Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE SEABRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO ACÇÃO DE DESPEJO DESPEJO IMEDIATO OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA | ||
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Nº do Documento: | RP201703131875/16.7YLPRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/13/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 646, FLS 380-391) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Deduzido pedido incidental de despejo imediato, a única defesa possível para o arrendatário obstar ao despejo será a prova do pagamento ou do depósito das rendas vencidas na pendência da acção ou procedimento, podendo este depósito ser efectuado a título condicional, no caso de o mesmo entender que as rendas não são devidas. II - Discutindo o Requerido a qualificação jurídica do contrato (contrato de arrendamento versus contrato promessa de compra e venda), o despejo imediato deverá, ainda assim, ser decretado se do contrato junto (obrigatoriamente reduzido a escrito) e da sua exegese resultar a inequívoca demonstração da existência de um contrato de arrendamento [ainda que associado a uma opção de compra e promessa de compra e venda], se estiver previsto o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de renda, pela gozo do prédio em causa e até à data em que tenha lugar a dita opção de compra(sendo certo que, no caso, essa opção de compra não teve lugar). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1875/16.7YLPRT-B-P1 - Apelação Origem: VN Gaia – Instância Local- Secção Cível – J3. Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des. Sousa Lameira. 2º Adjunto Des. Oliveira Abreu * Sumário (Elaborado pelo Relator):I. Deduzido pedido incidental de despejo imediato, a única defesa possível para o arrendatário obstar ao despejo será a prova do pagamento ou do depósito das rendas vencidas na pendência da acção ou procedimento, podendo este depósito ser efectuado a título condicional, no caso de o mesmo entender que as rendas não são devidas. II. Discutindo o Requerido a qualificação jurídica do contrato (contrato de arrendamento versus contrato promessa de compra e venda), o despejo imediato deverá, ainda assim, ser decretado se do contrato junto (obrigatoriamente reduzido a escrito) e da sua exegese resultar a inequívoca demonstração da existência de um contrato de arrendamento [ainda que associado a uma opção de compra e promessa de compra e venda], se estiver previsto o pagamento de uma contrapartida mensal, a título de renda, pela gozo do prédio em causa e até à data em que tenha lugar a dita opção de compra(sendo certo que, no caso, essa opção de compra não teve lugar). * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO 1. B… e C…, melhor identificados nos autos, instauraram processo especial de despejo contra D… e E…, pedindo, a final, que seja decretada a cessação do contrato de arrendamento que invocaram nos autos com a consequente desocupação do locado. * 2. Com data de 14.09.2016 foi proferido o seguinte despacho:«Quanto ao mais, considerando que a acção deu entrada em Juízo a 27.06.2016 sem que se mostrem depositadas as rendas vencidas desde a instauração do processo, de harmonia com o disposto no art. 14º, n.º 4 do NRAU, determino se notifique expressamente os Réus para, em 10 dias, procederem ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos.» * 3. Por despacho de 31.10.2016 foi proferida a seguinte decisão (ora recorrida):«Os Requeridos, apesar de notificados para procederem ao pagamento das rendas vencidas na pendência do procedimento, juntando prova aos autos, nada vieram dizer, nem depositar ou pagar. Se, na pendência do procedimento especial de despejo, o requerido não proceder ao pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo, nos termos previstos no art. 15º, n.º 8 do NRAU, o BNA converte o requerimento de despejo em título para desocupação efectiva do locado – cfr. art. 15º, n.º 1 al. c) do NRAU. Assim sendo, determino que se comunique tal facto ao Balcão Nacional de Arrendamento nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-E, n.º 1 al. c), da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto). Notifique. VNG, m.d.» * 4. Não se conformando com este despacho, vieram interpor recurso os RR. D… e E…, em cujo âmbito deduziram as seguintesCONCLUSÕES A. A decisão de que se recorre é completamente omissa quanto aos factos que serviram para formar a sua convicção e aos motivos da mesma convicção;B. É completamente omissa quanto ao «itinerário cognoscitivo» quer quantos aos fundamentos de direito, por isso mesmo é nula nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC. C. Houve omissão de pronúncia em toda a matéria constante da oposição apresentada pelos agora apelantes, quanto ao pedido dos apelantes, violando o disposto no art. 608º, n.º 2 e art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC; D. O Tribunal a quo deveria ter prosseguido com a fase contenciosa nos termos do artigo 15-H/2/3 do NRAU, apurando da existência de um contrato de arrendamento ou de um contrato promessa de compra e venda, da existência de rendas a pagar ou reforço de sinal. E. Pelo que deve o despacho de 31/10/2016 ser declarado nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia e prosseguir o processo para a fase contenciosa. Termos em que deve ser o despacho ser declarado nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia e prosseguir para a fase contenciosa. * 5. Não foram oferecidas contra-alegações.* 6. Foram cumpridos os vistos legais.* II- FUNDAMENTAÇÃO.O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil [doravante designado apenas por CPC]. No seguimento desta orientação, as questões que se colocam nos presentes autos são as seguintes: a)- nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação; b)- nulidade do despacho por omissão de pronúncia; c)- revogação do despacho recorrido e prosseguimento dos autos para a «fase contenciosa». * III- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.1. Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito: A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito. Vejamos. Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3 do CPC que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando «os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.» Esta regra, como é consabido, aplica-se não só à sentença final, mas, ainda, «com as necessárias adaptações» (art. 613º, n.º 3 do CPC) a qualquer despacho, designadamente, como ora sucede, ao despacho que pôs termo ao incidente de despejo imediato, previsto no art. 14º, n.º 5 da Lei n.º 6/2006 de 27.02, com a redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14.08. Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1 al. b) do CPC que é nula a sentença que «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.» [sublinhado nosso] Com efeito, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. [1] Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. [2] Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito do despacho/sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade «não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.» [3] [sublinhado nosso] Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. ALBERTO dos REIS [4], a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a «falta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.» [5] [sublinhado nosso] Todavia, a nosso ver, no actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do CPC), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório. [6] Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso julgamento que não ocorre a sobredita nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Com efeito, do teor do despacho ora em apreço é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido no despacho em causa, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que a Srª Juiz considerou demonstrado que na pendência do presente procedimento especial de despejo instaurado pelos AA. contra os RR. e ora apelantes, estes últimos não tinham efectuado o pagamento ou comprovado o depósito das rendas vencidas durante a sua pendência - o que, diga-se, não foi posto em causa na sequência da notificação prevista no n.º 4 do art. 14º do NRAU -, pelo que, em razão do preceituado nos art. 15º, n.º 8 e 15º-E, n.º 1 al. c)- do NRAU (aditado pela Lei n.º 31/2012 de 14.08), o requerimento de despejo deveria ser convertido em título para a desocupação do locado, o que foi decidido. Neste conspecto, estando em causa a decisão de um incidente de despejo imediato, cujos termos legais são limitados, compreendendo apenas o requerimento e a respectiva resposta, não é, regra geral, exigível uma particular uma fundamentação do julgado, seja ela factual ou jurídica, em especial quando não é deduzida oposição ao incidente. Nestes termos, e nesta perspectiva, a fundamentação constante do despacho recorrido é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respectivos destinatários exercer, de forma efectiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância. Como assim, não pode, pois, sustentar-se que o despacho em crise seja nulo por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido no despacho em apreço se mostram nele evidenciados de forma objectiva, lógica e racional. É certo, diga-se, desde já, que o despacho recorrido partiu, pelo menos tacitamente, do pressuposto lógico adquirido de que o contrato sub judice era um contrato de arrendamento, quando essa questão – esgrimida pelos RR. na sua contestação à pretensão de despejo inicialmente deduzida nos autos pelos e AA. – configurava uma clara questão prejudicial e decisiva para o conhecimento do mérito do próprio incidente de despejo imediato. Todavia, a omissão de decisão sobre essa questão não configura uma situação de falta de fundamentação de facto e de direito – no sentido antes defendido – mas antes uma eventual omissão de pronúncia, nulidade que se mostra também suscitada pelos apelantes e de que se conhecerá de imediato. Sendo assim, os apelantes podem, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido no despacho em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea (o que contenderá com o mérito do despacho e pode conduzir a sua revogação ou alteração), mas não podem sustentar de forma procedente, que o despacho em crise é nulo por falta de fundamentação, sendo que, como exposto, apenas a absoluta ausência de fundamentação (de facto e de direito) – de forma que impeça o destinatário de alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao despacho em crise - pode levar ao decretamento da nulidade da decisão. Destarte, neste segmento, improcede a apelação. * 2. Nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia:Como se referiu, invocam, ainda, os apelantes a nulidade do despacho por omissão de pronúncia. Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença [ou o despacho) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do CPC, em que se prescreve que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.» Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido; As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objecto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do CPC; Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia. Neste sentido, colhendo, de novo, a lição de J. ALBERTO dos REIS, refere este Ilustre Professor, que «uma coisa é o Tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes submetem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». [7] Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos avocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se «sobre as questões que devesse apreciar» ou sobre as «questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.» [8] Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respectiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4 do CPC, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das excepções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, excepções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas; Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou «error in iudicando», mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feitas estas considerações prévias, cremos que, no caso, e como já antes avancámos, ocorre, de facto, a invocada omissão de pronúncia do despacho recorrido. Com efeito, se é certo que, na sequência do requerimento de despejo imediato deduzido pelos AA. e da sua subsequente notificação, os RR. não deduziram qualquer oposição (e não procederam ao pagamento/depósito das rendas reclamadas pelos AA.), certo é também que os mesmos na sua prévia contestação invocaram, além do mais, que o contrato celebrado entre as partes não deveria ser qualificado como contrato de arrendamento, mas antes como contrato promessa de compra e venda de imóvel, com entrega ou tradição do mesmo a seu favor [arts. 35º a 62º da oposição], assim como invocaram a realização de várias despesas no mesmo imóvel, a título de benfeitorias úteis, e o consequente direito de retenção sobre o imóvel, à luz do preceituado no art. 755º, n.º 1 al. f) do Cód. Civil [arts. 63º a 72º da oposição], tudo, portanto, enquanto factos impeditivos ou extintivos da sua alegada obrigação de pagamento das rendas reclamadas pelos AA. e da entrega do prédio em apreço. Ora, neste contexto, o Tribunal a quo, com o devido respeito, não podia, não obstante a ausência de resposta ou oposição dos RR. ao incidente de despejo imediato deduzido pelos AA. por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência do procedimento especial de despejo, deixar de conhecer das questões previamente suscitadas pelos RR. na sua contestação, pois que as mesmas se apresentam, de um ponto de vista legal e lógico, como manifestamente prejudiciais relativamente ao decretamento do despejo imediato. De facto, a serem conhecidas – como deviam – pelo Tribunal a quo tais excepções suscitadas pelos RR. e na eventualidade de as mesmas serem consideradas procedentes (decisão de procedência – ou de improcedência - que pressupõe, logica e necessariamente, o expresso, claro e fundamentado conhecimento de tal matéria de excepção), teria que improceder a pretensão dos AA. quanto ao despejo imediato, por fracassar o seu pressuposto essencial, qual seja a obrigação de pagamento de rendas a cargo dos RR. ou a obrigação da entrega do prédio. Dito de outra forma, teria o tribunal recorrido que afirmar, para efeitos decisórios do incidente de despejo imediato, a obrigação de pagamento de rendas a cargo dos RR. e a obrigação de entrega do prédio, pois que sem uma tal afirmação, não poderia colher a pretensão de despejo imediato, antes devendo os autos prosseguir para decisão de tais questões a final. Destarte, segundo cremos o despacho enferma de manifesta nulidade por omissão de pronúncia, para os efeitos previstos no art. 615º, n.º 1 al. d) ex vi dos arts. 608º, n.º 2 e 613º, n.º 3, todos do CPC. Mas, se assim é, a solução não é (e já não era no anterior Código de Processo Civil – art. 715º, n.º 1 deste último) o «simples» decretamento de tal nulidade e a consequente remessa dos autos para suprimento da mesma à 1ª instância. Nestas hipóteses, como decorre do disposto no art. 665º, n.º 1 do CPC, por razões de economia processual e de celeridade (e não obstante a solução implique, como é reconhecido, a eliminação de um grau de jurisdição), incumbe ao próprio Tribunal da Relação, dispondo dos elementos necessários para tal, conhecer, em sede de apelação, da excepção cuja apreciação foi omitida pelo tribunal de 1ª instância, substituindo-se, pois, a este último, sendo certo que as questões que neste âmbito se suscitam se mostram esgrimidas pelos Recorrentes nas suas alegações, ao pugnarem pela revogação do despacho recorrido e pelo prosseguimento dos autos para a sua fase contenciosa, no pressuposto lógico de que as excepções invocadas obstam ao decretamento do despejo imediato [vide conclusões D e E do presente recurso]. [9] Vale, assim, por dizer que, neste enquadramento, a questão que se coloca é, pois, a de saber se deveria ter sido decretado o despejo imediato, ou, ao invés, se as excepções invocadas obstam a tal decretamento, partindo-se da constatação objectiva e processualmente adquirida de que os ora apelantes, na sequência da notificação prevista no art. 14º, n.º 4 do NRAU, não procederam ao pagamento ou ao depósito de quaisquer quantias à ordem dos autos. [vide notificação a fls. 98 e elementos subsequentes constantes destes autos] Vejamos. De acordo com o preceituado nos arts. 14º, n.º 3 e 15º, n.º 8 do NRAU, as rendas que se forem vencendo na pendência acção de despejo ou do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas nos termos gerais. Como assim, na sequência de uma longa tradição legislativa (arts. 77º da Lei n.º 2030 de 22.06.1948, 979º do CPC/1939 e art. 58º do RAU), a falta de pagamento ou depósito tempestivo das rendas que se vencerem na pendência do procedimento especial de despejo, seja qual for o fundamento invocado para o despejo, constitui título autónomo para desocupação do locado, com a faculdade de o requerente a efectivar imediatamente (cfr. arts. 15º-D, n.º 4 al. c), 15º, n.º 8 e 15º-E, n.º 1 al. c), todos do NRAU). [10] Neste contexto, a questão que tem sido colocada ao nível da doutrina e da jurisprudência – e que nos presentes autos se coloca - é a de saber se é legalmente viável decretar o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência de acção de despejo/procedimento especial de despejo, quando ainda não se decidiu se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas peticionadas, tendo por base o incumprimento contratual que estes imputam ao autor. A questão colocada não tem, como é consabido, merecido uma resposta unívoca na doutrina e na jurisprudência. Para uma corrente, nas sobreditas hipóteses, o despejo imediato não deve ser decretado.[11] Para uma outra corrente, nessas mesmas hipóteses, nada obsta ao despejo imediato. [12] Ponderada a questão e sendo certo que o tribunal não pode restar na posição de «non liquet», cumpre decidir e optar pela solução que cremos ser a consagrada pelo legislador, tendo em conta, naturalmente, a singular situação do caso dos autos. Nesta matéria, escreveu-se no citado Acórdão desta Relação de 19.05.2014, cujo teor merece a nossa inteira adesão, o seguinte: «A razão de ser ou o fundamento jurídico do despejo imediato consistiu e consiste em evitar situações em que o arrendatário, demandado em juízo pelo senhorio, poderia continuar a gozar da coisa arrendada sem pagar a renda estipulada, podendo tal situação arrastar-se por vários anos, desde a instauração da acção até à execução da sentença transitada em julgado, após um ou mais recursos. A forma de pôr termo a tais acções abusivas dos arrendatários e de evitar a disseminação de tal comportamento, consistiu precisamente na possibilidade de ser obtido o despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas durante a pendência do processo. Face aos interesses em causa e à finalidade do incidente, os fundamentos da acção passam a ser secundários, pelo que, seja qual for o fundamento invocado na acção para a resolução do contrato de arrendamento, o senhorio, após a instauração da acção, poderá sempre obter o despejo com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas durante a acção, caso estas não sejam pagas ou depositadas. E isto é assim mesmo nos casos em que o fundamento da acção, ou um dos fundamentos, é justamente a falta de pagamento de rendas. O que melhor se compreende se se tiver em consideração que este incidente está configurado como uma nova causa; como uma nova acção; como uma outra causa de pedir, diversa da causa de pedir invocada na acção em curso. Estando o incidente de despejo imediato construído desta forma, a consequência lógica implica que não possam ser invocados quaisquer outros argumentos destinados a neutralizar o pedido de despejo imediato além do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da causa e indemnização devida; Com efeito, se este incidente não tivesse esta morfologia, então não se distinguiria de uma acção declarativa típica e não passaria de uma duplicação de acções numa só acção. Se se admitissem outros fundamentos de oposição, o incidente apenas produziria uma maior complexidade processual e o seu objectivo (impedimento do gozo da coisa pelo arrendatário sem dispêndio de dinheiro por parte deste durante largo tempo, inclusive anos), não seria alcançado. Mas se um objectivo não é susceptível de ser alcançado através de um certo processo, então tal processo carece de justificação e não deve ser sequer implementado. Por conseguinte, e finalizando esta primeira questão, tem de se concluir que este incidente, de acordo com a sua razão de ser ou não admite outra oposição que não seja a prova do pagamento ou depósito das rendas e indemnização devidas ou, caso contrário, não deveria sequer existir. Conclui-se, pelo exposto, que o incidente apenas admite como fundamento de oposição a alegação e prova de que as rendas em causa foram pagas ou depositadas.» [sublinhados nossos] E, ainda, se escreve no mesmo aresto desta Relação, cuja lição aqui se perfilha: «Cumpre apreciar, por fim, a constitucionalidade do incidente na hipótese de se considerar, como se considerou, que o mesmo não admite qualquer outro meio de defesa a não ser o pagamento ou o depósito das rendas. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria pelo menos uma vez, tendo concluído pela inconstitucionalidade da norma. Com efeito, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 673/2005 decidiu-se o seguinte: «Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90 de 15 de Outubro, na interpretação segundo a qual mesmo que na acção de despejo persista controvérsia, quer quanto à identidade do arrendatário quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida» [AC TC publicado no DR II série, n.º 25, de 3.02.2006]. Considerou-se na fundamentação deste acórdão que a limitação dos meios de defesa do demandado à prova do pagamento ou depósito da renda surgia de forma ostensiva, como uma restrição constitucionalmente intolerável do direito de defesa no incidente de despejo imediato (por falta de pagamento de rendas na pendência de acção de despejo). Nos termos do acórdão, «Tal meio de defesa é manifestamente desajustado em todos os casos em que justamente se questiona o próprio dever de pagamento de determinada renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local). No presente caso, em que, para além da controvérsia sobre a qualidade de locatária da primitiva ré, a interveniente (ora recorrente) sustenta o seu direito de ocupação do local em contrato-promessa de compra e venda que teria celebrado com o autor, com consequente inexistência do dever de pagamento de rendas, sendo as entregas de valor feitas imputadas no pagamento do preço de compra, questão que se encontrava ainda pendente quando foram proferidas as decisões das instâncias ora em causa, é óbvia a desadequação e inefectividade do único meio de defesa que foi reconhecido à recorrente: a prova do pagamento ou depósito das rendas pretensamente em falta, acompanhada da indemnização devida» Como se tem vindo a referir, ou se admite o incidente tal como está desenhado quanto à sua simplicidade, rapidez e eficácia ou, então, a sua admissibilidade não logra justificação. Com efeito, se forem dados ao arrendatário meios processuais para discutir, por exemplo, a validade do contrato de arrendamento ou o montante da renda, o incidente perde simplicidade e torna-se complexo; perde rapidez e torna-se moroso; perde eficácia e torna-se inócuo, pois quando a questão se encontrar definitivamente julgada já não evita os prejuízos que, entretanto foram causados. Daí que, tendo em consideração a questão jurídica a resolver, haja de fazer opções: ou se limitam os meios de defesa e se admite o incidente; se se admitem meios de defesa sem restrições, o incidente torna-se imprestável. Já se viu que a lei procura combater as situações em que o arrendatário permanece na posse do local arrendado durante um, dois ou mais anos, sem pagar renda e quando finalmente o senhorio recupera o local, este corre o risco de nada receber porque nada consegue cobrar do arrendatário. Se a ordem jurídica permitir a existência desta prática, muitos arrendatários encontrarão neste mecanismo um meio fácil de usufruir de bens sem nada despenderem e o êxito de tais procedimentos tenderá sempre a angariar cada vez mais aderentes. Por conseguinte, ou a lei sacrifica eventuais direitos do arrendatário ou do senhorio. Trata-se de uma questão de ponderação de interesses: quais são os interesses que devem prevalecer? Afigura-se que, presentemente, deve prevalecer o do senhorio, pelas seguintes razões: (1) O arrendatário pode depositar a renda e este acto não implica a transferência do dinheiro para a esfera jurídica do senhorio, pois fica à ordem do tribunal, não existindo aqui um benefício imediato para o senhorio. Porém, o uso do local arrendado pelo arrendatário, sem pagamento de renda, traduz um benefício imediato para este e, ao mesmo tempo, pode tratar-se de um prejuízo definitivo para o senhorio, o qual fica privado da posse do local, não dispondo dele para si próprio, nem para facultar a outrem. (2) Actualmente, nos termos do artigo 1069.º do Código Civil, os contratos de arrendamento estão obrigatoriamente sujeitos à forma escrita. Nestas condições, as acções de despejo que sejam interpostas, nas quais se enxerta o incidente de despejo imediato, têm como pressuposto um contrato de arrendamento escrito, do qual consta a identidade das partes e as prestações recíprocas (locado e montante da renda). Por conseguinte, o Autor, ao pedir o despejo, junta o contrato de arrendamento ou, então, não havendo contrato de arrendamento escrito, a acção a instaurar será outra, mas não a de despejo. [13] Desta forma, tendo de existir contrato de arrendamento escrito, desde a entrada em vigor da nova redacção do artigo 1069.º do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, sob pena de não ser possível instaurar acção de despejo, então serão residuais e, por isso, desprezíveis, os casos em que surgirão arrendatários a invocar a «inexistência de um contrato de arrendamento válido» acompanhada de recusa de entrega do local ocupado, ou de «não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário», ou algum dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade», ou, ainda, «invocação de diverso título para justificar a ocupação do local», hipóteses estas mencionadas no citado acórdão do Tribunal Constitucional. Afigura-se, por conseguinte, que no contexto da actual ordem jurídica, devido à exigência de contrato escrito, sob pena de não existir arrendamento válido, embora existindo uma limitação dos direitos de defesa do arrendatário, tal limitação é socialmente justificada, não ofendendo por isso, salvo melhor entendimento, os preceitos exarados no artigo 20.º (acesso ao direito e efectiva tutela jurisdicional) da Constituição.» Ora, no caso em apreço, tendo presente as considerações anteriores, com as quais, como referimos, concordamos integralmente, é nosso julgamento que o despejo imediato deveria ter sido decretado – como foi -, ainda que pelas razões que ora se invocam, a título de juízo substitutivo. Com efeito, o contrato ajuizado e constante de fls. 4 verso a 8 dos autos, ao menos indiciariamente (sem prejuízo, pois, do que a final vier a ser decidido sobre o mérito da causa, que não se confunde com a decisão do presente incidente), não é, como ora pretendem os apelantes, um contrato promessa de compra e venda «tout court» ou, dito, de outra forma e mais correctamente, não é apenas e só um contrato promessa de compra e venda. De facto, a par com a promessa invocada existe, inequivocamente, também um contrato de arrendamento do prédio em apreço. Neste sentido, consta do aludido contrato que, sem prejuízo da cláusula sexta [isto é, sem prejuízo da opção de compra reservada pelos segundos outorgantes – ora apelantes – e que estes podem exercer até 31.08.2017], «os primeiros outorgantes dão de arrendamento aos segundos», a referida fracção autónoma, de acordo com o consignado nos arts. 1064º e segs. e 1095º e segs. do Código Civil, por prazo certo de três anos, com início a 1.04.2015 e termo a 31.03.2008, mediante o pagamento de uma contrapartida denominada de renda - «A renda anual é de € 9.600,00, e é paga em duodécimos de € 800,00, por transferência bancária a favor do NIB …, da conta que os primeiros outorgantes são titulares no banco F…, com vencimento no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar, devendo os senhorios remeterem aos segundos outorgantes o respectivo recibo de renda após boa cobrança» -, contrapartida ou renda essa sujeita ao regime de actualização anual prevista no artigo 1077º, n.º 2 e seguintes do Código Civil), sendo certo, ainda, que os ali segundo outorgantes (e ora apelantes) declararam «aceitar este arrendamento, nos termos exarados.» [vide cláusulas 2ª, als. a) a k) e 4ª do aludido contrato]. Como assim, não se vislumbra como podem os RR. sustentar que o aludido negócio não é um contrato de arrendamento! Porém, não deixa de estar previsto no dito contrato que «os segundos outorgantes reservam para si a faculdade de, até 31 de Agosto de 2017, em alternativa a manter em vigor o presente contrato de arrendamento, adquirir, por compra e venda, o andar objecto do presente contrato aos primeiros outorgantes», sendo que, em tal caso, os «primeiros outorgantes prometem, desde já, vender aos segundos, que por sua vez, prometem comprar àqueles, livre de quaisquer ónus ou encargos ou de quaisquer responsabilidades (…), o andar acima identificado, pelo preço global de € 200. 000, 00 (duzentos mil euros), que será integralmente pago na data da outorga da escritura pública de compra e venda», mais prevendo, ainda, o abatimento de valores entretanto pagos a título de rendas e de um diverso valor de desconto consoante a data até à qual seja celebrada a escritura pública de compra e venda (até 31.08.2015 ou até 31.08.206), assim como o acréscimo dos valores entretanto pagos pelos primeiro outorgantes (proprietários do andar), a título de condomínio e IMI, salvo se a escritura for celebrada já entre 1.09.2016 e o dia 31.08.2017, hipótese esta em que já não haverá lugar a qualquer tipo de dedução ou de acréscimo [vide clausulas 6ª, n.º 1, 2, 3 do mesmo ajuizado contrato]. Destarte, como resulta do exposto, e ao contrário do que sustentam os apelantes, resulta patente do ajuizado contrato que não existe apenas um contrato de arrendamento ou apenas um contrato promessa bilateral de compra e venda, mas uma coligação ou união daqueles dois contratos, em que ambos se encontram ligados funcionalmente, atento o fim visado pelas partes. [14] Aliás, por ser assim, os próprios RR., na sua oposição, se referem a rendas e a recibos de rendas, conforme consta também dos documentos a fls. 60-67 dos autos [vide art. 40º da oposição], como, ainda, admitem que, se a final, viesse a ser outorgado o prometido contrato de compra e venda os valores das rendas entretanto pagas seriam abatidas no preço final. Trata-se-, pois, de sinal inequívoco, de que até à verificação da opção de compra (na livre disposição dos arrendatários) e celebração do prometido contrato de compra e venda, os RR. tinham de pagar, mensalmente, a renda convencionada, sendo certo, ademais, que poderia nem sequer vir a ser celebrado qualquer contrato de compra e venda, uma vez que, como já se referiu, a opção de compra competia, em exclusivo, aos RR., que podiam (discricionariamente) não a exercer. Como assim, no dito circunstancialismo, demonstrado de forma inequívoca o aludido contrato de arrendamento, e como resulta do já exposto, os ora apelantes apenas poderiam obstar ao despejo imediato pagando ou comprovando o depósito das rendas vencidas (ainda que condicional), o que, confessadamente, não fizeram. E também não releva, para este efeito, a questão do direito de retenção invocado pelos apelantes. De facto, se se partir do convencionado entre as partes no âmbito do dito contrato de arrendamento, a indemnização por alegadas benfeitorias é de excluir à luz do convencionado e do seu pontual e estrito cumprimento («pacta sunt servanta») – art. 406º, n.º 1 do Cód. Civil -, sendo certo que, como salienta a doutrina, não existem razões imperativas para pôr em causa a validade de cláusula que exclua tal indemnização por parte do senhorio. [15] Mas, também em sede de promessa de compra e venda e do seu regime, a questão suscitada pelos apelantes não pode obter resposta diversa. Com efeito, não tendo os RR. invocado um crédito emergente do incumprimento definitivo do contrato promessa (que nem sequer se mostra discutido nestes autos), mas um crédito pelo não pagamento dos valores por si despendidos com as alegadas benfeitorias efectuadas no prédio em causa (vide arts. 63º a 67º da oposição), este seu crédito (admitindo-o para efeitos de raciocínio) não se mostra a coberto do direito de retenção previsto no art. 755º, al. f) do Cód. Civil. Neste sentido, é lição pacífica da doutrina que o crédito a que alude o art. 755º, al. f) do Cód. Civil corresponde, apenas e só, ao crédito emergente do incumprimento definitivo da promessa, ou seja ao dobro do sinal ou ao aumento do valor da coisa, em conformidade com o disposto no art. 442º, n.º 2 do Cód. Civil. [16] De facto, como resulta do citado art. 755º, al. f) apenas goza de direito de retenção «o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.» [sublinhado nosso]. Dito por outra forma, o direito de retenção, enquanto direito real de garantia, visa apenas acautelar a satisfação coerciva e a favor do promitente-comprador (não faltoso) do valor correspondente ao crédito do mesmo pelo incumprimento definitivo da promessa por parte do promitente vendedor. Por conseguinte, não se reportando o crédito dos apelantes a tal incumprimento da promessa (mas ao pagamento por alegadas benfeitorias efectuadas no prédio em apreço), o art. 755º, al. f) não colhe, no caso, qualquer aplicação. O que, em síntese conclusiva, tem, pois, que conduzir à improcedência da apelação e à confirmação do despacho recorrido que decretou o despejo imediato, ainda que pela fundamentação constante do presente aresto. Todavia, deve referir-se, que a decisão ora proferida, porque restringida ào objecto desta apelação e à questão do despejo imediato e seu decretamento, não prejudica que os autos devam prosseguir para oportuno conhecimento do fundamento das pretensões deduzidas pelos RR. a título reconvencional, se a tal nada obstar. * IV-DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente apelação, confirmando o despacho recorrido, ainda que por diversa fundamentação. * Custas pelos apelantes, que ficaram vencidos – art. 527º, n.ºs e 2 do CPC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.* Porto, 13.03.2017* Jorge Seabra Sousa Lameira Oliveira Abreu __________ [1] Vide, neste sentido, J. ALBERTO dos REIS, “Código de Processo Civil”, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág. 139. [2] Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, AC STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator SOUTO de MOURA, in www.dgsi.pt. (além da demais jurisprudência citada neste último aresto). [3] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687; [4] ALBERTO dos REIS, op. cit., V volume, pág. 140. [5] Vide, ainda, no mesmo sentido, J. LEBRE de FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 609 e M. TEIXEIRA de SOUSA, “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, 1999, pág. 221-222. [6] Vide, neste sentido, AC STJ de 2.03.2011, relator SÉRGIO POÇAS, e AC RP de 16.06.2014, relator CARLOS GIL, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [7] Cfr. ALBERTO dos REIS, op. cit., V volume, pág. 143. [8] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 7.07.2016, relator ANA LUÍSA GERALDES, AC STJ de 21.10.2014, relator GREGÓRIO SILVA JESUS e AC STJ de 8.02.2011, relator MOREIRA ALVES, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [9] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 277 e F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 225. [10] Vide, neste sentido, ABÍLIO NETO, “Despejo de Prédios Urbanos”, 1ª edição, pág. 97, L. MENEZES LEITÃO, “Arrendamento Urbano”, 2013, 6ª edição, pág. 232 ou, ainda, no domínio do art. 58º do RAU, MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “A acção de despejo”, Lex, 1991, pág. 63-64 e J. ARAGÃO SEIA, “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 3ª edição, pág. 298. [11] No sentido da aludida primeira corrente doutrinária e jurisprudencial, vide, por todos, J. ARAGÃO SEIA, op. cit., pág. 298-299, AC RG de 29.10.2015, relator JOÃO DIOGO DOMINGUES e AC RL de 12.02.2015, CARLOS MARINHO, disponíveis in www.dgsi.pt. [12] No sentido da segunda corrente, vide, por todos, MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, op. cit., pág. 64, RUI PINTO, “Manual da Execução e Despejo”, 1ª edição, pág. 1120/1121, ABÍLIO NETO, op. cit., pág. 98, AC RP de 19.05.2014, relator ALBERTO RUÇO, AC RP de 20.05.2008, relator CRISTINA COELHO, AC STJ de 9.10.2007, relator MÁRIO CRUZ, AC STJ de 5.12.2006, relator JOÃO CAMILO, AC STJ de 15.12.2005, relator SALVADOR da COSTA, estes últimos no domínio do referido art. 58º do RAU, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [13] Será, na maioria dos casos, uma acção de reivindicação, estruturada à luz da nulidade do título/contrato, por inobservância da forma legal. [14] Sobre os contratos mistos, a união de contratos e os contratos atípicos e o respectivo regime aplicável, vide, por todos, A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I volume, pág. 276 e segs., ALMEIDA e COSTA, “ Direito das Obrigações ”, 11ª edição, pág. 372-379 e, ainda, em especial, PEDRO PAIS de VASCONCELOS, “Contratos Atípicos”, 2ª edição (2009), pág. 218-247. [15] Vide, neste sentido, por todos, L. MENEZES LEITÃO, “Arrendamento Urbano”, 2013, 6ª edição, pág. 206 e F. PEREIRA COELHO, “Arrendamento – Lições”, Coimbra, 1987, pág. 141, nota 2. [16] Vide, A. VARELA, op. cit., pág. 325; ALMEIDA e COSTA, op. cit., pág. 431-432, L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, I volume, 7ª edição, pág. 246-249, FERNANDO de GRAVATO MORAIS, “Contrato Promessa em Geral e Contratos Promessa em Especial”, pág. 233 e J. CALVÃO da SILVA, “Sinal e Contrato Promessa”, 1988, pág. 111. |