Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2325/14.9TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDA APOIADA
Nº do Documento: RP201506092325/14.9TBVFR.P1
Data do Acordão: 06/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É da competência dos tribunais administrativos a acção em que está em causa um contrato de arrendamento submetido ao regime de renda apoiada (DL nº 166/93 de 7/5).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc.2325/14.9TBVFR.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. Maria Amália Santos
Des. José Igreja Matos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1-Relatório.
Município …, representado pelo seu Presidente, com sede na…, Santa Maria da Feira, intentou acção declarativa de despejo contra B…, residente na Rua …, nº .., freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, alegando, em síntese, que:
-é dono e legítimo proprietário da moradia T3, sita na Rua …, nº .., freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira e que, por contrato escrito, datado de 7-07-2000, deu de arrendamento em regime de renda apoiada à ré para habitação o referido imóvel;
-a renda inicial contratada foi de 63.600$00, a pagar em duodécimos de 5.300$00 cada, a qual foi sofrendo alterações de acordo com o regime emanado do D-L nº 166/93, de 07 de Maio, mas que a ré não pagou a renda mensal encontrando-se em dívida um valor total de € 28.842,01.
Concluiu pedindo a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da ré a entregar o locado, bem como no pagamento das rendas já vencidas e vincendas até efectiva desocupação no valor de € 28.842,01, acrescido dos juros legais desde o vencimento de cada uma das mensalidades em mora até efectivo e integral pagamento.

Regularmente citada, a ré não contestou e, ao abrigo do disposto no artigo 567,nº1, do CPC., consideram-se confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, decretou a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o autor e a ré, decretando o despejo imediato e condenando-a nas rendas peticionadas.
Inconformada a ré interpôs recurso de apelação ora em apreciação com as seguintes conclusões:
1º-O A/Recorrida é uma autarquia local: Município
2º- Como resulta do documento escrito junto pela autora e a da aplicação do Dl nº 166/93, de 7 de maio, e que integra a causa de pedir, a relação contratual estabelecida entre a A./Recorrida e a Ré/Recorrente é uma relação jurídica administrativa.
3º-Foi no exercido da sua competência., enquanto entidade pública que alterou, unilateralmente a renda mensal paga pela Recorrente de 26,44€ para 391,08€, compelindo a Ré/ Recorrente para o incumprimento, atento a sua débil capacidade económica;
4º- Esta debilidade económica é do conhecimento do Autor Município, pois o facto de ter necessidade de uma habitação social ainda quando o cônjuge era vivo, com a morte deste maior era a sua fragilidade económico-social.
5º-O Município, com a sua conduta, alterando em mais de 1500% a renda á Recorrente, “empurrou-a” para o incumprimento; dessa forma sabia que conseguia a resolução do contrato, consubstanciando tal ato administrativo um verdadeiro abuso de direito.
6º- O aumento renda imposta pelo município contra a vontade e as possibilidades da Ré/recorrente para obter a resolução do arrendamento - face á incapacidade económica para pagar a renda imposta - é idóneo para produzir esse resultado, constitui uma verdadeira violação do art. 26 da Constituição da República.
7º- Tratando-se de um contrato de arrendamento em regime de renda apoiada, sujeito ao regime do Decreto-Lei nº166/93 de 7 de Maio e a renda podendo ser alterada unilateralmente por aplicação de de “preço Técnico da habitação pelo Município, estamos perante uma relação jurídica administrativa;
8º- Os pedidos formulados pelo autor- pedido do pagamento das rendas não pagas e apurar os efeitos do não pagamento das mesmas (resolução do contrato);
9º- A resolução do contrato de arrendamento da recorrida é consequência do não pagamento da renda apoiada;
10º- O critério de determinação da competência material entre jurisdição comum e jurisdição administrativa deixou de assentar na clássica distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, passando a jurisdição administrativa a abranger não apenas actos de gestão publica como actos de gestão privada das pessoas colectivas de direito privado.
11º- Cabe ao tribunal administrativo a competência para conhecer da acção proposta contra a Ré, com vista a obter a sua condenação no pagamento de renda em divida e consequentemente a resolução do contrato de arrendamento celebrado sob a égide das suas competências administrativas, resultando do ato da demandante, com a sua conduta, impedir a Ré de continuar a utilizar o imóvel como sua habitação.
12º- A conduta do A. Município com a propositura da acção consubstancia uma conduta violadora do constante do art. 26 da CPR, dado que foi por força do seu acto, de aumento da renda apoiada em 1500% que “forçou a Ré/ recorrente a incumprir.
13º- A conduta da A/Recorrida consubstancia um verdadeiro abuso de direito nos termos do disposto no art. 334º do CC.
14º- O contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e a recorrida cai no âmbito da jurisdição administrativa,
15º- Logo, a resolução do contrato de arrendamento em consequência do não pagamento das rendas, é da competência dos tribunais administrativos.
16º- A incompetência do tribunal em razão da matéria é do conhecimento oficioso.
17º - O tribunal de 1º instância QUE PROFERIU A DECISÃO VIOLOU O ART. 64º do CPC, ART. 1º, 4º, 40º ETAF, ART. 211º, N1, ART 212, Nº3 DA CRP e ainda art. 120º, 178ºCPA e art. 334º CC.
Termos em que nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências se conclui dever o presente recurso ser considerado procedente, declarando julgada procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria declarando o Tribunal Judicial recorrido incompetente em razão da matéria para apreciação da presente acção e, consequentemente, a douta decisão recorrida revogada por outra que absolva a recorrida da instância.

Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

2-Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões a questão colocada consiste em saber se são os Tribunais Administrativos os competentes para julgar o presente litígio.

3-Fundamentação de facto
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
-O autor é dono e legítimo proprietário da moradia T3, sita na Rua …, nº .., freguesia …, concelho de Santa Maria da feira, descrita na CRP de Santa Maria da Feira sob o número 3412/201110808F e inscrita respectivamente no Serviço de Finanças sob o artigo urbano 4042 F.
-Por contrato escrito datado de 7 de julho de 200, o autor deu de arrendamento em regime de renda apoiada à ré, à data casada com C… (cujo óbito ocorreu em 2003), para habitação o imóvel supra identificado.
-A renda mensal inicial contratada foi de 63.600$00, a pagar em duodécimos de 5.300$00 (€26.44) cada.
-Tratando-se de um contrato de arrendamento em regime de renda apoiada, sujeito ao regime do D-L nº 166/93, de 7 de Março, a renda foi sofrendo actualizações.
-Entre setembro de 200 e Maio de 2013 a ré não pagou a renda mensal, devida e contratada, encontrando-se em dívida um valor total de € 28.842,01.
-O incumprimento injustificado pela ré arrendatária da entrega de documentos solicitados pela entidade locadora, para a instrução e a actualização do respectivo processo, dá lugar à aplicação e pagamento de renda equivalente ao preço técnico de habitação. Embora notificada pelo Município para o fazer, a ré desde o ano de 2006 injustificadamente não procedeu à entrega de qualquer documentação ou prestou esclarecimento, tendo nessa consequência o Município aplicado entre Julho de 2006 a Janeiro de 2008 e Fevereiro de 2009 a Maio de 2013, nos termos do nº 3 do artigo 9 do D-L 166/93 de 7 de Maio o respectivo preço técnico.
-Apesar de várias vezes interpelada no sentido de regularizar a situação de incumprimento, o certo é que não procedeu ao pagamento dos respectivos montantes.

4-Fundamentação de direito.
De acordo com o disposto no artigo 64 do CPC são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, disposição que também consta da LOSJ – artigo 40/1-
Donde resulta que a causa só deverá ser apreciada pelos tribunais judiciais se não entrar na competência de outro tribunal.
Quanto aos Tribunais Administrativos dispõe o artigo 212, nº 3, da Constituição da República Portuguesa que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”
O critério de delimitação do “ âmbito material assenta, por conseguinte, numa lógica de especialização: trata-se, na verdade, de reservar para uma jurisdição própria a incumbência de administrar a justiça em novo do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais” – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros CRP Anotada, tomo III, pág.148-
Critério que também consta dos artigos 1º e 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Porque a lei não clarifica o que deve entender-se por relações jurídicas administrativas Jorge Miranda e Rui Medeiros entendem que o melhor critério é aquele que aponta “ o próprio sentido literal da expressão: são relações jurídicas administrativas e fiscais as relações de Direito Administrativo e Fiscal que se regem por normas de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal” – obra citada, pág. 148-
Dado que a competência do tribunal se avalia em função dos termos em que a acção é proposta importa por isso atentar no teor da petição inicial.
Nesta diz-se que o contrato de arrendamento foi celebrado na modalidade de regime de renda apoiada sujeito ao regime do D-L nº 166/93 de 7 de Maio.
Este regime tal como decorre daquele diploma é aplicável a habitações destinadas a arrendamento de cariz social que se baseia na existência de um preço técnico, determinado objectivamente, tendo em conta o valor real do fogo, e de uma taxa de esforço determinada em função do rendimento do agregado familiar e é da determinação da taxa de esforço que resulta o valor da renda apoiada cujos critérios a ter em conta são os que constam da Portaria nº 288/83, de 17 de Março.
Destes diplomas resulta inequivocamente que a renda obedece a regras específicas de direito administrativo, sendo que a entidade Administrativa pode determinar a transferência do arrendatário e do respectivo agregado familiar para habitação de tipologia adequada dentro da mesma localidade – cfr. artigo 10/2 do D-L nº 166/93-
Estando, assim, em causa nos presentes autos um contrato de arrendamento submetido ao regime de renda apoiada nos termos referidos a competência para preparar e julgar o presente litígio é do Tribunal Administrativo territorialmente competente na área tal como decorre do preceituado no artigo 4,nº1, alínea f), do ETAF- neste sentido cfr. Acórdão da RL de 08-05-2012, proc. 22776/100; Acórdão TCAS de 11-04-2013, proc. 09548/12 e Acórdão do STA de 15-05-2013- Conflito de Jurisdição – proc. 08/13, todos no site DGSI-
Infracção que determina a incompetência absoluta do Tribunal comum cuja excepção pode ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão de mérito e conduz à absolvição da ré da instância – artigos 97, nº 1, 99,nº 1, e 278, nº1, alínea a), todos do CPC-
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência, nos termos sobreditos, absolvem a ré da instância.
Custas pela autora – artigo 527/1 do CPC-

Porto, 09-06-2015
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
José Igreja Matos