Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
38/19.4T9ALB-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CASO DECIDIDO
PROCESSO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP2021012538/19.4T9ALB-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A decisão da autoridade administrativa proferida em processo de contra-ordenação que não seja impugnada judicialmente torna-se definitiva, formando o que na doutrina e na jurisprudência se designa por “caso decidido” ou “caso resolvido”.
II - O “caso decidido”, embora distinto do instituto do caso julgado, equipara-se-lhe para vários efeitos, desde logo, para exigir o cumprimento coercivo, ou seja, a decisão definitiva torna-se exequível (artigo 58.º, n.º 2, al. a), do RGC-O).
III - Em sede de execução para cobrança coerciva do valor da coima, ao executado está interdito pôr em causa a prática dos factos que consubstanciam a contra-ordenação por que foi acoimado e, em geral, opor toda a defesa que lhe era lícito deduzir no processo de contra-ordenação, quer na sua fase administrativa, quer na fase judicial (havendo impugnação judicial).
IV - A comunicação da decisão final proferida em processo de contra-ordenação tem de revestir a forma de notificação e, tendo já o arguido defensor (constituído ou nomeado), é apenas a este que a notificação deve ser dirigida.
V- Tendo a autoridade administrativa notificado, em 10.03.2016, por carta registada com aviso de recepção dirigida ao defensor constituído, a decisão sancionatória, a partir daí, iniciou-se o prazo de 20 dias para a sua impugnação judicial e, não tendo sido interposto o competente recurso, a decisão tornou-se definitiva em 11.04.2016, formando-se “caso decidido” e, por conseguinte, título executivo válido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 38/19.4 T9ALB-A.P1 - Embargos de executado
Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha (J2)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 06.05.2019, B…, S.A., veio, por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 38/19.4 T9ALB, correm termos pelo Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha (J2) da Comarca de Aveiro, em que figura como executada, e em que é exequente o Ministério Público naquela Comarca, deduzir oposição, por embargos, à execução, com os seguintes fundamentos:
Inexistência de título executivo, porquanto:
A execução baseia-se numa certidão de dívida emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) da qual consta “transitou em julgado em 11/04/2016”, mas tal não corresponde à verdade, pois a decisão nunca lhe foi notificada, como exigem os artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGC-O), pelo que o prazo para a sua impugnação nem sequer começou a correr.
Prescrição do procedimento contra-ordenacional e da coima.
Falta de fundamento da decisão da autoridade administrativa (APA) que lhe aplicou a coima.
Notificado, o exequente não apresentou contestação.
Cumprido o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC, quer a executada/embargante, quer o exequente/embargado apresentaram alegações por escrito.
Em 09.01.2020, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos deduzidos e determinando o prosseguimento da execução.
Inconformada, em 17.03.2020, a embargante veio interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«a) Apesar de ter considerado como provado a inexistência do título executivo, a prescrição do procedimento contra-ordenacional e a prescrição da coima o Sr. Juiz “a quo” não elencou estes factos na matéria provada.
b) E deveria tê-lo feito uma vez que os reconheceu expressamente.
Na verdade
c) Não se compreende que o Sr. Juiz tenha referido taxativamente que a falta de contestação levou ao reconhecimento dos factos em causa, sem dai extrair a consequência lógica que seria levar à matéria provada os referidos factos.
d) Tais factos deverão ser considerados provados sendo que basta a inexistência do título executivo para que a oposição à execução seja julgada procedente.
e) É certo que a d. sentença recorrida afirma que, nas suas alegações, o Ministério Público impugna os factos invocados pela ora oponente.
f) Mas, o Ministério Publico não apresentou contestação e a impugnação que fez nas suas alegações não produz qualquer efeito, uma vez que não se verifica qualquer das excepções previstas no artº 568 do C.P.C.
g) Acresce que na fundamentação da matéria de facto, nunca é referido pelo Sr. Juiz “a quo” se e quando a decisão administrativa transitou em julgado, demonstrando assim que o Tribunal considerou efectivamente provado a não verificação do trânsito em julgado da decisão administrativa.
h) Não se compreende assim que em sede de fundamentação de direito assuma (erradamente) que “a decisão administrativa em causa se encontra transitada em julgado” e que tenha declarada improcedente “a excepção de inexistência do titulo executivo”.
Sem conceder:
i) A decisão administrativa não transitou em julgado uma vez que não foi notificada ao oponente, que nem sequer foi informada da mesma.
j) Entendeu, no entanto o Sr. Juiz que tal não era necessário uma vez que a decisão tinha sido notificada ao seu mandatário.
l) Ora, nos termos do artº 47 nº 1ª a decisão tem que ser notificada ao arguido e se a notificação for feita ao arguido e ao seu mandatário o prazo de impugnação só começa a correr depois de notificada à ultima pessoa (cfr, nº 4 do mesmo normativo)
m) Assim o prazo para deduzir oposição não começou ainda sequer a decorrer, não tendo assim a decisão transitado em julgado razão pela qual não se constitui o titulo executivo.
n) Dir-se-á ainda que o não cumprimento do artº 47 relativamente à arguida constitui uma nulidade insanável que se invoca com todas as legais consequências.
Assim,
o) Ao julgar a oposição à execução improcedente fez o M. Juíz “a quo” incorrecta interpretação dos factos e da lei, tendo violado além do mais os arts. 567 nº 2, 568, 704 nº 1 e 726 nº 2 al. A) do C.P.C e o artº 47 do RGCO
p) Assim a sentença não poderá manter-se.
q) É o que se pede e espera desse Alto Tribunal, assim se fazendo
JUSTIÇA»

O Ministério Público recorrido contra-alegou, sintetizando assim a sua resposta:
«1- O Tribunal a quo não considerou como provado a inexistência de título executivo;
2- O Tribunal a quo não considerou como provada a prescrição do procedimento contraordenacional e a prescrição da coima;
3- O Tribunal a quo não considerou como provado a não verificação do trânsito em julgado da decisão administrativa.
4- A douta sentença proferida que julgou totalmente improcedente a oposição à execução não merece qualquer reparo ou censura, tendo feito correta aplicação do direito aos factos, não se mostrando violadas as normas dos artigos 567º, nº2, 568º, 704º, nº1 e 726º, nº2, al. a) do C.P.C. e 47ºdo RGCO».

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de oposição por embargos) e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo)[1].
Em face do teor das conclusões formuladas pela recorrente, são questões a apreciar e decidir:
- se o tribunal devia ter elencado como factos provados i) a inexistência do título executivo, ii) a prescrição do procedimento contra-ordenacional e iii) a prescrição da coima;
- se a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima é uma decisão definitiva susceptível de ser executada, o que passa por determinar se ela foi devidamente notificada.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Foram considerados relevantes para a decisão os seguintes factos:
1) A Executada foi condenada por decisão administrativa datada de 08.03.2016 no pagamento da quantia total de 24.000,00€ devida pela prática de contraordenação ambiental muito grave relativa à utilização de recursos hídricos sem o respectivo título - cfr. doc. de fls. 1 e ss. e especificamente fls.161 e ss. dos autos principais que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Foi enviada notificação da decisão supra referida para o Ilustre Mandatário da executada em 10.03.2016 – cfr. Aviso de recepção de fls. 172 dos autos principais que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) A executada não recorreu da decisão administrativa referida.
4) O requerimento de execução de que os presentes autos são apenso entrou em juízo em 27.02.2019.
*
A recorrente começa por insurgir-se contra a decisão recorrida porque, no seu entendimento, não tendo sido apresentada contestação pelo exequente/embargado, por força do efeito cominatório previsto no artigo 567.º, n.º 1, do CPC, não se verificando no caso nenhuma das excepções previstas no artigo 568.º do mesmo compêndio normativo, deviam ter-se dado como provados os factos que alegou na petição de embargos.
Concretamente, pugna por que sejam «aditados aos factos provados», os seguintes:
1- Inexistência do título executivo por não verificação do trânsito em julgado da decisão administrativa em causa.
2- Prescrição do procedimento contra-ordenacional.
3- Prescrição da coima.

O efeito cominatório semi-pleno associado à revelia é, consabidamente, a confissão (tácita) dos factos articulados pelo autor.
Porém, a recorrente não atentou na norma do artigo 732.º, n.º 3, do CPC que exclui da confissão ficta os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados no requerimento executivo, regime que se compreende «porque o título executivo estabelece a presunção da existência do direito de crédito, de modo que os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda invocados na petição inicial de embargos se encontrarão, virtualmente, contraditados pelos factos constitutivos do direito exequendo vertidos no requerimento executivo”[2].
O que a recorrente alegou na petição de embargos está em flagrante e frontal oposição com o alegado no requerimento executivo e o conteúdo da decisão que constitui o título executivo.
Mas, mais que esse aspecto, é importante ter presente que a confissão é, necessariamente, de factos, que não do direito (por isso se fala em efeito cominatório semi-pleno associado à revelia operante), cabendo ao juiz proceder ao enquadramento jurídico dos factos que tiver por provados.
Ora, aquilo que a recorrente considera “factos provados” a serem aditados, não só são, na realidade, puras conclusões de direito como contradizem, manifestamente, os factos elencados como provados.
Começando pela questão da prescrição, cabe aqui referir que, à semelhança do que acontece com a prescrição penal, a prescrição contra-ordenacional [que abrange, quer a prescrição do respectivo procedimento, quer a prescrição (da execução) da coima] corresponde a uma autolimitação do Estado no exercício do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo côngruo, do direito de perseguir o agente de um ilícito (criminal ou contra-ordenacional) ou de executar uma sanção aplicada a quem tenha sido condenado.
Para apurar se já ocorreu a prescrição, há que determinar:

• qual o respectivo prazo e
• quando se iniciou o curso desse prazo e se este correu continuamente ou se ocorreram causas de suspensão e/ou de interrupção.

O art.º 27.º do RGC-O contempla três prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional: cinco anos, três anos e um ano, conforme se trate, respectivamente, de contra-ordenações a que seja aplicável coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79, de montante igual ou superior a € 2.493,99, mas inferior a € 49.879,79 e de montante inferior a € 2.493,99.
Quanto à prescrição da coima, sendo esta de valor superior a € 3.740,98, o prazo é de três anos e nos restantes casos é de um ano (artigos 29.º e 17.º do RGC-O).
No entanto, há que contar com a existência de regimes específicos e no caso das contra-ordenações ambientais o artigo 40.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais) estabelece o seguinte:
«1 - O procedimento pelas contraordenações graves e muito graves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de cinco anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.
2 - O procedimento pelas contraordenações leves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de três anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.
3 - O prazo de prescrição da coima e sanções acessórias é de:
a) Três anos, no caso das contraordenações graves ou muito graves;
b) Dois anos, no caso de contraordenações leves.
4 - O prazo referido no número anterior conta-se a partir do dia em que se torna definitiva ou transita em julgado a decisão que determinou a sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.»

A recorrente foi condenada, pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista no artigo 81.º, n.º 3, al. a), do citado diploma legal, na coima de € 24.000,00, pelo que era de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento e de três anos o de prescrição da coima.
Focando-nos na prescrição da coima, o termo inicial do prazo, como resulta do n.º 4 do citado artigo 40.º, é o dia em que se torna definitiva ou transita em julgado a decisão que a aplicou (a coima)[3].
Só pode falar-se em trânsito em julgado quando temos uma decisão judicial, um acto decisório de um juiz[4]. Assim, o trânsito em julgado refere-se à sentença que decidir a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
No caso, a decisão da APA que aplicou aquela coima é de 08.03.2016 e foi notificada ao ilustre mandatário da arguida, aqui embargante/recorrente, em 10.03.2016.
A arguida dispunha do prazo de 20 dias para a impugnar judicialmente (artigo 59.º, n.º 3, do RGC-O), mas tal não aconteceu e por isso na sentença recorrida se afirma que a decisão “transitou em julgado” em 11.04.2016.
Em bom rigor, a decisão da autoridade administrativa proferida em processo de contra-ordenação que não seja impugnada judicialmente torna-se definitiva, formando o que na doutrina e na jurisprudência se designa por “caso decidido” ou “caso resolvido”.
O “caso decidido”, embora distinto do instituto do caso julgado, equipara-se-lhe para vários efeitos[5], desde logo, para exigir o cumprimento coercivo, ou seja, a decisão definitiva torna-se exequível (artigo 58.º, n.º 2, al. a), do RGC-O).
Em sede de execução para cobrança coerciva do valor da coima, ao executado está interdito pôr em causa a prática dos factos que consubstanciam a contra-ordenação por que foi acoimado e, em geral, opor toda a defesa que lhe era lícito deduzir no processo de contra-ordenação, quer na sua fase administrativa, quer na fase judicial (havendo impugnação judicial), pois «os embargos à execução não podem constituir uma ocasião para discutir de novo a responsabilidade contra-ordenacional. Outro entendimento “transformaria o processo de execução num segundo processo de impugnação” (LEONES DANTAS, 1994: 83) (…). Por isso os fundamentos relativos à “admissibilidade da execução” (…) dizem apenas respeito a obstáculos processuais à própria execução, tais como a inexistência de uma decisão transitada, a prescrição da coima, o pagamento total ou parcial da coima, a amnistia da infracção ou a diferença entre a pessoa executada e a pessoa condenada»[6].
Por isso, tal como (bem) se decidiu na sentença recorrida, a prescrição do procedimento contraordenacional (invocável, quer na defesa que podia ser apresentada na fase administrativa do procedimento, quer como fundamento da impugnação judicial da decisão sancionatória) não poderia servir como fundamento de oposição à execução.
Por outro lado, não merece a censura que a recorrente lhe dirige a decisão recorrida quando, na fundamentação de direito, afirma a existência de título executivo válido, julgando improcedente o fundamento de oposição invocado de “inexistência de título executivo”.
Na realidade, determinar se a decisão sancionatória da autoridade administrativa é uma decisão definitiva (portanto, exequível) configura uma questão de direito e, no caso concreto, sendo indiscutível que não foi impugnada judicialmente, há-de decorrer do seguinte:

- data em que foi proferida a decisão e
- se o arguido foi dela regularmente notificado e quando o foi.

É essa questão que iremos abordar, já de seguida, em sede de fundamentação de direito.
Em suma, salvaguardado o devido respeito, é manifesta a falta de razão da recorrente na sua pretensão de que a matéria de facto da sentença seja aditada nos referidos termos.

2. Fundamentos de direito
O executado pode pôr em causa a execução em bloco, evitando ou impedindo o prosseguimento de actos executivos.
Com a instauração da presente execução, pretende o exequente Ministério Público o cumprimento coercivo de uma obrigação que decorre de uma decisão sancionatória (em que foi aplicada a coima de € 24.000,00) pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 81.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais).
O artigo 88.º, n.º 1, do RGC-O determina que a coima é paga no prazo de 10 dias a contar da data em que «a decisão se tornar definitiva ou transitar em julgado» e o n.º 1 do artigo 89.º estatui que o não pagamento nesses termos «dará lugar à execução», a promover pelo Ministério Público junto do tribunal competente.
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 49.º-B da referida Lei Quadro, dispõe que, não sendo a coima ou as custas pagas «decorrido o prazo legal de pagamento, contado a partir da data em que a decisão se tornou definitiva, é extraída certidão de dívida com base nos elementos constantes do processo de contraordenação», devendo a certidão conter, além de outros elementos, a data da decisão condenatória da coima ou custas, a data da sua notificação ao devedor e a data em que a decisão condenatória se tornou definitiva (n.º 2, al. e)).
A recorrente sustenta que não há título executivo porque tal decisão não “transitou em julgado”, pois nem sequer lhe foi notificada, argumentando que o artigo 47.º, n.º 1, do RGC-O manda que a notificação seja dirigida ao arguido e ao seu defensor, quando este exista, e citando, em abono, o acórdão desta Relação de 08.07.2015 (disponível in www.dgsi.pt).
Não há dúvida de que a comunicação da decisão final proferido em processo de contra-ordenação tem de revestir a forma de notificação (artigo 46.º, n.º 2, do RGC-O) e a sua falta ou deficiência terá como consequência não se iniciar o prazo para a impugnar.
Mas, em bom rigor, do disposto no artigo 47.º, n.º 1, não se extrai que da decisão têm de ser notificados o arguido e o seu defensor, pois que, ao dispor que «a notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal”, a norma não se refere ao mandatário judicial.
Quando, logo na fase administrativa do processo de contra-ordenação, o(a) arguido(a) constitua (ou lhe seja nomeado) defensor, aplica-se o disposto nos n.os 2 e 3 daquele preceito e deles decorre que:
- a notificação é dirigida (apenas) ao defensor;
- o arguido é (apenas) informado, enviando-se-lhe cópia da decisão.
Aliás, quanto a esta matéria, a Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais dispõe no n.º 1 do artigo 44.º que «as notificações aos arguidos que tenham constituído mandatário são, sempre que possível, feitas na pessoa deste e no seu domicílio profissional» e não exige, como no regime geral, que o arguido seja informado através de cópia da decisão.
Mas, mesmo que se entenda que sempre se impunha essa comunicação à arguida, a sua omissão constitui mera irregularidade dependente de arguição, pois o que garante o direito de defesa é a notificação da decisão ao defensor. Irregularidade que, não tendo sido invocada[7], ficou sanada.
Como já antes se aludiu, a arguida tinha defensor constituído no processo de contra-ordenação e foi a este que a autoridade administrativa, no estrito cumprimento da lei, notificou, em 10.03.2016, por carta registada com aviso de recepção, a decisão sancionatória. A partir daí, iniciou-se o prazo de 20 dias para a sua impugnação judicial, mas, não tendo sido interposto o competente recurso, a decisão tornou-se definitiva em 11.04.2016, como consta da certidão com que foi instruído o requerimento executivo.
A tese da recorrente não tem arrimo no acórdão desta Relação de 08.07.2015 porque este incidiu sobre um caso em que o arguido não tinha defensor (constituído ou nomeado) na fase administrativa do processo.
Forçoso é, assim, concluir que há “caso decidido” e, por conseguinte, título executivo válido.
Resta, então, saber se ocorreu a prescrição da coima que, este sim, constituiria fundamento para julgar procedente a oposição.
O prazo de prescrição, já o dissemos, é de três anos e o respectivo termo inicial coincide com o dia em que a decisão se tornou definitiva (11.04.2016).
A execução foi instaurada em 27.02.2019, pelo que, mesmo que o prazo tenha corrido sem interrupções ou suspensões, ainda não se tinha esgotado.
Foi, pois, correcta a decisão de julgar improcedentes os embargos deduzidos.

III - Dispositivo
Termos em que acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela embargante e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente, por ter decaído totalmente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).

(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 25 de janeiro de 2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Fernandes
______________
[1] Uma pesquisa sumária de jurisprudência sobre o tema da competência em razão da matéria para a execução de decisão da autoridade administrativa que, em processo de contra-ordenação, condenou o arguido no pagamento de uma coima revela a existência de controvérsia. Também ao nível das Relações existe diversidade de entendimentos quanto à questão de saber se é da competência das Secções Cíveis ou das Secções Criminais o julgamento dos recursos interpostos em processo de execução (bem como nos processos que seguem por apenso) para cobrança coerciva de coima aplicada em processo contra-ordenacional que não passou da fase administrativa. Bem ilustrativo dessa controvérsia é o acórdão da Relação de Lisboa de 13.10.2015 (acessível in www.dgsi.pt). Porque, acima de tudo, importa resolver problemas, e não criá-los, e porque daí não advém qualquer prejuízo para as partes, vamos assumir a competência desta Secção Cível para o julgamento deste recurso, sem que tal signifique concordância com a posição adoptada no citado aresto.
[2] A. S. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 90.
[3] Identicamente, o n.º 2 do artigo 29.º do RGC-O estatui que «o prazo conta-se a partir do carácter definitivo ou do trânsito em julgado da decisão condenatória».
[4] Cfr. os artigos 97.º do Código de Processo Penal e 152.º e 628.º do Código de Processo Civil.
[5] Assim, o acórdão da Relação de Guimarães de 03.05.2011, na esteira dos acórdãos da Relação de Lisboa de 08/11/2007, da Relação de Coimbra, de 04/03/2008 e da Relação do Porto, de 08/03/2005 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
[6] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, UCE, pág. 336-337
[7] E podia sê-lo perante a própria entidade decisora (APA).