Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1810/18.8T9MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: ANTECEDENTES CRIMINAIS
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202111101810/18.8T9MAI-A.P1
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA (RECURSO DO ARGUIDO).
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Tendo em conta o comportamento do arguido que levou a esta condenação, sendo que “a factualidade que levou à condenação nos presentes autos do requerido pela prática de um crime de falsificação de documento, foi o mesmo ter forjado um documento com intuito de o apresentar no Tribunal de Execução de Penas – como apresentou – para justificar o cancelamento do registo criminal da condenação então existente no seu certificado de registo criminal pela prática do sobredito crime de furto”, é indiciador de uma personalidade avessa aos comandos da Ordem Jurídica, sendo o arguido capaz de forjar um documento para ser apresentado no Tribunal e com vista a obter, no fundo, o que ora pretende obter, que do seu CRC não consta qualquer condenação criminal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 1810/18.8T9MAI.- A.P1
TRP 1ª Secção Criminal


Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. 1810/18.8T9MAI do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal da Maia - Juiz 2 em que é arguido
B…

Por despacho, pelo Mº Juiz, foi decidido:
“… a conduta tida pelo condenado, vertida na factualidade pela qual foi condenado nestes autos, impede-nos de presumir a inexistência de risco a que o mesmo venha a cometer outros crimes, dessa natureza ou de outra; pelo contrário, tal conduta apenas aponta para a probabilidade séria de ser possível cometer novos crimes, já que foi capaz de apresentar um documento forjado no Tribunal para atestar da existência dos pressupostos necessários para o cancelamento do registo criminal, como requerera, pelo que ao abrigo do disposto no – artigo 13.º n.º 1 e 10.º n.º 6 da Lei de Identificação Criminal, indefere-se o requerido.”

Recorre o arguido o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões:
I. Andou mal, o Tribunal “a quo”, ao indeferir o pedido efectuado pelo arguido de não transcrição da Sentença proferida no âmbito dos presentes autos no seu Certificado de Registo Criminal, por entender, em suma, que dos factos dados como provados se infere a alta probabilidade de o Arguido vir a cometer novos crimes.
II. Em toda a sua vida o Arguido apenas foi condenado por dois crimes, de natureza diferente, distando 10 anos entre as duas condenações.
III. Os factos dados como provados nos presentes autos, conjuntamente com o facto de ser o Arguido Sócio-gerente de uma Sociedade comercial, a qual concorre frequentemente a concursos públicos e tendo necessidade de juntar o seu CRC aos mesmos, permite efectuar um juízo de prognose em como este terá sempre uma conduta incólume, pois disso depende a sua empresa e consequentemente a sua subsistência e da sua família.
IV. A transcrição da presente Sentença para o certificado de registo criminal do Arguido levará a que a empresa de que este é Sócio-Gerente não possa concorrer a concursos, deixando de lhe ser adjudicadas obras, o que resultará na insolvência da sua sociedade ou na sua venda, ficando assim o Arguido impedido de exercer a sua profissão.
V. O Arguido cumpriu já na totalidade a pena de multa em que foi condenado, ostrando-se assim preenchidos na integra os requisitos elencados nos arts. 13.º da Lei Da Identificação Criminal.
VI. A decisão de não transcrição sempre estaria salvaguardada, pois em caso de futura condenação, ficaria a mesma automaticamente sem efeito.
VII. Vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-05-2020, proferido no âmbito do processo 71/18.3GAMMV-A.C1 e disponível www.dgsi.pt .
VIII. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal “a quo” os arts. 13.º e 10.º da Lei Da Identificação Criminal, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a não transcrição da Sentença para o certificado de registo criminal.
Sem prescindir,
IX. Ao ter em conta a condenação do Arguido pelo crime pelo qual foi condenado em 2011 (e cuja transcrição no certificado de registo criminal foi já cancelada nos termos da lei) e ao fazer um paralelismo com a presenta condenação para concluir com a possibilidade de cometimento de novos crimes pelo arguido, incorre a decisão sob recurso em inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
X. A Lei ao determinar o cancelamento dos registos criminais, decorridos que sejam determinados prazos sem que o Arguido tenha cometido novos crimes, está a excluir essas condenações do plano jurídico, para todos os efeitos, considerando que o arguido está definitivamente reabilitado!
XI. Se essas condenações forem tidas em conta, permitir-se-á a distinção do Arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”, violando assim o Princípio da igualdade Constitucionalmente consagrado, inconstitucionalidade que desde já e para todos os efeitos se alega!
XII. Vide, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02-07-2019, proferido no âmbito do processo 92/15.8GCSTC.E1 e disponível em www.dgsi.pt .
XIII. Também por aqui deve a decisão agora sob recurso ser revogada e substituída por outra que ordene a não transcrição da Sentença no certificado de registo criminal do Arguido!

O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta do despacho recorrido (transcrição):
“(…)
B… foi condenado, por sentença transitada em julgado a 25 de Março de 2021, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas a), c) e e) do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 8,00€ (oito euros), no valor total de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros).
No requerimento que antecede vem B… requerer a não transcrição da condenação para o seu certificado de registo criminal, alegando já ter liquidado a pena de multa, assim como por entender que estão preenchidos os demais requisitos legais, designadamente por estar readaptado.
Apreciando.
Nos termos do n.º 1 do referido artigo 13.º, e desde que não se trate de condenação por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, são três os requisitos para que o Tribunal possa determinar, na sentença ou em despacho posterior, a não transcrição da sentença nos registos criminais do condenado (pessoa singular):
A pena aplicada seja de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;
O arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e
Sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
In casu, B… foi condenado em pena de multa – pena não privativa da liberdade –, por crime que não se enquadra nos enunciados na primeira parte do normativo em apreciação.
O mesmo pagou já a pena em que foi condenado.
Muito embora o seu C.R.C. não contenha agora antecedentes criminais é sabido que o mesmo foi já condenado pela prática de um crime de furto, ocorrido em 2007, por tal constar dos factos dados como provados (sob o ponto 1) na sentença condenatória.
A nosso ver, não seria tal condenação, só por si, merecedora de implicar a recusa ao agora requerido: tal condenação remonta a factos ocorridos em 2007 e a sentença ao ano de 2011, além de que se trata de uma condenação por crime de diferente natureza daquele pelo qual foi condenado nestes autos.
Sucede que, a factualidade que levou à condenação nos presentes autos do requerido pela prática de um crime de falsificação de documento, foi o mesmo ter forjado um documento com intuito de o apresentar no Tribunal de Execução de Penas – como apresentou – para justificar o cancelamento do registo criminal da condenação então existente no seu certificado de registo criminal pela prática do sobredito crime de furto.
Ora, esta conduta é de extrema gravidade e censurabilidade no que toca ao funcionamento da justiça em geral e dos Tribunais e da necessidade da existência dos certificados de registo criminal, em particular.
É certo que B… já foi condenado por esses factos e até já cumpriu a pena imposta, pela que sempre se dirá que já “pagou” por aquilo que fez.
Contudo, a conduta tida pelo condenado, vertida na factualidade pela qual foi condenado nestes autos, impede-nos de presumir a inexistência de risco a que o mesmo venha a cometer outros crimes, dessa natureza ou de outra; pelo contrário, tal conduta apenas aponta para a probabilidade séria de ser possível cometer novos crimes, já que foi capaz de apresentar um documento forjado no Tribunal para atestar da existência dos pressupostos necessários para o cancelamento do registo criminal, como requerera, pelo que ao abrigo do disposto no – artigo 13.º n.º 1 e 10.º n.º 6 da Lei de Identificação Criminal, indefere-se o requerido.

São as seguintes as questões a apreciar:
- Se deve ser ordenada a não transcrição da sentença no CRC do arguido;
- Se ocorre violação do principio da igualdade

O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12, que não se mostra que ocorram

Questiona o arguido a decisão que indeferiu o pedido de não transcrição da condenação sofrida nestes autos, no CRC do arguido, por entender que não se verifica o requisito material consistente em “Sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.”, pois que o artº 13º da Lei 37/2015 de 5/5 dispõe “1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º
2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão”, estando o requisito material em causa previsto na citada norma.
Tal decidir o tribunal recorrido atentou que a razão do crime em apreço – falsificação – continha em si uma carga de tal forma negativa que impedia a emissão de um juízo de que o arguido não cometerá novos crimes.
Na verdade tendo em conta o comportamento do arguido que levou a esta condenação, sendo que “a factualidade que levou à condenação nos presentes autos do requerido pela prática de um crime de falsificação de documento, foi o mesmo ter forjado um documento com intuito de o apresentar no Tribunal de Execução de Penas – como apresentou – para justificar o cancelamento do registo criminal da condenação então existente no seu certificado de registo criminal pela prática do sobredito crime de furto”, é indiciador de uma personalidade avessa aos comandos da Ordem Jurídica, sendo o arguido capaz de forjar um documento para ser apresentado no Tribunal e com vista a obter, no fundo, o que ora pretende obter, que do seu CRC não consta qualquer condenação criminal.
Alega o arguido que é “o gerente de uma Sociedade comercial que concorre frequentemente a concursos públicos, tendo necessidade por isso mesmo de juntar o seu CRC aos mesmos,” e nada impede que o junte, se for obrigatório, mas tendo em conta que como consta dessa sentença condenatória que “exerce a actividade profissional de gerente de empresas, tendo criado a sua própria empresa em 2007, auferindo um vencimento mensal de €1582” e que estava em causa a emissão de uma declaração em como tinha pago a indemnização de 400€, que o arguido forjou com vista a obter o cancelamento da condenação anterior no registo criminal, e teve o desplante de o apresentar no Tribunal, fácil é concluir que quem, por tão pouco suja as mãos não encontrará nenhum inconveniente ético que o impeça de adoptar uma outra conduta ilícita, e mormente de apresentar documentos falsos em concursos públicos (situação, aliás que tem sido anotada) e perante órgãos administrativos, que não de soberania como são os Tribunais.
Nestas circunstancias, não é possível emitir um juízo de prognose favorável ao arguido, devendo ser mantido despacho recorrido.

Não há que invocar aqui o principio da igualdade, pois este impõe que se trata de igual situações iguais e de modo desigual situações desiguais, e uma coisa é ter o CRC cancelado (rectius antecedentes criminais cancelados pelo decurso do prazo) e outra ordenar-se judicialmente esse cancelamento, antes do prazo legal, nem os antecedentes criminais do arguido (crime de furto já cancelado) estão aqui em causa ou interessam para o efeito em apreço.
Improcede assim o recurso

Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém o despacho recorrido.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
Porto, 10/11/2021
José A. Vaz Carreto
Paula Guerreiro