Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
24/20.1T9PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: ACTO RESERVADO POR LEI AO ARGUIDO
FALTA DE RELATÓRIO SOCIAL
Nº do Documento: RP2024022124/20.1T9PFR.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O acto de concordância com a leitura em audiência das declarações de uma testemunha prestadas em momento processual anterior não é um acto pessoal reservado ao arguido nos termos do artº 63º, nº1, do CPP.
II - Não ocorre o vício da insuficiência da matéria de facto provada quando, tendo o tribunal determinado a elaboração do relatório social pela DGRS, se verifica a impossibilidade da sua realização em virtude de o arguido, regularmente notificado, se ter ausentado da morada constante do TIR sem comunicar ao tribunal e ter faltado à audiência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 24/20.1T9PFR.P1
1ª secção criminal

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal colectivo), do Juízo Central Criminal de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, juiz 3 o arguido AA, nascido em ../../1990, entre outros, foi submetido a julgamento e a final foi proferido acórdão de cuja parte decisória consta o seguinte:

(…)

Pelo exposto decide-se julgar a acusação procedente, por provada, e em consequência:

a) Condenar o arguido BB, pela prática de um crime de roubo, como reincidente, p. e p. pelo arts. 210º, nº1 e 75º e 76º, todos do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

b) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de roubo, como reincidente, p. e p. pelo arts. 210º, nº1 e 75º e 76º, todos do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;(negrito nosso)

c) Condenar o arguido CC, pela prática de um crime de roubo, como reincidente, p. e p. pelo arts. 210º, nº1 e 75º e 76º, todos do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;

d) Condenar os arguidos nas custas da parte criminal com taxa de justiça individual de 4 Ucs (arts. 513º e 514º, todos do C. P. Penal e art. 8º do RCP, tabela anexa III, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que gozem;

e) Ordenar a recolha de amostras de ADN dos arguidos, para inserir nas bases de dados de perfis de ADN, em obediência ao disposto no art. 8º, nº 2, da Lei nº 5/2008, de 12/02, após o trânsito em julgado da presente decisão, caso ainda não tenha sido efectuada.


*

(…)

*

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

(…)

I. O ora recorrente, salvo o devido respeito e merecido respeito, pelo Ilustre Tribunal a quo subscritor do douto Acórdão, que é muito, não pode aceitar a decisão proferida relativamente à sua condenação na prática de um crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º1, 75.º e 76.º do Código Penal na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.

II. O arguido foi notificado pessoalmente em 11.09.2023 do acórdão proferido em 29.03.2022, encontrando-se detido preventivamente desde 13.09.2023 no Estabelecimento Prisional ... à ordem do processo 390/22.4GAVGS;

III. No prazo de recurso de 30 dias constante do n.º1 do artigo 411.º do CPP, o arguido teve nomeado um defensor oficioso por 21 dias (até ao dia 02.11.2023, a Dra. DD) e no resto do prazo de recurso (incluindo-se os 3 dias úteis do artigo 107.º-A do CPP) teve nomeado mais seis defensores oficiosos;

IV. O arguido nunca foi notificado pelo tribunal dos defensores oficiosos que lhe foram sucessivamente nomeados durante o prazo de recurso, nem tão pouco conseguiu estabelecer qualquer contacto com os mesmos.

V. De tal forma, que por exposição por si outorgada (cfr. fls. 827 a 831), sem acompanhamento de advogado, remeteu a juízo uma exposição em que mostrou a sua discordância com o Acórdão proferido, que foi rejeitada por despacho de 17.10.2023 por violação à al. e) do n.º1 do artigo 64.º do CPP;

VI. A falta de notificação ao arguido dos defensores nomeados nos termos do n.º1 do artigo 66.º do CPP durante o prazo de recurso consubstancia uma irregularidade relevante nos termos do n.º1 do artigo 123.º do CPP, que afectou o direito constitucionalmente assegurado do arguido ao recurso.

VII. Tendo decorrido 21 dos 30 dias de prazo com um mandatário que pediu escusa é notório que nenhum dos outros 6 defensores oficiosos nomeados para o prazo restante (9dias acrescidos do prazo do artigo 107.º-A do CPP) teve condições, ou deu condições ao arguido para que o mesmo pudesse recorrer do acórdão em causa.

VIII. A contagem ininterrupta do prazo de recurso nos termos do n.º1 do artigo 411.º do CPP, viola as garantias constitucionais do direito ao recurso e do processo equitativo do arguido constantes do artigo 32.º e do n.º1 do artigo 20.º, ambos da CRP, nas concretas circunstâncias dos autos (em que o arguido se encontra detido no prazo de recurso, em que nesse prazo teve 7 defensores oficiosos diferentes e nunca foi notificado dos defensores que lhe foram nomeados).

IX. O arguido apenas teve conhecimento de que o ora signatário era o seu defensor oficioso no passado dia 24.10.2023, aquando da deslocação pessoal ao Estabelecimento Prisional ..., tendo sido o ora signatário nomeado no passado dia 20.10.2023;

X. A conformidade constitucional do teor do n.º1 do artigo 411.º do CPP com o n.º1 do artigo 32.º e do n.º1 do artigo 20.º, ambos da CRP, impõe que se considere que na presente data, com 7 dias sobre a nomeação do signatário e 3 sobre o conhecimento do arguido da nomeação que apresentação do presente recurso é tempestiva.

XI. O tribunal a quo formou a sua convicção sobre os factos provados, sem indicação concreta dos mesmos, no depoimento prestado pela testemunha/ofendido EE em sede de inquérito à GNR de Felgueiras, lido em julgamento;

XII. A leitura das declarações prestadas em inquérito pela testemunha/ofendido EE À GNR de Felgueiras na audiência de julgamento de 22.02.2022 foi feita sem a autorização do arguido AA, que não estava presente na audiência e não tinha qualquer mandatário ou patrono com poderes para tal, nos termos do n.º1 do artigo 63.º do CPP.

XIII. A leitura não autorizada pelo arguido AA das declarações prestadas pelo ofendido na GNR de Felgueiras em 10.09.2020 na audiência de julgamento de 22.02.2022 violou o n.º5 e a al.b) do n.º2 do artigo 356.º do CPP, bem como o n.º1 e 2 do artigo 355.º do CPP.

XIV. A violação do artigo 355.º do CPP e do princípio da imediação da prova, determina a invalidade do Acórdão recorrido, nos termos do n.º1 do artigo 122.º do CPP, por utilização, na sua fundamentação da matéria de facto, de prova proibida de valorar nos termos conjugados dos artigos 355.º e 356.º do CPP, invalidade essa que deve ser oficiosamente declarada e que implica a prolação de novo acórdão que exclua como meio de prova as declarações prestadas pelo ofendido na GNR de Felgueiras em 10.09.2020, e que decida consequentemente, e em conformidade a matéria de facto.

XV. O Acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto às condições pessoais, sociais e económicas do arguido nos termos da al. a) do n.º2 do artigo 412.º do CPP.

XVI. O n.º1 do artigo 370.º do CPP considera que o relatório social é necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa a ser aplicada;

XVII. As condições/elementos pessoais, sociais e económicos do arguido AA, têm importância decisiva para a decisão da causa, concretamente ao nível da medida concreta da pena, conforme decorre da al. d) do n.º2 do artigo 71.º do CP, mormente quando o tribunal a quo se decidiu pela aplicação de uma pena privativa da liberdade ao arguido, que necessariamente irá afectar essas suas condições pessoais, económicas e sociais.

XVIII. A prolação do Acórdão em 29.03.2022, sem que haja no processo relatório social ou elementos actualizados sobre a situação pessoal, económica e social do arguido, solicitada pelo próprio tribunal, viola o artigo 340.º do CPP, pois impunha-se ao tribunal a quo que investigasse, por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis, tais concretas circunstâncias pessoais, económicas e sociais do arguido AA à data do julgamento.

XIX. O tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127.º do CPP, não tendo efectuado o exame critico da prova que o n.º2 do artigo 374.º do CPP lhe exige para a decisão sobre a matéria de facto como provada ou não provada ao ter dado como provado em 54, 55, 56, 57, 58 e 59 factualidade referente às condições pessoais, sociais e económicas do arguido AA, com base numa sentença proferida em 09.04.2013, estando o arguido recluso de 18.04.2012 a 17.01.2021 e sendo proferido o acórdão em 28.03.2022.

XX. Não há nenhuma regra da experiência comum, baseada na observação empírica de factos anteriores que permita extrair que as condições sociais, económicas e pessoais do arguido apuradas numa sentença de 09.04.2013 sejam actuais em 29.03.2022, data da prolação do acórdão pelo tribunal a quo;

XXI. Pelo que há nos autos falta de elementos probatórios bastantes sobre os elementos pessoais, sociais e económicos do arguido que pudessem ancorar a espécie e medida da pena a aplicar, verificando-se assim o vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da al. a) do n.º2 do artigo 412.º do CPP.

XXII. O acórdão não tomou posição sobre a factualidade alegada sobre 2 e 3 da contestação apresentada pelo arguido AA.

XXIII. Essa factualidade tem relevo quanto aos elementos pessoais, sociais e económicos do arguido, sendo assim relevante para a defesa e para a decisão da causa, pois contém factos determinantes da determinação da medida concreta da pena nos termos da al. d) do n.º2 do artigo 71.º do CP;

XXIV. A ausência de pronúncia e exame critico das provas pelo tribunal a quo sobre os factos relevantes para determinar a responsabilidade criminal do agente e os termos desta configura uma nulidade que é do conhecimento oficioso, nos termos da al. a) do n.º1 do artigo 379.º e do n.º3 do artigo 410.º do CPP

Assim, deverá o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que tenha em consideração a solução dada às questões aqui suscitadas, o que levará a outra decisão relativamente à condenação do Arguido na prática de um crime de roubo.

(…)

A Magistrada do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.


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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

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O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:

(…)

A. Factos provados com relevo para a decisão.

1. No dia 28-10-2019 pelas 11:53, no estabelecimento prisional ..., mais concretamente no rés-do-chão do lado ..., os arguidos BB, AA e CC, decidiram, de comum acordo, apoderar-se de objectos de valor pertencentes ao ofendido EE.

2. Com efeito, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, os arguidos entraram na cela n.º ..., abordaram o ofendido EE tendo-lhe o arguido AA pedido que lhes desse cigarros.

3. O ofendido respondeu que não tinha e em acto contínuo, actuando em conjugação de esforços e de comum acordo com os demais arguidos, na execução do plano previamente gizado, o arguido AA desferiu no ofendido um murro na cara, que o atingiu no olho esquerdo.

4. Em consequência da descrita actuação o ofendido ficou atordoado e sentou-se na cama.

5. De seguida, os arguidos BB e CC buscaram a cela do ofendido e encontraram três maços de tabaco a este pertencentes apoderando-se dos mesmos.

6. No circunstancialismo descrito o ofendido tentou fugir, no entanto os arguidos conjuntamente, em conjugação de esforços e vontade, na execução do acordado, dirigiram-se ao mesmo e desferiram-lhe vários murros e pontapés que o atingiram em várias partes do corpo;

7. E sempre actuando em conjugação de esforços e de comum acordo com os demais arguidos, o arguido BB posicionou-se seguidamente por detrás do ofendido, colocou-lhe os braços à volta do seu pescoço e apertou com força, fazendo com que o ofendido desmaiasse por asfixia.

8. Após os arguidos abandonaram o local na posse dos referidos maços de tabaco pertencentes ao ofendido, apoderando-se dos mesmos, que dividiram entre todos.

9. Como consequência directa e necessária das referidas agressões, o ofendido sofreu, para além de dores nas zonas atingidas, mais concretamente escoriações na face e região maxilar direita, escoriações no braço direito; Hematoma ligeiro/moderado peri orbitário esquerdo; múltiplas fraturas das paredes medial e pavimento da orbita esquerda, com enfisema intra-orbitário (…) solução de continuidade no pavimento da orbita abrangendo o canal do nervo infra-orbitário, com herniação de gordura e parcialmente do reto inferior, músculo espessado e de morfologia arredondada a traduzir edema (…) afundamento da lâmina papirácea e de predomínio medial, com ligeiro repuxamento das fibras musculares do reto medial e ligeiro espessamento deste músculo (…) hematoma e enfisema peri-orbitário e hemiface à esquerda; ligeiro afundamento medial dos ossos nasais; dor à palpação do rebordo infraorbitário e do epicante medial, lesões que lhe determinaram 21 dias para a cura, com 15 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e sem consequências permanentes.

10. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e de comum acordo, em execução de um plano previamente traçado entre todos, com o propósito concretizado de se apoderarem dos referidos maços de tabaco pertencentes ao ofendido, fazendo uso da força física como descrito de modo a colocá-lo numa situação que o impossibilitasse de resistir por ter sido ofendido no seu corpo e saúde, logrando desta forma retirar-lhe o que lhe retiraram, bem sabendo que tais objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário, o ofendido, o que quiseram.

11. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…)

17. O arguido AA foi julgado e condenado, no âmbito do processo n.º 399/11.3GAILH, que correu termos na Comarca de Baixo Vouga, no juízo de Média Instância Criminal, por sentença proferida em 09/04/2013, transitada em julgado em 10/05/2013, pela prática em 14-06-2009 de um crime de furto qualificado p.p pelos arts.º 203.º n.º1 e 204.º n.º 2 al. e) do Código Penal, pela prática em 16-07-2011 de um crime de roubo p.p pelo art.º 210.º n.º 1 do Código Penal e pela prática em 17-03-2012 de um crime de furto qualificado na forma tentada p.p pelo art.º 22.º n.º 1 e 2, 23.º n.º1 e 2, 203.º n.º1 e 204.º n.º 2 al. d) do Código Penal, nas penas parcelares de 3 anos, 2 anos e 6 meses e 2 anos e na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva, pelos factos que a seguir se descrevem:

No dia 16.07.2011, pelas 16h10m, o arguido AA transitava na Av. ..., em ..., ao volante de um ciclomotor, de cor bordeaux, e, ao ver FF, que ali circulava apeada, abeirou-se da mesma, pela retaguarda, puxando com força a mala que a mesma segurava, assim a fazendo cair ao chão, e logo depois prosseguiu a sua marcha, levando consigo tal mala.

A mala em causa continha no seu interior uma «liga» em ouro, entrançada, com um crucifixo sobre uma chapa rectangular; pelo menos €100,00 euros em notas do BCE; um telemóvel, da marca “Samsung”, e vários documentos pessoais da FF.

O arguido AA agiu com o propósito de, através da força física que utilizou contra a FF, lhe retirar e fazer seus os referidos bens e quantia monetária pertencentes àquela, muito embora soubesse que os mesmos não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade da respectiva proprietária.

O AA actuou de modo livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

(processo abreviado nº 13/12.0MAAVR)

No dia 17.03.2012, cerca das 1.05 horas, na execução de um plano que previamente gizaram, os arguidos GG, HH, II e AA dirigiram-se ao interior da embarcação “.../...” pertença da sociedade A..., S.A., que se encontrava atracada na ponte cais nº ...1, ..., com o propósito de daí retirarem alguns objectos que lá se encontrassem e lhes interessassem.

Para o efeito, os arguidos GG, HH, II e AA levaram uma mochila que continha um serrote de cortar ferro, uma lanterna de cabeça, uma lanterna de mão, duas chaves de fendas, uma chave de estrela, uma navalha, um martelo e uma lâmina de serrote de cortar ferro.

Para se aproximarem da referida embarcação os arguidos fizeram uso de uma embarcação recreio denominada “...” que amarraram e encostaram ao navio “.../...” subindo depois os arguidos GG, II e AA a bordo deste escalando-o sem autorização nem consentimento da proprietária, a assistente A..., enquanto o arguido HH ficou no “...” a aguardar o regresso dos daqueles.

Entretanto, quando os arguidos GG, II e AA se encontravam no interior do navio foram surpreendidos por elementos da Polícia Marítima.

Dentro da embarcação encontravam-se objectos como sejam quinze metros de varandim de latão, trinta metros de cabos eléctricos de cobre secção 3 x 16 e uma caixa de ferramentas composta por chaves de caixa em polegadas cujo valor ascendia, pelo menos, a 5.500,00€.

Ao actuar da forma descrita os arguidos GG, HH, II e AA, mediante prévio acordo de vontades e em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado entre todos quiseram introduzir-se no interior do navio “.../...” através do escalamento do lado estibordo, arrombarem a entrada da ré e apoderar-se dos objectos que aí se encontrassem.

Os arguidos GG, HH, II e AA só não alcançaram os seus intentos por terem sido surpreendidos pela Polícia Marítima no local.

Os arguidos GG, HH, II e AA sabiam que os objectos que se encontravam no interior da embarcação não lhes pertenciam e bem assim que tal conduta era proibida e punida pela lei penal.

O navio “.../...” já havia sido alvo de um assalto no fim-de-semana de 25/26 de Fevereiro de 2012 pelo que a assistente tinha providenciado pelo reforço de todas as entradas do navio quer através da aposição de correntes e cadeados quer através da soldadura das portas à própria estrutura do mesmo.

18. O arguido AA esteve recluso inimterruptamente entre 18-04-2012 e 17-01-2021, data em que foi restituído à liberdade por perdão de pena.

19. Atento o exposto, o período de tempo que permaneceu preso, não constituiu para o arguido suficiente advertência para não voltar a delinquir.

20. O arguido AA foi ainda julgado e condenado nos seguintes processos:

- processo sumário nº 84/08.3GBILH do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ílhavo, onde foi condenado em 04.02.2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 01.02.2008, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros; tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento efectuado em 06.06.2008;

- processo sumário nº 65/11.0GBILH do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 11.02.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 28.01.2011, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros;

- processo sumário nº 260/11.1GBILH do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 01.06.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 06.05.2011, na pena de 3 meses e 15 dias de prisão, substituída por 105 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros;

- processo comum singular nº 18/09.8GBOBR do Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 24.06.2011, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 10.01.2009, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;

- processo comum singular nº 138/09.9GBILH do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 11.10.2011, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 22.02.2009, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros;

- processo sumário nº 748/11.4GBILH do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 30.11.2011, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos em 30.11.2011, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros;

- processo comum singular nº 63/11.0GBILH do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 20.12.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 25.01.2011, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros;

- processo comum singular nº 115/10.7GBOBR do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 17.01.2012, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 17.02.2010, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;

- processo sumaríssimo nº 708/11.5GBILH do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado em 26.03.2012, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos em 04.07.2011, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros;

- processo comum colectivo nº 441/11.8GAILH do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por acórdão de 27.06.2012, pela prática de um crime de roubo (dois anos e três meses de prisão) e de um crime de receptação (nove meses de prisão), por factos ocorridos em 29.07.2011 e 01.08.2011, respectivamente, na pena única de dois anos e seis meses de prisão efectiva;

- no processo comum colectivo nº 228/12.0GBILH, do Tribunal da Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo-Juízo de Média Instância Criminal, por acórdão de 05.06.2013, transitada em julgado a 08.07.2013, pela prática a 17.03.2012 e 06.04.2012 de dois crimes de furto qualificado, um dos quais na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 203º, 204º, nº1, al. f) e nº2, al. e) todos do C. Penal na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;

- no âmbito do processo comum colectivo nº8/14.9GBAVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal – Juiz 2, por decisão de 10.10.2016, transitada em julgado a 18.01.2017, na pena de 10 meses de prisão, pela prática a 02.11.2014 de um crime de evasão p. e p. pelo art. 352º do C. Penal.

(….)

Mais se provou:

24. Das condições socioeconómicas dos arguidos.

(….)

54. O arguido AA é oriundo de uma família numerosa e de humilde condição social e económica.

55. O seu processo de desenvolvimento decorreu num ambiente familiar normativo e afectuoso;

56. Frequentou a escola dos 6 aos 12 anos, pautando o seu percurso por algum absentismo, desmotivação e reprovações, facto que originou o acompanhamento do gabinete de psicologia escolar; concluindo apenas o 6º ano de escolaridade;

57. Posteriormente, frequentou curso de formação profissional de carpintaria, com equivalência ao 9º ano, do qual desistiu, concluindo apenas a parte escolar;

58. Em idade precoce encetou um relacionamento afectivo sendo pai aos 15 anos, altura em que iniciou a vida marital com a companheira, à altura com 19 anos;

59. O seu percurso profissional decorreu essencialmente na construção civil e noutras áreas, trabalhos temporários e registando mudanças frequentes de actividade laboral.  

(…)

B. Factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Não resultaram não provados quaisquer factos com interesse para a decisão da causa.

C. Motivação de facto.

O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos integralmente provados com base na conjugação de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, concretamente, no depoimento prestado pela testemunha/ofendido EE em audiência e em sede de inquérito, consensualmente lido em julgamento, conjugado, com a restante prova produzida, com particular relevância o auto visionamento de imagens de fls. 75 a 101 (relativo à gravação contida no CD com as imagens agrafado na contracapa do 1.º Volume); as fotografias de fls 8; o relatório de urgência do CHSJ, Polo Norte de fls. 29 a 33; o Relatório da perícia de avaliação do dano corporal de Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega  de fls. 175 e 176, e de fls. 119 a 121; mais foram ponderados (nos termos que oportunamente se explanarão); os depoimentos das testemunhas guardas prisionais JJ; KK, e o depoimento do recluso LL. E ainda o auto de notícia de fls. 7; as certidões das decisões condenatórias de fls. 492 a 515, de fls. 517 a 531 e de fls. 535 e ss., os certificados de registo criminal de fls. 424 a 437, de fls. 438 a451 e de fls. 452 a fls. 457 e bem assim os relatórios sociais de fls. 415 a fls. 418, de fls. 460 a 464 e as informações de fls. 341 a 342; 327 e 349 a 350.

Concretizando.

O depoimento prestado pela testemunha/ofendido EE em sede de inquérito (consensualmente lido em audiência) no confronto com a mais prova produzida, designadamente, com as imagens de videovigilância e as lesões sofridas, é deveras esclarecedor relativamente à actuação concreta dos arguidos dentro da cela, ao seu desempenho conjugado, conjunto, à sua prévia e simultânea concertação e quanto ao seu objectivo. E o depoimento aparentemente contraditório e parcialmente negatório do ofendido em audiência ao invés de beliscar aquela factualidade tem antes a virtualidade de o reforçar.

Da visualização das imagens e pertinente auto instruído com os respectivos fotogramas é evidente toda a movimentação que precede a entrada dos arguidos na cela do ofendido e o conhecimento prévio destes que o mesmo aí estaria, de que previamente se asseguraram ainda que através de terceiros reclusos, a sua entrada determinada e movimentação subsequente, assim como a saída cambaleante de EE, reveladora das consequências da acção daqueles (cfr. movimentos descritos e visualizados entre as 11h40 e as 11h48, a que se sucede o regresso à cela do ofendido às 11h52:46 s e a entrada no minuto seguinte dos AA e CC e por fim de BB; os movimentos de abertura e fecho da porta da cela, o movimento dentro desta – dos pés de quem usa sapatilhas brancas que a sequência de imagens permite claramente verificar que se tratou do arguido CC e da atitude de vigilância deste, assim como permanência de todos no interior durante cerca de cinco minutos, de onde saíram de forma sucessiva e apressada) – cfr.fls. 75 a 101. 

As lesões sofridas pelo ofendido (espelhadas nos referidos relatórios de urgência e hospitalar e no relatório médico-legal), a falta de resistência (não só decorrente do respectivo depoimento, como da ausência de quaisquer marcas nos arguidos nunca mencionadas), a descrição do que se passou no interior da cela e que as câmaras não podiam captar - e que só se mostra compatível com o depoimento em sede de inquérito por parte daquele - afiguram-se clarividentes no que respeita ao que efectivamente resultou provado.

Acresce que o depoimento do ofendido em audiência insistindo conclusivamente ter mentido em sede de inquérito é elucidativo quanto à veracidade do mesmo, desde logo quando imputa o essencial da actuação ao arguido ausente e em liberdade – AA – e quando referindo-se aos presentes, os arguidos BB e CC, verbaliza “já estão a cumprir pena, eu já estou cá fora, tenho a minha vida tenho o meu trabalho… não quero problemas…eles já tem a vida estragada…vou voltar a incriminá-los para quê?!”.

Os depoimentos das testemunhas guardas-prisionais, com maior propriedade JJ e cuja intervenção posterior sustentam indirectamente o circunstancialismo posterior.

A testemunha LL recluso que conforme demonstram as imagens tinha estado na cela do ofendido refugia-se na falta de memória, mas em nada contraria a factualidade provada.

Acresce no que concerne à intenção dos arguidos, não resultando dos autos que estes não sejam medianamente dotados e informados, desde logo para efeito do que aqui interessa a circunstância de já terem sido condenados por factos e crimes idênticos, decorre esta também amplamente espelhada na respectiva actuação.  

Os períodos de reclusão dos arguidos mostram-se atestados pelas informações prestadas pela Direcção Geral dos Serviços Prisionais de fls. 341 a 342; 327 e 349 a 350, corroboradas pelos certificados de registo criminal dos mesmos.

No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, teve o tribunal em consideração, os certificados de registo criminal juntos e as certidões juntas relativamente aos concretos factos pelos quais foram condenados no âmbito dos processos referidos em 12, 13, 17 e 22.

E quanto às condições sociais, pessoais e económicas apuradas atendeu o tribunal aos relatórios sociais a tal propósito elaborados e bem assim à decisão constante do ponto 17 quanto ao arguido AA.

(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:

- Se o ao valorar o depoimento de testemunha prestado em inquérito o tribunal procedeu à valoração de prova proibida nos termos do artº 355º e 356º do CPP, determinando a invalidade do acórdão nos termos do artº 122º do CPP;

- Se o acórdão recorrido violou o princípio da livre apreciação da prova e enferma de falta de fundamentação nos termos do artº 374º nº2 do CPP, ao ter dado como provada a factualidade constante dos pontos 54,55,56,57,58 e 59 referente às condições socioeconómicas do arguido AA com base na sentença constante do ponto 17 dos factos provados.

- Se o acórdão recorrido incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da al.a) do nº 2 do artº 410º do CPP,  por não ter investigado “por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis as concretas circunstâncias pessoais económicas e sociais do arguido AA à data do julgamento

Se o acórdão recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artº 379º nº1 al.a) e 410º do CPP.


 *


II - FUNDAMENTAÇÃO:

Nota prévia

Uma vez que o recurso foi admitido e não foi rejeitado por esta relação, artº 420º nº1 al. b) do CPP, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à tempestividade do mesmo.

O recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto nos termos disciplinados no artº 412º 3 e 4 do CPP. Alega porém que da fundamentação do acórdão resulta que foram valoradas as declarações da testemunha EE prestadas em sede de inquérito à GNR cuja leitura não foi autorizada pelo arguido, pelo que se verificaria a violação do artº 356º nº 2 al. b) e nº5 e do artº 355º nº1 e 2 do CPP.

Dispõe o artº 355º nº1 e 2 do CPP «. 1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.

Sendo que no artº 356º nº2 do CPP dispõe-se que: « 2 - A leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas só é permitida tendo sido prestadas perante o juiz nos casos seguintes:

a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º;

b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura;

c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas..

E o nº 5 dispõe, que « Verificando-se o disposto na alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal.»

Na fundamentação do acórdão escreveu-se além do mais que “O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos integralmente provados com base na conjugação de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, concretamente, no depoimento prestado pela testemunha/ofendido EE em audiência e em sede de inquérito, consensualmente lido em julgamento, conjugado, com a restante prova produzida.”

Resulta dos autos que:

- O arguido/recorrente foi notificado na morada do TIR que prestou, (prova de depósito a fls. 406) não tendo comparecido na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento designada e realizada no dia 28-02-2022

- Na sequência do promovido pelo MP a Srª Juiz presidente do colectivo proferiu despacho a determinar o início da audiência sem a presença do arguido por considerar a mesma dispensável, para além de ter condenado o mesmo em multa pela falta injustificada.

O arguido encontrava-se representado pela defensora oficiosa nomeada nos autos.

Ora, conforme resulta da ata de audiência de 28/2/2022, tendo MP requerido a leitura das declarações prestadas pela testemunha EE perante a GNR, pela defensora do arguido AA ora recorrente foi expressamente dito nada ter a opor, tendo pela Srª Juiz presidente sido proferido despacho a determinar a leitura em audiência das ditas declarações nos termos do artº.º 356.º, n.º 2, al. b) e n.º 5 do Código de Processo Penal.

Alega o recorrente que o acordo dado pela defensora do arguido, não é válido por se tratar de “acto reservado pessoalmente ao arguido” nos termos do artº 63ºnº1 do CPP, e que no caso a ilustre defensora não estava munida de poderes especiais de representação para o mesmo, sendo pois a valoração daquelas declarações proibidas nos termos do artº 355º nº1 do CPP, o que acarretaria a nulidade do acórdão nos termos do nº1 artº122º do CPP.

Vejamos

O julgamento realizou-se na ausência do arguido, nos termos do artigo 333.º, n.º 2, do CPP (cfr. mesma acta).

Nos termos do artº 63º nº1 do CPP o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este.

O arguido prestou TIR nos autos tomando conhecimento nos termos do nº 3 do artº 196º do CPP, e além do mais alínea a) « Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;» alínea d)  De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º».

Do teor do artº 63º nº1 do CPP, retira-se pois que o defensor pode praticar todos os direitos que a lei reconhece ao arguido, ressalvando apenas aqueles que expressamente sejam reservados pessoalmente ao próprio e aqueles que por natureza apenas podem ser praticados pelo arguido.

Tem aqui pertinência a distinção entre defesa pessoal e defesa técnica, de que dá conta o Prof. Germano Marques da Silva , ao escrever que “A lei, com efeito, reserva ao arguido para por ele serem exercidos pessoalmente certos actos de defesa” dando como exemplos as declarações prestadas pelo arguido no seu interrogatório,( arts 141º e 143º), direito de ser interrogado na fase instrução (artº 292º nº2) declarações prestadas sobre os factos da acusação no decurso da audiência (artº 343º) e depois de findas as alegações e antes de encerrada a audiência (artº 361º). ”[1]

O mesmo autor enuncia ainda a distinção entre “actos de assistência” e “actos de representação” a qual clarifica entre “os actos que o arguido tem de praticar pessoalmente e relativamente aos quais o defensor apenas o auxilia, o assiste e os que são por lei reservados ao defensor, por uma parte, e aqueles outros em que o acto pode ser praticado pelo arguido ou pelo seu defensor em sua substituição, por outra parte ”.[2]

Por sua vez o Conselheiro Henriques Gaspar em anotação ao artº63º do CPP, escreve que “a lei reserva pessoalmente ao arguido, a prática ou a presença em actos respeitantes à própria individualidade, sendo inseparáveis da pessoa e por isso exclusivamente pessoais, insusceptíveis de representação judiciária; v.g. os actos a que se referem os artigos 61º, nº3, alínea a); 140º;141;146;150;160;332º; e 344º.” [3]

Tendo presentes as normas citadas e as noções expostas, e não desconhecendo o expendido por Pinto de Albuquerque, citado pelo recorrente, com o devido respeito por tal posição, entendemos que o acto de concordância com a leitura em das declarações de uma testemunha prestadas em momento processual anterior, não é um acto de cariz pessoal do arguido, mormente quando não estão em causa declarações do próprio arguido ou de co-arguido.

Aliás, a concordância da defesa com a leitura de declarações de testemunha constante dos autos afigura-se, e com o devido respeito, estar também ligada à própria estratégia de defesa em sentido técnico processual, pelo que num caso como o os autos em que a audiência é realizada na ausência do arguido, nos termos do artº 333 nºs 1,2 e 3, do CPP, faltando o arguido injustificadamente, apesar de saber que a sua não comparência “legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito de estar presente” incluindo a realização da audiência na sua ausência, a concordância a que se refere o artº 356º nº2 al.b) do CPP, pode ser dada pelo defensor, não sendo um acto reservado por lei pessoalmente ao arguido.

Numa situação em que, sendo o arguido julgado na ausência nos termos do artº 333º nº1,2 e 3 do CPP, estava em causa o acordo para a continuação do julgamento pelos novos factos nos termos do nº2  artº 359º nº2 do CPP, actual nº3 do preceito, decidiu-se no ac desta Relação de 08-02-2006, “E só não é possível ao defensor representar o arguido nos actos que a lei reserva pessoalmente ao arguido - actos pessoais (v. g. declarações de arguido) – ou naqueles em que a lei expressamente exige o conhecimento pessoal do arguido (v. g. notificação da sentença).

Em todos os outros actos é possível ao defensor representar o arguido. Entre eles, afirmar a concordância com o prosseguimento do julgamento pelos novos factos, nos termos do artigo 359.º, n.º 2, do CPP..”[4]

Como tal a valoração das declarações da testemunha lidas em audiência não violou o disposto nos artºs 356º n2 al.b) e nº5 e 355º do CPP, pelo que improcede a arguição de nulidade efectuada pelo recorrente.

Mantém-se pois a factualidade provada no acórdão, integrante dos elementos típicos do crime de roubo, pelo qual o arguido foi condenado como reincidente, e decorrentemente improcede a pretensão do arguido de ser absolvido do mesmo.

Já em sede de factualidade da matéria para efeitos da determinação da pena aplicada, alega o recorrente que o acórdão recorrido violou o princípio da livre apreciação da prova e enferma de falta de fundamentação nos termos do artº 374º nº2 do CPP, ao ter dado como provada a factualidade constante dos pontos 54,55,56,57,58 e 59 referente às condições socioeconómicas do arguido AA com base na sentença constante do ponto 17 dos factos provados.

Sob os pontos, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 o tribunal deu como provada factualidade relativa às condições pessoais do arguido AA, tendo fundamentado tal factualidade nos seguintes termos, “E quanto às condições sociais, pessoais e económicas apuradas atendeu o tribunal aos relatórios sociais a tal propósito elaborados e bem assim à decisão constante do ponto 17 quanto ao arguido AA.

Da fundamentação exposta resulta que o tribunal deu a factualidade provada em questão, com base na fundamentação da decisão de facto constante dos factos provados sob o ponto 17.

Ao assim proceder, a decisão recorrida não só omitiu a efectivação da apreciação crítica dos meios de prova, como esqueceu, com o devido respeito que como escreve o Prof. Manuel de Andrade , “(…) o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença”, sem prejuízo de para a interpretação do dispositivo do acórdão ser contudo legítimo recorrer à motivação da decisão, quando tal se revele necessário,[5] o que como é obvio não ocorre no presente caso.

Assim decidiu o Ac do STJ de 5/5/2005 no sentido de que não pode “confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.

Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria da de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”[6] 

Incorreu pois a decisão recorrida nesta parte, no vício do erro notório na apreciação da prova, o qual como se escreveu no ac. do STJ de 19/7/2006 “(…) consubstancia-se na incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.” [7]

Sobre o alcance do vício do erro notório na apreciação da prova escreve o Conselheiro Pereira Madeira em anotação ao artº 410º do CPP que “Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta.

Porém a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas, situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum, todavia, que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada.(…)” [8]

Como tal, e sem necessidade de determinar o reenvio dos autos para novo julgamento, artº 426º do CPP a contrário, este tribunal de recurso elimina da matéria provada os factos constantes sob os pontos 54, 55, 56, 57, 58 e 59, assistindo pois neste aspecto razão ao arguido recorrente.

Alega ainda o recorrente que o acórdão recorrido incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da al.a) do nº 2 do artº 410º do CPP, por não ter investigado “por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis as concretas circunstâncias pessoais económicas e sociais do arguido AA à data do julgamento”, designadamente face à inexistência de relatório social.

Como todos os vícios do artº 410º nº2 do CPP o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artº 410º nº2 al.a) do CPP, é um vício relativo à matéria de facto, cuja existência tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.[9]

O vício da insuficiência para a matéria de facto, apenas ocorre quando a decisão de direito proferida não encontre na matéria de facto provada uma base sólida e consistente que a suporte: traduz-se, pois, numa insuficiência dos factos provados para a conclusão jurídica exposta no texto da decisão recorrida [nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-04-2004, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XII, tomo II, pp. 166-167]. 

Dispõe o artº 375º nº1 do CPP «A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada (…)», e nos termos do artº71º a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele.

Ora, desde já se adianta que improcede a alegação do recorrente porquanto, embora o vício da insuficiência incida sobre matéria que o tribunal deva apurar é pressuposto desse dever, que a mesma possa ser apurada, o que como o próprio recorrente bem expõe na motivação do recurso ao descrever as diligências ordenadas pelo tribunal e as respostas que as mesmas obtiveram.

Assim e como o recorrente bem elenca:

Pelo despacho de 14.12.2021 (referência CITIUS 87293525), o tribunal a quo determinou a junção aos autos do relatório social dos arguidos.

Em 24/4/2022 a Equipa da DGRS do Baixo Vouga informou nos autos informou nos autos a inviabilidade de realização do Relatório Social porquanto “não foi possível elaborar o relatório social sobre AA. Para o efeito foram remetidas duas convocatórias por via postal, para a morada indicada – Rua ..., ... ..., uma em correio azul e outra registada e com aviso de receção, tendo esta sido devolvida com a indicação de “Objeto não reclamado”, ambas com entrevista agendada para 10/02/2022, às 10:00 horas, não tendo o arguido comparecido ou contactado estes serviços até ao presente.

Em 07.03.2022, e já depois de designada data para a leitura do acórdão foi determinado que se solicitasse à entidade policial da área de residência do arguido por referência ao TIR “a realização de inquérito sumário junto do próprio e/ou de familiares e vizinhos à sua actual situação pessoal, familiar e profissional.” tendo sido oficiado nesse sentido;

Em 11.03.2023, o Comandante do Posto da GNR de Ílhavo informou os autos de que tinha comunicado ao posto da GNR da Gafanha da Nazaré as diligências pedidas pelo tribunal a quo quanto ao arguido, por o mesmo se encontrar a residir nesse comando;

Em 21.03.2023, o Comandante do Posto da GNR da Gafanha da Nazaré, informou os autos de tinha comunicado à Polícia de Segurança Pública de Aveiro as diligências pedidas pelo tribunal a quo quanto ao arguido por o mesmo já não residir nessa morada;-

Em 21/3/2022 foi proferido despacho a adiar mais uma vez a leitura do acórdão para o dia 29/2/21 a fim de aguardar as informações solicitadas quanto ao arguido.

Em 31.03.2022, foi remetido aos autos informação da PSP, de que não tinham conseguido efectuar as diligências solicitadas porquanto o arguido AA já não residia na morada indicada e se desconhecia a morada postal do.

Das referidas ocorrências processuais resulta que não era possível à data em que o acórdão foi proferido, elaborar o Relatório Social, nem obter por outro modo informação sobre as condições pessoais e socioeconómicas do arguido, não obstante as diligências efectuadas pelo tribunal nesse sentido, o que foi confirmado também a posteriori pela informação de 31/3/2023.

Na verdade o arguido, que havia prestado TIR, não só se ausentou da morada, que prestou, inviabilizando a elaboração de relatório social por não comparecer convocatórias efectuadas, nem levantar a carta registada, como faltou à audiência de julgamento para a qual estava notificado, a qual se realizou na sua ausência nos termos do artº333º 1 a 3 do CPP, inviabilizando que o tribunal recolhesse através das suas declarações as circunstâncias pessoais e socioeconómicas.

Neste sentido  decidiu o ac. da Rel de Guimarães de 2/5/2023 também citado pela Srª Procuradora Geral Adjunta  quando no mesmo se escreveu que, não ocorre o vício da insuficiência da matéria de facto provada, “em casos como o dos autos em que, não obstante o tribunal ter determinado a sua elaboração, nos termos do art. 370º do CPP, se verifica impossibilidade de realização do relatório social por parte da DGRSP em virtude de falta de colaboração do arguido para o efeito.…”. [10]

Aliás, não se percebe a invocação da violação do artº 340º do CPP, quando em audiência nenhuma diligência foi requerida pelo defensor do arguido presente ao abrigo daquele preceito, sendo ainda que tivesse ocorrido omissão de diligência por parte do tribunal, e não ocorreu, a nulidade daí decorrente nos termos do artº 120ºº2 al.d) do CPP, sempre estaria sanada por não ter sido tempestivamente perante o tribunal recorrido nos termos do artº 120º nº3 al.a) do CPP.

Improcede pois o invocado vício.

Por fim, alega o recorrente que ao não tomar posição sobre a factualidade alegada sob os pontos 2 e 3 da contestação, isto é, (É de condição social humilde e de modesta situação económica; É estimado e considerado como pessoa de bem no meio social onde está inserido) o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista no artº 374º nº2 e 379º nº1 al.a) do CPP.

Sobre os requisitos da sentença dispõe o artº 374º nº2 do CPP, «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal...»  

Os factos alegados relativos ao apuramento das condições pessoais e socioeconómicas do arguido, são em abstracto relevantes à determinação da medida da pena nos termos do artº 71 nº2al.d) do CP, devendo nos termos do nº3 a sentença referir expressamente os fundamentos da medida da pena.

Porém dessa relevância à decisão da causa, que em geral teria como consequência que a omissão de pronúncia determinasse a nulidade da sentença, não decorre no caso concreto qualquer nulidade insanável, uma vez que a impossibilidade de apuramento dos factos supra exposta, face à atitude processual do arguido, necessariamente determinava que os mesmos tivessem de ser considerados como não provados, pelo que essa nulidade fica sanada, artº 410º nº3 e 379º nº 2 do CPP, pelo que não há que ser proferida nova sentença/acórdão pelo tribunal recorrido.

Improcede pois a invocação de nulidade efectuada pelo recorrente.

Face ao que supra se decidiu, resulta que os factos eliminados da matéria de facto que haviam sido dados como provados sob os pontos, 54,55,56,57,58 e 59, deixam de poder ser considerados na determinação da medida da pena aplicada,

Nessa sede escreveu-se na decisão recorrida que “Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de determinação da medida concreta das penas (art. 71º, nº 2 do C.P.):

- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo, relativamente a todos os arguidos;

- as exigências de prevenção geral atenta a frequência com que ocorre este tipo de crime em reclusão, a qual cria na população prisional um forte sentimento de insegurança e que simultaneamente cria sérias dificuldades na gestão dos respectivos serviços;

- o modo de execução do facto, pois os arguidos actuaram juntos em comunhão e conjugação de esforços, o que diminui a possibilidade de defesa do ofendido e consequentemente aumenta a gravidade da conduta, ao nível da ilicitude;

- o valor dos objectos subtraídos, baixo, ainda que em reclusão acrescido;

- as consequências pessoais para o ofendido que no confronto com a importância do subtraído se revelam ainda mais graves;

- os antecedentes criminais de todos, respeitantes a crimes contra o património (furtos e roubos), objecto de condenações anteriores à prática dos factos dos presentes autos;

- as condições pessoais dos arguidos;

- a falta de consciencialização e de arrependimento que se tem de concluir do silêncio dos arguidos BB e CC e da ausência em audiência apesar de regularmente notificado do arguido AA.

Assim, tendo em conta o exposto, afigura-se adequada a aplicação das seguintes penas concretas:

(…)

- ao arguido AA a pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;…”

Ora, o peso da factualidade provada naqueles pontos de facto e que este tribunal eliminou, face às demais circunstâncias ponderadas, designadamente aos antecedentes criminais e ás circunstâncias em que os factos foram praticados, não assume relevância que determine a retirada de consequências para efeito de determinação da medida da pena, qual se mantém com a agravação por efeito da reincidência tanto mais que face à moldura abstracta, nunca esteve em causa uma pena de cariz económico.

Improcede pois o recurso.


*

*


III – DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em, não obstante a alteração supra efectuada à matéria de facto, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 3 UC


Elaborado e revisto pela relatora



Porto, 21/2/2024
Lígia Figueiredo
Maria do Rosário Martins
Donas Botto
_________________________
[1] Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume 1, Verbo, 2000, pág. 306-309
[2] Ibidem.
[3] Henriques Gaspar, Código de Processo Penal anotado, Almedina 2014, pág.224.
[4] Ac.RP de 8/2/2006, proc  0544286 (rlatora Isabel Pais Martins)
[5] Manuel. A Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1979,. Pág 318.
[6] Ac. STJ 5/5/2005 proc. 05B691 (relator Araújo de  Barros). No mesmo sento o Ac da rel. de Coimbra de 11/10/2016 proferido no proc 2560/10.9TBPBL.C1, (relator Jorge Arcanjo), com profusa referência a jurisprudência e doutrina.
[7] Ac. STJ 19/7/2006 proc. 1932/06 -3º Rel. Oliveira Mendes , ct. Por Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, notas e comentários Coimbra Editora 2008 pág.  916.
[8] Conselheiro Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, 2014Almedina, pág.1359
[9] Cfr. Ac.STJ de 24 de Março de 2004, proc.03P4043(relator Henriques Gaspar)
[10] Ac. Rl.Guimarães de 2/5/2023, proc. 154/21.2GAMNC.G1, Paulo Correia Serafim.