Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21749/03.0TJPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PRESUNÇÃO DE CUMPRIMENTO
HONORÁRIOS A ADVOGADO
MANDATO FORENSE
Nº do Documento: RP2023032321749/03.0TJPRT-A.P1
Data do Acordão: 03/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição presuntiva de um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário.
II - A partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter o pagamento, e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.
III - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 21749/03.TJPRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto, Juízo Local Cível, Juiz 9

Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Desembargador Dr. António Carneiro da Silva
2º Adjunto Desembargadora Dra. Isabel Rebelo Ferreira
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

O autor Dr. BB intentou um procedimento de injunção redistribuído como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra a ré B..., Lda. peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de 10.050,00 euros, correspondente a honorários e despesas no desenvolvimento da sua atividade de advocacia, em benefício da ré, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos.
A ré contestou a pretensão do autor excecionando a ineptidão da petição inicial e a prescrição das quantias reclamadas nos termos do art.º 317.º, al.ª c) do Código Civil.
Foi proferido despacho onde foi julgada improcedente e exceção dilatória de ineptidão.
Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância das formalidades legais, como da respectiva acta consta.

Na sentença recorrida foi decidido: «VI. Decisão.
Nestes termos, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo a ré do pedido formulado pelo autor.
Custas a cargo do autor - 527.º do Código de Processo Civil.
Valor da ação (art.º 306.º do Código do Processo Civil): o indicado no procedimento de injunção.
Registe e notifique. »(sic)

Inconformado com tal decisão, veio o autor interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O autor com o requerimento de interposição do recurso apresenta alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… EM CONCLUSÃO:
A – Atendendo à confissão da ré/apelada, pela não impugnação na oposição, bem como os depoimentos dos sócios, ambos gerentes à data dos factos, objeto da ação, que estão gravados, aos documentos constantes dos processos e ora juntos, incluindo o laudo da Ordem dos Advogados, peticionado pelo Tribunal recorrido. E, ainda,
O Tribunal recorrido teve em conta na decisão da matéria de facto, factos supervenientes e que foram trazidos aos autos, por meios não previstos, neste processo, como processo abreviado que é, com um regime especial estabelecido, pelo DL n.º 269/98, de 01 de setembro.
O ponto 5. dos factos dados como provados, apenas devia ser dado como provado:
“5. O autor representou a ré no processo n.º 2417/17.2T8VCT desde o início até 08/10/2018, data em que renunciou ao mandato conferido.”
B - O tribunal ao pronunciar-se sobre matéria que não devia pronunciar, como seja, matéria superveniente, indevida e ilegalmente, trazida aos autos, à revelia do regime estabelecido no DL n.º 269/98, de 01 de setembro, constitui nulidade prevista, na al. d), do n.º 1, do Art.º 615º do C.P.C..
C – Dos factos dados como não provados, na decisão sobre a matéria de facto constantes dos pontos 1., 2., 3. e 4., atendendo à confissão, por falta de impugnação, à prova produzida por documentos, depoimentos e declarações, atendendo, ainda, ao conhecimento geral e comum do homem médio, deveriam ser dados, totalmente, como provados.
D – Atendendo à confissão verificada em documento extrajudicial escrito – Petição da ação para a substituição de gerente, junta aos autos na audiência de julgamento, bem como o documento ora junto, da empresa de contabilidade, de que, em tal data, não existiam dívidas, para contrapor à explicação dada pela ré/apelada, ao documento junto, para prova, na audiência de julgamento de que, a apelada, era devedora a prestadores de serviços, no caso, apenas ao apelante.
C – Porém, a apelada como sociedade comercial, com contabilidade organizada e estando obrigada a guardar os documentos de pagamento durante muitos anos, pelo menos 10 anos, não poderá beneficiar da prescrição presuntiva, de que pretendeu valer-se.
D – O Art.º 317º, al. c), do C.C. consagra a prescrição presuntiva, que se funda numa presunção de cumprimento, justificada na dificuldade do consumidor provar o cumprimento das obrigações assumidas no seu quotidiano, face à prática generalizada de não exigir documento de quitação ou de não o guardar.
E – A prescrição presuntiva é liberatória do ónus de prova do cumprimento, limitando-se o prazo prescricional a balizar o termo a partir do qual o réu fica dispensado desse encargo probatório.
F – Numa interpretação atualista da disposição legal, da prescrição presuntiva (Art.º 317º, al. c) do C.C.), não deverá beneficiar, desta presunção de cumprimento, o devedor sociedade comercial, como é a ré/apelada, que, possuindo contabilidade organizada, tem o dever de documentar, na contabilidade organizada, todos os pagamentos efetuados.
G – A sentença de que se recorre, além de outros, infringiu os dispositivos legais, dos artigos 413º e segs. e 615º, n.º 1, al. d), do C.P.C., artigos 1º, n.º 4, 3º, 4º e 17º, n.º 1, do DL n.º 269/98, de 01 de setembro, artigos 29º e 40º, do Código Comercial, artigos 9º e 317º, al. c) do Código Civil.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a sentença recorrida.
Fazendo-se, assim,
JUSTIÇA.»(sic).
A recorrida não juntou contra-alegações.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, resulta que são os seguintes os pontos a analisar:

A - Incorreção do julgamento da decisão proferida quanto à matéria factual.
B - Alteração da decisão de mérito.
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III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença recorrida foi proferida quanto á matéria de facto e motivação nos seguintes termos:«III. Fundamentação de facto.
A) Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos:
1. O autor é advogado, exercendo a atividade de advocacia de forma habitual e com caráter lucrativo.
2. A ré solicitou ao autor a prestação de serviços jurídicos.
3. O autor patrocinou a ré no processo n.º 21749/03.0TJPRT, instaurado em 15/7/2003, onde a ré figurou como autora, até ao seu término, tendo em 5/12/2007 sido aposto o visto em correição.
4. A pedido da ré o autor celebrou um acordo de pagamento com o devedor da ré CC, recuperando a ré o valor de 12.000,00 euros.
5. O autor representou a ré no processo n.º 2417/17.2T8VCT desde o início até 8/10/2018, data em que renunciou ao mandato conferido, tendo nesse processo sido proferida decisão na qual se decidiu que o autor não estava regularmente mandatado para patrocinar a ré, tendo sobre a mesma incidido recurso que a confirmou.
6. A ré foi citada em 10/12/2018
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B) Factos não provados.
1. O autor patrocinou a ré no âmbito de um processo crime.
2. O autor patrocinou a ré no âmbito de diligências de liquidação e dissolução da sociedade.
3. O valor dos serviços prestados pelo autor à ré ascende ao montante global de 8.050,00 euros.
4. Após a data do visto em correição referida no ponto 1 dos factos provados o autor continuou a praticar atos relativos este processo até ao ano de 2008.
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C) Motivação.
A convicção do tribunal assentou na análise crítica e conjugada de todos os documentos juntos aos autos atendendo às regras da experiência comum, bem como às regras de repartição do ónus de prova.
Toda a prova foi apreciada segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, não se confundindo esta apreciação com uma apreciação arbitrária, nem com uma simples impressão no espírito do julgador, antes obedecendo a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Foram atendidos todos os documentos constantes dos autos, incluindo os que que resultam da ação de que o presente processo é apenso, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2417/17.2TBVCT e as peças de um processo de inquérito onde o autor surge a representar AA, também sócio da ré e seu irmão.
Atendeu-se, ainda, ao depoimento de parte prestado pelo legal representante da ré, o qual confirmou a prestação dos serviços referentes à ação a que os presentes autos se encontram apensos e ao acordo com o devedor com a recuperação da quantia por este devida, negando, contudo, que a ré tivesse por liquidar que quantia fosse ao autor.
Os depoimentos das testemunhas arroladas por cada uma das partes, respetivamente AA, por parte do autor, seu irmão e sócio(suspenso) da ré e DD, por parte da ré, mulher do seu socio gerente, em nada contribuíram para a formação da convicção do tribunal atenta a subjetividade e animosidade existente em relação às partes, apenas esclarecendo que os sócios da ré, um dos quais irmão do autor, se encontram desavindos e têm instaurados ações quer em nome da ré, quer em nome próprio, envolvendo o autor, pessoal e profissionalmente, mesmo quando não têm poderes para tal.
De igual modo, o depoimento de parte prestado pelo autor nada contribuiu para a formação da convicção porquanto extravasou sempre o seu âmbito transbordando para os outros conflitos que existem entre esta “família” constituída pela ré, os seus sócios e o autor.
A não prova dos factos incluídos nos factos não provados ficou a dever-se à circunstância de sobre eles não ter sido produzido qualquer meio de prova que os demonstrasse.
Na enumeração dos factos provados e não provados, aqueles constantes da petição inicial e da oposição aos quais não foi feita referência, consubstanciam matéria conclusiva, de direito, matéria irrelevante para a apreciação e decisão do mérito da questão trazida a juízo.(sic)
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

A - Modificabilidade da decisão de facto.

O recorrente pugna por uma alteração da matéria de facto no sentido de:
- O ponto 5 dos factos provados, devia ser dado, apenas, como provado: “O autor representou a ré no processo n.º 2417/17.2T8VCT, desde o início até 08/10/2018, data em que renunciou ao mandato conferido.”;
- e os pontos 1., 2., 3. e 4 dados como não provados, deviam ser dados como provados.
Refere que os concretos meios probatórios, constantes do processo ou gravação de depoimentos, neles realizados, bem como, dos documentos que vão juntos nas presentes alegações, que impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida – (Art.º 640º, n.º 1, al. b), do C.P.C.):
1. Temos a confissão da Ré, decorrente da falta de impugnação e dos depoimentos dos seus sócios, ambos gerentes, à data dos factos, referentes ao objeto da ação, que estão gravados, sobre factos desfavoráveis à Ré, não sendo, a mesma, sujeita à livre apreciação do julgador.
2. Documentos, incluindo o Laudo da Ordem dos Advogados, juntos aos autos e os que ora se juntam, que eram do conhecimento do gerente da Ré, EE, mas que preferiu juntar outros, em contradição com os presentes.
3. O Tribunal recorrido, teve em conta matéria de facto superveniente não tendo em conta que se tratava de um processo abreviado, regido pelo DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que, de acordo com o n.º 1, do Art.º 17º, segue, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4, do Art.º 1º e nos artigos 3º e 4º.
Refere que dos factos dados como provados no ponto 5, na decisão de tal ponto, o Tribunal recorrido conheceu de factos supervenientes, sem que tenha havido tal incidente, o que não está previsto, dentro do regime estabelecido, para os presentes autos, (DL n.º 269/98, citado), incluindo, neste ponto, a seguinte matéria superveniente “(…) tendo nesse processo sido proferida decisão na qual se decidiu que o autor não estava regularmente mandatado para patrocinar a ré, tendo sobre a mesma incidido recurso que confirmou.”
Considera que tal matéria, por ser superveniente, e estando confessado, o restante do ponto 5., por falta de impugnação, ao considerarem tal parte como provada, o Tribunal recorrido incorreu na nulidade, prevista, na segunda parte, da al. d), do n.º 1, do Art.º 615º, do C.P.C.
O atual gerente da Ré, EE que prestou o seu depoimento de parte e declarações, em 25/10/2021, com início às 14:49:09 e fim às 15:21:38 horas, do seu depoimento, relativamente a esta ação, fez o seguinte depoimento:
- a partir do minuto 15:50:
“Que ação era não lhe posso explicar senhor doutor.” “Eu acho que não tinha nada a ver com o furto”
“Tinha a ver com a substituição de seu ser, de passar a gerente.” “Então, não lhe posso explicar essas coisas de processos.”
Acrescentando que, quem nessa altura tratava desses assuntos era o outro sócio. A partir de 2012 cessou funções, praticamente quem explorava o estabelecimento da B..., era o outro sócio, ou seja, AA.
Por tudo isto, podemos concluir que, apenas, o Tribunal recorrido poderia dar como provado:
“5. O autor representou a ré no processo n.º 2417/17.2T8VCT desde o início até 08/10/2018, data em que renunciou ao mandato conferido (…)”
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Alega o recorrente incorreu na nulidade nos termos do artigo 615 alínea d) do CPCivil ao fazer constar no artigo 5º dos factos provados que «tendo nesse processo sido proferida decisão na qual se decidiu que o autor não estava regularmente mandatado para patrocinar a ré, tendo sobre a mesma existido recurso que a confirmou.», por considerar que o tribunal conheceu de factos supervenientes sem que tenha sido deduzido esse incidente.
Nos termos do artigo 615 do CPcivil , a sentença é nula, quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Desde logo verifica-se que não existe nenhuma nulidade por alegadamente o juiz se ter pronunciado sobre questões das quais não podia tomar conhecimento, porque nos termos do artigo 5º nº2, alínea b) e c), o tribunal teve em conta nesse segmento da matéria de facto impugnada, um documento que foi junto aos autos e quanto ao mesmo as partes puderam exercer o contraditório.

Assim, improcede neste segmento o recurso do autor, dado que a sentença não padece de nenhuma nulidade.
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Por outro lado, ainda quanto á impugnação do artigo 5º, resulta que o depoimento de parte referido do gerente da ré EE igualmente não permite dar como provado quanto ao ponto 5º que o autor representou a ré no processo 2417/17.2T8VCT, dado que deste depoimento não resultou qualquer confissão de que o autor representou a ré nesse processo, uma vez que resulta que o depoente «acha» apenas que o processo não era relativo a um furto mas sim tinha a ver com a substituição de gerente. Trata-se de uma declaração sem segurança e que não afasta a prova documental junta que se traduz numa certidão contendo uma decisão de que o autor não estava mandatado para representar a autor.
Assim, improcede a peticionada alteração da redação do artigo 5º.
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Por outro lado, o autor considera que se deveria considerar provados os pontos 1, 2, 3 e 4 dados como não provados.
Quanto ao ponto 1 “O autor patrocinou a ré no âmbito de um processo crime.”
Relativamente a este facto, o mesmo, por não ser impugnado, tem de ser dado como provado. Pois, alegado em 5 e 6, do requerimento injuntivo, sendo a nota de despesas e honorários, aí, referida enviada à ré, com conhecimento de ambos os sócios gerentes, com data de 25/10/2018, onde constava, em 2014 – Furto (proc. crime). Na oposição apenas alega a exceção da prescrição presuntiva, pelo pagamento, até ao ano de 2015, sendo que este processo crime, fase de inquérito, onde foi produzido despacho de arquivamento, perdurou para além de 2015, tendo, no entanto, dado início no final de 2014.
Nessa altura, como supra se refere, quem explorava o estabelecimento comercial da ré, era o sócio AA, e como as mercadorias de tal estabelecimento e que foram furtadas, tinham sido pagas ou da responsabilidade de tal sócio que explorava o estabelecimento, muitas vezes, em tal inquérito, era tratado como lesado, que o era, efetivamente. Como o estabelecimento, por ele explorado, ainda girava com o nome de B..., Lda., era esta a ofendida, formalmente.
No entanto, para criar confusão e para contraprova de mandato em tal inquérito, o gerente EE, juntou na audiência de julgamento, parte de tal processo, em que na capa aparecia como lesado, o sócio AA e em requerimento do mesmo, onde se afirmava como lesado. Porém, e para ajuizar da verdade, e da forma como atuou o sócio gerente da ré, EE, junta-se uma certidão, do mesmo processo, em que esclarece quem era a ofendida, pela procuração e mudança de capa, a fls. 17, onde aparece como ofendida, a ré, e a fls. 15, a procuração da ré, e a fls. 227, a cota, que antecede o requerimento apresentado, pelo sócio gerente, EE, na audiência de julgamento. – Vide Doc. 1) ora junto).
O gerente atual da ré, EE, no seu depoimento de parte, prestado em 25/10/2021, com início às 14:49:09 e fim às 15:21:38 horas, relativamente a este processo crime, fase de inquérito, lembra-se do acompanhamento do autor, quando da acareação, no Ministério Público, das várias testemunhas, dizendo a partir do minuto 15:10:
“Lembro-me de o senhor doutor estar presente. Mas não foi convidado por mim.”
Sabendo que a ré podia ser obrigada, apenas, com a assinatura de um dos sócios.
Atendendo aos documentos e ao depoimento de parte do gerente da ré, o Tribunal recorrido, em vez de dar como não provado, além de não impugnado, devia dar como provado:
“O autor patrocinou a ré no âmbito de um processo crime.” O ponto 1.
Resulta que do teor do depoimento de parte referido não consta em momento algum a afirmação de que o autor patrocinou a ré nesse processo crime, dado que dá apenas a indicação de que se lembra de o autor estar presente, e tal não permite considerar esse facto com provado.
Igualmente não existe nenhuma confissão da ré por alegada não impugnação, porque a ré por um lado na contestação refere que o autor na petição inicial não indica o tipo de processo nem onde correu e que desconhece qual a ação invocada e que a ré não outorgou procuração ao autor para a representar.
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Ponto 2. “O autor patrocinou a ré no âmbito de diligências de liquidação e dissolução da sociedade.”

Alega o autor que esse ponto, também, não foi impugnado na oposição da ré, pelo que devia ser dado como provado, por confissão.
Mais refere que não se conseguiu fazer a liquidação e dissolução da ré, porém foram feitas várias diligências para isso e que há correspondência entre os advogados, porém não foi levantado o sigilo profissional e não se poderá apresentar tal correspondência.
Porém, no depoimento de parte do sócio gerente EE, prestado em 25/10/2021, com início às 14:49:09 e fim às 15:21:38, a partir do minuto 18:00, afirma:
“Não me disse nada a mim que ia fechar a empresa. Ele decidiu fechá-la.”
Sobre as conversações para chegar a um acordo para a dissolução e liquidação, o sócio gerente afirma que:
“Sim, mas isso já foi há muito tempo.”
Porém, depois acaba por negar, a instâncias do Ilustre Mandatário da ré.
Atendendo, quer à confissão, pela não impugnação, quer documentos e depoimento de parte, em vez do Tribunal recorrido dar como não provado, devia dar como provado:
“O autor patrocinou a ré no âmbito de diligências de liquidação e dissolução da sociedade.” – Ponto 2.
Resulta que do teor do depoimento de parte referido não consta em momento algum a afirmação de que o autor patrocinou a ré num processo dessa natureza, dado que se dá a apenas a indicação há muito tempo ele decidiu fechar a empresa, e tal não permite considerar esse facto com provado.
Igualmente não existe nenhuma confissão da ré por alegada não impugnação, porque a ré por um lado na contestação refere que o autor na petição inicial não indica o tipo de processo nem onde correu e que desconhece qual a ação invocada.
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Ponto 3. “O valor dos serviços prestados pelo autor à ré ascende ao montante de 8.050,00 euros.”
O valor dos serviços prestados que se peticionavam (€:10.050,00), que por laudo da Ordem dos Advogados, foi apontado o valor de €:8.050,00, não foi impugnado nem posto em causa pela ré. Daí, ter de ser dado como provado, por confessado, o que, atendendo ao laudo e princípios deontológicos, o autor reduziu o pedido, para o valor apontado no laudo. E nessa medida considera que o tribunal deveria dar como provado o ponto 3.
Todavia, resulta que a ré impugna essa factualidade alegando que desconhece a que serviços se refere o autor, atento o teor do requerimento inicial.
Acresce que o Laudo é um mero meio de prova relativo ao valor dos honorários, mas o Laudo não demonstra que esses serviços foram prestados, apenas indica o seu valor, no pressuposto, de o terem sido, indica qual o seu valor tido como adequado.
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Ponto 4. “Após a data do visto em correição referido no ponto 1 dos factos provados o autor continuou a praticar atos relativos a este processo até ao ano de 2008.”
Considera que este facto deveria ser dado como provado dado encontrar-se nos autos o doc. 1, junto com o requerimento, de 07/03/2019, que consta de uma carta enviada, pelo autor/apelante, à seguradora responsável pela cláusula de Proteção Jurídica, em que se refere o processo da companhia de seguros, mas é o acidente, referido em tal carta, objeto da ação principal, a que esta foi apensada, sendo a ré cliente do autor.
Tal documento particular, não foi impugnado, fazendo, assim, prova plena de que, o autor, continuou a praticar atos relativos ao processo do acidente de viação (processo principal), até ao ano de 2008, data da carta – Doc. 1, junto, a estes autos, em 07/03/2019.
Assim, e atendendo a tal documento, não impugnado, o Tribunal recorrido devia ter dado como provado, salvo o devido respeito, o ponto 4, dos factos não provados, dando como provado o seguinte:
“Após a data do visto e correição referida no ponto 1 dos factos provados o autor continuou a praticar atos relativos a este processo até ao ano de 2008.” – Ponto 4.
Todavia, resulta que desse documento indicado não se especifica nenhum processo concreto e nessa medida improcede a impugnação da matéria de facto.
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Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a fixada pelo tribunal a quo.
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B Alteração da decisão de mérito.

Nas alegações de recurso o recorrente pugna por fim, que a acção deveria ser julgada procedente.
Refere que quanto á prescrição houve confissão da apelada devedora através dos seus sócios gerentes, dado que o outro sócio, gerente à data dos factos geradores do crédito do autor, confessou não terem sido pagos os créditos do autor, pela ré.
Invoca que a confissão pode ser feita por documento escrito, o qual foi apresentado, na audiência de julgamento – certidão da petição da ação para a destituição de gerente, apresentada pelo atual sócio gerente, EE -, que prestou depoimento e declarações de parte, afirmou em tal petição, no seu Art.º 37º que, sob a gerência exclusiva do outro sócio, deixou de cumprir obrigações fiscais e com prestadores de serviços.
Em resposta, após a audiência de julgamento, a ré/apelada diz que não se referia ao autor, mas aos serviços da contabilidade. Porém, não se refere em tal petição a um prestador de serviços, mas utiliza o plural “prestadores de serviços”.
Todavia, não se pode considerar existir nenhuma confissão de não pagamento porque não existe nenhuma declaração escrita nesse sentido a certidão da petição referida não prova esse alegado não pagamento, nem a indicação do termo «prestadores de serviços» no plural permite conclui a confissão de qualquer não pagamento pedido nesta acção.
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Por fim, invoca o recorrente que neste caso dado a ré ser uma sociedade, não se aplicava a prescrição presuntiva prevista no Art.º 317º, al. c), do Código Civil.
Considera que a prescrição de curto prazo assentava na presunção de pagamento, respeitando a dívidas que normalmente se pagam, não sendo exigido recibo de quitação ou, sendo-o, o devedor não guardaria recibo, pelo que, tais dívidas seriam consideradas pagas decorrido que fosse o decurso prescricional após o prazo do vencimento da dívida. O objetivo desta norma seria o de proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes a mesma dívida por não ser usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo.
Entende que a norma foi criada para a prestação de serviços, de profissionais liberais, a pessoas singulares e, não, sociedades comerciais com contabilidade organizada, como é o caso da apelada.
No presente caso, os serviços prestados, pelo autor, como advogado, - serviços jurídicos – foram-no à apelada, que é uma sociedade comercial, com contabilidade organizada e assim, entende que a ré/apelada não deverá beneficiar desta presunção de cumprimento, que, como devedora, sendo uma sociedade comercial por quotas, possuindo contabilidade organizada, tem o dever de documentar, nesta, todos os pagamentos efetuados.
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Na sentença recorrida julgou a ação improcedente, dado que foi considerado estarmos perante um contrato de mandato e que ficou provado que no exercício do mandato forense conferido o autor prestou os serviços que a ré lhe solicitou no âmbito da acção a que os presentes autos estão apensos e a qual terminou em 7/12/2007, data da colocação do visto em correição. E igualmente está demonstrado nos autos que a acção foi proposta a 26/11/2018 e a ré citada a 10/12/2008. E que tendo a ré vindo invocar a prescrição presuntiva e que não praticou nenhum acto em juízo que seja incompatível com a invocação da prescrição presuntiva e no depoimento de parte do legal representante da ré não houve qualquer confissão no sentido de dever a quanta peticionada.
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No caso dos autos constata-se que a ré invocou a prescrição presuntiva do alegado crédito do requerente, louvando-se do artigo 317 alínea c) do CCivil, que versa sobre os créditos dos serviços prestados no exercício de profissões liberais e reembolso das despesas atinentes, alegando já ter pago a totalidade dos serviços.
Esta excepção peremptória é invocada pelo requerido que diz que procederam ao pagamento integral dos honorários peticionados pelo autor nestes autos.
Nos termos do disposto no artº 309º do C.C., o prazo ordinário de prescrição é de 20 anos.
Como regra as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao direito prescrito (artigo 304º do CCivil), isto é, ao devedor basta alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, não precisando alegar que nunca deveu ou já pagou, basta-lhe alegar e provar que já decorreu o decurso do prazo da prescrição.
Mas ao lado dessas prescrições extintivas há as chamadas prescrições presuntivas - artigo 312º do CCivil - que se constituem em prescrições de curto prazo (seis meses ou dois anos) que se fundam na presunção de pagamento.
Decorre do artigo 317º, alínea c) do CCivil, que se trata de uma prescrição presuntiva, atenta a sua localização sistemática no CCivil.
A ratio da prescrição presuntiva funda-se no princípio da segurança jurídica e no intuito de facilitar o giro da vida económica e satisfeitos por via de regra com prontidão pelo devedor. É diferente a tutela visada com o instituto da prescrição presuntiva da que se concede através da prescrição ordinária, uma vez que nesta última se rege contra a inércia do credor, o qual esgotado o prazo não pode exigir que o devedor cumpra aquilo a que se obrigara, ainda que confesse estar em dívida; ao passo, que na primeira promove-se o tráfico jurídico, não se visando coarctar em absoluto ao credor a prova do seu crédito, mau grado esta se limite à confissão expressa ou tácita do devedor (vide, Ac do STJ de 12-6-1986, BMJ 358, 558; Ac RL de 16-6-1992, CJ de 1992, t.3, 206 e Ac RP de 28-11-1994, Cj de 1994, t.5, 215 e Sousa Ribeiro, In Revista de Direito e Economia, Ano V, nº2, 385).
Reproduzindo as palavras de Manuel de Andrade, na vigência do Código Civil de 1867 (in, Teoria Geral da Relação Jurídica, v.II, 1960, 452 e 453), «...a lei presumiu que, decorridos estes prazos, o devedor teria pago. Isto tem a sua importância no próprio regime destas prescrições.
Elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento.
Enquanto que nas prescrições verdadeiras, mesmo para o devedor que confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição; inversamente nestas prescrições presuntivas não pode ser assim: se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, e a prescrição não funciona, embora ele a invoque.
Ora, a prescrição de 2 anos do artigo 317º do CCIvil é, sem dúvida alguma, uma prescrição presuntiva.
Perante as disposições do Código Civil actual entende-se que para poder invocar a prescrição presuntiva, o Réu deve alegar que deveu mas pagou. Se ele alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição, por outro lado, se ele alega que deve e nunca pagou, de nada lhe vale invocar esta prescrição, porque ele está a confessar a dívida (vide, Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, v.II, 78).
Como corolário do que acima fica explanado, neste instituto existe uma inversão do ónus da prova, verdadeira excepção ao ónus da prova do pagamento que por via de regra cabe ao Réu nas acções de dívida (competindo, no caso de se verificar esse aspecto, ao Autor efectuar a prova de que o Réu não pagou a quantia que dele reclama).
As prescrições presuntivas explicam-se «pelo facto de as obrigações a que respeitam costumam ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir por via de regra quitação, ou, não se conservar por muito tempo essa quitação.
Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado, ficando o devedor dispensado da sua prova, dado que, em virtude das razões expostas, isto poderia tornar-se muito difícil» (Almeida Costa, Direito Das Obrigações, 5ª edição, 964).
Assim, neste tipo de prescrição, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, mas apenas faz presumir o pagamento, libertando desta forma o devedor do ónus da prova do pagamento, mas não do ónus de alegar que pagou.
Por outro lado, ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite, embora de forma limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante prova da dívida. Por outras palavras, admite-se que o credor prove que a dívida existe e não foi paga, mesmo decorrido o prazo da prescrição presuntiva.
A presunção do cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão (artigo 313º, nº1, do Código Civil).
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, mas esta só releva quando for realizada por escrito - 355º, nº1 e 313º, nº2, do CCivil.
É admitida a confissão tácita, em dois casos, nos termos do artigo 314º, da referida lei substantiva civil: se o devedor se recusa a depor ou a prestar o juramento em tribunal, se o devedor pratica em juízo actos incompatíveis com a alegação da presunção de cumprimento.
Assim, se decorrido o prazo da prescrição, o credor demonstrar, pelo meio do artigo 313º e 314º, pela confissão, expressa ou tácita, do devedor, que não houve pagamento, ilidindo a presunção que fundamentava o prazo, já não podemos ter em consideração os prazos que a lei preceitua para a prescrição presuntiva.
Uma vez arredada a prescrição presuntiva, o devedor só pode valer-se da excepção da prescrição ordinária (artigo 315º do CCivil).
As regras sobre suspensão e a interrupção da prescrição ordinária são aplicáveis à prescrição presuntiva, atento o teor do artigo 315º e 323º, nº1 do CCivil.
O artigo 323º, nº1, do CCivil reza que a prescrição se interrompe, «pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente», sendo que, e atento o teor do nº4, «é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.».
A lei não exige que a intenção de exercer o direito resulte da proposição de uma acção, contentando-se com «qualquer acto » que a revele, e não impõe sequer que tal intenção seja directa, bastando que indirectamente ela se possa deduzir (vide Ac do STJ de 12/3/1998, Cj 1998, tomo I, 128 e P.de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3ª edição, 290): o pagamento de juros, a atribuição de uma garantia, o cumprimento de uma prestação, o pedido de prorrogação do prazo de pagamento, a descrição da dívida em inventário, etc.
Ao apreender o espírito das prescrições presuntivas não podemos deixar de lado o princípio da boa fé processual.
Por isso, e atento o predito princípio, o demandado poderia defender-se de duas formas:
a) ou recusar que a dívida tenha nascido, e então não pode logicamente invocar a prescrição (ou só o poderá fazer por pura cautela).
b) Ou reconhecer que a dívida nasceu, mas que se extinguiu, porque foi oportunamente paga, invocando a prescrição por cautela.

Neste caso a ré pode invocar a prescrição porque alega que pagou a totalidade do valor peticionado nestes autos.
Tal como ensina A. Varela in CCivil Anotado, pág. 282 a 283, onde se refere que é incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado, por exemplo a existência de dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado a compensação (artigo 314 do CCivil).
Para outros desenvolvimentos, vide Ac da RP de 08-11-2007, disponível na DGSI (local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de proveniência:«Sumário: I – Para poder beneficiar da prescrição presuntiva, o R. não deve negar os factos constitutivos do direito do A., já que, fazendo-o, confessa tacitamente o não cumprimento da respectiva obrigação.
II – Ao invés, para poder fazer uso da prescrição presuntiva, o R. deve alegar expressamente que já pagou a dívida, já que, nestas presunções, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, apenas fazendo presumir o pagamento.».
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Assim, atento o teor da contestação resulta que a ré aceita o crédito do autor, alegando o seu pagamento e nessa medida entende-se que pode alegar a prescrição presuntiva.
As prescrições presuntivas, tratadas no CC, nos artigos 312º a 317º, fundam-se na presunção do cumprimento, e a elas são aplicáveis as regras gerais da prescrição.
Uma vez decorrido o prazo, a lei presume que o cumprimento foi realizado, dispensando, assim, o devedor de fazer a sua prova.
A presunção de cumprimento «só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão» (313º, nº1). Sendo a confissão extrajudicial, terá de ser realizada por escrito, mas considera-se haver confissão tácita, «se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou a praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento» (artº 314º).
Como ensina Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 820, fundam-se tais prescrições na presunção do cumprimento. Explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem se pagas em prazo bastante curto e não se exigir, por via de regra, a quitação, ou pelo menos não se conservar por muito tempo essa quitação (idem, Vaz Serra, RLJ, ano 109º-246).
Trata-se de dívidas que por regra são solvidas em prazos muito curtos, dado que são contraídas para prover às necessidades mais urgentes do devedor ou beneficiário do serviço, conseguindo, com tal pagamento prioritário, manter o seu crédito na praça e assegurar a disponibilidade dos credores para prestações futuras de necessidade urgente.
Como já escrevia Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, III-726, a respeito deste tipo de presunção, a ideia base é a de que «as dívidas a que estes artigos se referem costumam ser pagas, ou na época dos seus vencimentos, ou sem demora alguma, já por assim o exigir a natureza das obrigações, já por ser essa a imposição das praxes sociais».
Acrescentando, a fls. 739/740 que «Todas as prescrições atrás referidas... são baseadas numa presunção de pronto pagamento, seja porque representam, numa maioria dos casos, meios de vida normais do respectivo credor, que não pode consentir em largas demoras, seja porque os usos sociais assim o impõem, seja, enfim, porque tais dívidas costumam ser pagas sem recibo».
Estamos num campo obrigacional em que, por o devedor não cobrar, em regra, do credor, recibo ou quitação aquando da realização dos pagamentos, ou, então, os não conserva por muito tempo em seu poder, uma vez demandado, o devedor muito dificilmente poderia fazer a prova do pagamento que tenha feito, correndo, assim, o risco de pagar duas vezes, caso não funcionasse esta presunção de pagamento.
Com esta presunção evita-se «que o credor deixe acumular os seus créditos, a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar», sendo que «a lei presume que, decorridos esses prazos, o devedor teria pago» (ver Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, págs. 452 e 453).
Saliente-se, apenas, que para poder beneficiar da prescrição presuntiva, «o réu não deve negar os factos constitutivos do direito do autor já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessaria tacitamente o não cumprimento” (cfr. Ac. STJ de 19.06.97, in Col. Jur. / STJ, ano V, T. II, pág. 134).
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No caso das acções de honorários a prescrição presuntiva prevista no artigo 317 alínea c) do CCivil inicia-se com a data da cessação dos serviços prestados.
No contexto das prescrições presuntivas o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
No que respeita ao crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, não se mostrando acordado um outro prazo para a sua satisfação, deve esta ocorrer apenas após ter cessado a prestação do mandatário, devendo para o efeito este apresentar ao mandante a respectiva conta de honorários com descriminação dos serviços prestados (art.º 100º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Assim, o prazo de prescrição deste tipo de crédito inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário, sendo que, a partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., pág.284), de harmonia com o critério fixado no artigo 306 nº1, o prazo de dois anos quanto aos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais só começará normalmente a correr no momento em que cessa a relação estabelecida entre credor e devedor (patrocínio judiciário de certa causa; tratamento de certa doença, etc.). Mas começará a correr antes, se o credor usualmente exigir a satisfação do seu direito antes desse momento e não tiver havido estipulação em contrário com o devedor “ (Código Civil Anotado, vol.I, 2ª ed., pág. 284).
Na realidade, a prescrição presuntiva é um benefício para o devedor que – parte-se do princípio – pagou, pois que apenas o dispensa do ónus que sobre ele impende de provar o pagamento (nº 2 do artigo 342º do Código Civil).
Assim, provado o decurso do prazo (bem como os demais factos descritos nos artigos 316º e 317º do Código Civil, relativos nomeadamente à natureza do crédito, à qualidade dos contraentes e à ligação entre o crédito e as respectivas actividades profissionais), presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir a presunção.
Esse afastamento, todavia, só pode resultar de confissão, expressa (artigo 311º) ou tácita (artigo 314º) do “devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”, entendendo-se que há confissão tácita “se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.

Assim, em resumo o prazo (2 anos) da prescrição (presuntiva), previsto no art.317 c) CC, inicia-se, em regra, com o momento da cessação dos serviços prestados pelo profissional liberal e cabe ao réu o ónus de alegação dos factos constitutivos da excepção peremptória, designadamente do momento em que se inicia o prazo de prescrição.
Sobre a importância da determinação do momento da cessação do mandato a fim de se contabilizar o prazo vide o Ac do Supremo Tribunal de Justiça (Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA ) de 12-03-2009 :«Sumário : 1. Na falta de convenção em contrário, o mandato judicial inclui o poder de substabelecer (nº 2 do artigo 36º do Código de Processo Civil), poder que se não confunde com o de renunciar ao mandato (artigo 39º do mesmo Código); o que significa que o substabelecimento puro e simples não faz cessar o mandato de quem substabelece.
2. Também não faz cessar os poderes de representação conferidos ao primeiro advogado. 3. O mandato forense é, necessariamente, um mandato com representação. 4. A falta de prova do momento da cessação dos serviços pelo mandatário impede que se saiba quando começaria a contar o prazo de prescrição (presuntiva) previsto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil. 5. As prescrições presuntivas apenas têm como efeito a presunção de pagamento; dispensando o devedor de provar o pagamento da quantia reclamada ».
E igualmente vide o Ac da RP (Relator: LEONEL SERÔDIO) de 18-10-2001 *«Sumário: I - A prescrição dos créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes é uma prescrição presuntiva, fundando-se numa prescrição de cumprimento.
II - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
III - Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
IV - São exemplos de actos daquela natureza negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços. ».
A prescrição (presuntiva), traduzindo-se num facto extintivo do direito do autor, é uma excepção peremptória, impendendo sobre o réu o ónus de alegar e provar (art.342 nº2 CC) os factos constitutivos da excepção, pois “assim como o autor tem de provar os factos constitutivos do direito alegado, também o demandado tem de convencer o juiz da existência da causa excipiendi, ou seja, dos factos constitutivos da excepção“ - (MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. 49).

A sentença recorrida considerou ter ocorrido a prescrição presuntiva dado que os serviços forenses cessaram a 7/12/2007 e a acçao foi proposta a 26/12/2018 e a ré citada a 10/12/2018.
Considera o recorrente que não seria aplicável neste caso o regime da prescrição presuntiva porque a ré é uma sociedade e tendo contabilidade organizada teria de provar o pagamento.
Entendemos que no caso a ré pode invocar a aplicabilidade da prescrição presuntiva dado que o alegado crédito resulta de serviços decorrente de profissional liberal, e nessa medida para se aplicar o artigo 317 alínea c) do Ccivil, é indiferente se os serviços foram prestados quer por um advogado ou uma sociedade de advogados, e também é indiferente que os serviços tenham sido prestados a um sociedade ou a uma pessoa singular dado estar apenas em causa a natureza dos serviços.
Assim, os créditos reclamados pelo Autor, porque prestados por este no exercício de profissão liberal, são enquadráveis na alª c) do art. 317 do C.Civivil.
Neste sentido vide o Ac da RC Processo: 309674/11.7YIPRT. C1, Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO, 21-10-2014: «Sumário: 1- O que releva para o efeito de aplicação do art. 317 alª c) do C.C. é a natureza dos serviços em causa e não a qualidade da pessoa (singular ou sociedade), que presta, ou a quem os serviços são prestados.
2.-Sendo o crédito derivado de serviços que substancialmente se enquadram no exercício duma profissão liberal, resulta indiferente que, no caso, estes tenham sido prestados a uma sociedade ou a uma pessoa singular, pois que, quer da letra quer do espírito da norma resulta que o critério de subsunção ao preceito em análise se define unicamente pela natureza dos serviços em causa, e não da entidade que os recebe, ou da entidade que os presta.».
Pelo exposto, e aderindo-se ao referido na sentença recorrida, considera-se que ocorreu a prescrição presuntiva estabelecida no artigo 317º c) do Ccivil e nessa medida a acção será integralmente improcedente.
Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum.
***

V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).


Porto, 23 de Março de 2023
Ana Vieira
António Carneiro da Silva
Isabel Ferreira