Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
173/17.3GFPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
RECUSA DE TESTE DE ALCOOLEMIA
COMINAÇÃO
ORDEM DA AUTORIDADE POLICIAL
Nº do Documento: RP20180509173/17.3GFPRT.P1
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 758, FLS 1-5)
Área Temática: .
Sumário: Atendo o disposto no artº 152º nº 1 al. a) e nº3 CE, comete o crime de desobediência do artº 348º1 a) CP o condutor que tendo-lhe sido transmitida uma ordem da autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter às provas de detecção de álcool se recusa a tal, sem necessidade de tal ordem ser acompanhada de qualquer cominação relativa ao seu não cumprimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 173/17.3GFPRT.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

No processo sumário n.º 173/17.3GFPRT do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, foi submetido a julgamento o arguido B..., identificado na acta de julgamento a fls. 38.
O dispositivo escrito da sentença oral tem o seguinte teor:
«Face ao exposto decide-se condenar o arguido B... pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348°, n° 1, al. a) do Cód. Penal por referência ao art. 152°, n° 3 do Cód. da Estrada, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o total de €385,00 (trezentos e oitenta e cinco euros);
Condeno ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do art.° 69.°, n.°1, al. c) do Cód. Penal.
Ficando o arguido advertido que deverá entregar a respetiva carta de condução na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de dez (10) dias, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão da sua carta, de harmonia com o disposto no art. 500.º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Proc. Penal, e de o arguido incorrer na prática de um crime de desobediência.
Fica, ainda, advertido que não pode conduzir no período de inibição sob pena de incorrer no crime de violação de proibições, interdições ou imposições.
*
Mais se condena o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UCs, sem prejuízo de eventual concessão de apoio judiciário.
*
Deposite e notifique.
*
Após trânsito em julgado, remeta-se boletim ao registo criminal e comunique à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
Mais, determina-se a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que refere os n.° 5 e 6 do art.° 10° da Lei 37/2005 de 05 de Maio, uma vez que, o arguido não sofreu condenações anteriores pela prática de crime da mesma natureza e das circunstâncias que acompanha o crime não se induz perigo para a prática de novos crimes.»
*
Inconformado com a decisão, veio o arguido interpor recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1). No nosso entendimento, os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito.
2). Do elenco dos factos provados não consta ter havido qualquer ordem para submissão de exame de pesquisa de álcool por análise ao sangue, mas a recusa pelo arguido de ser conduzido a estabelecimento hospitalar perante a informação do militar da GNR.
3). Por outro lado, constando dos factos provados que o arguido "ao não efectuar o teste de alcoolemia cuja realização lhe fora ordenada pelo militar da GNR bem sabia que incumpria uma ordem legitima", é errónea para a sua subsumpção ao crime de desobediência, e portanto ilegítima, porquanto não cabe ao arguido efectuar o teste de alcoolemia através de análises ao sangue, mas, outrossim, cabe a técnicos de saúde habilitados para o efeito.
4). Ou seja, ao arguido cabe submeter-se a um exame de análise do sangue, mas não lhe cabe efectuar essa mesma análise.
5). Ainda, do elenco dos factos provados constando apenas que " incumpria uma ordem legitima, que fora regularmente comunicada por um agente de autoridade que lhe fez a correspondente cominação", não sendo alcançável a factualidade ínsita nas expressões "regular comunicação" e" correspondente cominação", tratando-se de expressões vagas e genéricas, a que não corresponde uma concreta e especifica factualidade consubstanciadora desses mesmos elementos objectivos.
6). Dos factos objectivos provados não é possível retirar factualmente o dolo, pois que dos factos objectivos não resultam os factos do tipo subjectivo, como sua consequência lógica.
7). Assim, perante os factos provados não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência, previsto pelos arts. 152.º, n.º 1, al. a) e 153º, nºs 7 e 8, ambos do C. da Estrada, 69º e 348º, ambos do C. Penal.
Subsidiariamente, sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,
8). Verificando-se a situação descrita no art. 4.º da Lei n.º 18/2007, de 17-05, de impossibilidade de realização do teste no ar expirado, deveria ter sido realizado exame médico para determinação do estado de influenciado pelo álcool, nos termos do art. 7.º da mesma Lei e do n.º 8 do artigo 153.º, do Código da Estrada e do art. 4.º da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Agosto.
9). Apenas havendo recusa do arguido chegado ao estabelecimento hospitalar, se pode falar de crime de desobediência.
10). Ou seja, como o arguido não estava em condições de realização do teste no ar expirado, a GNR deveria tê-lo levado a Unidade de Saúde, independente da anuência ou não do arguido.
11). Trata-se de um dever de actuação da entidade fiscalizadora, que não está na esfera de disposição ou recusa do examinando.
12). Só, então, se o arguido se recusasse a submeter a colheita de sangue é que haveria efectiva e definitivamente uma recusa em termos de a considerar penalmente relevante, ou seja, potenciadora da prática, pelo arguido, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, n.º1, al. a), do C. Penal, com referência ao art. 152º, n.º 3, do C. da Estrada.
13). Por conseguinte, ainda que, na altura em que os factos aconteceram, fosse admissível - teoricamente - que o arguido se estivesse a querer esquivar a realização do referido teste, na dúvida sobre a verdadeira intenção do arguido, dever-se-ia ter procedido assim - desencadeando os mecanismos para se proceder a colheita de sangue ao arguido - e não do modo como efectivamente se procedeu.
14) Se não aceitasse submeter-se a colheita de sangue nos termos legais, então, estava indubitavelmente a recusar-se a fazer o referido teste e, como tal, a cometer um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, n.º 1, al. a), do C. Penal, com referência ao art. 152º, n.º 3, do C. da Estrada.
15) Não havendo nenhum facto provado que sustente ter havido não acatamento de qualquer ordem legítima para submissão a análise de sangue, deve a douta decisão recorrida ser revogada, por violação do disposto nos arts. 153º, n.º 8, do C. da Estrada, e do art. 4º da Lei n.º 18/2007, de 17/05.
16) ao ser condenado o arguido, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos art. 348°, n.º1, al. a) e 69°, n.º1, al. c), ambos do C. Penal, com referência ao art. 152º, n.1, al. a) e 3, do C. da Estrada, quando o não deveria ter sido, por dever ter sido absolvido, é manifesto que foram violados tais preceitos legais, e, bem assim, ainda, os art.s 127º e 374º, n.º2, ambos do C. P. Penal, 153º, n.º8, do C. da Estrada e ainda os art.s 4° e 7°, ambos da Lei n.º 18/2007, de 17.05.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e, em consequência, a absolvição do arguido/recorrente da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos art.s 348º, n.º1, al. a) e 69º, n.º1, al. c), ambos do C. Penal, com referência ao art 152º, n.º, al. a) e 3, do C. da Estrada.
*
O recurso foi admitido por despacho de fls. 57.
*
Respondeu o Mº Pº junto do tribunal a quo, conforme resposta de fls. 59 a 61, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
Neste Tribunal o Exmo. PGA emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º2, do CPP.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
II - Fundamentação:
1.Questões a decidir.
Conforme se alcança das conclusões do recurso apresentado – que como decorre do estatuído no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica, delimitam o âmbito do seu conhecimento, no recurso são suscitadas as seguintes questões:
- Qualificação jurídica dos factos.
*
2. Factualidade.
Factos provados e respectiva motivação, tal como constam da sentença recorrida [proferida oralmente e ouvida e transcrita pela Relatora, com grande dispêndio de tempo e uma paciente demanda auditiva dada a rapidez e dicção com que foi ditada, tendo-nos demorado cerca de 4 horas a perceber o que transcrevemos e que não obstante contém alguns hiatos].
«1.- No dia 17 de Dezembro de 2017, pelas 04h05, na Rua ., Zona Industrial ..., área desta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-TT-.., quando foi interceptado por uma patrulha da GNR - Unidade Nacional de Trânsito - que ali se encontrava em acção de fiscalização de trânsito.
2.- Na ocasião o Cabo C... informou o arguido que teria de se submeter a teste de despistagem de teor de álcool no sangue através de ar expirado.
3.- O arguido nas referidas circunstâncias de tempo, lugar e modo efectuou, pelo menos, três exames de expiração de ar - teste quantitativo - cujo resultado deu como "sopro insuficiente".
4.- Após o sopro insuficiente, foi informado pelo militar da GNR que iria ser conduzido ao Estabelecimento Hospitalar para ser submetido a exame pesquisa de álcool no sangue, tendo o arguido numa primeira fase aceitado, mas posteriormente recusou.
5.- O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente bem sabendo que ao não efectuar o teste de alcoolemia cuja realização lhe fora ordenada pelo Militar da GNR, incumpria uma ordem legítima, que lhe fora regularmente comunicada por agente de autoridade que lhe fez a correspondente cominação legal.
6.- Sabia igualmente que a sua conduta era criminalmente punível.
7.- O arguido está desempregado; vive em união de facto; tem um filho de maior idade; tem como habilitações literárias o12º ano de escolaridade; não tem antecedentes criminais; já beneficiou de uma suspensão provisória do processo em 2012, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
*
Motivação.
A convicção do tribunal resultou da prova produzida em audiência apreciada de acordo os critérios previstos no artigo 127º do CPP; isto é, de acordo com a sua livre convicção. No que concerne à prova documental foram relevantes os documentos de fls. 2 e 3, como prova de recusa de recolha de sangue e o talão de fls. 7 como prova de realização com sopro esgotado, folhas 8 sopro insuficiente e também fls. 9 com sopro insuficiente, folhas 10, que se refere à suspensão provisória do processo em 2012.
A restante matéria de facto que resultou provada, desde logo valorou o depoimento prestado pelo militar que procedeu à abordagem e posterior detenção do arguido, C..., prova esta que foi conjugada com a já supra referida prova documental. A referida testemunha é militar da GNR encontrava-se no exercício das suas funções …e foi de modo objectivo e lógico que descreveu a situação dos autos, designadamente tudo o que observou de forma directa e pessoal. Neste sentido descreveu a condução do veículo pelo arguido, a ordem de paragem, mais descreveu o militar a reacção deste arguido na madrugada, designadamente as várias tentativas em que resultou sopro insuficiente, a posterior ordem de se submeter a recolha de sangue a colaboração inicial do arguido e a posterior recusa de deslocação ao hospital.
(…)
O arguido não deixa de confessar nas referidas circunstâncias todos os factos, com excepção da recusa em se dirigir ao estabelecimento hospitalar…. Todavia como já referi a versão que convenceu o tribunal foi prestada pelo militar da GNR, pelo que a versão do arguido não tem qualquer acolhimento não só porque não é compatível com aquela outra, mas também por não se mostrar credível ou coerente na normalidade das coisas pelas quais o tribunal se deve reger que obtendo-se três sopros insuficientes, inevitavelmente o militar da GNR teria de lhe transmitir necessariamente a ordem de se dirigir ao hospital como fez no caso e como consta do próprio auto de notícia de fls. 2.
A existência da consciência da ilicitude do arguido, e a existência dos demais elementos subjectivos, resulta das regras da experiência comum em conjugação com os factos que se deram como provados.
A situação pessoal, profissional e familiar do arguido resultou das suas declarações. Em relação aos antecedentes criminais teve-se em consideração o seu CRC.»
*
3. Apreciação do mérito do recurso.
O arguido defende a sua absolvição, o que sustenta com os seguintes argumentos.
- os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito.
- do elenco dos factos provados não consta ter havido qualquer ordem para submissão de exame de pesquisa de álcool por análise ao sangue, mas a recusa pelo arguido de ser conduzido a estabelecimento hospitalar perante a informação do militar da GNR.
- que a expressão constate dos factos provados "ao não efectuar o teste de alcoolemia cuja realização lhe fora ordenada pelo militar da GNR bem sabia que incumpria uma ordem legitima", é errónea para a sua subsunção ao crime de desobediência, porquanto não cabe ao arguido efectuar o teste de alcoolemia através de análises ao sangue, mas, cabe a técnicos de saúde habilitados para o efeito.
- do elenco dos factos provados consta apenas que " incumpria uma ordem legitima, que fora regularmente comunicada por um agente de autoridade que lhe fez a correspondente cominação", não sendo alcançável a factualidade ínsita nas expressões "regular comunicação" e "correspondente cominação", tratando-se de expressões vagas e genéricas, a que não corresponde uma concreta e especifica factualidade consubstanciadora desses mesmos elementos objectivos.
- dos factos objectivos provados não é possível retirar factualmente o dolo, pois que dos factos objectivos não resultam os factos do tipo subjectivo, como sua consequência lógica.
- Verificando-se a situação descrita no art. 4.º da Lei n.º 18/2007, de 17-05, de impossibilidade de realização do teste no ar expirado, deveria ter sido realizado exame médico para determinação do estado de influenciado pelo álcool, nos termos do art. 7.º da mesma Lei e do n.º 8 do artigo 153.º, do Código da Estrada e do art. 4.º da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Agosto.
- Apenas havendo recusa do arguido chegado ao estabelecimento hospitalar, se pode falar de crime de desobediência.
- como o arguido não estava em condições de realização do teste no ar expirado, a GNR deveria tê-lo levado a Unidade de Saúde, independente da anuência ou não do arguido.
- trata-se de um dever de actuação da entidade fiscalizadora, que não está na esfera de disposição ou recusa do examinando.
- só, então, se o arguido se recusasse a submeter a colheita de sangue é que haveria efectiva e definitivamente uma recusa em termos de a considerar penalmente relevante, ou seja, potenciadora da prática, pelo arguido, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, n.º1, al. a), do C. Penal, com referência ao art. 152º, n.º 3, do C. da Estrada.
E conclui que:
Perante os factos provados não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência, previsto pelos arts. 152.º, n.º 1, al. a) e 153º, nºs 7 e 8, ambos do C. da Estrada, 69º e 348º, ambos do C. Penal.
Não havendo nenhum facto provado que sustente ter havido não acatamento de qualquer ordem legítima para submissão a análise de sangue, deve a douta decisão recorrida ser revogada, por violação do disposto nos arts. 153º, n.º 8, do C. da Estrada, e do art. 4º da Lei n.º 18/2007, de 17/05.

Vejamos
Comete o crime de desobediência, atento o disposto no artigo 348º n.º 1 alínea a) do C. Penal, «quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente e uma disposição legal qualificar essa conduta como desobediência simples, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias».
O bem jurídico protegido em causa neste tipo de crime é, ainda, a autonomia intencional do Estado na vertente da não colocação de quaisquer obstáculos ao desenvolvimento da actividade administrativa das autoridades. Ou seja, trata-se de garantir que todos aqueles que executam funções públicas e, por isso, detêm um específico poder, sejam inequivocamente respeitados.
Como refere Cristina Líbano Monteiro em Nótula antes do artigo 347º do CP, em relação aos crimes previstos no capítulo “Dos Crimes Contra a Autoridade Pública” in Comentário Conimbricense, III Volume, pág. 337, «Estamos em presença de um bem-jurídico-meio digno de tutela penal na medida em que o fim que se protege antecipadamente – o bom funcionamento da vida social, indispensável à livre expansão da personalidade dos que a comparticipam – requer, como condição necessária uma autoridade obedecida.(…). O Estado de direito democrático é lugar de uma autoridade entendida como serviço público, garantia de bom funcionamento (coerente e ordenado) de todos e de cada um dos serviços públicos».
Em apreciação no caso como decorre da alínea a) do n.º1 do artigo 348º do CP, está um crime de desobediência por cominação legal [em oposição à cominação funcional] remetendo-nos a disposição directamente para um “preceito de direito penal extravagante que incrimina um determinado comportamento desobediente” vide Cristina Líbano Monteiro Ob. Cit. Pág. 353
No caso, tal preceito vem a identificar-se com disposto no artigo 152º n. 1 alínea a) e nº 3 do Código da Estrada: «devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas: os condutores(…)»; «as pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência».
Assim, comete o crime de desobediência, previsto no artigo 348º nº 1 alínea a) o condutor que, tendo-lhe sido transmitida uma ordem de autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter às provas de detecção de álcool, se recusar a tal. É o que decorre da lei, sem necessidade de qualquer cominação da autoridade relativa ao não cumprimento da ordem.
Assim, no caso em apreço, face à matéria de facto provada, devidamente interpretada na sua conjugação inevitável [porque os factos retractam um pedaço de vida com um encadeamento real] de uns factos com outros, nenhuma razão assiste ao recorrente na sua argumentação.
Efectivamente ficou demonstrado que: 1- No dia 17 de Dezembro de 2017, pelas 04h05, na Rua ., Zona Industrial ..., área desta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-TT-.., quando foi interceptado por uma patrulha da GNR - Unidade Nacional de Trânsito - que ali se encontrava em acção de fiscalização de trânsito. 2.Na ocasião o Cabo C... informou o arguido que teria de se submeter a teste de despistagem de teor de álcool no sangue através de ar expirado. 3.O arguido nas referidas circunstâncias de tempo, lugar e modo efectuou, pelo menos, três exames de expiração de ar - teste quantitativo - cujo resultado deu como "sopro insuficiente".4.Após o sopro insuficiente, foi informado pelo militar da GNR que iria ser conduzido ao Estabelecimento Hospitalar para ser submetido a exame pesquisa de álcool no sangue, tendo o arguido numa primeira fase aceitado, mas posteriormente recusou. 5.O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente bem sabendo que ao não efectuar o teste de alcoolemia cuja realização lhe fora ordenada pelo Militar da GNR, incumpria uma ordem legítima, que lhe fora regularmente comunicada por agente de autoridade que lhe fez a correspondente cominação legal. 6.Sabia igualmente que a sua conduta era criminalmente punível.»
Ora, não há quaisquer dúvidas, nem as podia ter o arguido, como pretende, em face do provado em 1 e 2, e face aos três sopros insuficientes que a informação do militar da GNR ao arguido “que iria ser conduzido ao Estabelecimento Hospitalar para ser submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue” é uma ordem, e tanto é que numa primeira fase o arguido a aceitou e depois recusou. Além disso, também consta do facto provado em 2. que o agente da GNR informou o arguido que teria de se submeter a teste de despistagem de teor de álcool no sangue através de ar expirado e o arguido acatou e efectuou três sopros.
Por outro lado, a ordem é legítima por provinda de um militar da GNR no exercício das suas funções de fiscalização de trânsito. E também é claro que o arguido com o seu comportamento desobedece a ordem de autoridade ou de agente de autoridade de submissão a prova de detecção de álcool no sangue através de pesquisa exame de pesquisa de álcool no sangue.
Mostram-se perfectibilizados todos os elementos constitutivos do crime de desobediência, com o acréscimo de uma advertência que foi efectuada pelo agente ao arguido, que se mostrava desnecessária, visto que é a lei que no caso faz a cominação, pois de uma cominação legal se trata e não de uma cominação funcional.
Acresce, que se provou que o arguido bem sabia que ao não efectuar o teste de alcoolemia cuja realização lhe fora ordenada pelo Militar da GNR [o que decorre directamente e como consequência, da sua recusa em ser transportado ao Hospital para tal efeito], incumpria uma ordem legítima, que lhe fora regularmente comunicada por agente de autoridade que lhe fez a correspondente cominação legal. Sabia igualmente que a sua conduta era criminalmente punível.»
Vejamos o último argumento.
O art.4.º da Lei n.º 18/2007, de 17-05, estatui que quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste, é realizada análise de sangue em estabelecimento de saúde, assegurando o agente da entidade fiscalizadora o transporte do individuo a submeter à colheita de sangue.
No caso em apreciação o recorrente fez 3 tentativas sucessivas para expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, sem o conseguir.
Nestas circunstâncias incumbia ao agente de autoridade policial transportar o recorrente ao estabelecimento de saúde para realização de exame por colheita de sangue.
Resultou, no entanto provado que o arguido que num primeiro momento acatou a ordem de “ser conduzido ao Estabelecimento Hospitalar para ser submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue”, recusou depois essa condução. Ora, não há dúvidas que com o seu declarado comportamento, o arguido deixou claro aos elementos da GNR a inutilidade da deslocação ao estabelecimento Hospitalar, para o efeito.
Por outro lado, a recolha de amostra de sangue nas circunstâncias em análise, resultaria numa direta violação da vontade do recorrente, examinando, por se tratar de execução forçada da recolha, perante a recusa; execução forçada que, assim, se traduziria na violação da integridade moral ou psíquica do arguido, enquanto bem jurídico relativo à autodeterminação e livre manifestação de vontade de cada pessoa – vide a propósito o Ac. do TC n.º 418/2013, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130418.html. Ora, perante este entendimento mais se antolha inútil qualquer deslocação ao estabelecimento Hospitalar, para o efeito.
Em conclusão, a conduta do arguido que resulta dos factos provados preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de que vem acusado, pelo que não pode proceder a sua pretensão de absolvição do crime pelo qual foi condenado.
*
III.- Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente - artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, nº 9 e tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais - em 3 (três) U.C.
*
Notifique.
*
[Elaborado em computador e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 09 de Maio de 2018
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares