Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
59/17.1T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
ASSUNÇÃO DE DESPESAS
CRÉDITOS RESPEITANTES A ALIMENTOS
IMPENHORABILIDADE
Nº do Documento: RP2017111459/17.1T8GDM.P1
Data do Acordão: 11/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 795, FLS 92-101)
Área Temática: .
Sumário: I - A frequência de ATL e de atividades extracurriculares, como karaté e natação, não constituem questões de particular importância para a vida do filho, pelo que a decisão quanto a elas cabe apenas ao progenitor residente.
II - Se no acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais se prevê que metade destas despesas sejam pagas pelo pai (progenitor não residente), este deverá suportar tais despesas nessa proporção, independentemente do seu prévio consentimento relativamente à sua realização.
III - Em sede de créditos respeitantes a alimentos, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, que corresponde atualmente a 203,35€ - art. 17º, nº 1 da Portaria nº 98/2017, de 7.3.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 59/17.1 T8GDM.P1
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Gondomar – Juiz 1
Apelação
Recorrente: B...
Recorridos: Min. Público; C...
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
C... deduziu, contra B..., o presente incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores de ambos, D... e E....
Alegou, em síntese, que o requerido, desde Setembro de 2014, apenas vem pagando parte (€300,00) da parte fixa da pensão de alimentos (€450,00) e que vem omitindo a parte variável, correspondente a metade das despesas de educação, saúde e atividades extracurriculares das crianças.
Concluiu que o requerido está a dever €4050,00, relativos à parte fixa da pensão de alimentos, e €6100,24, relativos à parte variável, pelo que pediu o desconto no vencimento do requerido e, bem assim, a penhora de saldos em contas bancárias.
Citado, o requerido alegou que a parte fixa da prestação de alimentos tem sido integralmente paga, pelo valor mencionado no acordo que foi objeto de homologação, que é de €300,00 mensais, e, quanto à parte variável, que não consentiu na realização das despesas, o que é pressuposto para que fique obrigado nos termos pretendidos pela requerente. Acrescentou que tem um crédito sobre a requerente, no montante de €8103,77, correspondente às tornas que lhe são devidas pela partilha do património comum do casal constituído por ambos pelo que, concluiu, deve haver compensação entre tal crédito e o crédito reclamado pela requerente, caso se conclua que este existe.
Frustrada a tentativa de conciliação, a que se procedeu em sede de conferência, requerente e requerido foram notificados para alegarem, o que fizeram remetendo para os articulados iniciais.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Foi depois proferida sentença cuja parte decisória tem a seguinte redação:
“Nestes termos, decide-se julgar parcialmente procedente o presente incidente e, em consequência, considerar verificado o incumprimento, por parte do requerido, da obrigação de prestar alimentos às identificadas crianças, fixando o montante em dívida, na presente data, em €6100,24 (seis mil e cem euros e vinte e quatro cêntimos).
Custas do incidente a cargo de requerente e requerido, na proporção dos respectivos decaimentos.
Taxa de justiça no mínimo legal previsto no art. 7.º/4 do Regulamento das Custas Processuais e respectiva tabela, separador “outros incidentes.”
Valor processual: estando em causa apenas o crédito de alimentos, deve ser o correspondente ao quíntuplo da anuidade, por aplicação do critério especial do art. 298/3 do CPC.
Registe e notifique.
***
Em decorrência do que antecede, fixa-se um prazo de dez dias para o requerido proceder ao pagamento da referida quantia, juntando aos autos documento que o comprove.
***
Não sendo demonstrado esse pagamento dentro do referido prazo, considerando que:
- Dos autos consta já informação sobre a actividade profissional do requerido – enfermeiro no H...;
- Atenta a natureza da dívida, todo o salário do devedor pode ser abrangido, com excepção do montante de €203,35, que se entende ser o necessário para assegurar a sobrevivência com o mínimo de dignidade (art. 738/4 do CPC e Portaria n.º 98/2017, de 7.03) [A propósito, vide os Acs. da RP de 16.07.2007 (processo n.º 0654515), 02.07.2015 (processo n.º 1017/04.1TQPRT-B) e de 01.02.2016 (processo n.º 897/15.0T8VNG), todos disponíveis em www.dgsi.pt, e o Ac. do TC n.º 306/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt],
Com arrimo no art. 48/1, a), do Código de Processo Civil, fica determinada a dedução no vencimento mensal que é pago ao requerido das seguintes quantias, que devem ser entregues à requerente, mediante transferência ou depósito bancário:
- € 150,00, correspondente à parte fixa da prestação de alimentos devida à criança E..., até que cesse a obrigação de alimentos (o que, nada ocorrendo entretanto, ocorrerá quando a criança completar os 25 anos de idade: arts. 1880 e 1905/2 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 122/2015, de 1.09);
- € 150,00, correspondente à parte fixa da prestação de alimentos devida à criança D..., até que cesse a obrigação de alimentos (o que, nada ocorrendo entretanto, ocorrerá quando a criança completar os 25 anos de idade: arts. 1880 e 1905/2 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 122/2015, de 1.09);
- A correspondente à diferença entre o que restar do referido vencimento, depois de feitas as deduções previstas na alínea anterior, e o montante definido para a pensão social do regime não contributivo, até ficar perfeita a quantia de € 6100,24 (seis mil e cem euros e vinte e quatro cêntimos), a título de alimentos vencidos.
Verificada a condição supra, notifique e requisite as deduções à entidade pagadora do vencimento do requerido.”
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o requerido B..., que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A - A decisão do Tribunal a quo, da qual se recorre, é proferida no âmbito de acção de incumprimento das responsabilidades parentais, acção essa interposta pela demandante/requerente, ora apelada, contra a demandado/requerido, ora apelante, - cfr. petição inicial e sentença.
B - Tal decisão, que julgou parcialmente procedente o incidente com as consequências daí retiradas (cfr. sentença), salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, padece, de erro de julgamento quer de facto quer de direito, incidindo designadamente sobre pontos determinados da matéria de facto provada e não provada, bem como, de erro de aplicação, apreciação e interpretação de normas legais, violando-as, tudo com influência na decisão da causa, não fazendo por via disso justiça.
Vejamos:
C - Com base nas declarações prestadas pela requerente e requerido, nos documentos juntos pela requerente com a referência 25226283 e no depoimento da testemunha F... (directora do ATL mencionado nos autos), cfr. motivação da sentença, considerou o tribunal recorrido provados e não provados, erradamente no entender do apelante, a seguinte matéria de facto (cfr. matéria dada como provada nos pontos 17) e 18) e matéria dada como não provada no ponto 20)):
a) O requerido consentiu que as crianças frequentassem o referido ATL, a natação e o Karaté, cfr. facto 17).
b) Após esse consentimento (…), cfr. facto 18).
c) Para além do referido em 18), o requerido não fez qualquer outra comunicação à requerente, cfr. facto 20).
D - Dizendo-se erradamente, desde logo porque, quer quanto aos factos supra referidos dados como provados quer quanto ao facto supra referido dado como não provado nenhuma prova resultou nesse sentido, tendo antes resultado o contrário, pelo que, a tais factos impunha-se decisão diversa da decidida, ou seja, aos factos dados como provados impunha-se a resposta de não provados e ao facto dado como não provado impunha-se a resposta de provado.
E – É que, da conjugação da prova produzida, diversamente do decidido, o que resultou provado foi que, além do mais, o requerido, em conformidade com tudo o por si alegado nos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado, não deu o seu necessário e prévio consentimento quer para que os menores em causa nos presentes autos a partir de Agosto do ano 2014 frequentassem o concreto e referido ATL (estabelecimento privado de actividades de ocupação de tempos livres) e as concretas actividades físicas indicadas (natação e Karaté) quer para que por conta dos mesmos fossem realizadas todas as demais despesas peticionadas pela requerente, bem como, que o requerido, para além do referido em 18), fez outras comunicações à requerente.
F - Bastando atentar ao que resulta do teor da prova documental produzida, nomeadamente do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, de fls. 11 e seguintes dos autos, do doc. 3 junto com as alegações iniciais do requerido, de fls. 42 dos autos e dos emails de 11 de Agosto de 2014 e de 10 de Dezembro de 2014 juntos pela requerente com o seu requerimento datado de 20-03-2017 com a referência 25226283, bem como, ao que resulta quer das declarações da requerente e do requerido quer do depoimento da testemunha supra mencionada, depoimento e declarações prestadas na audiência de julgamento realizada em 26-04-2017, gravadas no sistema digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, respectivamente, de 10:44:45 a 11:19:03, de 11:19:04 a 12:12:40 e de 12:12:41 a 12:22:56 , cfr. gravação digital e respectiva acta da audiência de julgamento.
G - Sendo que, resulta manifestamente de tais meios de prova, que as despesas cujo pagamento é peticionado nos autos pela requerente ao requerido, são despesas que ela, e só ela, a seu belo gosto e prazer, decidiu e entendeu ter e fazer.
H - Afirmando-se que só a requerente decidiu e entendeu ter e fazer, desde logo porque, do acordo celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais não se verifica que tenha sido estipulado que as despesas de instrução, de educação, de actividades para escolares e físicas e de saúde fossem efectuadas na forma e nos concretos estabelecimentos que pela mesma foram referidos – cfr. clausula I-1 e IV do acordo celebrado e homologado sobre o exercício das responsabilidades parentais, bem como, se verificar manifestamente do email de 11 de Agosto de 2014 que o requerido lhe referiu pretender cumprir os pontos 2 e 3 da clausula IV desde que as despesas inerentes a tais pontos estivessem dentro das suas possibilidades e tivessem sido discutidas e acordadas por ambos – cfr. email de 11 de Agosto de 2014.
I – Chegando-se à mesma conclusão, quer pelo que resulta do teor do email de 10 de Dezembro de 2014, que aqui se dá por reproduzido e integrado, quer pelo que resulta das declarações da requerente e do requerido, quer pelo que resulta do depoimento da testemunha F..., cfr doc. junto pela requerente com o seu requerimento datado de 20-03-2017 com a referência 25226283 e depoimento e declarações prestadas na audiência de julgamento realizada em 26-04-2017, gravadas no sistema digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, respectivamente, de 10:44:45 a 11:19:03, de 11:19:04 a 12:12:40 e de 12:12:41 a 12:22:56 - cfr. gravação digital e respectiva acta da audiência de julgamento.
Donde resulta:
- Que a requerente referiu, que o requerido já em 2013 lhe tinha comunicado que não tinha possibilidade de pagar metade da despesa do Karaté (cfr. do minuto 09:00 ao minuto 09:08), que só tinha que lhe comunicar as despesas (cfr. minuto 18:40), que a inscrição anual dos menores não dependia da vontade do requerido (cfr. minuto 20:00 e seguintes), que quando o requerido deixa de fazer os pagamentos é porque não pode (cfr. minuto 21:00 e seguintes), que na altura do divórcio entre ambos acordaram a frequência dos menores no ATL e no Karaté tanto assim que o pai pagou, que a reinscrição no ATL é feita anualmente e a inscrição no Karaté é feita mensalmente e que comunicou ao requerido as despesas invocadas (cfr. minuto 27:00 e seguintes).
- Que o requerido referiu, que informou a requerente que por falta de condições económicas não conseguia suportar que os menores continuassem a frequentar o ATL e as actividades extracurriculares sendo que antes disso já tinha alertado a requerente que não podiam viver acima das suas possibilidades (cfr. minuto 08:00 e seguintes), que quando se divorciou tinha um 2º emprego (na I...) o que dava para suportar as despesas do ATL e todas as outras despesas, que já tinha alertado a requerente um ano antes que andavam a viver acima das possibilidades e andava a mexer em dinheiro que tinha (amealhado) confirmando os emails enviados (cfr. minuto 10:00 a 13:00), que quanto à frequência dos menores na natação a requerente comunicou-lhe (apenas) que os tinha inscrito (cfr. minuto 14:29), que a requerente decide sobre os miúdos sem o consultar (cfr. do minuto 20:00 a 23:30), o que a requerente faz e compra é sem o consultar sendo que depois dá-lhe conhecimento para pagamento (cfr. do minuto 23:30 a 24:00), o que a requerente faz é decidir sem perguntar se posso ou não e apresenta as despesas, não pede opinião decide e tem que ser (cfr. do minuto 25:00 a 26:40), que a frequência no ATL requer todos os anos reinscrição e que enquanto concordou pagou (cfr. minuto 29:15 e seguintes), que a requerente até tomou a liberdade de informar a directora da instituição que ele tinha que pagar relatando o episódio sucedido em que a informou que não tinha acordado que os menores lá continuassem e que a directora percebeu porque nunca mais o contactou (cfr. do minuto 31:00 ao 33:24), que passou a buscar um dos menores à piscina dado que a requerente o informou por tal ocorrer no período em que estaria com o pai (minuto 34:30 e seguintes), que o acordo para os menores continuarem a frequentar tais actividades dependia de acordo (cfr. do minuto 36:23 ao 40:37), que quando decidiam a frequência dos menores no ATL e Karaté faziam anualmente, que ao pagar as despesas era porque acordava a frequência dos menores nos respectivos estabelecimentos no ano em causa, que na altura do acordo para o mesmo foi tido em consideração quer as despesas quer os rendimentos da altura e que todos os anos era revisto, que quanto às despesas de saúde a requerente também decide como entende e depois apresenta-lhe as despesas, que concordou que os menores frequentassem o ATL e o Karaté até Agosto de 2014 (cfr. minuto 47:00 e seguintes).
- Que a testemunha F... referiu, que o requerente não participou em actividades, que todos os anos é feita a reinscrição para o ano seguinte e que foi a requerente a fazê-lo, que o requerente foi contactado e que referiu que não tinha dado autorização para os menores continuarem a frequentar a instituição daí não estar a pagar (cfr. do minuto 01:49 ao 08:10).
J - Assim sendo, o que resultou provado foi que o apelante não deu o seu necessário e prévio acordo para que fossem realizadas as despesas peticionadas pela apelada, bem como, que o apelante fez outras comunicações à apelada além das transcritas na sentença no ponto 18).
L - De tudo o supra o exposto e o mais resultante dos autos, designadamente da demais prova documental produzida, ao contrário do decidido, não resultaram provados e não provado os factos ora impugnados, tendo antes resultado o contrário, pelo que, por maioria de razão, nunca o apelante pode ser devedor da quantia que lhe foi peticionada, dado que, por ela não é o mesmo responsável.
M - Diversamente do decidido, o que resulta provado é tudo o alegado nos autos pelo apelante (cfr. fls. 22 e seguintes, fls. 67 e seguintes e fls. 270 dos autos), cujos teores se dão aqui por reproduzidos, designadamente, que a apelada, sem o necessário e prévio acordo do apelante, decidiu como bem entendeu sobre a vida e respectivas despesas realizadas por conta dos menores, tudo e sem prejuízo de algumas das despesas apresentadas, como as efectuadas em hipermercados, papelarias, casas de roupa de desporto e farmácia, poderem ter sido efectuadas por conta da própria requerente/demandante ou outros seus familiares, motivo pelo qual foram impugnadas, cfr. fls. 22 e seguintes, fls. 67 e seguintes e fls. 270 dos autos.
N - Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido, é por demais evidente o manifesto erro de julgamento de facto em que incorreu, pela errada apreciação da prova produzida.
Acresce que,
O – Diversamente do que consta da fundamentação jurídica da decisão recorrida, sendo no caso dos autos conjunto o exercício das responsabilidades parentais, cfr. acordo do exercício das responsabilidades parentais – clausula I–1., é a ambos os progenitores que cabe decidir sobre a vida dos menores, nomeadamente, sobre a escolha e inscrição ou reinscrição da criança em estabelecimentos de ensino públicos ou privados, sobre a escolha e inscrição ou reinscrição da criança em actividades físicas e para-escolares, sobre a escolha dos estabelecimentos ou sistemas de saúde onde a criança obtenha assistência e etc.
P – Apenas cabendo ao progenitor com quem resida a criança a decisão sobre os actos da criança que sejam da vida corrente da mesma, tais como, a disciplina, cuidados médicos de rotina, relações das crianças com terceiros, horário e regime de alimentação, televisão, sono, higiene, vigilância da educação, tarefas diárias e etc.
Q - Assim sendo, e sendo verdade que, no caso dos autos, nas despesas inerentes às questões de particular importância da vida dos menores foram fixados conceitos amplos, cfr. pontos 2 e 3 da cláusula IV do acordo celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais, não é menos verdade que, todas essas despesas, por força da cláusula I-1 do mesmo acordo e da lei, tinham de ser previamente acordadas/consentidas pelo apelante, pelo que, é evidente que as despesas reclamadas pela requerente careciam de prévio acordo/consentimento do requerido, o que não aconteceu.
R – E não tendo sido estipulado no acordo celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais que as despesas referidas nos pontos 2 e 3 da cláusula IV fossem realizadas na forma e nos concretos estabelecimentos e actividades referidas pela requerente, destituída de qualquer razão está a obrigação de pagamento imputada ao apelante, e consequentemente, a eventual necessidade de o mesmo pedir alteração ao referido acordo para que deixasse de ficar vinculado a tal obrigação.
S – Sendo de afirmar que, como é do conhecimento geral, tais despesas, tanto podem ocorrer ou não (no que às actividades físicas e para-escolares concerne), e a ocorrerem, são efectuadas de uma forma ou de outra e nuns ou noutros estabelecimentos dependendo quer das necessidades dos menores quer das possibilidades dos seus progenitores, bem como, são de realização ocasional, mensal ou anual, e por isso, avaliadas com a respectiva periocidade, pelo que, pelo menos com tal periocidade, os progenitores têm de acordar sobre a possibilidade, o modo e local onde as realizar, tendo na devida conta as necessidades dos menores e as suas reais possibilidades (sob pena de não o fazendo caírem no estado de assumirem obrigações que por comportarem custos acima das suas possibilidades não as possam cumprir).
T - Carecendo também de razão o referido na sentença quanto ao facto de o apelante perante uma eventual desadequação das despesas à sua situação económica ter de a invocar como causa para alteração do acordo, pois que, como supra já se disse, as concretas despesas peticionadas pela requente não foram concretamente previstas no acordo celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais, sendo que as despesas previstas podiam e podem ser realizadas com menores custos, como serão, se forem realizadas com recurso a estabelecimentos e serviços públicos.
Mais,
U - Ainda que fosse devida a quantia peticionada ao apelante, o que só por dever de oficio se admite, só se pode entender o que consta do dispositivo da sentença, quanto à extensão do valor a deduzir no seu vencimento, como um verdadeiro acto arbitrário, dado que, resultando dos autos, como resulta, que o requerido tem outra filha de 5 anos e prestações fixas mensais com habitação nunca inferiores a € 600,00 bem como que a requerente recebeu de reembolso da ADSE a quantia de € 64,22 previamente paga pelo requerido, cfr. alegações do requerido e respectivos documentos juntos de fls. 22 e seguintes, é manifesto que a dedução no vencimento do requerido com a extensão com que foi liquidada e ordenada, além de ilegal, põe em causa a subsistência do próprio requerido, da sua filha de 5 anos e dos restantes membros do seu agregado familiar (composto pelo requerido, filha, esposa e filha da esposa), pelo que, ainda que tal valor fosse devido, devia o mesmo ser pago em valor mensal que não implicasse a ofensa da subsistência (sobrevivência) de qualquer pessoa do agregado familiar do requerido.
V - Sendo de realçar que, conforme se verifica do alegado e peticionado pela requerente, cfr. P.I, de fls… dos autos, o valor por si peticionado reporta-se a despesas efectuadas com a frequência dos menores num ATL privado e em actividades físicas e para-escolares, a despesas em saúde com recurso a sistemas de saúde privado e a despesas com actividades de lazer (passeios), certo sendo, que os menores contam com uma quantia mensal de € 600,00 (€300 do requerido e €300 da requerente) para as suas necessidades, nos termos do ponto 1 da cláusula IV do acordo, o que é manifestamente suficiente para cobrir tudo que lhes é legalmente devido a titulo de alimentos (cfr. CC).
X - Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido, é por demais evidente o manifesto erro de julgamento de direito em que incorreu, pela errada apreciação, interpretação e aplicação, quer dos normativos legais aplicáveis quer dos normativos legais na sentença citados.
Z - Por tudo o supra exposto, deve a decisão recorrida ser revogada/alterada, e em consequência, julgada a acção improcedente, por não provada, com todos os efeitos e legais consequências, ou caso assim não se entenda, o que só por hipótese académica se admite, deve ser ordenado que o valor mensal a pagar pelo apelante se cinja ao valor que por ele possa ser suportado sem pôr em causa a sobrevivência de qualquer pessoa do seu agregado familiar.
O Min. Público, na sua resposta, pronunciou-se no sentido da parcial procedência do recurso, permitindo-se que o pagamento da dívida de 6.100,24€ se possa fazer em prestações mensais e sucessivas de 100,00€, a acrescer ao valor da pensão de alimentos devida a cada filho até integral pagamento.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Apurar se deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada;
II – Apurar se as despesas com a frequência de ATL e atividades extracurriculares careciam do consentimento prévio do requerido;
IIIApurar se o valor a descontar no salário do requerido para pagamento dos alimentos vencidos deverá ser reduzido, por não se ter atendido às outras despesas que este tem relacionadas com a constituição de um novo agregado familiar.
*
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1) Requerente e requerido casaram um com outro no dia 19 de Junho de 1995;
2) Desse casamento nasceram: D..., no dia 30 de Setembro de 2003; e E..., no dia 22 de Maio de 2000, conforme certidões dos assentos de nascimento juntas com o requerimento inicial.
3) O casamento foi dissolvido, através de divórcio por mútuo consentimento, por despacho do Conservador do Registo Civil, no âmbito do processo que correu termos pela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto sob o n.º 1517/2009.
4) Nesse processo, foi homologado o acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais das crianças, nos termos do qual a residência foi fixada junto da requerente.
5) Quanto a alimentos a suportar pelo requerido, progenitor não residente, o referido acordo previa o seguinte:
“1. O pai, a título de sustento, habitação e vestuário contribuirá mensalmente com a quantia de € 300,00;
2. O pai contribuirá, a título de instrução, educação e actividades paraescolares e físicas com a metade do que for necessário a tal título;
3. Cada um dos progenitores contribuirá com metade das despesas de saúde;
4. Relativamente às quantias a que se refere o ponto 1. antecedente serão elas pagas até ao dia 10 de cada mês, por meio de depósito na conta bancária a indicar pela requerente-Mãe, titulada em nome desta;
Quanto ao valor que resultar dos pontos 2. e 3. antecedentes, aquele que desembolsar os respectivos custos terá direito a reembolso por parte do outro, do mesmo modo referido para o ponto 1, devendo considerar-se a conta bancária também a indicar por parte do progenitor-Pai”, tudo conforme certidão do processo de divórcio por mútuo consentimento junta com o requerimento inicial.”, tudo conforme documentos 1 a 3 juntos com o requerimento inicial, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
6) Por escrito não datado, requerente e requerido declararam que “acordam em alterar a pensão, a título de sustento, habitação e vestuário anteriormente acordada, passando o primeiro outorgante a pagar à segunda outorgante a pensão mensal de € 450,00. A presente declaração tem efeitos a partir de Outubro de 2010”, conforme documento 4 junto com o requerimento inicial, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido.
7) A partir de Outubro de 2010 e até Agosto de 2014, o requerido entregou mensalmente à requerente, a título de alimentos, a quantia de € 450,00.
8) A partir de Agosto de 2014, o requerido passou a entregar mensalmente a quantia de € 300,00.
9) As crianças frequentam a natação e o karaté.
10) Com a frequência dessas actividades, a requerente despendeu as seguintes quantias:
(…) TOTAL 1405,37
11) Em despesas de saúde com as crianças, a requerente despendeu as seguintes quantias:
(…) Valor em dívida 1084,34
12) Sendo beneficiária da ADSE, a requerente recebeu de tal instituto público, o reembolso de parte de tais despesas, no valor de € 629,66.
13) As crianças frequentam o ATL do estabelecimento de ensino G..., Lda..
14) Entre Agosto de 2014 e Novembro de 2016, a requerente despendeu, como contrapartida por essa frequência, € 10.005,00.
15) Na aquisição de livros e material escolar e no pagamento de passeios escolares, a requerente despendeu:
(…)
Total E... 257,27€ D... 78,17€
16) A requerente reclamou do requerido o reembolso de metade das referidas despesas.
17) O requerido consentiu que as crianças frequentassem o referido ATL, a natação e o karaté.
18) Após esse consentimento, quando instado pela requerente a fazer o reembolso da parte que lhe cabe nas despesas, respondeu:
Através de email do dia 16 de Outubro de 2013:
O meu ordenado líquido do H... anda pelos 1200 euros mês (engloba o INEM), qdo n faço INEM são inferiores ou iguais a 4, o ordenado situa-se na casa dos 110 euros; da I... trago +/- 400 euros/mês, por vezes menos, pois a política da I... é dispensar os enfermeiros qdo n necessita deles e isso tem acontecido muito frequentemente, enfim … da pensão de alimentos/vestuário/ alojamento para os meninos são 450 euros/mês, despesas de educação são 242.50 + 18 euros/mês; dá um total de 710.50 euros/mês. Se contar só com o ordenado do H..., dado ser este o único q é certo, é só fazer contas e verificas q sobra para eu fazer face às minhas despesas cerca de 400 euros … mesmo q eu adicione os 400 da I..., 1 n é certo, o total nem chega a 1000 euros e metade disto é para pagar o arrendamento do apartamento.
Como vês a coisa por este lado n anda bem financeiramente.
Possivelmente e até ao fim do ano teremos q rever as verbas da pensão dos meninos ou então a despesa da sala de estudo, por muito q me custe, mas n estou a aguentar todas estas despesas, e penso q é melhor reduzir alguma coisa do q num futuro muito próximo eu n consiga responder às despesas q vão aparecendo.
Através de email do dia 26 de Maio de 2014:
Qto à reinscrição na sala de estudo talvez ainda esta semana proceda ao pagamento.
Reafirmo, como já t tinha falado à +/- 6 meses atrás, e apelo ao teu bom senso qto à necessidade de ajustar as despesas à realidade actual. Torna-se incomportável para mim o actual nível de despesa com a pensão de alimentos + desp. Educação (+/- 700euros/mês). Existem formas de resolver o problema: voltando aos anteriores 300 euros para a pensão de alimentos e mesmo assim teria de fazer esforço enorme para conseguir suportar o valor q dispenso actualmente para a sala de estudo dos rapazes; ou mantendo o valor de 450 euros de pensão de alimentos, mas n tendo hipótese de contribuir para a sala de estudo; ou caso n cheguemos a um entendimento terei q solicitar nova reavaliação da minha situação económico familiar perante as entidades competentes para o efeito, sendo esta última opção a que menos m agrada.
Reflecte e facilmente chegarás à conclusão q n se pode gastar acima do q s ganha e neste momento eu estou a gastar mais do q ganho, apesar das restrições q já fiz.
O valor q dispenso mensalmente para os rapazes é o valor q muitas famílias têm como orçamento mensal e muitas nem isso têm, daí q a actual situação requer bom senso, se pensares um pouco os dois rapazes n podem gastar mensalmente 1400 euros.
Reflecte e diz alguma coisa pois n queria unilateralmente suspender algum dos valores sem chegarmos a acordo.
tudo conforme documentos juntos pela requerente sob a referência 25226283).
19) Por escritura pública lavrada no dia 28 de Julho de 2009, no Cartório Notarial do Porto, requerente e requerida declararam proceder à partilha do património comum do casal, na sequência do divórcio, assumindo a primeira a obrigação de pagar tornas ao segundo, no montante de € 24 773,43, em noventa e oito prestações mensais de € 252,79, tudo conforme documento n.º 1 junto com a alegação do requerido, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
Não resultou provado que:
20) Para além do referido em 18), o requerido não fez qualquer outra comunicação à requerente.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso
I – O recorrente insurge-se, em primeiro lugar, contra a factualidade dada como provada e não provada, pretendendo que o nº 17 - o requerido consentiu que as crianças frequentassem o referido ATL, a natação e o karaté - seja havido como não provado, bem como o nº 18 relativamente ao segmento “após esse consentimento…”.
Pretende igualmente que o nº 20, não provado, - para além do referido em 18), o requerido não fez qualquer outra comunicação à requerente – transite para o elenco dos provados.
Nesse sentido indica as declarações da requerente e do requerido, o depoimento da testemunha F... e ainda diversa prova documental (documento nº 3 junto com as alegações iniciais do requerido [fls. 42] e emails de 11.8.2014 e 10.12.2014 juntos pela requerente no seu requerimento de 20.3.2017).
Pese embora o Min. Público, na sua resposta, se tenha pronunciado no sentido do incumprimento por parte do recorrente do ónus previsto no art. 640º, nº 2, al. a) do Cód. do Proc. Civil, com a consequente rejeição do recurso no tocante à reapreciação da prova gravada, entendemos que tal ónus se mostra cumprido.
Com efeito, o recorrente nas alegações indica os meios probatórios que, na sua perspetiva, impõem diferente decisão factual e com referência aos depoimentos e declarações, gravados, prestados na audiência de julgamento menciona os minutos a até os segundos em que foram produzidas as afirmações que reputa de relevantes para a sua pretensão recursiva em termos de impugnação da matéria de facto (cfr. conclusão I).
Assim sendo, procedemos à audição da prova gravada que acima se deixou referida.
A requerente C... disse que a inscrição das crianças na sala de estudo foi uma decisão conjunta do casal. Na altura do divórcio, em Maio, os filhos estavam lá inscritos e a seguir houve reinscrição em Setembro. A inscrição no karaté foi também uma decisão conjunta do casal. A natação surgiu já depois do divórcio, porque haveria uma redução da mensalidade do karaté se os filhos também estivessem inscritos na natação. O ex-marido não se opôs. Em 2013 o requerido comunicou-lhe que não tinha possibilidade de pagar metade da despesa do karaté. A inscrição anual dos menores nas atividades não dependia da vontade do requerido.
O requerido B... disse que quando fizeram o acordo os menores andavam ambos no ATL e no karaté. Em 2014, depois de deixar de trabalhar na I..., informou a requerente de que não podia suportar as despesas com o ATL e com as atividades extracurriculares. Alertou a requerente para o facto de andarem a viver acima das possibilidades. Mais referiu que esta lhe comunicou que tinha inscrito os menores na natação e na altura disse que concordava porque os filhos queriam, tendo chegado a ir buscá-los às piscinas. Assinalou também que a requerente muitas vezes decide coisas sobre os filhos sem o consultar. A frequência no ATL requer todos os anos reinscrição e entende que tem de dar autorização. Relatou um episódio em que foi contactado pela diretora do ATL a dizer-lhe que tinha uma dívida perante a instituição; informou-a de que não dispunha de capacidade económica para ter lá os miúdos e se a requerente lá os manteve fê-lo unilateralmente. E depois desta conversa a diretora nunca mais o incomodou com tal situação. Disse que a decisão relativa à frequência das atividades era anual. Até 2014 concordou que os menores frequentassem o ATL e o karaté.
F... é proprietária do estabelecimento de ensino “G...” que é frequentado pelos menores. Disse que o pagamento das mensalidades foi feito sempre pela mãe. Referiu que a sua irmã, que também é gerente do estabelecimento, contactou o requerente por causa de valores em dívida e este disse-lhe que não tinha dado autorização para os menores continuarem a frequentar a instituição e, por isso, não estava a pagar. Esclareceu ainda que os avisos para a renovação das inscrições são sempre enviados antes do final de cada ano letivo, tanto para a mãe como para o pai.
Do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais consta que o pai contribuirá, a título de instrução, educação e atividades para-escolares e físicas com a metade do que for necessário a tal título (cláusula IV.2. – fls. 12v).
No mail remetido pelo requerido para a requerente, em 11.8.2014, o primeiro escreveu o seguinte: “… Mais informo que pretendo cumprir os pontos 2 e 3 da cláusula IV, desde que as despesas inerentes a esses pontos estejam dentro das minhas possibilidades orçamentais e tenham sido discutidas e acordadas pelos dois…” – fls. 42.
E no mail enviado à requerente, em 10.12.2014, o requerido escreveu o seguinte: “… Apesar de concordar com a mais valia que a sala de estudo G... proporciona aos nossos filhos, a mensalidade que a instituição G... recebe em troca dos serviços prestados, não é sustentável com o meu orçamento, daí eu não ter pago o valor da reinscrição e já tentei falar contigo acerca do assunto desde Abril/Maio, mas nunca foi possível da tua parte essa abordagem…” – fls. 176.
Sucede que da avaliação conjugada dos elementos probatórios que acabámos de enunciar, entendemos que nenhuma censura há a fazer à decisão fáctica da 1ª instância no que toca aos concretos pontos factuais que se acham impugnados.
Com efeito, decorre das declarações prestadas pela requerente e pelo requerido que as crianças já frequentavam o ATL e o karaté aquando do divórcio e que tal resultou de decisão conjunta do casal.
E quanto à natação, cuja frequência se inicia após o divórcio, flui também das declarações de ambos que o requerido concordou com tal atividade, tendo, inclusive, ido buscar os menores às piscinas.
Por seu lado, no que concerne aos mails datados de 11.8.2014 e 10.12.2014, acima transcritos, dos quais desde logo ressalta o acerto do facto não provado nº 20, dos mesmos não resulta que o requerido não tenha dado consentimento à frequência pelos menores do ATL, do karaté e da natação, mas tão só que ele sente dificuldades, face ao seu orçamento, no pagamento da sua parte nessas despesas.
Deste modo, entendemos que a matéria fáctica dada como provada e não provada na sentença recorrida se deve manter nos seus precisos termos, assim improcedendo o recurso interposto nesta parte.
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II – Sustenta também o requerido nas suas alegações de recurso que as despesas reclamadas pela requerente careciam do seu prévio consentimento, nomeadamente no que tange à inscrição ou reinscrição dos menores no ATL, na natação e no karaté.
Antes de mais, há a referir que a frequência de ATL e de atividades extracurriculares não constitui questão de particular importância para a vida do filho, tal como não o constitui a prestação corrente de cuidados de saúde, designadamente consultas médicas, administração de medicamentos, tratamentos dentários ou oftalmológicos, a menos que para ele comportem risco para a sua vida ou integridade física, pelo que a decisão quanto a tais questões cabe apenas ao progenitor residente – art. 1906º, nºs 1 e 3 do Cód. Civil (cfr. Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 6ª ed., págs. 306/307).[1]
E quanto ao pagamento, pelo progenitor não residente, da sua parte nestas despesas, quando efetuadas por decisão unilateral do progenitor residente, e sem que para elas tivesse sido ouvido?
Sucede que no acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, em que se clausulou que as responsabilidades parentais são exercidas por ambos os progenitores (I-1.) e que os menores ficam à guarda e cuidados da requerente mãe (I-2.), mais se clausulou que o pai contribuirá, a título de instrução, educação e atividades para-escolares e físicas com a metade do que for necessário a tal título (IV-2.) e que cada um dos progenitores contribuirá com metade das despesas de saúde (IV-3.).
Da interpretação que se impõe fazer do acordo celebrado entre os dois progenitores, há a salientar, em sintonia com a decisão recorrida, que estes, relativamente à prestação de alimentos fixa (300€; IV-1.), quiseram autonomizar as despesas de educação, saúde e atividades extracurriculares, constituindo, a par daquela, uma prestação de alimentos de base variável.
Porém, não fizeram qualquer referência nesse acordo à necessidade de prévio consentimento por parte do progenitor não residente no tocante à realização destas despesas, o que significa, no dizer do Mmº Juiz “a quo”, que ambos “confiaram no prudente arbítrio da progenitora residente, também ela interessada em restringir custos como medida de gestão do seu orçamento”.
Solução que, de resto, se mostra razoável em casos, como o presente, em que os progenitores têm um nível social e económico aproximado, assim se evitando a constante necessidade de obter prévio consentimento por parte do progenitor não residente, o que, não raras vezes, poderá potenciar conflitos entre ambos.
Deste modo, continuando a seguir a decisão recorrida, é de concluir que as despesas que a requerente reclama não impunham prévio consentimento do requerido, de tal forma que uma eventual revogação de consentimento inicialmente dado sempre seria inócua.
E se as condições económicas do requerido se deterioraram este, invocando circunstâncias supervenientes, sempre poderá solicitar, por via judicial, a alteração do acordado em sede de alimentos, ao abrigo do art. 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), sem embargo de se considerar que os mails já referidos não envolvem revogação de consentimento relativamente às despesas aqui em causa, mas tão só anúncio de dificuldades económicas.
Assim, o requerido, aqui recorrente, será responsável pelo pagamento de metade dos valores despendidos pela progenitora no tocante ao ATL e às atividades extracurriculares de karaté e natação (6.100,24€).
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III – Na decisão recorrida, com apoio no disposto no art. 48º, nº 1, al. a) do RGPTC, foi determinada a dedução no vencimento mensal que é pago ao requerido da quantia de 300,00€ respeitante à parte fixa das prestações de alimentos referentes aos menores E... e D... e também da quantia correspondente à diferença entre o que restar de tal vencimento, depois de efetuada aquela dedução, e o montante definido para a pensão social do regime não contributivo – 203,35€ (cfr. art. 17º, nº 1 da Portaria nº 98/2017, de 7.3) –, até se perfazer a importância devida a título de alimentos vencidos (6.100,24€).
O requerido insurgiu-se contra esta parte do decidido, pugnando, em via recursiva, pela redução deste valor, por considerar que não se atendeu às outras despesas que tem relacionadas com a constituição de um novo agregado familiar, o que obteve a aquiescência do Min. Público que, na sua resposta, não se opôs a que se permita que o pagamento da referida dívida de 6.100,24€ relativa a alimentos se efetue em prestações mensais, iguais e sucessivas, de 100,00€, a acrescer ao valor da pensão de alimentos devida a cada um dos filhos, e até se completar o valor em dívida acima referido.
Em sede de créditos respeitantes a alimentos, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, que corresponde a 203,35€, conforme flui do estatuído no art. 738º, nº 4 do Cód. do Proc. Civil, donde decorre a conformidade à lei da decisão recorrida.
Todavia, o Min. Público, reconhecendo embora a legalidade do decidido, entendeu dar relevo ao quadro de maiores dificuldades económicas que têm vindo a ser sentidas pelo requerido nos últimos anos e que se encontram vertidas nos autos, designadamente nos mails que foram juntos e na documentação constante de fls. 32 e segs., as quais se prendem com a constituição por este de um novo agregado familiar, sendo que dessa nova relação nasceu uma outra filha, agora menor de cinco anos de idade.
Assim, em linha com o sustentado pelo Min. Público na sua resposta, que reputamos de acertado e de modo a salvaguardar também a subsistência digna deste novo agregado, entendemos ser de alterar a decisão recorrida, permitindo-se o pagamento da dívida relativa a alimentos – 6.100,24€ - em prestações mensais, iguais e sucessivas, de 100,00€, a acrescer ao valor da pensão de alimentos devida a cada filho, até integral pagamento.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- A frequência de ATL e de atividades extracurriculares, como karaté e natação, não constituem questões de particular importância para a vida do filho, pelo que a decisão quanto a elas cabe apenas ao progenitor residente.
- Se no acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais se prevê que metade destas despesas sejam pagas pelo pai (progenitor não residente), este deverá suportar tais despesas nessa proporção, independentemente do seu prévio consentimento relativamente à sua realização.
- Em sede de créditos respeitantes a alimentos, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, que corresponde atualmente a 203,35€ - art. 17º, nº 1 da Portaria nº 98/2017, de 7.3.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo requerido B... e, em consequência, altera-se o decidido, determinando-se que, para além das importâncias correspondentes à parte fixa das prestações de alimentos devidas aos menores D... e E..., se proceda à dedução no vencimento mensal do requerido da quantia de 100,00€, até se perfazer a importância de 6.100,24€ em dívida a título de alimentos vencidos.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

Porto, 14.11.2017
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Questões de particular importância, segundo a autora referida, serão, por exemplo: a educação católica da criança; a realização de uma intervenção cirúrgica com riscos sofrendo a criança de um problema de saúde grave; a mudança de residência para o estrangeiro; a autorização para contrair casamento quando o filho/a menor tenha mais de 16 anos; o consentimento para a interrupção voluntária da gravidez.