Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
27005/18.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DOCUMENTO DE RESERVA
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
Nº do Documento: RP2022092627005/18.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: “I - Nas conclusões do recurso de apelação, em que impugne matéria de facto, deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados, sob pena de rejeição da impugnação deduzida.
II - O “Documento de Reserva” em função dos quais os AA. interpõem a acção constitui um acordo intermédio, realizado no âmbito das negociações, configurando-se como um acordo instrumental de transição.
III - Este acordo, além de, instrumentalmente, servir «medio tempore» à criação de bases materiais para a consecução do objectivo pretendido pelo contrato final, serve também, através do regime da reserva, para estabelecer uma regulamentação para o caso das negociações se gorarem.
IV - São as partes, quem, com este mero sistema de reserva e no domínio ainda pré-contratual, no âmbito da sua liberdade contratual e em função do preço que estabelecem para tal reserva, acabam por valorar as consequências da respectiva responsabilidade pré-contratual se qualquer delas entender fazer abortar as negociações recusando-se a celebrar o contrato a que as mesmas tendiam.
V – O valor da reserva, quando se perspective o interesse de quem pretende vender, destina-se a reparar o prejuízo que representa a imobilização do bem na sua esfera jurídica onde fica guardado durante determinado prazo para quem o pretende comprar, e quando se perspective o interesse desta parte, implica a compensação pelas expectativas que se vêem frustradas com a decisão de não vender".
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 27005/18.2T8PRT.P1

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente:- AA e BB;

Na presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, os autores formulam o seguinte pedido:
“(…) serem as Rés, H..., Lda., P..., Ldª. condenadas a pagar aos AA., AA e BB:
A – a quantia global de €18.202,35 relativa à devolução do sinal em dobro, bem como dos danos patrimoniais e não patrimoniais, ocorridos como consequência do comportamento adoptados pelas Rés; (…)”
Fundamentam nos termos constantes da sua petição inicial os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Regular e pessoalmente citadas, as rés contestaram opondo-se à procedência da pretensão dos autores e pedindo a sua condenação como litigantes de má-fé.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o objecto do litígio e elencados os temas da prova.
Foram, ainda, admitidos os meios de prova arrolados pelas partes e designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, a mesma decorreu com estrita observância dos formalismos legais.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:
“V. Decisão.
Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- condeno a ré H..., Lda a pagar aos autores a quantia de 1.058,13 euros (mil e cinquenta e oito euros e treze cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vencerem contados desde a sua citação até integral pagamento e contabilizados à taxa legal.
- absolvo a ré H..., Lda do demais peticionado.
- absolvo a ré P..., Ldª do pedido formulado pelos autores.
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Custas a cargo dos autores e da 1.ª ré na proporção do seu decaimento - art.º 527.º do Código de Processo Civil.
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Registe e notifique.”
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É justamente desta decisão que os Autores/Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES:
I. Os Recorrentes instauraram contra a H..., Lda e a P..., Ldª uma acção declarativa de condenação, na qual formularam que as Recorridas fossem condenadas a pagar-lhes a quantia de €18.202,35 relativa à devolução do sinal em dobro, bem como dos danos patrimoniais e não patrimoniais, ocorridos como consequência do comportamento adoptado pelas Rés;
II. Foi dispensada a audiência prévia e proferido o despacho saneador, do qual resultou como objecto do litígio relevante para a discussão da causa, o seguinte: 1. Contrato promessa de compra e venda e seu incumprimento; 2. Indemnização por danos morais e patrimoniais;
III. Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento e produzida toda a prova carreada para os autos, foi proferida a decisão que condenou a ré H..., Lda a pagar aos autores a quantia de 1.058,13 euros (mil e cinquenta e oito euros e treze cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vencerem contados desde a sua citação até integral pagamento e contabilizados à taxa legal, tendo sido absolvida a ré H..., Lda do demais peticionado, tal como a ré P..., Ldª do pedido formulado pelos autores;
IV. Não podendo os Recorrentes conformar-se com tal decisão, face à prova documental e testemunhal produzida, visto que se afigura que essa prova não tenha sido devidamente estribada;
V. A Mmª Juiz a quo absolveu a Recorrida P..., Ldª do pedido formulado pelos Recorrentes, no entanto confrontada a testemunha arrolada e que é Director dessa empresa, o mesmo referiu que a intervenção da P... não se inseria apenas e só nas competências de mediação. Portanto, salvo devido respeito, a Mmª Juiz a quo nunca poderia ter decidido pela absolvição do pedido quanto a esta Recorrida, na medida em que esta empresa causou, conjuntamente com a H..., Lda enormes prejuízos aos Recorrentes;
VI. Já relativamente à devolução do sinal em dobro pelos Recorrentes ao promitente-comprador da casa de morada de família que prometeram vender, resulta claro do depoimento da testemunha CC que celebrou com os Recorrentes um contrato promessa de compra e venda, tendo entregue a título de sinal, a quantia de €10.000,00, em numerário;
VII. Dispondo a cláusula quinta desse contrato, o seguinte: 1. Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato pela Primeira Outorgante, esta obriga-se a restituir em dobro ao Segundo tudo o que lhe haja sido por este prestado a título de sinal e princípio de pagamento;
VIII. Assim e mesmo que a situação em causa não tenha sido provocada pela Recorrente, o facto é que esta prometeu vender a sua habitação e, para tal, celebrou um contrato promessa que se obrigara a cumprir. Portanto, não se pode afigurar duvidoso que a Recorrente tivesse de cumprir aquilo que acordou e contratou com o promitente-comprador, ademais tanto a testemunha, como as partes declaram que foi entregue o montante correspondente ao dobro do sinal;
IX. Devendo, assim, a decisão ser revogada nessa parte e substituída por outra que condene as Recorridas a pagar a quantia de €10.000,00 aos Recorrentes;
X. Além de tudo quanto ficou dito, verifica-se da leitura da sentença em crise que a Mmª Juiz a quo não julgou, nem decidiu cabalmente a parte relativa aos danos morais que os Recorrentes peticionavam;
XI. Sendo clara a violação das mais básicas regras da boa-fé, torna-se óbvio que, além dos danos patrimoniais, os danos não patrimoniais também terão de ser assumidos pela Recorrida, já que esta criou a expectativa real nos Recorrentes da compra da sua habitação de sonho, que poderiam, deverá a sentença em crise ser revogada na parte em que absolve as Recorridas do pagamento da indemnização pelos danos não patrimoniais, condenando-as ao pagamento do valor peticionado ou noutro que V. Exªs tenham por justo e equitativo face à situação ocorrida.
Termos em que, e nos melhores de Direito, se requer, muito respeitosamente, a V. Exªs se dignem aceitar e julgar o presente recurso totalmente procedente, por provado, e, consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte em que absolve a Recorrida P..., Ldª dos pedidos dos Recorrentes, bem como revogar a sentença na parte em que absolve as Recorridas do pagamento do sinal em dobro ao promitente-compradora da casa de morada de família dos Recorrentes e na parte em que as absolve do pedido de pagamento dos danos não patrimoniais (…).”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar:
- Determinar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:
a) ao absolver a Recorrida P..., Ldª do pedido formulado pelos Recorrentes;
b) ao não condenar as Recorridas a pagar a quantia de €10.000,00 aos Recorrentes (alegadamente correspondentes ao dobro do sinal prestado no âmbito do contrato-promessa celebrado com terceiros);
c) ao não condenar as RR. ao pagamento de uma indemnização por danos morais aos AA.;
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“II. Fundamentação de facto.
a) Factos provados
Discutida a causa mostram-se provados os seguintes factos:
1. A 1.ª ré é uma sociedade comercial que tem por objecto “promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários; compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, bem como promover e contratar obras de construção, remodelação ou beneficiação dos mesmos; venda a retalho de materiais de construção; construção civil e obras públicas; compra de imóveis para arrendamento e gestão de imóveis próprios; prestação de serviços relacionados com a gestão e administração de imóveis; condomínios e espaços comerciais e de consultoria de gestão de empresas e patrimónios; peritagens e avaliações imobiliárias e comercialização e importação de materiais de construção civil”.
2 A 2.ª ré é uma sociedade comercial que tem por objecto “prestação de serviços de mediação imobiliária; administração de imóveis por conta de outrem; prestação de serviços de consultoria e de investimentos na área imobiliária, prestação de serviços de alojamento local mobilado para turistas, designadamente alojamento local, prestação de serviços de formação, organização de eventos e bem assim todas as actividades com estas conexas ou acessórias.”
3. Ambas integram o grupo V..., o qual se apresenta como “(...) um conjunto de empresas em Portugal e no Brasil que se dedicam à compra, rentabilização e venda de imóveis, projecto e licenciamento, construção civil, gestão e reabilitação de imóveis”.
4. A 1.ª ré é dona das fracções autónomas designadas pelas letras “MK”, “ED” e “EE” correspondentes, respectivamente, ao 8.º andar direito, destinada a habitação e estacionamento coberto situado na cave do prédio urbano situado na Travessa ..., ..., em ..., Gondomar, descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o art.º ....
5. Os autores pretenderam adquirir o imóvel descrito em 4., tendo para o efeito contactado com a 2.ª ré e a autora assinado uma “ficha de reserva” – “acordo de reserva de imóvel, entrega de pré-sinal e princípio de pagamento do preço” - junto da 2.ª ré, com a entregue de um cheque emitido pelo autor no montante de 500,00 euros, datado de 29/11/2016; constando nessa “ficha de reserva” para além da assinatura da autora a assinatura da mediadora.
6. O valor da compra e venda era de 51.000,00 euros.
7. Na “ficha de reserva” assinada constava que “1. Este cheque serve de pré-sinal e princípio de pagamento do preço de compra e venda do imóvel acima identificado, só sendo descontado após a assinatura do contrato promessa de compra e venda ou da escritura, caso não haja lugar a CPCV e a sua entrega justifica-se pelo facto do comprador pretender recorrer a crédito bancário para a aquisição, não tendo, nesta data, garantida a obtenção desse financiamento. (…) 4. Se a entidade bancaria fizer empréstimo insuficiente para a efectivação da compra e venda ou o potencial promitente comprador não conseguir o financiamento, este cheque é devolvido e anulado este processo (…). 5. A presente reserva fica dependente da aceitação por parte do proprietário na venda pelo valor supra mencionado. 6. O potencial promitente comprador após a entrega do valor supra referido a título de reserva e principio de pagamento do preço do imóvel não poderá desistir da celebração do negócio sem motivo justificado e válido à luz das regras da boa fé, com excepção do previsto na cláusula 4.ª. 7. No caso de desistência injustificada por decisão do promitente comprador implica a perda do montante entregue a título de reserva, a favor do promitente vendedor. 8. No caso de desistência por decisão do promitente vendedor implica a devolução em dobro do montante recebido a título de reserva prestado ao promitente comprador (…)
8. Com o referido em 6., pretendiam os autores reservar para si o imóvel, evitando que a 1.ª ré o vendesse a terceiros ou desistisse de o comercializar.
9. Os autores avançaram junto da Banco 1..., SA com um pedido de financiamento bancário, o qual foi aprovado, mediante a constituição de hipoteca sobre o imóvel.
10. Desta forma, foi agendada a outorga da compra e venda e mútuo com hipoteca, por recurso ao procedimento Casa Pronta n.º …../2017, a realizar na CRP do Porto no dia 3/3/2017, a qual não se concretizou nessa data por existir desconformidade entre a caderneta predial e o registo predial e a situação material dos imóveis revelada pela avaliação da Banco 1..., SA.
11. Para remover essa divergência a 1.ª ré submeteu junto (do Serviço de Finanças) o (Ato) modelo 1 de IMI no dia 09/2/2017, obtendo a decisão final em 16/3/2017.
12. Após foi agendada pelos autores, nova data para a outorga da compra e venda e mútuo com hipoteca – 10/4/2017.
13. Nessa data a 1.ª ré ou quem a representasse não compareceu, nem justificou a sua ausência, nem foi apresentado o modelo 1 do IMI com a permilagem da fracção em conformidade com a propriedade horizontal.
14. A 1.ª ré desistiu do negócio afirmando ter perdido o interesse na sua realização, o que foi comunicado aos autores.
15. Na perspectiva de concretizar a compra e venda os autores despenderam junto da Banco 1..., SA por causa do pedido de financiamento, as quantias de 239,20 euros, em 19/12/2016, – comissão de avaliação -, 296,40 euros, em 26/12/2016 – comissão de estudo -, e 239,20 euros, em 11/4/2017 – comissão de reavaliação.
16. Pela desistência do procedimento junto da Casa Pronta os autores suportaram a quantia de 233,33 euros.
17. Com a certidão emitida pela CRP referente ao sucedido e referido em 13., os autores desembolsaram a quantia de 50,00 euros.
18. Em consequência do referido de 5 a 13, os autores convictos de que iriam adquirir o imóvel, a autora prometeu vender, em 3/1/2017, o imóvel que iam deixar de habitar, a CC, pelo valor de 74.500,00 euros, que prometeu comprar, acordando a entrega da quantia de 10.000,00 euros, a título de sinal, o que se concretizou.
19.A autora não cumpriu o acordo referido em 18., por a compra e venda com a 1.ª ré não se ter concretizado, devolvendo ao CC a quantia de 10.000,00 euros.
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B) Factos não provados.
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados.
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A demais matéria é irrelevante, repetida, conclusiva ou de direito, pelo que não pode ser respondida.
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Inexistem quaisquer outros factos, provados ou não provados, com relevo para a apreciação do mérito da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Comecemos por dizer que os recorrentes, contrariamente ao que possivelmente seria a sua intenção, não chegam a impugnar o julgamento fáctico realizado pelo tribunal recorrido, pois que em nenhum momento da sua peça processual (desde logo, nas conclusões – como seria obrigatório – mas também nas próprias alegações) indicam expressamente os pontos da matéria de facto que pretenderiam impugnar.
Nessa medida, julga-se que será caso de rejeitar a eventual impugnação da matéria de facto que os recorrentes pretenderiam deduzir, pois que o legislador na al. a) do nº 1 do art. 640º do CPC impõe que, pelo menos, nas conclusões constem “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.
Tem sido esse o entendimento mínimo da Jurisprudência do STJ, conforme decorre, por exemplo, das seguintes considerações efectuadas no seu Acórdão de 27.10.2016:
“Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”
As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Este Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos deste Supremo Tribunal:
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Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
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Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):
I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.
(…)
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Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):
(…)
II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
(…)
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Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):
I- As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.
II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
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Ac. STJ de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):
(…)
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
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Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):
(…)
II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados.
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Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):
“I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
Debruçando-se sobre os requisitos das conclusões na perspectiva do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, refere Abrantes Geraldes:
“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-‑responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
É certo que mais recentemente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[1] tornou-se mais flexível e maleável, no que respeita ao cumprimento dos mencionados ónus, principalmente em relação aos de natureza essencialmente formal ou secundária, como é o caso da especificação exacta dos pontos da gravação (artigo 640º, n.º 2, alínea a) do CPC).
Com efeito, tem vindo a consolidar-se a jurisprudência que acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências formais, constantes do nº 2 do art. 640º, do CPC.
Além disso, mesmo quanto aos ónus previstos no nº 1 do citado preceito legal, tem prevalecido a ideia de que, quanto às conclusões, apenas se impõe, sob pena de rejeição, que nelas o recorrente indique de uma forma expressa os pontos que pretende impugnar.
Esta consequência da rejeição não se estende aos demais ónus previstos no nº 1 do art. 640º do CPC, exigindo-se apenas que tais ónus tenham sido cumpridos na peça processual apresentada (não sendo, pois, exigível que tais outros ónus sejam expressamente mencionados nas conclusões).
É o que decorre, por exemplo, da Jurisprudência que a seguir se cita:
- Ac. do STJ de 19.6.2019 (Relator: Hélder Almeida), in dgsi.pt
“I - A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.
II - Fazendo-se a delimitação objectiva do recurso em função das conclusões da alegação do recorrente, o tribunal superior acha-se, pois, impedido de apreciar questões que, não sendo de conhecimento oficioso, não se encontrem compreendidas em tais proposições finais, sob pena de incorrer no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (…)”.
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- Ac. do STJ de 04/06/2020 (relator: Rijo Ferreira), in dgsi.pt:
“ (…) III. O art.º 640º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação;
IV. Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art.º 640º do CPC devem constar do corpo das alegações;
V. Vem-se, também, defendendo que a apreciação das exigências estabelecidas no art.º 640º do CPC se efectue segundo um critério de rigor que vise impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se banalize numa mera manifestação de inconsequente inconformismo sem, porém, se transmutar num excesso de formalismo que redunde na denegação da reapreciação da decisão da matéria de facto;
VI. A apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art.º 640º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco;
VII. Tendo o recurso por objecto a impugnação da matéria de facto, não está o recorrente obrigado a proceder, nas conclusões, à reprodução textual do que se impugna, mostrando-se suficiente a mera indicação dos números sob os quais se encontram vertidos os factos impugnados”.
(Nota: sem prejuízo de ainda se manter alguma Jurisprudência do STJ que defende uma interpretação mais rigorosa e mais de acordo com a letra da lei – diga-se – que continua a defender que o não cumprimento de qualquer um dos ónus previstos no nº 1 do art. 640º implica a rejeição da impugnação. Veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 02/06/2020 (relator: Henrique Araújo) onde se concluiu que: “- Os ónus primários descritos nas três alíneas do n.º 1 do artigo 640º são indispensáveis à concretização do objecto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. - O incumprimento de qualquer um deles implica a imediata rejeição do recurso de apelação, nos termos da referida norma”.)
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Há, pois, que fazer uma interpretação do art. 640º do CPC mais consentânea com as exigências dos princípios da proporcionalidade e da adequação, exigindo-se apenas que o recorrente cumpra, pelo menos, a al. a) do nº 1 com a indicação nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar, sob pena de se impor a sua rejeição.
Sucede que, compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que os recorrentes não indicam, como já dissemos, nas conclusões (nem mesmo nas alegações) quaisquer um dos pontos da matéria de facto que pretenderiam impugnar.
Assim, compulsada toda a peça processual apresentada é patente que os recorrentes, apesar de parecerem pretender apontar erros de julgamento ao tribunal recorrido, acabam por não os incluir na delimitação do objecto de recurso que formularam em sede das conclusões que apresentaram (não indicando expressamente os pontos da matéria de facto que pretenderiam impugnar em qualquer um dos pontos da sua peça processual).
Como se referiu, é consensual actualmente em termos da Jurisprudência, que o único requisito previsto no nº 1 do art. 640º do CPC que poderá levar à rejeição da impugnação da matéria de facto é aquele que corresponde à falta de indicação nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto (constantes da fundamentação da decisão recorrida) que os recorrentes considerariam constituir um erro de julgamento.
Ora, compulsada cada uma das conclusões apresentadas pelos recorrentes, constata-se, de uma forma evidente, que aqueles não identificam quaisquer pontos da matéria de facto, cuja impugnação pretenderiam deduzir, não constando, inclusivamente, de toda a peça processual qualquer referência aos mesmos.
Como decorre do exposto, teriam os recorrentes, pelo menos, que indicar, em concreto e nas Conclusões, quais eram os pontos da matéria de facto que constituíam o objecto da sua impugnação, sob pena de rejeição (art. 640º, nº 1 do CPC).
Nessa medida, tem que se entender que os recorrentes, ao não cumprirem esse ónus, acabaram por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus torna, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa eventual factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição total da Impugnação.
É essa também a opinião de Abrantes Geraldes que, como já se referiu, defende inequivocamente que a falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados tem como consequência a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.
Aqui chegados, pode-se, de uma forma linear, concluir que os recorrentes, ao não identificar, nas conclusões apresentadas, os pontos da matéria de facto que pretenderiam impugnar, não cumpriram os ónus de impugnação que se lhe impunham, impedindo com esse não cumprimento a apreciação, por parte do presente Tribunal, da matéria de facto.
Nesta conformidade, julga-se que, atendendo à forma como os recorrentes deduzem o seu Recurso, nesta parte da Impugnação da matéria de facto, não se mostram cumpridos, os requisitos legais da sua admissibilidade, e, nessa medida, tem o Recurso de Impugnação da matéria de facto que ser necessariamente rejeitado com estes fundamentos quanto a essa parte não concretizada nas conclusões – o que se decide.
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Conforme resulta do que se acaba de expor, a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal Recorrido não foi impugnada pelo mecanismo processualmente próprio, pelo que o presente Tribunal terá de se pronunciar sobre as questões colocadas pelos Recorrentes tendo em consideração apenas aquela factualidade.
Na verdade, os Recorrentes não chegam a deduzir a pertinente Impugnação da matéria de facto, com obediência ao disposto no art. 640º do CPC, conformando-se, assim, com a decisão sobre a matéria de facto produzida pelo Tribunal Recorrido.
Nessa medida, não tendo sido deduzida Impugnação da matéria de facto, e não sendo caso do presente Tribunal proceder à alteração oficiosa da matéria de facto (cfr. nº 1 do art. 662º do CPC)[2], deverá a factualidade dada como provada manter-se nos exactos termos que se mostram vertidos na Decisão Recorrida.
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Aqui chegados, e dentro destes pressupostos fácticos, importa, pois, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a argumentação dos Recorrentes que contende, como vimos, com as seguintes questões:
- Se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento:
a) ao absolver a Recorrida P..., Ldª. do pedido formulado pelos Recorrentes;
b) ao não condenar as Recorridas a pagar a quantia de €10.000,00 aos Recorrentes (alegadamente correspondentes ao dobro do sinal prestado no âmbito do contrato-promessa celebrado com terceiros);
c) ao não condenar as RR. ao pagamento de uma indemnização por danos morais aos AA.
Ora, considerando que a matéria de facto considerada provada se manteve inalterada, por força da não impugnação deduzida pelos recorrentes, resta-nos, pois, verificar se o tribunal recorrido, em face daquela matéria de facto, que se considerou provada, procedeu ao devido enquadramento jurídico dos factos, tendo em conta os pedidos formulados pelos AA.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que os argumentos dos recorrentes, fundando-se alegadamente na prova produzida, mas sem retirar as devidas conclusões, em sede de impugnação da matéria de facto, nunca poderão aqui ser acolhidos, pois que não encontram qualquer apoio na matéria de facto considerada provado (matéria de facto provada que, por ausência de impugnação, se manteve inalterada).
Esta conclusão permite, desde logo, afastar a pretendida responsabilização da 2ª Ré, pois que o argumento apresentado pelos recorrentes, fundando-se em exclusivo num alegado reconhecimento da testemunha DD (director daquela) de que a intervenção desta extravasava as meras funções de mediação imobiliária, não tem qualquer apoio na matéria de facto considerada provada.
Nessa medida, bem andou o tribunal recorrido em considerar que a 2.ª Ré não pode responder perante os AA., atentos os factos alegados (e a causa de pedir invocada), na medida em que agiu na qualidade de mediadora imobiliária, sendo ainda certo que os invocados danos sofridos pelos autores foram causados/provocados pela 1.ª ré que desistiu da compra e venda, situação que não se encontrava na disponibilidade da 2.ª ré (não existindo, assim, qualquer nexo de causalidade entre os danos peticionados e os actos praticados por esta).
Ultrapassada esta questão, importa referir também que, na ausência de modificação da matéria de facto, também as duas outras questões terão que necessariamente improceder, por ausência de sustentáculo factual (v. ponto 18 e 19 dos factos provados e total ausência de factos que permitissem a ponderação dos danos não patrimoniais – art. 496º do CC[3]).
Como decorre da fundamentação de direito apresentada pelo tribunal recorrido, este fundou a condenação da 1ª Ré na responsabilidade pré-contratual (art. 227º do CC), apelando à jurisprudência pertinente que invocou relativa à questão da “ficha de reserva” e seu melhor enquadramento jurídico.
Com efeito, quanto a este enquadramento jurídico (não posto em causa pelos recorrentes), o tribunal recorrido desenvolveu as seguintes considerações (apelando à Jurisprudência recente[4] que invocou com pertinência):
“(…) A “ficha de reserva” assinada pela autora e atente-se não assinada pela 1.ª ré “corresponde a um acordo intermédio, parcial (…) não chegando a configurar uma promessa unilateral de venda com contraprestação, como não deixa de ser possível, no entanto, de se equacionar – se configurará como aquilo que Santos Júnior (…) designa por «acordo instrumental de transição», a cujo propósito, este autor observa: «Este tipo de acordo ocorre acessória ou instrumentalmente no decurso de uma negociação, estabelecendo, para diversas situações, um regime transitório, em trânsito para aquele que definitivamente as regulará (…)
Tais acordos, além de, instrumentalmente servirem «medio tempore», à criação de bases materiais para a consecução do objectivo pretendido pelo contrato final, relevarão, fundamentalmente por fazerem vigorar para as situações provisórias ou transitórias de que se trate, uma regulamentação querida pelas partes, evitando, no caso das negociações se gorarem, um possível litigio sobre essas situações, para cuja resolução houvesse de apelar-se a figuras legais - que se aplicariam, pois, na falta desse acordo – como a da própria responsabilidade pré-contratual ou a do enriquecimento sem causa».(…)
É que, um acordo como o dos autos, inserindo-se num processo negocial já adiantado, cujas conclusões logo cristaliza, mas não implicando nenhuma vinculação à realização do contrato definitivo em função das indefinições do objecto contratual, oferece a vantagem de manter incólume a decisão de, afinal, não se contratar, sabendo-se de antemão o que se perde com essa liberdade – no caso daquele que tem a intenção de comprar, a perda da importância dada em reserva, no caso de quem tem a intenção de vender, a obrigação de devolver essa importância em dobro àquele outro.
A reserva tem aqui uma função semelhante à que é usualmente atribuída ao sinal penitencial, na dicotomia que no âmbito de um contrato promessa o opõe ao sinal (penal) confirmatório. É que o sinal (meramente) penitencial é “o preço da liberdade” de não contratar, sem a sujeição a outras consequências, é o correspectivo da faculdade de arrependimento que as partes se reservam.
O estabelecimento de um preço para esta liberdade, quer no âmbito de um contrato promessa, quer no âmbito de um mero “contrato de reserva” como o presente, faz igual sentido, quer quando se perspective o interesse de quem pretende (se obriga a) vender – tratando-se aí de reparar ou compensar o prejuízo que representa a imobilização do bem na sua esfera jurídica onde fica guardado durante determinado prazo para quem o pretende (se obrigou a) comprar – quer quando se perspective o interesse desta parte – compensando aqui as expectativas que se vêem frustradas com a decisão de não vender.
E são as partes, com este mero sistema de reserva, no domínio ainda pré contratual (ou com o regime do sinal no contrato promessa e a respectiva presunção de exclusão da execução especifica do mesmo), quem, no âmbito da sua liberdade contratual e em função do preço que encontram para reserva (ou para o sinal), acabam por valorar as consequências da respectiva responsabilidade pré contratual, (ou contratual), ali, quando fazem abortar as negociações, recusando-se a celebrar o contrato a que as mesmas tendiam, aqui, quando deixam de cumprir as respectivas obrigações.” – acórdão da Relação de Lisboa de 24/9/2014, consultável em www.dgsi.pt.
Do exposto resulta que a pretensão dos autores tem de ser analisada à luz da responsabilidade pré-contratual, no art.º 227.º, n.º 1 do Código Civil, o qual estabelece um princípio de boa fé pelo qual os contraentes devem pautar o seu comportamento durante todo o processo negocial.
Todo o processo genético do acordo em que se consubstancia o contrato: os preliminares e a formação do contrato tem a fase das negociações e a fase decisória.
Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte – art.º 227.º Código Civil.
Nas negociações preliminares e preparatórias de um contrato, as partes devem comportar-se como pessoas de bem, com correcção, lealdade, informação e esclarecimento. A violação deste dever geral de agir de boa-fé que se desdobra nos deveres de comunicação, informação e de esclarecimento, de guarda e restituição, o dever de segredo, o dever de clareza, o dever de lealdade, de protecção e conservação gera responsabilidade pré-contratual – neste sentido Ana Prata, Notas sobre a Responsabilidade Pré-Contratual, Revista da Banca nº 16, Outubro/Dezembro de 1990 e nº 17, Janeiro e marco de 1991, págs. 40 e segs.
Para que haja obrigação de indemnizar no caso de não conclusão do contrato negociado, é necessário que se verifique o rompimento arbitrário e culposo, por uma das partes, das negociações, acarretando danos para a outra parte, e o facto específico da criação nesta, por força da conduta daquela, da expectativa ou da confiança na celebração do contrato – neste sentido, acórdão do STJ de 16/12/2010, consultável in www.dgsi.pt.
A ilicitude na fase pré-contratual traduz-se na violação das regras de boa-fé subjacente aos deveres de protecção, de informação (verdadeira) e de lealdade. (…)
Em suma, pode afirmar-se que a responsabilidade pré-contratual tem como pressupostos: a) o facto; b) a ilicitude; c) a culpa; d) o dano; e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.” – acórdão da Relação do Porto, já citado.
A responsabilidade da 1.º ré para com os autores existirá apenas e se a 1.ª ré tiver gerado naqueles a confiança e a expectativa legítima da celebração do contrato de compra e venda. E foi efectivamente isso que ocorreu.
A 1.ª ré pretendeu vender, vinculou-se com os autores a realizar essa venda, diligenciou pelo levantamento dos obstáculos legais que impediam a sua concretização e, mais tarde, limitou-se a afirmar que já não pretendia vender, segundo as testemunhas porque afinal já tinha deixado de ter urgência na realização de dinheiro que motivou a vontade de vender o imóvel.
Ora, nenhuma actuação impeditiva para a realização da compra e venda pode ser imputada aos autores. Pelo contrária, tal actuação apenas pode ser imputada à 1.ª ré que, simplesmente, depois de todo o processo negocial em curso decidiu romper com o acordado porque afinal deixou de precisar de realizar dinheiro.
A conduta da 1.ª ré é ilícita e violadora das mais básicas regras da boa-fé que devem estar presentes em todo e qualquer processo negocial.
A conduta sancionável da 1.ª ré fê-lo incorrer na responsabilidade de indemnizar os autores pelos prejuízos que provocou.
Diz o art.º 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
E o art.º 563.º do Código Civil que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Não há dúvidas que os danos descritos nos pontos 15, 16 e 17 dos factos provados foram directa e causalmente provocadas pela conduta da 1.ª ré, pelo que esta deverá ser condenada no pagamento aos autores da quantia global de 1.058,13 euros.
Quanto à quantia peticionada a título de danos morais e a entrega do montante de 10.000,00 euros, não tendo os autores demonstrado os factos constitutivos desta pretensão que pretendiam exercer, conforme lhes era imposto (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), deverá a sua pretensão improceder.
O mesmo se diga quanto à devolução da quantia de 500,00 euros, inscrita no cheque entregue com a “ficha de reserva” em dobro, porquanto tal quantia não chegou a ser retirada da esfera patrimonial dos autores[5] e a ficha de reserva não configura um contrato promessa, como vimos”.
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Tratam-se de conclusões que aqui subscrevemos, por corresponder à melhor interpretação dos factos e ao enquadramento jurídico que se julga ser de impor relativamente à factualidade considerada provada.
Acrescenta-se ainda que, quando, como sucedeu no caso concreto, interveio uma empresa de mediação imobiliária e o alienante não chegou a assinar o contrato, nem sequer poderemos estar, em bom rigor, perante um “contrato de reserva” propriamente dito (ainda que se possa aceitar que a conduta da 1ª Ré vertida na matéria de facto tenha o significado de adesão à proposta de reserva subscrita pelos adquirentes e pela mediadora imobiliária)[6] .
Na verdade, “no que respeita à sua formação, nos casos em que há intervenção de empresa de mediação imobiliária, ela processa-se usualmente em vários passos: a mediadora prepara o texto e submete-o ao interessado na aquisição que o subscreve e, num momento ulterior, submete-o ao seu cliente, o interessado na alienação. Só quando também este subscreve o texto, emitindo assim as declarações aí inseridas, se forma o contrato de reserva. Antes disso haverá (apenas, acrescentamos nós) um acto similar a uma proposta contratual formal, emitida pelo interessado na aquisição”[7].
Nestas situações, “Enquanto o contrato de reserva não se concluir, o proponente não se vincula à prestação que integrará o conteúdo desse contrato – celebrar o contrato visado com a reserva ou abdicar da quantia entregue –, pelo que não perderá a quantia entregue” (ou, no caso do alienante, não terá que devolver a quantia entregue em dobro, caso tal entrega tenha sucedido – sendo que, nestas situações, em princípio, a quantia entregue deverá estar na posse da mediadora imobiliária – cfr. art. 18º [8]).
Nessa medida, também por esta via se pode defender a solução que foi adoptada pelo Tribunal Recorrido, com base na responsabilidade pré-contratual (art. 227º do CC).
Improcede o Recurso interposto.
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III-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
- o Recurso interposto pelos Autores/Recorrentes totalmente improcedente;
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Custas pelos Recorrentes (artigo 527º, nº 1 do CPC);
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Notifique.
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Porto,26/09/2022
(assinado digitalmente)

Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
_________________
[1] Acs do STJ de 26.05.2015 de 29.10.2015, de 11.02.2016, de 03.03.2016, de 27.10.2016, de 15.02.2018 e de 6.6.2018 (relator: Ferreira Pinto), todos in dgsi.pt.
[2] Sobre os casos em que tal alteração oficiosa pode ocorrer, v. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, págs. 241 e ss., explicitando o Autor os seguintes exemplos: “… quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de determinado meio de prova…” (por ex. um documento com valor probatório pleno); “quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº1 e 463º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC)”; “ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente” (por ex. presunção judicial ou depoimento testemunhal nos termos dos arts. 351 e 393º do CC); “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material deve integrar na decisão o facto que a primeira instância considerou provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte… “; finalmente, acrescenta este autor que “também não oferece dúvidas a possibilidade… de se modificar a decisão sobre a matéria de facto quando for apresentada pelo Recorrente documento superveniente que imponha decisão”- tudo situações que não se verificam no caso concreto.
[3] Estes danos não patrimoniais, embora alegados nos itens 52 e ss. da petição inicial, não lograram ser provados pelos recorrentes – v. sobre esta valoração dos danos não patrimoniais neste âmbito, por ex. o ac. da RL 27.1.2011 (relator: Jorge Vilaça, in Dgsi.pt ) “(…) São ressarcíveis enquanto danos não patrimoniais, nos termos do art.º 496º, n.º 1, do Código Civil, os incómodos tidos pelo comprador com todas as diligenciais que efectuou com vista à celebração do contrato de compra e venda e futura construção no mesmo, estabelecendo contactos com diversas empresas de construção civil, chegando a firmar acordo com uma empresa visando a futura construção, e entregando a esta determinada quantia, por os mesmo não se poderem considerar meros ou simples incómodos, uma vez aliados ao elevado interesse e frustração do contrato, que foi fonte de grande amargura e tristeza”.
[4] Ac. da RL de 24.9.2014 (relator: Maria Teresa Albuquerque), in dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I – O “Documento de Reserva” em função dos quais os AA. interpõem a acção constitui um acordo intermédio, realizado no âmbito das negociações, configurando-se como um acordo instrumental de transição. II – Este acordo, além de, instrumentalmente, servir «medio tempore» à criação de bases materiais para a consecução do objectivo pretendido pelo contrato final - permitindo na situação dos autos que o lote que os AA. pretendiam comprar viesse a ter existência física e legal - serve também, através do regime da reserva, para estabelecer uma regulamentação para o caso das negociações se gorarem. III - São as partes, quem, com este mero sistema de reserva e no domínio ainda pré contratual, no âmbito da sua liberdade contratual e em função do preço que estabelecem para tal reserva, acabam por valorar as consequências da respectiva responsabilidade pré contratual se qualquer delas entender fazer abortar as negociações recusando-se a celebrar o contrato a que as mesmas tendiam. IV – O valor da reserva, quando se perspective o interesse de quem pretende vender, destina-se a reparar o prejuízo que representa a imobilização do bem na sua esfera jurídica onde fica guardado durante determinado prazo para quem o pretende comprar, e quando se perspective o interesse desta parte, implica a compensação pelas expectativas que se vêem frustradas com a decisão de não vender. IV – Na situação dos autos os AA. não procederam à realização da compra e venda por (livre) opção sua, mas porque não conseguiram ultrapassar o impedimento da falta de crédito. Porque foi por motivos alheios à sua vontade que não reuniram condições para a realização da (ainda) desejada compra e venda, não têm de ser sancionados com a perda da importância dada em reserva que constitui na sua “ratio” um “preço” fixo para a opção de não contratar”. No mesmo sentido, v. o ac. da RL de 17.12.2019 (relator: Cristina Maximiniano), disponível em dgsi.pt.
[5] De notar que ficou expressamente consagrado na ficha de reserva (celebrada com a 2ª Ré…) que o cheque só seria “descontado após a assinatura do contrato promessa de compra e venda ou da escritura, caso não haja lugar a CPCV” (…) e que “8. No caso de desistência por decisão do promitente vendedor implica a devolução em dobro do montante recebido a título de reserva prestado ao promitente comprador (…)- sendo que, como refere o tribunal recorrido, o cheque não foi descontado, nem a 1ª Ré recebeu qualquer montante (tendo o cheque sido entregue à 2ª Ré, que o não chegou a descontar) - tudo isto independentemente da questão de saber se a simples entrega do cheque poderia revestir a natureza de sinal, questão que tem merecido diversas soluções jurídicas (v. por ex. ac. da RP de 28.1.2014 (relator: Amália Santos), in dgsi.pt onde se concluiu que “I – Apenas se considera como sinal, no contrato promessa, a entrega de determinada quantia em dinheiro; quando o sinal é constituído por cheque, o valor titulado no título apenas se pode considerar como tal, depois de descontado e convertido em numerário” (citando jurisprudência no mesmo sentido); em sentido diferente, v. ac. da RG de 27.4.2017 (Maria Cristina Cerdeira), in dgsi.pt; na doutrina, v. Higina Castelo, in “Reserva de imóvel: com vista à futura celebração de contrato relativo a bem imóvel”, pág. 20 que refere que: “Nas suas situações habituais, parece que a conclusão do contrato de reserva exige, além das declarações negociais, a entrega da quantia de reserva”; V. ainda, no âmbito mais geral, v. Ana Afonso, in “Comentário ao CC- direito das obrigações- das obrigações em geral”, UCE, pág. 165.
[6] Como refere a Autora que vimos citando a págs. 28 e 29: “Pode haver casos em que o potencial alienante conheça previamente a minuta e dê autorização, ou até peça, à mediadora que a apresente a potenciais adquirentes. Em tal situação, a minuta consiste num convite a contratar e, dependendo do seu prévio teor, pode colocar-se a hipótese de a sua não assinatura pelo futuro alienante o constituir em responsabilidade pré-contratual. Pode também haver casos em que o potencial alienante tome conhecimento do documento já assinado pelo proposto adquirente e concorde oralmente com o teor das declarações nele contidas e/ou receba a quantia de reserva (apesar do determinado pelo art. 18 do RJAMI). Em tais circunstâncias pode ponderar-se a completude do contrato de reserva, que de forma escrita não carece. Se, como geralmente sucede, o potencial vendedor não negociou o contrato de reserva, não teve intervenção na formação do documento, não escolheu as declarações dele constantes, não autorizou a empresa de mediação a apresentá-lo aos potenciais adquirentes, muito menos lhe pediu que o fizesse, então, o documento subscrito pelo potencial adquirente equivale a uma proposta contratual de reserva ou será, pelo menos, um acto que deve reger-se pelo regime daquela”.
[7] Higina Castelo, in “Reserva de imóvel: com vista à futura celebração de contrato relativo a bem imóvel”, pág. 16.
[8] Higina Castelo, in “Reserva de imóvel: com vista à futura celebração de contrato relativo a bem imóvel”, págs. 25 e ss. que esclarece que: “Amiúde, é à empresa de mediação que o interessado em adquirir entrega a quantia destinada à reserva. A recepção e guarda da quantia de reserva por empresa de mediação imobiliária obedecem a um regime próprio constante do artigo 18 do RJAMI. Nos termos do n.º 1 do citado artigo, consideram-se depositadas à guarda da empresa de mediação quaisquer quantias recebidas dos destinatários de negócio por si mediado, mesmo que a título de preço, que lhe sejam confiadas antes da celebração do mesmo ou do respectivo contrato-promessa, devendo restituí-las imediatamente a quem as prestou, logo que para tal solicitada. Tal depósito é gratuito, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, as disposições previstas no Código Civil para o contrato de depósito (n.º 3 do mesmo artigo 18). É expressamente vedado às empresas de mediação utilizar em proveito próprio as mesmas quantias (n.º 2 também do mesmo artigo). O depósito a que o art. 18 do RJAMI se refere, por via de regras contidas no mesmo artigo, obedece a um regime próprio que o afasta dos contratos de depósito regular e irregular, previstos no Código Civil. Tais regras são: - A empresa de mediação está obrigada a restituir as quantias a quem as prestou, logo que para tal solicitada (n.º 1, parte final); - A empresa de mediação não pode fazer qualquer utilização dessas quantias em proveito próprio (n.º 2); - O depósito é necessariamente gratuito (n.º 3, 1.ª parte); - Aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições previstas no Código Civil para o contrato de depósito (n.º 3, 2.ª parte) (…). Por via do disposto no n.º 2 do art. 18 do RJAMI, as empresas de mediação estão expressamente proibidas de utilizar em proveito próprio as quantias que lhes são confiadas pelos interessados (destinatários, na terminologia do diploma). Tanto significa que as empresas de mediação não adquirem a propriedade dessas quantias. O regime do depósito irregular é, portanto, incompatível com a regra especial que se aplica às quantias entregues pelos interessados às empresas de mediação e que inibe estas últimas de utilizarem as ditas quantias em proveito próprio. Pelo exposto, a remissão do n.º 3 para as disposições do contrato de depósito não se reporta às disposições do contrato de depósito irregular. Mas também não têm aplicação todas as regras gerais do contrato de depósito. A norma da 1.ª parte do n.º 3 do art. 18 do RJAMI segundo a qual o depósito é gratuito não contém uma mera presunção de gratuitidade como a da regra geral do art. 1186 do CC. Ao contrário do que sucede em disposições paralelas (v.g., arts. 1158 e 1145 do CC), o legislador não instituiu aqui uma presunção, dizendo simplesmente que o depósito é gratuito. Considerando o disposto no n.º 1 do art. 18 do RJAMI, nomeadamente o que é enfatizado na sua parte final, no sentido de a empresa de mediação ter de restituir imediatamente a quantia ao interessado assim que este a solicite, a empresa de mediação não pode entregar tal quantia ao seu cliente. Assim, se sobrevierem circunstâncias que, perante o estipulado no contrato de reserva, determinem que o interessado perca a quantia entregue a favor da contraparte (cliente da mediadora), a mediadora, por força do disposto no art. 18 do RJAMI, não poderá fazer a entrega da quantia de reserva ao seu cliente; terá de a entregar ao interessado que lha confiou e terá de ser este a efectuar a entrega devida à contraparte (…)”.