrador executivo, um elemento afeto à preparação, e um outro Administrador ligado à área de Montagens. A nível produtivo a empresa contará com 12 elementos como trabalhadores dependentes e uma equipa de 14 elementos de trabalho temporário.”
A necessidade de despedimentos, até 15 trabalhadores, assenta pois na total reformulação da atividade da empresa, consistindo esta na passagem de uma unidade vertical de produção metalomecânica para uma atividade prestadora de serviços na mesma área.
Por outro lado, o plano apresentado, no que toca aos trabalhadores a despedir, prevê, com precisão, os montantes a pagar e a forma como esse pagamento será efetuado
Em conclusão, assinalou-se o seguinte no plano de recuperação:
“A C..., S.A. é viável.
Somente a aprovação do presente plano permitirá a recuperação da sociedade, a manutenção dos postos de trabalho e o pagamento da totalidade do passivo acumulado junto dos Srs. Credores.
A empresa viu-se confrontada com a maior crise que há registo na economia portuguesa, vendo muitos dos seus clientes a diminuir o seu negócio, consequência da luta de preços existente, quando não a liquidar as suas operações por manifesta incapacidade face à contração do mercado.
A empresa dispõe de um know-how e de uma capacidade técnica instalada que não deve ser depreciada, bem pelo contrário urge criar as condições necessárias para que essa capacidade possa novamente vir a ser explorada na sua totalidade.
Ora a não aprovação desta reestruturação colocará a C..., S.A. numa situação de incumprimento iminente, precipitando-a para a insolvência e consequentemente para uma degradação da atividade que inexoravelmente a levará à insolvência.
Estamos absolutamente convencidos que essa solução a ninguém aproveitará causando perda de postos de trabalho, destruição de um know-how adquirido ao longo dos anos, e principalmente para os Senhores Credores, colocará o extenso património da Requerente em liquidação, num contexto de circunstâncias que somente diminuirá o valor desse ativo, de tal modo que colocará inclusive em risco a potencialidade de o mesmo ser suficiente para assegurar os passivos reclamados.
Somente a continuação da atividade permitirá a sociedade encetar atividade de forma robusta num novo ciclo económico.
(…)”
Ora, da leitura do plano, na sua globalidade, e do qual se transcreveram aqui algumas passagens, flui que as medidas de financiamento da devedora e de reestruturação de recursos humanos não podem ser vistas como insuficientes, imprecisas ou pouco claras.
Aliás, pronunciando-se sobre as reticências colocadas ao plano pelo recorrente quanto à viabilização da operação financeira (em princípio, leasing-back imobiliário) que permitiria à devedora um encaixe de 650.000,00€ a 850.000,00€, afirma a Mmª Juíza “a quo” que estas se compreendem, tanto mais quando se sabe que sobre o imóvel foi constituída uma hipoteca voluntária para garantir o pagamento da dívida ao ISS, o que significará maiores dificuldades para a sua rentabilização.
E de seguida escreve: “… tivesse a devedora na posse de um contrato que espelhasse já essa operação financeira e permitisse executá-la e dúvidas não nos restam de que já o teria junto a estes autos.
Mas, como diz a devedora, e não há motivos para rejeitar, nem só as instituições bancárias concedem crédito e formalizam operações financeiras como as pretendidas, o que nos leva à conclusão de que é possível que a devedora consiga viabilizar a referida medida, não podendo o Tribunal recusar a homologação pela maior ou menor taxa de sucesso da mesma (analisada que está a ser em abstracto).
Porém, o facto de a medida estar formalizada em abstracto não se pode confundir com a ausência de explicação das medidas propostas.
De facto, ao contrário do que afirma o credor B..., a devedora explicou as medidas que se propõe tomar, não lhe sendo exigível que, sem a aprovação dos credores (entretanto obtida) já tivesse tentado negociar com uma entidade financeira a aprovação da mesma. Para isso servirá o período de carência previsto neste PER.”
Consequentemente, é de concluir que o plano de recuperação em análise respeitou as regras que presidem à elaboração do seu conteúdo previstas no art. 195º do CIRE aplicável “ex vi” do art. 17º-F, nº 5 do mesmo diploma.[13]
Por último, o credor/recorrente sustenta que o plano apresentado o coloca numa situação previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano. Ou seja, a ausência de plano de recuperação seria para ele uma situação mais favorável, mais benéfica.
Contudo, esta alegação, reiterada em sede de recurso, não se encontra minimamente demonstrada pelo recorrente, sendo certo que face ao regime legal de graduação de créditos e perante o conjunto de credores da devedora, onde se incluem a Autoridade Tributária, o Instituto de Segurança Social e ainda os trabalhadores, dificilmente seria de esperar que o recorrente, ainda que por via de eventual liquidação, pudesse ver o seu crédito mais rápida e mais eficazmente ressarcido.
Deste modo, não se pode considerar verificada a situação prevista no art. 216º, nº 1, al. a) do CIRE, justificativa da não homologação do plano de recuperação, tal como, conforme já atrás se sublinhou, não se vislumbra qualquer violação de regras procedimentais e de normas aplicáveis ao seu conteúdo, igualmente justificativa dessa não homologação ao abrigo do art. 215º do mesmo diploma.
Como tal, há que julgar improcedente o recurso interposto, impondo-se a confirmação da decisão recorrida que procedeu à homologação do plano de recuperação da devedora.
*
Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- A constituição de hipoteca a favor do Instituto de Segurança Social para garantia dos seus créditos, já depois de iniciado o processo especial de revitalização, previamente autorizada pelo administrador judicial provisório, não é motivo para recusa de homologação do plano de recuperação do devedor, uma vez que não viola quaisquer regras procedimentais nem tão-pouco as normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente o princípio da igualdade dos credores.
- A consagração do princípio de igualdade de tratamento dos credores, previsto no art. 194º do CIRE, faz com que se procurem soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente.
- Os créditos por contribuições à Segurança Social visam assegurar interesses do Estado no que toca à implementação de um sistema previdencial, dirigindo-se a um fim público e situando-se, por isso, num nível diferente, supra individual, quando confrontados com os créditos comuns.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo credor “B..., S.A.” e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 27.4.2017
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE Anotado”, 2ª ed., pág. 140.
[2] Cfr. Ac. Rel. Porto de 1.12.2014, proc. 503/14.0 TBVFR, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Diniz, “O Processo Especial de Revitalização”, 2014, pág. 11.
[4] Cfr. Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 3ª ed., pág. 305.
[5] Cfr. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Diniz, ob. cit., págs. 142/4 e Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 825/7.
[6] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 753.
[7] Cfr. Ac. Rel. Porto de 9.12.2014, proc. 166/14.2 TJPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 14.5.2013, proc. 1172/12.7 TBMCN.P1, disponível in www.dgsi.pt
[9] Cfr. Ac. STJ de 25.3.2014, proc. 6148/12.1 TBBRG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 753.
[11] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 753; Ac. Rel. Lisboa de 23.1.2014, proc. 4303/13.6 TCLRS-A.L1-2, disponível in www.dgsi.pt.
[12] O art. 63º da Constituição da República estabelece: “1. Todos têm direito à segurança social”. 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. […]” – cfr. Ac. STJ de 25.3.2014, proc. 6148/12.1 TBBRG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[13] No art. 195º do CIRE estatui-se o seguinte: «1. O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência. 2. O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz (…).»