Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
954/09.1GAVCD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: BENS APREENDIDOS
ENTREGA
A QUEM DE DIREITO
PROVA
Nº do Documento: RP20180110954/09.1GAVCD-B.P1
Data do Acordão: 01/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º2/2018, FLS.20-29)
Área Temática: .
Sumário: I - Não tendo o acórdão declarado os bens apreendidos e agora reclamados, perdidos a favor do Estado, impõe-se restitui-los a quem de direito, artigo 186.º2 C P Penal.
II - A restituição a que de direito tanto poderá ser feita ao dono da coisa como ao seu legítimo possuidor.
III - Não obstante no incidente de reclamação não ter ficado apurada a sua legítima propriedade tendo já decorridos 6 anos sobre tal decisão, não tendo sido instaurada qualquer acção de natureza cível, uma vez que era o requerente/recorrente que os possuía, aquando da apreensão e que apenas por si foram reclamados, em cumprimentos da notificação edital, tendo inclusive, apresentado prova testemunhal e documental, não tendo, por outro lado, ficado provada a sua proveniência lícita, não se vislumbram razões para afastar o funcionamento da presunção legal contida no artigo 1268.º C Civil - de titularidade do direito - e como tal devem-lhe os mesmos ser entregues.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 954/09.1GAVCD-B.P1
Tribunal da Comarca do Porto - Vila do Conde - Instância Central – 2ª Secção Criminal – J 3

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
No âmbito do processo comum (coletivo) supra identificado, B…, mediante requerimento de 29/01/2016, peticionou a entrega dos bens que discrimina e que lhe haviam sido apreendidos em 25/08/2009.
Sobre tal requerimento foi proferido, em 13/4/2016, o seguinte despacho (transcrição):
«Uma vez que esgotado está o poder jurisdicional deste tribunal para a apreciação da questão, atento o trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso A (fls. 171 e ss.), nada mais há a determinar nos presentes autos, sendo ainda o tribunal totalmente alheio à circunstância de não terem sido intentadas quaisquer acções cíveis!»
O Recorrente, face à decisão exarada e o teor dos despachos anteriormente proferidos e decorrentes da ordenada notificação edital para efeitos do disposto no artigo 186º, nºs 2 e 3 do Código Processo Penal, requereu esclarecimento da mesma, sobre a qual recaiu o despacho seguinte (transcrição)
«Aquando da prolação do despacho de fls. 1869, datado de 24-02-2016, bem como dos antecedentes, não se havia atentado devidamente no âmago da decisão já transitada em julgado no Apenso A (fls. 171 e fls.) que remetia o requerente para os meios comuns. Face a tal, foi proferido, então, o despacho de fls. 1877, datado de 13.04.2016, cujo esclarecimento é agora requerido. Feito tal esclarecimento ao abrigo do disposto no art. 380 º do CPP, nada mais a determinar. Notifique requerente e o MP.»
Inconformado com a decisão proferida dela veio interpor recurso que consta a fls 31 a 36 deste apenso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: (transcrição)
«Conclusões:
A- Por despacho de 13-04-2016 (ref. 366302329) vem o tribunal a quo proferir o seguinte: "Uma vez que esgotado está o poder jurisdicional deste tribunal para a apreciação da questão, atento o trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso A (fls. 171 e ss.), nada mais há a determinar nos presentes autos, sendo ainda o tribunal totalmente alheio à circunstância de não terem sido intentadas quaisquer acções cíveis!"
B- Por despacho de 01-06-2016 (ref. 368318528), após pedido de esclarecimento do ora recorrente, vem o tribunal a quo esclarecer o seu despacho anterior proferindo o seguinte "Aquando da prolação do despacho de fls. 1869, datado de 24-02-2016, bem como dos antecedentes, não se havia atentado devidamente no âmago da decisão já transitada em julgado no Apenso A (fls. 171 e fls.) que remetia o requerente para os meios comuns. Face a tal, foi proferido, então, o despacho de fls. 1877, datado de 13.04.2016, cujo esclarecimento é agora requerido. Feito tal esclarecimento ao abrigo do disposto no art. 380 º do CPP, nada mais a determinar. Notifique requerente e o MP."
C- Ora, é precisamente deste despacho que se recorre, uma vez que entende o recorrente que o mesmo é claramente violador da lei, para além do facto de revelar uma clara incoerência e discrepância com despachos anteriormente proferidos pelo tribunal a quo. Efectivamente,
D- Desde 25 de Agosto de 2009, ou seja, há 6 anos e meio, que o recorrente se encontra privado dos seus bens resultante de buscas realizadas na morada e estabelecimento comercial do recorrente e sua mãe, C…, conforme resulta de autos de busca de fls. 341 e ss. e fls. 366 e ss.
E- Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou que os bens apreendidos estivessem relacionados com os crimes perpetrados nos autos, não tendo, aliás, sido o recorrente e mãe pronunciados por qualquer crime.
F- Com data de 22 de Outubro de 2015 o tribunal a quo mandou afixar edital para notificar as pessoas a quem os objectos devessem ser restituídos por forma a procederem à reclamação dos mesmos no prazo de noventa dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186.º do Código de Processo Penal (C.P.P.).
G- Ora, considerando que apenas uma ínfima parte dos bens apreendidos se encontrava plasmada no edital e após requerimento do exponente a alertar dessa situação e a requerer o seu levantamento, é fixado novo edital, devidamente corrigido, com data de 27 de Janeiro de 2016.
H- No dia seguinte ao do edital, reclama novamente o recorrente o levantamento dos seus bens, nos termos do nº 3 do art. 186.º. do C.P.P., ao que vem o Ministério Público, com data de 08 de Fevereiro de 2016 (ref: 363130592), dizer que " Fls. 1855 e ss.: p. se proceda ao reconhecimento e entrega dos bens ao reclamante." ao que conclui a Exma. Sr.ª Juiz com o despacho, de 10 de Fevereiro de 2016 (ref: 363521420) "Vão os autos novamente ao MP, considerando a decisão constante de fls. 171 e ss. do Apenso A." . Por sua vez, promove o Ministério Público, com data de 17 de Fevereiro de 2016 {ref: 363651316} o seguinte: "Findo que se encontra o processo e não tendo sido instauradas quaisquer acções cíveis, o ouro terá que ser entregue a quem provar ser seu, pelo que nada mais tenho a promover (çfr. fls.1802 e ss.)" e a Exma. Sra. Juiz profere, com data de 24 de Fevereiro de 2016, despacho (ref: 363972311) com o seguinte teor: "Atento a decisão proferida no Apenso A a fls. 171 e ss., já transitada em julgado, a informação de fls.1812 e o ora requerido, notifique estes para, querendo, em 10 dias, indicarem meios de prova - diversos daqueles já apreciados no aludido Apenso A -, com vista ao cabal cumprimento do disposto no artigo 186-, nº 1 e 2 do CPP. Notifique o MP e os arguidos do presente despacho.".- A que no dia 07 de Março de 2016 vêm o recorrente e mãe (pese embora não serem arguidos) responder nos seguintes termos: "B… e C…, notificado para apresentar meios de prova com vista ao cabal cumprimento do art 186. - do C.P.P., vem requerer e expor a V. Ex.ª o seguinte: 1 - Encontram-se os requerentes desde 25 de Agosto de 2009, ou seja, há 6 anos e meio, privados dos seus bens. 2 - Resultante de buscas realizadas na morada e estabelecimento comercial dos requerentes. 3 - Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou que os bens apreendidos estivessem relacionados com os crimes perpertados nos autos. 4 - Os requerentes, privados dos seus bens, gozam do princípio da presunção da propriedade (art. 1268.º do Código Civil). 5-E, com base nos mesmos, não tendo sido provado por terceiros a legítima propriedade dos mesmos (nem podia porque o não são), não têm os seus possuidores, e presumíveis proprietários, o ónus de provar a propriedade dos mesmos. 6 - Tal, salvo melhor opinião, significaria uma inadmissível e atroz inversão do ónus da prova. 7 - A propriedade ê um direito constitucionalmente consagrado (art. 62º-, n.ºs 1 e 2da Constituição da República Portuguesa). 8 - Sublinhe-se, conforme já assente no processo, que o requerente, B…, era o gerente da sociedade comercial "D…, Unipessoal, Lda", com o objecto social de comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia. 9 - Dedicando-se, precisamente, à compra e venda de objectos que constam dos autos de apreensão realizada no dia 25 de Agosto de 2009. 10 - Os bens apreendidos foram adquiridos legalmente, observando todos os trâmites legais e obrigatórios para a transacção de objectos de ourivesaria e joalharia. 11 - Esta inversão do ónus da prova é absolutamente contrária à regra da presunção da propriedade e às finalidades do próprio processo penal. 12 - Mais se sublinhe que, por despacho de 17-12-2009, proferido pelo Exmo. Sr. Procurador Adjunto, foi ordenada a entrega aos requerentes da quase generalidade dos bens apreendidos. 13- Estando o Tribunal com dúvidas, à data, relativamente apenas a alguns dos objectos apreendidos, designadamente os descritos como: duas livras de ouro; um brinco em ouro; uma aliança em ouro; um alfinete de gravata; uma medalha em ouro; um anel em ouro; três medalhas em ouro. 14- E cujo reconhecimento não foi possível efectuar nos trâmites legais por motivos alheios aos requerentes. 15 - Tendo essa dúvida resvalado em desfavor do princípio da presunção da propriedade. Mais se acrescenta: 16- Desde a apreensão dos bens que os requerentes, seus legítimos possuidores e proprietários, foram os únicos que os reclamaram. 17 - E, notificados através de edital, fizeram-no novamente. 18 - Pois, até prova cabal e indestrutível em contrário, são eles os seus legítimos proprietários ("quem de direito"). 19-E os únicos que pugnaram verdadeiramente pela sua restituição. 20 - Privados, ao longo destes 6 anos e meio, da sua propriedade. 21 - Com os prejuízos que daí advieram. Não obstante, 22 - Pela forma como foram os bens discriminados nos autos de apreensão (da responsabilidade da GNR) é difícil fazer um reconhecimento absolutamente fidedigno de todos os objectos considerando o binómio objecto/vendedor. 23 - Ademais considerando o facto de, ao longo dos anos de 2007, 2008 e 2009, os requerentes terem registo de milhares de objectos adquiridos. 24 - Contudo, todos os objectos que foram apreendidos e que estavam em sua posse, pertenciam aos requerentes. 25 - Fruto da suo actividade. 26 - Sendo que, semanalmente, tal como imposto legalmente, eram remetidos para a Polícia Judiciária, através de formulário próprio, os registos de todas as peças adquiridas. Da junção de prova:
- Testemunhal (a notificar): - E…, residente na Av. …, …, …., …. - … Porto; - F…. residente na R. …, …, …, …. - … Porto; Requer ainda a V. Ex.9 a prestação de declarações dos requerentes, B… e C…, com domicilio na Rua …, n.º …, …. - … Porto. - Documental: Os requerentes põem à disposição deste Tribunal, assim querendo, para consulta, os documentos de que dispõem, designadamente fichas de clientes e mapas de registo semanais das peças adquiridas (modelo a remeter para a Policia Judiciária) ao longo dos anos de 2007, 2008 e 2009, em sede de audiência de julgamento, que ora não juntam porquanto, entendem, tratar-se de uma clara violação do dever de sigilo profissional relativamente aos dados pessoais que dos mesmos constam, para além de tal se traduzir numa devassa da vida privada das pessoas que dos mesmos constam.
Face ao que se vem de expor, e atendendo ao já longo hiato temporal desde a sua apreensão, se requer a V. Ex.ª, ao abrigo do disposto no art 186.º do C.P.P., seja ordenada a sua imediata entrega ao ora exponente considerando o princípio da presunção da propriedade (artigo 1268. - do Código Civil). Assim não entendendo, se pronuncie sobre os meios de prova indicados, designadamente quanto aos documentos (fichas de clientes e mapas de registos semanais apresentados semanalmente na Policia Judiciária)."
J- Nesse seguimento, promove o Exmo. Sr. Procurador Adjunto, com data de 31 de Março de 2016 (ref: 365500671) o seguinte: "Os bens foram postos à reclamação e só os detentores a quem foram apreendidos os reclamaram, pelo que continuo a entender que tudo lhes deve ser entregue."
K- A que se seguiu despacho da Exma. Sr.a Juiz (ref: 365754191], de 04 de Abril de 2016, com os seguintes dizeres: "Novamente ao MP, por não se compreender o ora promovido, quando conjugado com a antecedente promoção de fls. 1864 e ainda com o decidido a fls. 171 e ss. do Apenso A, decisão judicial esta já transitada em julgado" ao que promove então o Ministério Público, com data de 11 de Abril de 2016 (ref: 36610849S) o seguinte: "O incidente está findo e não foram instauradas quaisquer acções cíveis. Os bens foram apreendidos aos detentores, que sempre se arrogaram ser os donos. Foi feita a notificação edital para efeito de reclamação nos termos do art.-186.2, do CPP. Não aparecendo outras pessoas a reclamar os bens e a comprovar pertencer- lhes, terão que ser entregues aos detentores únicas pessoas que os reclamaram. Os requerentes até indicam prova testemunhal e documental a fls. 1870 ss e 1871, o que promovo se defira a fim de se afastarem quaisquer dúvidas.
L- No seguimento da anterior promoção, e em sentido contrário, com data de 13 de Abril de 2016, profere o tribunal a quo o seguinte despacho: "Uma vez que esgotado está o poder jurisdicional deste tribunal para a apreciação da questão, atento o trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso a (fls. 171 e ss.), nada mais há a determinar nos presentes autos, sendo ainda o tribunal totalmente alheio à circunstância de não terem sido intentadas quaisquer acções cíveis! Notifique'
M- Ao que o recorrente, face à contraditoriedade revelada com anteriores despachos, vem, com data de 05 de Maio de 2016, requerer o seguinte: "B… e C…, notificados de despacho de fls., vêm expor a V. Ex.ª a seguinte: 1 - Foram os exponentes notificados, através de edital, nos termos e para os efeitos do art. 186º do C. P. P. 2 - No seguimento da supra mencionada notificação reclamaram a entrega imediata dos bens apreendidos, dos quais são proprietários (até prova em contrário). 3 - Após o seu pedido de restituição de bens, V. Ex.- notifica-os para indicarem meios de prova diversos dos já apreciados anteriormente e ordena a notificação do MP e arguido do teor do despacho. 4 - Vêm os exponentes pronunciarem-se tal qual ordenado, com indicação de prova documental e testemunhal (embora considerem uma atroz inversão do ónus da prova). 5-0 MP vem pronunciar-se no sentido da entrega aos seus detentores, únicas pessoas que os reclamaram, sem prejuízo de ser escrutinada a prova indicada pelos exponentes. 6 - Não houve, pese embora notificação, mais ninguém a arrogar-se proprietário dos bens. Face ao exposto, designadamente a notificação paro o efeito do art. 186.e do C.P.P., V/ despacha de 24-02-2016 e promoção do MP de 11-04-2016, se requer a V. Ex.s, nos termos dos n.s 1, b)e3 do art. 380° do C.P.P., venha esclarecer o teor de despacho, sendo certo que os exponentes, legítimos proprietários, pretendem a imediata entrega dos bens, tal como requerido e de direito, conforme art. 186.9 do C.P.P., o que novamente se requer."
N- Por fim, conclui o tribunal a quo, mediante despacho de 01 de Junho de 2016 (ref: 368318528), do seguinte modo: "Aquando da prolação do despacho de fls. 1869, datado de 24.02.2016, bem como dos antecedentes, não se havia atentado devidamente no âmago da decisão já transitada em julgado no Apenso A (fls. 171 e ss.) que remetia o requerente para os meios comuns. Face a tal, foi proferido, então, o despacho de fls. 1877, datado de 13.04.2016, cujo esclarecimento é agora requerido. Feito tal esclarecimento ao abrigo do disposto no artigo 380º do CPP, nada mais a determinar. Notifique o requerente e o MP. Mts, 1.06.2016 (em situação de baixa médica desde 04.05.2016)"
O- Da violação do disposto no art. 186.º do C.P.P. e do principio da presunção da propriedade (art. 1268º do C.C.)
P- Entende o recorrente que o tribunal a quo desrespeitou, em absoluto o que resulta do artigo 186.e do C.P.P (restituição dos objectos apreendidos).
Q- Ora, conforme resulta dos vários requerimentos juntos aos autos, e supra mencionados, o recorrente, notificado do edital, uma vez que os bens não lhe foram restituídos com o trânsito da sentença, e pese embora já o tivesse feito anteriormente, de imediato veio reclamar a entrega dos bens apreendidos, ao abrigo do n.º 3 do art. 186.º do C.P.P..
R- Por conseguinte, inexistindo outras reclamações ou reclamantes e considerando que os bens apreendidos e o recorrente e sua mãe não foram associadas aos crimes perpretados, sem desprimorar o princípio da presunção da propriedade inserto no artigo 1268.º do Código Civil, deveria o tribunal a quo, sem mais, ordenar a entrega dos bens aos mesmos. Contudo, não o fez, ignorando, por completo, os trâmites do art. 186.º do C.P.P..
S- Efectivamente, a manutenção da apreensão para efeitos de prova afigura-se absolutamente desnecessária (já desde o início) e, por tal, a sua restituição deveria ter sido ordenada ao recorrente e sua mãe - "quem de direito" -, tal qual promovido, sucessivamente, pela Exma. Sr.a Procuradora Adjunta.
T- Vem o tribunal a quo pedir que os reclamantes, ora recorrente e mãe, venham juntar novos meios de prova, diferentes dos já apresentados anteriormente (novamente ignorando o princípio da presunção da propriedade e o direito da propriedade e invertendo, erroneamente, o ónus da prova) e, mais ainda, pese embora a indicação de novos meios de prova por parte do recorrente e mãe (tal qual ordenado pelo tribunal a quo), vem o tribunal a quo, à revelia do seu próprio despacho anterior, indeferir o requerido com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional para apreciação da questão.
U- A acrescer o facto de a Exma. Sr.ª Juiz não ter dado qualquer indicação sobre o destino dos bens apreendidos.
V- Assim, se entende que os bens deveriam ter sido entregues ao recorrente e mãe, repita-se, desapossados dos mesmos desde 2009, apreendidos em sua casa e estabelecimento comercial e, como tal, até prova em contrário, dos mesmos proprietários, mais acrescendo o facto de, após edital, terem sido os únicos a reclamar a sua imediata restituição.
X- Entendendo o tribunal a quo não os devolver aos reclamantes está a violar, por um lado, o princípio da presunção da propriedade e, por outro, a tramitação do art. 186.º do C.P.P..
Nos termos expostos e nos melhores de Direito, e pelo muito que será suprido por este Venerando Tribunal, deverão V. Exas. dar provimento ao presente recurso, devendo o despacho em crise ser revogado, atendendo aos motivos já expostos, proferindo-se outro que ordene a entrega imediata dos bens reclamados pelo recorrente e sua mãe aos mesmos, fazendo assim V. Exas inteira JUSTIÇA.»
Admitido o recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao mesmo pela forma que consta de folhas 38 a 40 (deste apenso) concluindo do seguinte modo (transcrição):
«Conclusão:
- pese embora o decidido no Apenso A a fls. 171, entende-se que, os bens terão que ser entregues a quem os detinha aquando da apreensão, pois só eles os vieram reclamar, tudo conforme dispõe o art.º 186.º, nº , 2 e 3 do CPP.
Face ao exposto, Vossas Excelências, como decidirem, farão JUSTIÇA».
Neste Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer concordante com a resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela procedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal nada foi acrescentado.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
***
Conforme entendimento pacífico são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir da respetiva motivação que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos submetidos à sua apreciação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
No presente caso, a questão colocada pelo Recorrente, é se os bens que lhe foram apreendidos lhe deverão ser restituídos.
*
Com relevância para a análise do recurso existem nos autos os seguintes elementos:
No dia 25/8/2009, no cumprimento de mandado de busca no âmbito do inquérito que veio a dar origem aos presentes autos, foram apreendidos no estabelecimento comercial denominado “D… Unipessoal, Lda” de que o Recorrente era sócio gerente, bem assim como na residência do mesmo, diversos objetos devidamente especificados nos autos de apreensão de fls 341 a 343 e 366 a 374 (fls 70 a 72 e 79 a 84 deste apenso).
O Ministério Público, em 23/11/2009, foi proferido despacho de arquivamento quanto a C… e B… e deduzida acusação contra G… e H….
Na mesma data, por considerar desnecessária a apreensão dos bens constantes dos autos de fls 341 a 343 e 366 a 374 (com exceção dos seguintes bens: duas libras em ouro “…”; um brinco em ouro com pérola “…”; uma aliança em ouro com pedras “…”; um alfinete de gravata em ouro “…”; uma medalha em ouro … “…”; um anel em ouro com pedras … e … “…”; uma medalha em ouro signo touro “…”; uma medalha em ouro com imagem anjo “…” e uma medalha em ouro em forma de trevo “…”), o Ministério Público determinou o levantamento da referida apreensão nos termos do artigo 186º nº 1 do Código Processo Penal.
A fls 1008 a 1010, o Ministério Público determinou, o agendamento de data para entrega, ao ora Recorrente, B…, representante legal da sociedade “D… Unipessoal, Lda” e a C…, a entrega de todos os bens apreendidos constantes dos referidos autos de apreensão, com exceção dos indicados nos pontos 2., 3. e 5. do mesmo despacho (um brinco em ouro com pérola “…”; uma aliança em ouro com pedras “…”; um alfinete de gravata em ouro “…”; uma medalha em ouro … “…”; um anel em ouro com pedras … e … “…” e uma medalha em ouro em forma de trevo “…”), cuja entrega foi determinada às pessoas no mesmo indicadas. A entrega dos bens referidos no ponto 4. (medalha em ouro signo touro “…” e medalha em ouro com imagem anjo “…” foi determinada a C….
Na sequência dessa determinação, e discordando o ora Recorrente e sua mãe, C…, quanto à entrega a outrem dos bens cuja propriedade se arrogam aludidos nos pontos 2., 3. e 5, apresentaram a respetiva reclamação hierárquica, a qual foi desatendida, por considerar-se que a sindicância da questão cairia no âmbito das competências do juiz de instrução.
Foi apresentado pelos aludidos B… e a C… requerimento ao juiz de instrução peticionando a realização de diligências no sentido de ser esclarecida a legítima propriedade dos referidos bens.
Face aos requerimentos apresentados foi declarada suspensa a entrega dos objetos aludida a fls 1008 a 1010 e correu termos, por apenso, o respetivo incidente de reclamação de entrega de bens apreendidos.
No decurso do referido incidente e notificados para o efeito, B… e a C…, reiteraram a identificação dos objetos cuja entrega consideraram lhes ter sido indevidamente excluída ou seja, dos seguintes bens: um brinco em ouro (…); uma aliança em ouro (…); um alfinete de gravata (…); uma medalha em ouro (…); um anel em ouro (…) e uma medalha em ouro (…),
Produzida a prova no referido incidente foi proferido despacho em 9/6/2011, cuja parte decisória refere (transcrição parcial): «Assim, quanto às peças em ouro apreendidas que os requerentes entendem pertencer-lhes deverão os mesmos recorrer aos meios civis, para os quais remeto. As peças de ouro continuarão apreendidas nos autos até que se decida a questão civil, após o que deverá ser levantada a apreensão e as mesmas entregues aos proprietários.».
No douto acórdão proferido nestes autos a 25/02/2010, transitado em julgado em 29/11/2010, não foram os bens apreendidos declarados perdidos a favor do Estado ou dado qualquer destino.
Foi proferido despacho em 11/06/2015 determinando a averiguação de instauração de quaisquer ações cíveis, face à decisão proferida no apenso A a fls 171e ss.
Na sequência da resposta negativa à informação solicitada (constante a fls 1812), foi determinada, em 5/10/2015, a notificação edital para os efeitos do disposto no artigo 186º, nºs 3 e 4 do Código Processo Penal, relativamente a certos bens identificados no respetivo édito.
Mediante requerimento do ora Recorrente relativamente à falta de relacionação nos éditos de bens apreendidos, através do despacho de 21/1/2016, foi determinada a respetiva retificação dos éditos.
O Recorrente, na sequência dessa retificada notificação edital, requereu a entrega dos bens que lhe haviam sido apreendidos e que constam dos autos de apreensão de fls 341 e ss e 366 e ss dos autos.
Foi proferido despacho de 24/02/2016, do seguinte teor (transcrição parcial): «Atenta a decisão proferida no Apenso A a fls 171 e ss., já transitada em julgado, a informação de fls 1812 e o ora requerido, notifique estes para, querendo, em 10 dias, indicarem meios de prova – diversos daqueles já apreciados no aludido Apenso A-, com vista ao cabal cumprimento do disposto no artigo 182º, nº 1 e 2 do CPP .»
No seguimento do aludido despacho o Requerente B… e C…, apresentaram requerimento onde, para além da convocação do disposto da presunção de propriedade a que alude o artigo 1268º do Código Civil, apresentaram prova testemunhal e documental.
O tribunal a quo proferiu então, em 13/04/2016 o seguinte despacho: «Uma vez que esgotado está o poder jurisdicional deste tribunal para a apreciação da questão, atento o trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso A (fls. 171 e ss.), nada mais há a determinar nos presentes autos, sendo ainda o tribunal totalmente alheio à circunstância de não terem sido intentadas quaisquer acções cíveis!»
B… e C…, requereram o esclarecimento do despacho proferido tendo o tribunal a quo decidido do seguinte modo (transcrição): «Aquando da prolação do despacho de fls. 1869, datado de 24-02-2016, bem como dos antecedentes, não se havia atentado devidamente no âmago da decisão já transitada em julgado no Apenso A (fls. 171 e fls.) que remetia o requerente para os meios comuns. Face a tal, foi proferido, então, o despacho de fls. 1877, datado de 13.04.2016, cujo esclarecimento é agora requerido. Feito tal esclarecimento ao abrigo do disposto no art. 380 º do CPP, nada mais a determinar. Notifique requerente e o MP.».
*
Dispõe o artigo 178º, do Código Processo Penal «1. São apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova. (…)»
A propósito da apreensão de bens expressam Simas Santos e Leal-Henriques in “Código de Processo Penal Anotado”, 2ª ed., I vol., pág. 902 «(…) conforme com os próprios fins visados pelo instituto da apreensão, concebido como uma medida cautelar cujo objectivo é facilitar a instrução do processo, permitir a indisponibilidade da coisa ou simultaneamente os dois fins»
Na mesma linha de pensamento se pronuncia Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Verbo, 4ª ed., 2008, vol. II pág. 242 «(…) destina-se essencialmente a conservar provas reais e bem assim de objectos que em razão do crime com que estão relacionados podem ser declarados perdidos a favor do Estado».
Por seu lado, preceitua o nº 1 do artigo 186º do Código Processo Penal « Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito (…)».
Da conjugação dos preceitos citados decorre que a apreensão de bens tem, como regra base, o princípio da necessidade, impondo-se a restituição dos mesmos, imediatamente o mesmo se mostre cessado.
Na fase do inquérito é ao Ministério Público que incumbe a decisão sobre a restituição dos objetos apreendidos. Como refere o Conselheiro Santos Cabral em anotação ao artigo 186º in “Código de Processo Penal Comentado”, 2016, 2ª ed. revista, pág.721 «É o Ministério Público que detém a competência para determinar a restituição na fase de inquérito. (…) É ao mesmo Ministério Público que, no exercício do seu mandato de titular do inquérito, cabe a decisão sobre a necessidade/desnecessidade de manter uma apreensão para efeito de prova e, consequentemente, decidir sobre a entrega dos objectos e bens apreendidos.».
No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência. A título ilustrativo pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/10/2009, processo nº 4448/07.1TDPRT-A.P1 que em síntese conclusiva refere: «Em processo penal, a apreensão de objectos tem natureza preventiva, constitui meio de obtenção de prova e tem uma função cautelar. Na ocorrência da alteração dos pressupostos que a fundamentaram, designadamente cessando a sua função probatória, devem os objectos apreendidos ser restituídos a quem de direito. Existem no processo três momentos diferentes para apreciar a situação jurídica dos bens apreendidos: na acusação, na pronúncia e na sentença. O titular que em cada momento preside à respectiva fase processual (inquérito, instrução ou julgamento) deve distinguir entre os objectos que revistam ou indiciem natureza ilícita daqueles que revistam natureza lícita ou que não sejam indiciados como de proveniência ilícita.».
No caso em análise decorre que o Ministério Público, ainda na fase de inquérito, ao abrigo do nº 1 do artigo 186º do Código Processo Penal, determinou o levantamento da apreensão dos bens descriminados nos autos de apreensão de fls 341 a 343 e 366 a 374 (com exceção de: um brinco em ouro com pérola “…”; uma aliança em ouro com pedras “…”; um alfinete de gravata em ouro “…”; uma medalha em ouro … “…”; um anel em ouro com pedras … e … “…” e uma medalha em ouro em forma de trevo “…”) e respetiva entrega ao Recorrente e sua mãe C….
Assim, quanto aos bens cuja restituição foi determinada pelo Ministério Público na fase de inquérito a mesma, a não ter ocorrido, deveria tê-lo sido, pecando por tardia.
A questão que se coloca restringe-se, pois, aos bens cuja entrega foi determinada pelo Ministério Público a outras pessoas que não ao Recorrente e sua mãe e que foram objeto de incidente de reclamação por parte destes (a que se reporta o apenso A), ou seja, aos seguintes bens: um brinco em ouro (…); uma aliança em ouro (…); um alfinete de gravata (…); uma medalha em ouro (…); um anel em ouro (…) e uma medalha em ouro (…).
Com efeito, foi sobre estes bens cuja restituição ao Requerente e sua mãe não fora ordenada pelo Ministério Público, que foi proferido a decisão de fls 171 do apenso A aludida no despacho recorrido.
Porém, também quanto a estes bens, entendemos assistir razão ao Recorrente.
Na verdade e conforme dispõe o nº 2 do artigo 186º do Código Processo Penal já supra aludido «Logo que transitar em julgado a sentença, os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados a favor do Estado».
Assim, uma vez transitada a sentença, são de restituir os objetos que não tenham sido declarados perdidos a favor do Estado. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª edição atualizada, pág. 505. « (…) E a restituição só não tem lugar nessa altura em um de dois casos: se o tribunal na sentença transitada declarou os objectos apreendidos perdidos a favor do Estado ou, tratando-se de objectos pertencentes ao arguido ou ao responsável civil, se o tribunal mandar que a apreensão se mantenha, mesmo depois do trânsito a título de arresto preventivo.».
Ora, não tendo o acórdão proferido, declarado os bens ora reclamados perdidos a favor do Estado, impõe-se, nos termos do nº 2 do artigo 186º do Código Processo Penal, restituir os objetos apreendidos “a quem de direito”.
E a restituição a «quem de direito», tanto poderá ser feita ao dono da coisa como ao seu legítimo possuidor. - Neste sentido se pronuncia Francisco Marcolino de Jesus, in “Os Meios de Obtenção de Prova em Processo Penal”, Almedina 2011, pág. 220.
É certo que, no incidente de reclamação não ficou apurada a legítima propriedade dos bens ali em questão.
Contudo, Já decorreram seis anos sobre tal decisão encontrando-se findo o incidente sem que hajam sido instauradas quaisquer ações cíveis.
Ora, o requerente possuía os objetos que lhe foram apreendidos e o certo é que apenas por si foram reclamados em cumprimento dos éditos determinados ao abrigo do disposto no artigo 186º do Código Processo Penal tendo inclusive, apresentado prova testemunhal e documental.
E, como convoca o Recorrente, dispõe o artigo 1268º do Código Civil que “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundado em registo anterior ao início da posse.”
Assim, não ficando demonstrada nos autos a proveniência ilícita dos bens e inexistindo, para além do Recorrente, quem reclame os objetos apreendidos, não se vislumbram razões que afastem o funcionamento da presunção legal. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado, volume III, 2ª edição revista e atualizada, pág. 35, « O valor teórico e prático destas presunções resulta do disposto no artº 350º nº1: “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” tem no campo da posse uma relevância prática muito grande, pois é, em regra, bastante difícil, quando não impossível (o que acontece normalmente em relação às coisas móveis), a prova directa da propriedade.».
Como tal, e com o devido respeito por posição contrária não tendo os bens reclamados sido declarados perdidos a favor do Estado e inexistindo qualquer outra reclamação sobre os mesmos, afigura-se que os bens devem ser entregues à pessoa a quem foram apreendidos.
Destarte, deverá proceder-se à entrega ao Recorrente dos bens que lhe foram apreendidos e que ainda não tenham sido restituídos.
***
III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida determinando-se a entrega ao Recorrente dos bens que lhe foram apreendidos constantes dos autos de apreensão de fls 341 a 343 e 366 a 374 e que ainda não tenham sido objeto de restituição.
Sem custas.

Porto, 10 de janeiro de 2018
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)

Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves