Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2850/19.5T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO
PERDA TOTAL
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RP202309282850/19.5T8PRD.P1
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em caso de perda total, é devida indemnização por privação de uso do veículo até ao momento em que seja satisfeita ao lesado indemnização correspondente.
II - A orientação jurisprudencial de delimitação temporal do dano de privação do uso do veículo até ao momento da disponibilização da indemnização existe no pressuposto de que o dano da privação se mantém até à referida data, o que não se verifica no caso vertente por força da aquisição de um novo motociclo por parte do autor.
III - dano biológico pode assumir-se como patrimonial e/ou não patrimonial, traduz-se, nuclearmente, num handicap físico-emocional que, ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a realização das tarefas quotidianas, profissionais e pessoais, e é, decisivamente, calculado via juízo ex quo.
IV - A compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado e na sua qualidade de vida, pelo que o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.
V - Quando as sequelas decorrentes do evento lesivo são compatíveis com o exercício da profissão do lesado mas implicam esforços suplementares dada a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, deve considerar-se o dano biológico fonte de previsíveis perdas patrimoniais, indemnizáveis, pois, como dano patrimonial, sem prejuízo da compensação dos danos não patrimoniais do mesmo dano biológico derivados.
VI - Na falta de uma referência médico-legal que, por exemplo, mediante a atribuição de pontos ao “rebate profissional”, permita uma mais adequada quantificação das perdas patrimoniais previsíveis mas não determináveis, na atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, devem ponderar-se os contornos do caso concreto, à luz dos padrões da jurisprudência mais actualista, tendo, nomeadamente, em conta a idade do lesado, a sua expectativa de vida (e não apenas a sua expectativa de vida activa), o seu grau de incapacidade geral permanente e, em particular, a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da respectiva actividade profissional habitual.
VII - Tal fixação assume necessariamente alguma dificuldade e subjectividade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objectivo, para o que, para o dano biológico, podemos partir da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de Outubro, sem prejuízo de se levarem igualmente em conta outras circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade.
VIII - Considerando que no âmbito da Tabela referida o legislador faz interferir, a par da idade do lesado e da dimensão da incapacidade, o salário como elemento fundamental no cálculo da indemnização, temos como mais correto que se pondere para o efeito o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida.
IX - Deve ser subtraído, porém, o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, efectuando uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital e a taxa de juro que o Autor capitalizará sobre os montantes a receber, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
X - Como “lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral”, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos.
XI - Sendo a lesão da integridade física e psicológica, máxime se com sequelas futuras, um dano muito grave, ele merece adequada compensação, pelo que a actual doutrina e jurisprudência defendem, justamente, o abandono de compensações, por danos não patrimoniais, minudentes e quase miserabilistas.
XII - A indemnização por danos não patrimoniais, a fixar por equidade, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão. Tal compensação deve traduzir a ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos do Código Civil.
XIII - Numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações, que, no entanto, deve ser proporcional e adequada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:2850/19.5T8PRD.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ...., ... ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra “A... - Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no Largo ..., ... Lisboa, onde concluiu pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, seja a Ré condenada, na proporção da responsabilidade que lhe vier a ser atribuída ou solidariamente, a pagar ao autor a indemnização global liquida de € 36.993,66, sem prejuízo do montante que vier a ser fixado em incidente próprio de liquidação e ampliação do pedido, relativamente aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, decorrentes da IPP de que o Autor vai ficar a padecer e bem assim de todos as prejuízos relativos à frustração de lucros cessantes decorrentes da Incapacidade Temporária Absoluta que ainda mantém, e de todos os prejuízos que venha a suportar, mormente despesas médicas e medicamentosas e de transporte, ou outras que se vierem a revelar necessárias, e ainda o montante correspondente a € 6,00 por dia, pelos danos sofridos com a paralisação e privação do veículo, contados desde 22 de Novembro de 2019 até à data do pagamento da quantia necessária e correspondente ao valor do veículo, acrescido de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da acção até efectivo pagamento.
Alega, em síntese, que no dia 23 de Dezembro de 2018, pelas 12h35, ocorreu um acidente na Auto-Estrada ..., ao quilómetro 26.765, na freguesia ..., tendo sido intervenientes o motociclo, da marca Kawasaki-..., de matrícula ..-QA-.. e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, de matrícula ..-AI-.., sendo que este último veículo ligeiro de passageiros de matrícula AI era propriedade de BB e, na altura da ocorrência do acidente, era por si conduzido.
Acrescenta que o motociclo seguia pela faixa de rodagem da esquerda, tendo sido surpreendido pela ultrapassagem inopinada do veículo ligeiro que ingressou na faixa por onde seguia, não tendo conseguido parar ou desviar-se, tendo colidido com o mesmo, despistando-se, causando os danos peticionados.
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Citada, a Ré “A... - Companhia de Seguros, S.A.” apresentou contestação, impugnando a dinâmica do acidente, bem como impugnando os danos sofridos pelo autor.
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Notificado, o autor apresentou resposta, pugnando pela condenação da Ré como litigante de má-fé.
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Na pendência da acção, em articulado superveniente e em sede de ampliação do pedido indemnizatório, pediu o autor a condenação da Ré no pagamento, para além do pedido formulado de € 36.993,66, na indemnização de € 5.487,32, correspondente a uma indemnização global líquida de € 42.480,98, sem prejuízo do montante que vier a ser fixado em incidente próprio de liquidação e ampliação do pedido, relativamente aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, decorrentes da IPP definitiva de que o autor vai ficar a padecer e bem assim de todos os prejuízos que venha a suportar, mormente despesas médicas e medicamentosas de transporte, bem como todas as outras que, entretanto, se verificarem, acrescidas de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo pagamento.
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O autor, previamente ao início da discussão da causa, deduziu incidente de liquidação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 358º e 265º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, procedendo à ampliação do pedido, pugnando pela procedência do incidente e procedendo à liquidação da indemnização, no montante global de € 142.480,98, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação até integral liquidação.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu-se condenar a Ré “A... Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Autor AA, uma indemnização global líquida correspondente aos valores de:
- dano biológico: € 70.000,00;
- danos não patrimoniais: € 35.000,00;
- perdas salariais: € 4.123,00;
- danos materiais roupas/equipamentos: € 1.675,74;
- despesas com deslocações: € 500,00;
- despesas com aparcamento: € 92,50;
- despesas médicas e medicamentosas: € 744,50;
- perda total do motociclo: € 7.394,00;
- paralisação (59 dias x € 6,00): € 354,00;
- tratamentos: € 47,70;
- combustível: € 100,00;
- reparação do telemóvel: € 466,17, correspondente à quantia total de € 120.497,61, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, com excepção dos referentes à quantia atribuída a título de danos não patrimoniais cujos juros devem ser contabilizados à taxa legal aplicável a partir da data da decisão, sendo que os demais juros peticionados e devidos devem ser contados desde o dia seguinte à data da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo a ré do restante pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente A... - Companhia de Seguros, S.A., veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I.A ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida, desde logo, no que à responsabilidade concerne e, bem assim e subsidiariamente, com os montantes indemnizatórios fixados a título de privação do uso do veículo, dano biológico e danos de natureza não patrimonial.

II. No que à responsabilidade diz respeito, discordamos da decisão que imputa a exclusiva responsabilidade pela ocorrência do acidente ao condutor do veículo seguro na R., ora Recorrente, sob o entendimento de que a manobra causal do acidente foi a ultrapassagem por si encetada.

III. Com efeito, e desde logo, entendemos que a atual factualidade provada já imporia, por si só, decisão diversa.

IV. Na verdade, a presente factualidade provada (pontos 4; 8; 12; 13; 15; 17; 19 e 26, acima transcritos) denota a velocidade excessiva que o A. imprimia ao motociclo por si conduzido.

V. Velocidade esta que, desde logo, e como resulta da factualidade provada (ponto 15) ascendia a, pelo menos 120 Km/h resultando, além do mais, expressamente da motivação da sentença que as testemunhas presenciais do acidente cujo depoimento foi valorado pela Meritíssima Juiz a quo (os seis companheiros motards que o acompanhavam) referiram que este seguia a uma velocidade excessiva para o local.

VI. Além do mais, e como a Meritíssima Juiz bem refere, o próprio exame pericial realizado na pessoa do Autor (e invocando, além do mais, os registos do Hospital ..., no qual foi assistido após o acidente e de acordo seguramente com as declarações aí prestadas pelo próprio A.), refere a ocorrência de um acidente a alta velocidade e de elevada cinética e as inerentes graves lesões sofridas pelo A.

VII. Ora, estes factos conciliados com a demais factualidade provada, ou seja, o facto de o Autor ter avistado o veículo seguro na R. a uma distância de, pelo menos, 15 metros, em excelentes condições de tempo, visibilidade e estado da via, e, ainda assim, não ter sequer travado embatendo, antes frontalmente (!!!) na parte traseira direita (!!!) do veículo seguro na R. e prosseguindo depois, enviesadamente e em zorro, cerca de 15 metros até se imobilizar junto à berma direita, bem denotam a velocidade excessiva a que seguia.

VIII. E, a nosso ver, será esta velocidade excessiva - e que impediu o A. de dominar a marcha do seu veículo, conforme lhe é imposto pelo art. 24º do Código da Estrada - a única causa do acidente sub iudice,

IX. Admitindo-se, no limite, que tal velocidade possa ser valorada para efeitos de atribuição ao A. de, pelo menos, 50% de responsabilidade no acidente.

X. Por outro lado, entendemos que a factualidade inserta nos pontos 18 e 20 da matéria provada não poderá ser reputada como tal, e bem assim a alusão ao facto de ter guinado à direita, constante do ponto 19, por resultar, desde logo, de uma assumida mera ilação - o que é legalmente inadmissível;

XI. A que acresce o facto, e no que ao local do embate concerne, de se encontrar em reconhecida contradição com o Auto de Ocorrência junto aos autos, e coincidentes depoimentos testemunhais prestados, conforme bem se admite na sentença.

XII. Na verdade, e conforme bem se reconhece na sentença ora em recurso, a atual prova de o Autor ter guinado à direita e de o embate ter ocorrido na hemi-faixa de rodagem esquerda resulta APENAS da constatação de o embate (frontal - note-se!) do motociclo ter ocorrido a parte traseira direita do veículo seguro na R. - o que, naturalmente se não pode aceitar;

XIII. Tanto mais, e sob este pressuposto, por ser esta uma solução inverosímil.

XIV. Na verdade, quer os danos nos veículos – frente e traseira direita – quer a localização dos vestígios do acidente na hemi-faixa de rodagem esquerda contrariam a ilação de que o A. guinava a sua moto no momento do embate e que o veículo automóvel se encontrava enviesado a ocupar a sua hemi-faixa de rodagem.

XV. Por último, os pontos 17 (apenas quando refere «inesperada e inadvertidamente»; 18 (quando refere «por isso»); 21; 22 e 23 encerram matéria conclusiva devendo, como tal, e por legalmente inadmissíveis, ser eliminados.

XVI. Quanto à privação do uso do veículo, e resultando da factualidade provada, e que ora não se impugna - pontos 133 e 139 - que tal privação se restringe aos Domingos de manhã e que o A. adquiriu, entretanto outro motociclo, para substituição do sinistrado, em data que se desconhece;

XVII. Entendemos que não poderia ter sido fixada uma indemnização, a este título, até à data em que foi comunicada a perda total - 20.2.19 - porquanto se desconhece, face à factualidade provada, se antes dessa data o A. já adquirira o motociclo que veio a substituir o sinistrado;

XVIII. E pelo exato valor diário peticionado - o qual pressupunha uma privação permanente, ou seja, durante todos os dias da semana (e não apena ao Domingo de manhã, conforme resultou provado), sob pena de nulidade da sentença, por condenação em valor superior ao peticionado - art. 615º nº1 e) do CPC.

XIX. Tal indemnização deveria, assim, na nossa modesta opinião, ter sido relegada para ulterior execução.

XX. Relativamente à indemnização pelo dano biológico - e com esta precisa designação - foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 70.000.00 tendo por base o cálculo aritmético referente à perda da capacidade de ganho por força do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos do Autor e o seu salário anual de € 1.400,00, considerando um tempo de trabalho de 25 anos (67 - idade da reforma - 42 - idade do Autor à data do acidente), num total de € 78.400,00, corrigido, em nome da equidade e proporcionalidade, para a mencionada quantia de € 70.000,00.

XXI. Ressalvado, contudo o muito e devido respeito entendemos, desde logo, que a decisão proferida assenta numa contradição, a qual consubstancia uma nulidade da sentença.

XXII. Na verdade, e tal como resulta da factualidade provada, e que não se impugnará - pontos 121 e 126 (igualmente não impugnados pelo Recorrente) - o Défice Funcional Permanente de 16 pontos, do qual o Autor é portador, acarreta-lhe sequelas que, em termos de repercussão no exercício da sua atividade profissional, são compatíveis com o exercício de tal atividade implicando apenas esforços suplementares.

XXIII. Assim, e resultando da factualidade provada que o défice funcional permanente do qual o Autor é portador não prejudica nem, tão-pouco afeta a sua capacidade de ganho, implicando apenas esforços suplementares no exercício de tal atividade, tal indemnização não poderá ser calculada com base nos valores da retribuição alegadamente perdida – tal como o fez a Meritíssima Juiz a quo.

XXIV. Bem pelo contrário, é antes assente doutrinal e jurisprudencialmente que, nestes casos, não há lugar à atribuição de indemnização a título de danos patrimoniais futuros pela perda da capacidade de ganho, mas tão só à atribuição de indemnização a título de dano biológico - tal como, aliás, e em bom rigor, se refere na sentença ora em recurso, não obstante a efetiva concretização do valor indemnizatório o contrariar.

XXV. Neste âmbito, a solução seguida pela jurisprudência uniforme dos nossos Tribunais, mormente do STJ, é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expetativa de vida ativa, não confinada à idade-limite para a reforma.

XXVI. Porém, e reconhecendo-se que tal equidade não pode, nem deve, confundir-se com discricionariedade, tem sido entendimento uniforme que se imporá recorrer, ainda que como mero ponto de partida, aos critérios objetivos considerados na Tabela do anexo IV da referida Portaria nº 377/2008, de 26 de maio (idade do lesado e número de pontos), justamente aí prevista para cálculo do dano biológico, e por oposição aos cálculos para a perda da capacidade de ganho (Tabela III).

XXVII. Admitimos, contudo, em nosso desfavor (diga-se) e à semelhança do que se fez no recente Acórdão do STJ de 13.1.2023 - que a pretendida concretização da justiça material impõe que se atualizem os valores de tal tabela, nos termos acima melhor expostos, porquanto a mesma assenta no valor da RMMG de 2007 (e que ascendia a € 403,00) impondo-se, como tal, a sua atualização para o valor atual de € 760,00.

XXVIII. Nesses termos obteremos, então, e como base de cálculo, uma indemnização no valor de € 32.970,40 cuja necessária redução, pela antecipação do recebimento integral do capital (de, pelo menos, e como é sabido, de ¼), determinará que o montante indemnizatório justo e adequado, no caso concreto, e para ressarcimento do dano biológico, ascenda ao valor, arredondado em favor do Autor, de € 25.000.00.

XXIX. Esta é a solução que se nos afigura mais justa e equilibrada porquanto concilia os critérios objetivos enunciados na Portaria com a exigível justiça decorrente da atualização dos valores que a fundam – no caso a ATUAL retribuição mínima mensal garantida – e bem, assim a exigível redução pela antecipação integral do capital obtendo-se, assim a composição do litígio imposta pela equidade.

XXX. Ou seja, as razões que usualmente se invocam para não lançar mão dos critérios enunciados na Portaria - quais sejam, e maioritariamente, os parcos valores que dela resultam - falecem, necessariamente perante esta atualização, preconizada no invocado recentíssimo Acórdão do STJ.

XXXI. Com a presente atualização, os critérios da Portaria revelam-se, assim absolutamente idóneos, justos e objetivos para os inerentes cálculos indemnizatórios permitindo o exigível rigor e uniformização de critérios no cálculo das indemnizações e evitando as arbitrariedades que qualquer raciocínio discricionário, natural e necessariamente acarretará.

XXXII. Acresce que, e tal como acima já mencionamos, nos cálculos que efetuou, e para além da principal crítica já enunciada, a Meritíssima Juiz a quo, e não obstante na sua motivação até ter destacado (através de sublinhado) tal exigência, alertando para a necessidade da correção da indemnização pelo recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório de uma só vez, a verdade é que acaba por não o fazer.

XXXIII. Assim, e ainda que esse Colendo Tribunal viesse a entender ser adequada a indemnização fixada na sentença – o que, contudo se não aceita nem concede - sempre se imporia que procedesse à sua redução imposta pela antecipação do capital, por todos sobejamente conhecida e que se prende com o facto de o lesado receber de uma só vez todo o capital/rendimento futuro podendo, de imediato, aplica-lo ou fazê-lo render, sob pena de enriquecimento sem causa à custa alheia;

XXXIV. O que determinaria, então que a mesma fosse reduzida no valor de € 17.500,00, pelo que não poderia vir o Autor a receber, a este título, mais de € 52.500,00.

XXXV. Por último, e ainda a este título, sempre se dirá que o juízo de equidade em que se funda a fixação do montante da indemnização, nos termos do art. 566º nº3 do Código Civil, será passível de censura se não se contiver dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que o legitima, tendo por referência a evolução da jurisprudência e a observância do princípio da igualdade no tratamento prudencial de situações similares significando isto que, o cumprimento do primordial princípio da equidade, exige também que situações factualmente similares não tenham decisões diversas.

XXXVI. Não poderemos esquecer, a este propósito, o preceituado no nº 3 do art. 8º do Código Civil segundo o qual nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

XXXVII. Ora, tal como resulta dos concretos casos acima enunciados, a presente indemnização violará, de igual modo, tal princípio da igualdade – o que não se poderá consentir.

XXXVIII. Finalmente, e no que diz respeito aos danos de natureza não patrimonial reconhecemos – e porque não impugnamos a respetiva factualidade provada – as lesões e sequelas, lamentavelmente sofridas pelo Autor.

XXXIX. Entendemos, contudo, e ainda assim, que a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, no valor de € 35.000,00 - e, por maioria de razão, no valor de € 50.000,00, conforme pretende o Recorrente - pecará por excesso.

XL. Desde logo, porquanto, para a fixação desse valor - e como bem se reconhece na sentença ora em recurso - se atendeu às MESMAS sequelas ora valoradas para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, mormente a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, o dano estético e o quantum doloris;

XLI. Subsistindo, assim, a nosso ver, e desde logo, uma duplicação de valores.

XLII. Por outro lado, reconhece-se, obviamente que o juízo de equidade constitui o elemento essencial da avaliação dos danos não patrimoniais (art 496º nº4 do Código Civil) consubstanciando uma ponderação casuística das circunstâncias do caso;

XLIII. Não podemos, contudo admitir que se dispense, e à semelhança do que já acima referimos a propósito do dano biológico, que tal juízo de equidade possa dispensar a observância do princípio da igualdade, o qual obriga ao confronto com indemnizações atribuídas noutras situações a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do Direito - art. 8º nº 3 do Código Civil, já acima invocado.

XLIV. A prossecução desse princípio implica, assim a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso, impondo-se, como tal, concluir, e face à análise dos concretos casos enunciados, que o valor ora atribuído ao Autor (€ 35.000,00) contraria a tendência atual da jurisprudência superior dos nossos tribunais, tanto mais atendendo-se ao facto de ter já sido ressarcido pelo dano biológico, por idênticos danos e também sob uma vertente de dano não patrimonial, em € 70.000,00.

XLV. Entendemos, assim que o valor de € 25.000,00 se mostra mais adequado e equilibrado às lesões sofridas pelo Autor, e sequelas delas resultantes - o que ora sustentamos;

XLVI. Concluindo-se - e em sede de resposta às alegações do Autor - inexistir qualquer fundamento para fixar tal indemnização no valor pelo qual foi peticionada, e que o Autor pugna no seu recurso - ou seja, € 50.000,00.

XLVII. Decidindo-se, em contrário, violou-se o disposto nos arts. 8º nº2; 562º; 563º e 566º nº3 do Código Civil; 13º da Constituição da República Portuguesa e 615º nº1 a) e c) do CPC.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente AA, veio, igualmente, interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. O presente recurso visa a revogação da douta Sentença, porquanto se discorda da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais;

II. Ora, atendendo à gravidade das lesões sofridas, ao período de doença, às sequelas permanentes e ao sofrimento físico e moral, temos por inteiramente justo a indemnização indicada, pecando, no nosso entender, por escassa dada a dimensão dos danos.

III. Entendemos, com o devido respeito, que a Mma. Juiz acabou por subvalorizar os danos assim advindos, nesta perspetiva, ao lesado, em claro e inequívoco alheamento dos dispositivos legais que regulam esta matéria, da doutrina e jurisprudência dominante e mais recente dos nossos Tribunais.

IV. Não oferece hoje também dúvidas que a compensação por danos não patrimoniais - como se diz no Ac. STJ de 16.12.93 in CJ. STJ, III, 182 - deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo tempo de acabar com miserabilismos indemnizatórios.

V. Ora, ponderando todos os factos provados na sentença recorrida, e que aqui se devem considerar integralmente transcritos, temos necessariamente de concluir que a verba arbitrada pelo tribunal recorrido para compensar o sofrimento, os danos e as sequelas definitivas de que o Autor ficou a padecer, é, mesmo assim, escassa, desadequada à situação em apreço, e desajustada aos padrões em vigor.

VI. Atento o quadro retratado nos Autos, o montante indemnizatório a atribuir ao Autora a título de danos não patrimoniais haverá de fixar-se em não menos da quantia de € 50.000,00, tal como foi peticionado.

VII. Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 494º; 496º nº. 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.

VIII. Quanto à fixação da indemnização decorrente da privação do veículo, o Recorrente não se conforma com o decidido na sentença recorrida;

IX. Tendo resultado provado que o Autor ficou privado da utilização do motociclo desde a data do sinistro (23.12.2018), não há como não deixar de reconhecer ao Autor o direito a ser indemnizado pela referida privação do uso do veículo, a fixar segundo um juízo de equidade;

X. O Tribunal recorrido entendeu que como a perda total do motociclo foi decretada na sequência da averiguação do B..., conforme relatório de averiguações de 20.02.2019, para o caso em apreço relevará a paralisação entre o dia 23.12.2018 (correspondente à data da ocorrência do sinistro) e a data da declaração de perda total (20.02.2019) a sua paralisação durante um total de 59 dias (59 x 6 = € 354,00), fixando a indemnização a atribuir ao lesado pela privação do uso do veículo no montante de € 354,00, correspondente ao valor diário de € 6,00 (cfr. artigos 483º nº 1 e 566º nºs. 1 e 3 do CCivil).

Assim não entendemos.
XI. Assiste ao autor o direito ao pagamento da indemnização diária referida (6,00 euros) até efetivo e integral pagamento da indemnização devida pela perda total do veículo (art.º 564.º, n.º 2 do Cód. Civil).

XII. A este respeito resta acrescentar que não se vislumbra qualquer fundamento plasmado na lei civil para que o direito à indemnização pelo dano da privação de uso tivesse cessado no dia em que foi comunicado ao autor a perda total do seu veículo, sendo patente que não está demonstrado que nessa ocasião tenha sido disponibilizada ao mesmo qualquer quantia que lhes permitisse colmatar esse dano mediante a aquisição de viatura de substituição.

XIII. Assim, deveria o Tribunal recorrido, a título de privação do veículo, ter condenado a Ré no pagamento de uma quantia diária de €6 (seis euros) desde a data dia 23.12.2018 (correspondente à data da ocorrência do sinistro) até efectivo e integral pagamento da indemnização correspondente à perda total e fixada na sentença recorrido, a liquidar posteriormente.

XIV. Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 483.º, 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1.No dia 23 de Dezembro de 2018, pelas 12,35 horas, ocorreu um acidente de trânsito na Auto-Estrada ..., ao quilómetro número 26,765, na freguesia ..., concelho de Paredes, tendo sido intervenientes os seguintes veículos automóveis:
a) o motociclo de marca Kawazaki, modelo ..., cilindrada 125 cc, de matrícula ..-QA-..;
b) o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, de matrícula ..-AI-..;
2. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AI era propriedade de BB e, na altura da ocorrência do acidente de trânsito era por si conduzido.
3. O motociclo QA era conduzido pelo autor AA e tinha a sua propriedade inscrita em nome de CC, mãe do autor, por uma questão formal, uma vez que o autor havia sido declarado insolvente.
4. A Auto-Estrada ..., no local do sinistro configura uma recta de boa visibilidade, avistando-se a faixa de rodagem numa extensão não inferior a 100 metros, tendo em conta o sentido ... - ..., encontra-se dividida em toda a sua extensão em duas pistas de tráfego, através de um separador central, em terra relvada e arborizada.
5. Uma dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... - ... e outra destinada ao trânsito em sentido contrário.
6. A faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... - ..., tem uma largura útil de 7,60 metros e encontrava-se, como se encontra, dividida em dois corredores de trânsito, através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade: Linha Descontínua Marca M2.
7. O piso da faixa de rodagem da Auto-Estrada ... era, como é, pavimentado a asfalto.
8. O tempo estava bom e o pavimento encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
9. Pela sua margem direita, tendo em conta o sentido ... - ..., a via apresentava e apresenta uma berma, também pavimentada a asfalto e com uma largura de 2,70 metros.
10. A dividir a faixa de rodagem da pista de tráfego destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... - ..., da berma asfáltica situada do seu lado direito, existia e existe uma Linha, pintada a cor branca, sem Soluções de Continuidade: Linha Delimitadora Contínua - Marca M19.
11. A marginar essa berma do lado direito, existiam, como existem, Rails de Protecção Metálico.
12. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito era dia alto sendo que o tempo estava limpo, seco e de sol aberto.
13. A visibilidade, no local da deflagração do acidente de trânsito era, como é, muito boa.
14. No dia e hora supra indicados, o BB conduzia o ligeiro AI, pela Auto-Estrada ..., no sentido ... - ... pelo corredor de tráfego situado mais à direita da pista de trânsito da Auto-Estrada ..., atento o seu sentido de marcha e animado de uma velocidade moderada, não superior a oitenta (80,00) quilómetros por hora.
15. E no mesmo sentido de trânsito, o aqui autor AA conduzia o motociclo pela Auto-Estrada ..., no sentido ... - ..., a uma velocidade de pelo menos 120 km/h e integrado num grupo de mais de seis motociclos.
16. Pretendendo efectuar a manobra de ultrapassagem ao referido veículo AI, o Autor circulava com o motociclo na faixa da esquerda, com o sinal luminoso da esquerda accionado, vulgo pisca - pisca, indicativo de tal manobra.
17. Quando o motociclo se encontrava em plena manobra de ultrapassagem e a uma distância não superior a 15 metros do veículo AI, inesperada e inadvertidamente, o condutor deste resolve efetuar uma manobra de ultrapassagem a um veículo que se encontrava à sua frente, sem efectuar qualquer sinalização prévia nesse sentido, mormente o sinal luminoso pisca-pisca, nem cuidar de verificar se nesse momento se encontrava a ser ultrapassado.
18. Invadindo, por via disso, o corredor de circulação da esquerda por onde já circulava o motociclo, obstruindo o seu sentido de marcha.
19. Ao deparar com esta manobra do veículo AI, o Autor AA ainda tentou evitar a colisão, guinando à direita, atento o sentido de trânsito seguido, na tentativa de evitar a colisão, mas embateu com a frente do motociclo com a traseira, canto direito do veículo AI.
20. A colisão ocorreu no corredor de circulação da esquerda, junto ao eixo da via, atento o sentido de marcha dos intervenientes.
21. E deveu-se ao comportamento culposo do condutor do veículo AI, que ao efectuar uma manobra de ultrapassagem sem constatar que nesse momento se encontrava a ser ultrapassado e ao efectuar a referida manobra transposição sem sinalizar previamente essa manobra, praticou uma condução imprudente e irresponsável, contribuindo de forma decisiva e exclusiva para a produção do sinistro.
22. O desrespeito pelas regras relativas à manobra de ultrapassagem, bem como pelos deveres gerais de diligência e cuidado consubstancia acto ilícito que foi causal do sinistro.
23. Agiu assim o condutor do veículo AI culposamente na medida em que, iniciou a manobra de ultrapassagem sem atender ao veículo que circulava atrás de si e que já havia iniciado a manobra de ultrapassagem ao seu veículo e sem antecipadamente sinalizar essa manobra.
24. O proprietário do veículo ..-AI-.., tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente a danos causados a terceiros, transferida para a Ré mediante a apólice n.º ....
25. O Autor, no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram sofreu um enorme susto, tendo receado pela própria vida, dada a sua incapacidade de lhe escapar e da violência do embate.
26. Em consequência do embate, o autor foi projectado com a mota, vindo a imobilizar-se na faixa da direita após ter percorrido mais de 15 metros de zorro.
27. Sofreu o pânico de vir a ser atropelado.
28. O autor, apesar de todas as lesões corporais que sofreu, nunca perdeu a consciência do mal que lhe estava a acontecer.
29. Como consequência directa e necessária do referido embate resultaram lesões corporais várias para o autor, o que fez com que fosse transportado em ambulância para o Hospital ..., na cidade do ....
30. O transporte foi feito com imobilização total e através de plano duro, com colocação de colar cervical e foi recebido no Serviço de Urgência dessa Unidade Hospitalar, onde lhe foram efectuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas e prescritos medicamentos vários nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, os quais o Autor se viu na necessidade de ingerir.
31. Foram-lhe, aí, efetuadas lavagens, desinfecções e curativos às feridas e às escoriações sofridas nos braços e nas pernas.
32. O autor apresentava as seguintes lesões corporais:
- Fractura do rádio distal à direita;
- Fractura-luxação de Lisfranc à esquerda;
- Luxação da articulação interfalângica proximal do 4º dedo da mão esquerda;
- fracturas nos 2º e 3º dedos da mesma mão;
- fracturas nas falanges;
- Luxação ifp da mão esquerda;
- escoriações nos membros superiores e inferiores.
33. Face à gravidade das lesões e devido à greve dos enfermeiros, o autor só foi submetido no dia 2 de Janeiro de 2019, a uma cirurgia de osteossíntese às fracturas acima descritas, no Hospital ....
34. Era o seguinte o Relato Cirúrgico: Fractura do rádio distal a direita+Fractura luxação Lisfrank+Luxação 1 IFP2° dedo mão esquerda.
35. O autor permaneceu em posição decúbito dorsal sob AG, sendo sujeito a lavagem, desinfecção e colocação de campos, assim como abordagem volar para fixação das fracturas.
36. O autor foi sujeito a três tipos de intervenção cirúrgica:
- Redução de fractura e fixação com placa e parafusos socinnedical;
- Controlo com amplificador de imagem;
- Sutura por planos tala gessada;
37. Redução fechada de fractura Lisfrank fixação com 1 parafuso canulado 3.5mm cunha medial, a cunha intermédia Fixação com parafuso 4.5mm, cunha a 2° metatarsiano controlo com amplificador de imagem Tala gessada.
38. Redução de luxação ifp e fixação com fio K controlo com amplificador de imagem.
39. A cirurgia aos dedos foi aos 2º e 3º dedos, com fios de Kischner, ficando com imobilização.
40. Foi colocada tala gessada no pulso direito, pé esquerdo e dedos da mão esquerda.
41. Durante o período de internamento hospitalar que decorreu entre 23 de Dezembro de 2018 a 4 de Janeiro de 2019, o autor foi sujeito a várias intervenções de enfermagem activas:
- Vigilância da Perfusão Tecidular Do Membro Superior Direito;
- Vigilância da Perfusão Tecidular Do Membro Inferior Esquerdo [Sem Horário];
- Troca de tala, pois a mesma provocava irritação e comichões;
- Vigilância da Ferida Traumática [Sem Horário).
42. Assistência no Autocuidado: Vestuário, alimentação, uso do sanitário e no banho, pois o autor estava completamente dependente de terceira pessoa para a realização destes actos.
43. Durante todo o período de internamento, o autor manteve-se em profundo sofrimento, sentindo, contudo, imensas tonturas, mal-estar, dores e ausência completa de forças para se movimentar. Nesse período, por dores, que se agudizavam sempre que se movimentava na cama, e por não ter posição para dormir, o demandante não conseguia descansar/dormir.
44. Devido ao seu estado de fraqueza e aos cuidados médicos a que tinha sido sujeito, o autor manteve-se sempre acamado, continuando as recomendações e medicação clínica, só se levantando com a ajuda de terceiros.
45. O autor necessitava de ajuda para se deitar, levantar e para se alimentar.
46. Depois das intervenções cirúrgicas a que o autor foi sujeito, o autor foi sujeito a tratamentos de enfermagem e vigilância das feridas cirúrgicas, tendo removido o material de sutura.
47. Na data da alta hospitalar, o autor recebeu as seguintes indicações de:
- analgesia;
- profilaxia do TVP - trombose venosa profunda;
- cuidados de penso na consulta externa;
- manutenção das talas gessadas até nova indicação médica;
- repouso total e sem esforço.
48. O autor teve alta hospitalar no dia 4 de Janeiro de 2020, regressando a sua casa com quem vivia e ainda vive na companhia de sua esposa e filhos.
49. Onde se manteve, doente, combalido e completamente retido no leito, ao longo de um período de tempo de seis (06,00) semanas, só se levantando para se deslocar aos tratamentos médicos.
50. Durante esse período de tempo de acamamento, de seis (06,00) semanas, o Autor manteve-se sempre deitado, na mesma posição, de costas e sem se poder virar, na cama.
51. Tendo sido, no leito, que durante esse período de tempo, tomou todas as suas refeições que lhe eram servidas por uma terceira pessoa, no caso, a sua mulher que teve que tirar férias durante esse período para cuidar do aqui autor que sentia imensas tonturas, mal-estar, dores e ausência completa de forças para se movimentar.
52. A mulher do autor tratou dele, em regime de permanência – dia todo - desde o 24.12.2018 após o acidente e até 15 de Janeiro de 2019, uma vez que o autor tinha três membros imobilizados com gesso – mormente as duas mãos – e necessitava do apoio de terceira pessoa para todos os actos da via diária – para se alimentar, vestir, tomar banho e fazer todas as suas necessidades;
53. Após esse período, e uma vez que a mulher do aqui autor foi chamada a atenção pela sua entidade patronal – Junta de Freguesia ..., sita na rua ..., ..., começou apenas a faltar da parte da manhã, a fim de poder transportar o autor aos tratamentos de enfermagem e consultas médicas no hospital ..., que fez nos seguintes dias:
- 16/01/19 Manhã
- 17/01/19 Manhã
- 21/01/19. Todo dia
- 24/01/19 Manhã
- 28/01/19. Manhã
- 31/01/19 Manhã
- 04/02/19 Manhã
- 7/02/19 Manhã
- 11/02/19 Manhã
- 14/02/19 Manhã
- 18/02/19 Manhã
- 21/02/19 Manhã
54. O autor foi seguido na Consulta Externa de Ortopedia no Hospital ..., onde se deslocou nos dias:
10, 14, 21, 24, 28 e 31 de Janeiro de 2019;
4, 7, 11, 14 e 21 de Fevereiro de 2019 e onde era submetido a avaliação e a tratamentos de enfermagem aos locais lesionados, tendo ainda retirado os pontos de sutura que ainda restavam.
55. Por sua vez, o autor deslocou-se ao Posto Médico nos dias 5 de Fevereiro, 6 e 8 de Março, 4 e 11 de Abril, a fim de avaliar a sua situação clínica, tendo, nesta data e em função dos exames a que o autor foi submetido, sido prescrita a realização de tratamentos de fisioterapia, em consonância com o decidido clinicamente nas Consultas Externas de Ortopedia no Hospital ....
56. Diga-se que ao fim do período de acamamento supra referido, o Autor passou a levantar-se do leito.
57. Inicialmente, em virtude das lesões do pé e da falta de força muscular, o autor usava uma cadeira de rodas, passando, depois de algum tempo, a deambular com o auxílio de duas canadianas, como auxiliar de locomoção e que teve necessidade de usar, ao longo de um período de tempo de cinco (5) meses.
58. Na sequência das consultas externas no Hospital ..., o autor realizou os seguintes exames radiográficos aos locais lesionados no Hospital Privado ...:
No dia 15 de Abril de 2019: mãos e punhos;
No mês de Maio de 2019: ao pé.
59. De acordo com prescrição clínica, o autor realizou tratamentos de fisioterapia na na “C..., Ld.ª.”, nos seguintes dias:
17-04-2019 Fisioterapia
23-04-2019 Posto Médico
24-04-2019 Fisioterapia + Levantar exames
03-05-2019 Fisioterapia
06-05-2019 Fisioterapia
08-05-2019 Fisioterapia
10-05-2019 Fisioterapia
13-05-2019 Fisioterapia
15-05-2019 Fisioterapia
17-05-2019 Fisioterapia
20-05-2019 Fisioterapia
22-05-2019 Fisioterapia
24-05-2019 Fisioterapia + Raio X Trofa Saúde
27-05-2019 Fisioterapia
29-05-2019 Fisioterapia + Pedir registos Clínicos
31-05-2019 Fisioterapia
03-06-2019 Fisioterapia
05-06-2019 Fisioterapia
07-06-2019 Fisioterapia
12-06-2019 Fisioterapia
14-06-2019 Fisioterapia
17-06-2019 Fisioterapia
19-06-2019 Fisioterapia
24-06-2019 Fisioterapia
26-06-2019 Fisioterapia
28-06-2019 Fisioterapia
01-07-2019 Fisioterapia
03-07-2019 Fisioterapia
05-07-2019 Fisioterapia
08-07-2019 Fisioterapia
10-07-2019 Fisioterapia
11-07-2019 Fisioterapia
12-07-2019 Fisioterapia
23-07-2019 Fisioterapia
24-07-2019 Fisioterapia
25-07-2019 Fisioterapia
26-07-2019 Fisioterapia
29-07-2019 Fisioterapia
30-07-2019 Fisioterapia
31-07-2019 Fisioterapia
01-08-2019 Fisioterapia
02-08-2019 Fisioterapia
06-08-2019 Fisioterapia
07-08-2019 Fisioterapia
08-08-2019 Fisioterapia
09-08-2019 Fisioterapia
12-08-2019 Fisioterapia
13-08-2019 Fisioterapia
14-08-2019 Fisioterapia
16-08-2019 Fisioterapia
19-08-2019 Fisioterapia
20-08-2019 Fisioterapia
21-08-2019 Fisioterapia
22-08-2019 Posto Médico + Fisioterapia
23-08-2019 Fisioterapia
27-08-2019 Fisioterapia
28-08-2019 Fisioterapia
29-08-2019 Fisioterapia
30-08-2019 Fisioterapia
02-09-2019 Consulta Hospital ... (manhã) +Fisioterapia (tarde)
05-09-2019 Fisioterapia
06-09-2019 Fisioterapia
09-09-2019 Fisioterapia
10-09-2019 Fisioterapia + Posto Médico
11-09-2019 Fisioterapia
12-09-2019 Fisioterapia
13-09-2019 Fisioterapia
16-09-2019 Fisioterapia
17-09-2019 Consulta Posto Médico (Manhã) + Fisioterapia
18-09-2019 Junta Médica (Manhã) + Fisioterapia
19-09-2019 Fisioterapia
20-09-2019 Fisioterapia 1º
23-09-2019 Fisioterapia
24-09-2019 Posto Médico (Declaração Trabalho)
25-09-2019 Fisioterapia
30-09-2019 Fisioterapia
02-10-2019 Fisioterapia
03-10-2019 Consulta Ortopedia
04-10-2019 Fisioterapia
07-10-2019 Fisioterapia
60. Os tratamentos foram realizados por:
Fractura rádio distal direita;
Fractura/luxação de lisfranc esquerda e luxação IFP 4° dedo mão esquerda submetido a Cirúrgia de Osteossíntese a 03-01 sem intercorrências;
61. Os tratamentos de fisioterapia consistiam na aplicação dos seguintes métodos:
Técnicas especiais de cinesiterapia;
Cinesiterapia correctiva postural;
Parafinoterapia;
Fortalecimento muscular/mobilização articular.
62. Os referidos tratamentos incidiam sobre as zonas lesionadas e eram particularmente dolorosos para o autor.
63. Em 24 de Junho de 2019, foi elaborado relatório clínico emitido pelo médico fisiatra, cujo teor corresponde ao referido no documento nº 5 que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
64. Tendo sido prescrito a continuação dos tratamentos de fisioterapia.
65. Foi elaborado novo relatório de avaliação em que se refere que o autor, embora lentamente, se encontrava a reagir bem aos tratamentos de fisioterapia, nos precisos termos que melhor se mostram consignados no Doc. 5-A e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
66. O autor mantinha muitas queixas ao nível do tornozelo e do pé esquerdo, e ainda grande limitação da articulação dos dedos e dos punhos, ingerindo medicação analgésica e anti-inflamatória, em SOS e quando sentia muitas dores;
67. Na sua casa de habitação, o Autor fazia, ainda, movimentos tendentes à recuperação funcional e refortalecimento muscular.
68. O autor foi visto nos serviços clínicos da Ré nos dias 9 de Maio, 4 de Julho, 5 de Setembro e 17 de outubro de 2019.
69. Na consulta de 4 de julho, foi elaborado o relatório, contendo a situação clínica do autor e cujo teor do mesmo se dá aqui por integralmente por reproduzida.
70. Nas consultas seguintes verificou-se que a situação clínica ainda não se encontrava definitivamente consolidada, até porque se ponderava nova cirurgia - para extracção do material de osteossíntese – a avaliar na consulta de ortopedia no Hospital ... em 12 de Janeiro de 2020.
71. Na consulta de 5 de Setembro, foi emitido o relatório junto cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
72. De acordo com a prescrição médica do centro de saúde, o autor reiniciou funções profissionais no dia 1 de Outubro de 2019, a título condicional, devido às limitações físicas que apresentava, com muito custo e sacrifício face às dores sentidas.
73. Na consulta de 17.10.2019, foi emitido relatório cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
74. O autor realizou uma avaliação clínica marcada para o dia 12 de Janeiro de 2020, no Hospital ..., no sentido de avaliar nova cirúrgia – extracção do material de osteossíntese – e continuação dos tratamentos de fisioterapia.
75. Antes do sinistro, o autor era uma pessoa saudável, ágil, forte e robusta e nunca sofreu qualquer outro acidente de trânsito, enfermidade, aleijão, deformidade, insuficiência, incapacidade ou limitação da sua capacidade laboral ou de utilização do seu corpo.
76. O Autor sente inibição, não podendo fruir e gozar a vida como fazia até então, encontrando-se irremediavelmente atingido na sua saúde, capacidade de ter prazer, tranquilidade e bem-estar consigo mesmo.
77. O autor padece de uma grande ansiedade, com fortes sentimentos de profunda menos valia e descontrolo impulsivo de pendor agressivo.
78. Antes do acidente o autor era uma pessoa alegre, bem disposta, sem quaisquer preconceitos, mas actualmente é uma pessoa abalada psicologicamente, impaciente, com o sistema nervoso alterado e revoltado com a situação que lhe foi criada pelo acidente.
79. Lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes, o que naturalmente o perturba e desgosta.
80. O autor sente uma acentuada diminuição da sua auto-estima com a consequente frustração de deixar de ter uma vida normal como vinha tendo.
81. À data do acidente, o autor tinha 42 anos de idade, pois nasceu no dia 24 de agosto de 1976, sendo uma pessoa ainda jovem e que, na altura do sinistro ainda estava em pleno período de afirmação da sua personalidade que viu a sua alegria de viver quebrada.
82. O Autor, à data da ocorrência do acidente de viação, exercia funções de promotor de vendas na sociedade D..., Lda., auferindo um vencimento base de 1.100,00 EUROS e um cartão de refeição mensal no valor de 226.60 euros.
83. O autor recebia, igualmente, de 4 em 4 meses, um valor de 1.200,00 euros, a título de prémio por objetivos, mas que não era mais do que um complemento à retribuição, pois o autor sempre recebeu esta importância, perfazendo um montante médio mensal de 1.400,00 euros.
84. Por força das sequelas que lhe advieram das lesões contraídas no acidente, o autor manteve-se numa situação de Incapacidade Temporária Absoluta quer para o seu trabalho habitual, quer para todo e qualquer trabalho, desde a data do acidente até 1 de Outubro de 2019.
85. Durante esse período, o autor recebeu as seguintes importâncias da Segurança Social:
MESES
Segurança Social
Janeiro
Fevereiro
Março
Acumulado de meses anteriores
2 761,80
Abril
952,50
Maio
952,50
Junho
952,50
952,50
Julho
Agosto
952,50
Setembro
952,50
Outubro
Novembro
Dezembro
8.476,80
Total
8.476,80
86. O autor em perdas salariais sofreu uma perda de 4.123,20 euros, reportado a 1 de Outubro de 2019, correspondente à diferença entre aquilo que receberia se estivesse a trabalhar e o que recebe da Segurança Social (12.600,00 euros - € 8.476,80).
87. Em consequência do sinistro, o autor viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário e objectos de uso pessoal, que usava na altura do acidente e com o seguinte valor total de 1.675,74 euros.
88. O autor despendeu nas deslocações para as consultas e para os tratamentos de fisioterapia e consultas externas, uma importância não inferior a € 500,00, tendo em conta o desgaste da viatura e o combustível.
89. Suportou, ainda, a quantia de € 92,25, em despesas de aparcamento aquando das deslocações às consultas.
90. O autor teve as seguintes despesas médicas e medicamentosas, no valor total de € 774,80, nomeadamente com as despesas médicas e medicamentosas, tratamentos de enfermagem e fisioterapia de € 667,70; o custo de aquisição de uma Bota Walker para o pé esquerdo, conforme prescrição médica: € 77,10.
91. Acontece que o Autor viu danificado o seu motociclo ainda em consequência do sinistro que havia adquirido, em 23 de Maio de 2015, em Espanha, a DD, seu anterior proprietário que posteriormente legalizou.
92. No entanto, a partir da compra do veículo, foi o autor que o conduziu e o utilizou diariamente, e em proveito próprio, recolhendo-o no local da sua residência, o que sempre fez à vista de toda a gente e sem oposição de qualquer pessoa ou entidade;
93. Foi o autor que sempre fez as revisões ao veículo e que o lavava e tratava do seu estado, suportando os respectivos custos.
94. De forma continuada, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ininterrupta, com a intenção e convicção de que o veículo lhe pertencia.
95. Foi o aqui Autor que outorgou o contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório para o motociclo aqui em causa.
96. A Ré no âmbito das averiguações efectuadas teve conhecimento dos factos descritos em 3, 94 a 98.
97. A Ré comunicou ao autor, e no seguimento da peritagem realizada em 20.02.2019, ao veículo acima indicado que os serviços técnicos (B..., S.A.) concluíram que face aos danos estimados em € 12 142.95 e susceptíveis de agravamento após desmontagens, se impunha a respetiva regularização como perda total.
98. O valor do salvado era de € 606,00.
99. O autor aceitou a perda total traduzida na inviabilidade da reparação, mas discordou do valor atribuído pela Ré ao veículo à data do acidente.
100. O valor de mercado da mota do autor, atendendo a que estava em óptimo estado de conservação à data do acidente era de 8.000,00 euros e com um extra, no caso concreto, um cano de escape: 1.737,00 euros.
101. O prejuízo sofrido pelo Autor pela perda total do motociclo corresponde a € 7.394,00.
102. O autor viu também danificado o telemóvel que tinha à data do acidente, cuja
Da ampliação do pedido – articulado superveniente de fls 144 e seguintes dos autos:
103. Por indicação médica e por via das lesões e sequelas derivadas do acidente, o autor no dia 1 de Julho de 2020, foi submetido a uma intervenção cirúrgica no Hospital ..., na cidade do ..., com a finalidade de proceder à extracção de material osteossíntese do tarso esquerdo.
104. O autor teve alta clínica nesse mesmo dia e regressou a casa com o pé ligado e com a indicação que o não poderia colocar no chão.
105. Nos primeiros quinze dias do pós-operatório, o autor deambulava com duas canadianas e sem por o pé esquerdo no chão.
106. Passados esses quinze dias, o autor passou a deambular com apenas uma canadiana até ao dia em que teve alta médica – 31 de Julho de 2020.
107. Durante o período de baixa o autor sofreu muitas dores que o impossibilitavam de se locomover, mesmo com canadianas.
108. Decorrente da intervenção cirúrgica do dia 1 de Julho, o autor esteve com uma incapacidade temporária para o trabalho de 1 a 31 de Julho de 2020.
109. O autor tem direito a reclamar da ré a quantia de € 339,62, referente a perdas salariais do mês de Julho de 2020 porquanto auferiu da Segurança Social € 1.060,38.
110. Após a alta hospitalar e ainda por indicação clínica o Autor fez tratamentos de enfermagem no Centro de Saúde ..., nos dias 03.07.2020, 07.07.2020 e 10.07.2020, 15.07.2020 e 07.08.2020.
111. Igualmente, por prescrição médica efectuou nove tratamentos de fisioterapia na C..., tendo despendido a quantia de 47,70 €.
112. Em 7 de Agosto de 2020, o autor deslocou-se ao Hospital ..., na cidade do ..., tendo o referido clínico prescrito a continuação dos tratamentos de fisioterapia.
113. Nas referidas deslocações que efectuou para a cirurgia e tratamentos, atento o combustível e o desgaste do carro, o autor suportou uma quantia não inferior a € 100,00.
Do incidente de liquidação e ampliação do pedido (fls. 263 e seguintes):
114. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30.07.2020, conforme atribuição feita no exame médico-pericial realizado a 27.09.2021.
115. O autor ficou a padecer de um défice funcional temporário total (anterior Incapacidade Temporária Geral Total), compreendido entre 23.12.2018 a 04.01.2019 entre 01.07.2020 e 03.07.2020, sendo fixável num período de 16 dias.
116. O Défice Funcional Temporário Parcial (anterior Incapacidade Temporária Geral Parcial situado entre 05.01.2019 e 30.06.2020, entre 04.07.2020 e 30.07.2020, sendo fixável num período de 570 dias.
117. O período de Repercussão Temporária na actividade Profissional Total (anterior Incapacidade Temporária Profissional Total) correspondente aos períodos de internamento e ou de repouso absoluto entre outros situados entre 23.12.2018 e 27.09.2019, entre 01.07.2020 e 30.07.2020 fixável num período total de 309 dias.
118. O período de Repercussão Temporária na actividade Profissional Parcial (anterior Incapacidade Temporária Profissional Parcial) situado entre 28.09.2019 e 30.06.2020, sendo fixável num período de 277 dias.
119. O Quantum doloris é fixável em grau 5, em escala de 7 de gravidade.
120. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 16 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro perspectivado em função do tipo de fracturas e lesões de envolvimento articular e com potencial futuro de artrose acelerada pós-traumática das articulações atingidas: IFP do 4º dedo da mão esquerda, articulações tarso-metatarso.
121. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforço suplementar.
122. O dano estético permanente foi fixado no grau 4, numa escala de 7 graus, atendendo às múltiplas cicatrizes distróficas e à claudicação da marcha que a par das limitações funcionais lhe causaram e causam um profundo desgosto e sofrimento.
123. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7.
124. A repercussão permanente na actividade sexual não valorizada, tendo ainda sido entendido não haver necessidades futuras de fisioterapia e analgesia de forma permanente, embora possa beneficiar de analgesia em SOS e tratamentos de fisioterapia de manutenção em situações de agudização ou regressão, cuja regularidade e tipologia deverá ser definida pelo médico assistente consoante a evolução clínica.
125. O valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectarem o autor em termos de autonomia e independência, mas sendo causa de sofrimento físico, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos.
126. A repercussão permanente na actividade profissional foi apurado que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade normal, mas implicam esforços suplementares
127. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, por considerar que o autor está impedido e ou muito limitado da prática de algumas actividades físicas atrás e que faria com regularidade.
128. No exame realizado em 21.01.2021, o Autor apresentava queixas ao nível funcional, quanto à postura, deslocamento e transferências nomeadamente as resultantes das dificuldades acrescidas em permanecer na posição de pé por longos períodos, dificuldade em iniciar a marcha depois de longos períodos de imobilização, claudicação ligeira à esquerda, mais evidente na marcha continuada, ao subir/descer escadas e/ou na marcha em pisos irregulares, dificuldades acrescidas ao acocorar-se.
129. Ao nível da manipulação e preensão apresenta défice acentuado de força de preensão e capacidade de manipulação com a mão direita, pinça fina ineficaz com dificuldade em pegar em pequenos objectos, não encerra completamente os dedos da mão esquerda (D2, D3 e D4).
130. Apresenta fenómenos dolorosos ao nível da dor do pé esquerdo (++), dor ligeira no punho direito, dor na preensão com a mão esquerda, nomeadamente ao bater com os dedos e edema moderado no pé esquerdo e de tonalidade cianosa designadamente após extracção de material.
131. Nos actos da vida diária revela dificuldades acrescidas em todas as actividades e gestos da vida diária que obrigam a usar a mão esquerda, nomeadamente, no uso de talheres, apertar botões, abrir manípulos das portas.
132. Tem dificuldades acrescidas na condução da moto, decorrente da dificuldade em usar a embraiagem, vendo-se ainda limitado na condução do carro no uso repetido da embraiagem durante viagens longas ou circuitos citadinos.
133. O autor deixou praticamente de andar de mota aos Domingos de manhã precisamente por ter dificuldade no uso da embraiagem.
134. O autor era praticante de artes marciais, designadamente, karaté e Krav Maga e teve que abandonar essas práticas;
135. O autor fazia ainda corrida e natação, estando agora mais limitado no exercício dessas actividades desportivas.
136. O autor em termos profissionais tem dificuldades acrescidas no ortostatismo, bipedestração prolongada, não consegue usar a pistola de pintura com a mão esquerda referindo dores intensas em edema vespertino, após longos períodos de pé ou depois de estar numa posição muito tempo.
137. O autor é dextro e apresenta marcha claudicante, mais marcada nos primeiros movimentos após ter estado muito parado e sem recurso a ajudas técnicas.
*
138. Na fase extrajudicial e na sequência das averiguações feitas pela Ré tendentes a apurar as responsabilidades no sinistro, informou o Autor por escrito a impossibilidade de determinar a culpabilidade de qualquer um dos condutores intervenientes.
Mais resultou provado:
139. No entretanto, o autor já adquiriu outro motociclo.
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2.2 Factos não provados.
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
A) Da petição inicial: 36 e 37 conclusivos; 40; 41; 139; 141; 177; 178, 179; 183.
B) Contestação: 3; 5; 6; 7 conclusivo; 8; 10; 11; 12.
C) Resposta: todos os demais alegados que não estão acima dados como provados.
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2.3 Convicção do Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção, nos seguintes termos:
“A convicção do Tribunal quanto aos factos acima provados e não provados resultou fundamentalmente da análise crítica conforme as regras da experiência comum e os juízos de normalidade dos elementos documentais que se mostram juntos aos autos e que foram conjugados com as declarações do autor e os depoimentos produzidos nas sessões da audiência de julgamento realizadas.
Relativamente às circunstâncias em que ocorreu o acidente, os factos acima provados com os nºs. 1 a 23, maioritariamente todos referentes às características da via de trânsito onde ocorreu o sinistro, aos veículos que circulavam nas aludidas circunstâncias de tempo, lugar e modo, o sentido da marcha dos mesmos e, por último, à dinâmica em que ocorreu o acidente de trânsito em apreço, designadamente, o constante da Participação de Acidente de Viação que se junta como Doc. 1 que foi completado, esclarecido e clarificado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas EE, FF, GG, HH todas presenciais do sinistro. Porquanto, algumas das referidas testemunhas integravam o grupo de motociclistas que circulava com o autor, estando na rectaguarda deste e ainda o automobilista que seguia imediatamente atrás da viatura AI (Volkswagen ...), sem excepção, todos de forma unânime, lógica, congruente e assertiva clarificaram as respectivas posições de cada um deles relativamente à localização do autor; a manobra de ultrapassagem que estava a realizar; a sua velocidade aproximada de circulação acima dos 110km/h, mas excedendo o limite legal previsto para aquela via; a manobra repentina, inopinada e não sinalizada realizada pelo condutor da viatura AI (Volkswagen ...) e que deu origem à colisão entre o motociclo e a traseira do lado direito daquela viatura não obstante, a manobra de recurso efectuada pelo autor, guinando para a direita na tentativa de evitar a colisão, por já não haver possibilidade travar.
Importa referir que todos, sem excepção, afirmaram que a colisão ocorre na faixa de circulação da esquerda e que o autor e o motociclo após o embate foram projectados, tendo andado a zorro aproximadamente 15 metros, inclusivamente o motociclo acabou ainda por bater nas costas do autor.
No entanto, foi absolutamente notório que a testemunha BB, na qualidade de condutor do AI assumiu uma postura defensiva, evasiva e pouco esclarecedora quanto às circunstâncias do sinistro em que esteve envolvido. Claramente, não se quis comprometer com um relato que pudesse esclarecer as circunstâncias em que o sinistro ocorreu, tendo sido um depoimento obscuro, displicente na descrição da manobra que realizou, o local da colisão da faixa de rodagem. Inclusivamente foi inverosímil na descrição que realizou sobre a percepção que teve enquanto condutor e ocupante da viatura AI após ter ocorrido a colisão, por referência ao local onde em segurança acabou por imobilizar a mesma.
Porém, a primeira das supracitadas testemunhas, EE foi assertivo e espontâneo ao admitir que o condutor da viatura AI não tivesse visto o autor a realizar a manobra de ultrapassagem, quando decidiu mudar de faixa de rodagem, atenta a forma como esta manobra foi iniciada e, por conseguinte, realizada.
Importa igualmente salientar que no relatório pericial elaborado pelo gabinete médico legal se refere que o autor, quando entrou no Serviço de Urgência do Hospital ..., está descrito um acidente de viação de alta velocidade com projecção - acidente de moto de elevada cinética.
Ora, da análise e ponderação crítica daquilo que foi declarado pelas testemunhas presenciais resultou que a viatura AI ao ter mudado de forma inopinada, repentina e sem sinalizar a manobra que se materializou na saída da faixa da direita para passar a circular na da esquerda, pretendendo ultrapassar um outro ligeiro que circulava na sua dianteira, não tendo o cuidado e a atenção de antes de iniciar esta manobra se certificar que a podia executar de forma segura, fez com que o Autor, em acto reflexo, por já não ter tempo de reacção para travar, em alternativa, tivesse guinado para a direita, sem contudo com esta lograr evitar a colisão. Mas, atendendo que o autor circulava na faixa da esquerda que se encontrava limpa e desimpedida de carros em circulação, estando embalado, na manobra de ultrapassagem que executava e contrariamente ao veículo AI apesar de ter tentado evitar o embate com aquela viatura não o conseguiu fazer, tendo colidido com o corpo – ombro e o tronco - no canto direito da traseira do AI.
E, nessa sequência foi projectado, tendo-se deslocado aproximadamente 15 metros, de zorro desde o local de colisão até ter ficado imobilizado, como se pode comprovar do equipamento e demais acessórios que o autor tinha consigo nas aludidas circunstâncias de tempo e de lugar.
Quanto ao local da colisão e, pese embora, o guarda da Brigada de Trânsito que foi ouvido e que nas aludidas circunstâncias esteve no local do sinistro ter afirmado que o local indicado no croquis resulta do facto de ter verificado a existência de vidros no pavimento, atendendo ao tipo de movimento das viaturas intervenientes e as velocidades de aproximadas de circulação, temos por seguro que a colisão ocorre já na faixa da esquerda próximo do eixo da via porque só assim se compreende que o motociclo embalado pela manobra que efectuava tivesse em acto reflexo guinado para a direita.
Note-se que do relatório pericial com absoluta certeza e segurança podemos concluir que as lesões que o autor apresentava são compatíveis com o sinistro e a forma como o mesmo ocorreu, tendo a recuperação das mesmas sido longa sensivelmente mais de 1 ano e sete meses até há data da consolidação (30.07.2020), com várias intervenções cirúrgicas realizadas, numa primeira fase, para tratar as fracturas e as posteriores para extracção de material colocado placas, arames e para outros procedimentos necessários.
Os tratamentos e sessões de fisioterapia foram prolongados, numerosos e dolorosos, tendo em conta as áreas intervencionadas e a necessidade de recuperação funcional que as mesmas demandavam, por referência às lesões sofridas.
O autor teve que andar de cadeira de rodas porque tinha ambas as mãos engessadas assim como o pé esquerdo, necessitando sempre de apoio e ajuda de terceira pessoa para comer, fazer a sua higiene pessoal, etc. A perda de autonomia e independência foi objectiva durante o longo período de recuperação.
Apesar de ter andado de canadianas durante sensivelmente 5 meses, na actualidade, como resulta do relatório pericial já não necessita de qualquer apoio técnico.
É de realçar que o autor após a colisão nunca perdeu a consciência, tendo-se inclusivamente tentado levantar quando ficou imobilizado no meio da faixa de rodagem.
As viaturas intervenientes no sinistro ficaram com os danos que se mostram descritos no relatório do B... e que são igualmente visíveis nas fotografias, designadamente, o estado final em que ficou o motociclo e o equipamento do autor.
Em termos de velocidade de circulação do motociclo – tendo em conta a descrição que consta do relatório pericial do acidente de viação a alta velocidade com projecção – tendo em conta que as viaturas intervenientes circulavam ambas na Auto-Estrada ..., onde necessariamente a velocidade média de circulação de qualquer viatura, em regra, está acima dos 100km/h, não obstante, o limite máximo de circulação de 120km/h.
Da prova produzida e contrariamente àquilo que a ré pretendeu demonstrar, nenhuma evidência resultou que o autor circulasse a uma velocidade superior ao limite legal estabelecido naquela via de trânsito. Todavia, temos que admitir que a velocidade de circulação do autor era objectivamente superior às velocidades das demais viaturas que se deslocavam pela faixa da direita precisamente porque estava a realizar uma manobra de ultrapassagem, não sendo de desconsiderar o facto de ser um Domingo de manhã e, em regra, há menos viaturas a circular na ... e, por isso, damos por seguro que seria bastante próxima do limite de velocidade daquela via de trânsito, a velocidade de circulação do autor.
Acresce referir que a transferência da responsabilidade de circulação da viatura AI, por via da apólice de seguros existente resultou demonstrada através do respectivo documento junto aos autos e ainda do facto provado em 24.
Relativamente aos danos materiais alegados e relativos à perda total do motociclo para além de se ter considerado o relatório do B... que foi junto no decurso da audiência final e que nenhuma dúvida levantou, mas cuja relevância foi essencial para serem dados como provados os factos provados em 87 a 90 e 97 a 102.
Pese embora, de ter ficado demonstrado que o autor retomou o seu trabalho em 10 de Outubro de 2019, as perdas salariais verificadas entre a data do sinistro e aquele data resultaram da conjugação das declarações do autor, da sua mulher que completaram os documentos juntos, conforme resultou demonstrado nos factos 91 a 96.
Os danos não patrimoniais provados designadamente dos factos correspondentes aos nº. 28 a 34, 76, 77, 79, 80 e 107 assumem relevância necessariamente decorrente da circunstância do autor nunca ter perdido a consciência são compatíveis, consentâneos e lógicos com a forma como ocorreu o sinistro, ou seja, o autor foi surpreendido pela verificação da supracitada manobra de ultrapassagem e ainda com as sequelas e os procedimentos cirúrgicos que tiveram que ser realizados.
Para a prova do alegado dano biológico foram relevantes para a demonstração das lesões - tipo, extensão, zonas do corpo afectadas, incapacidade funcional, sequelas e sua evolução e ou consolidação e potencialidade de ganho, tendo-se dado como provados os factos constantes nos pontos nº.s 34, 35 a 86, 89, 114 a 137, que resultaram da conjugação dos relatórios e informações clínicas, com os relatórios periciais efectuados na sequência dos exames pessoais realizados à pessoa do autor, tendo sido verificável que o autor ficou com os membros superior e inferior esquerdos afectado em zonas que directamente estão relacionadas com a autonomia, locomoção e manuseamento de todo o tipo de objetos, sendo de salientar que na mão esquerda para recuperar da fractura dos dedos teve que colocar arames, fazer algumas intervenções cirúrgicas, colocar talas, gesso, fazer fisioterapia de recuperação de movimentos, findos os quais nas datas em que os exames periciais foram efectuados, o autor deixou de poder fazer movimentos simples como fechar o punho ou realizar o movimento de preensão.
Por outro lado, o tornozelo esquerdo sofreu uma fractura avulsiva, continuativa da vertente antero-medial de cuneiforme medial, com envolvimento da superfície articulare sub-luxação medial associadamente verificasse também fractura avulsiva da vertente plantar da base do 2ª. metatarsiano, aspectos em relação com fractura de Lisfranc. Referem-se ainda fracturas na vertente anterior do cuneiforme intermédio, sem significativo desalinhamento, na base do cuneiforme lateral, na vertente posterior da base do 3º. Metatarsiano, transversal do calcâneo envolvendo o seu componente anterior com atingimento da superfície articular do cuboide e transmetafiária distal do 2º. Metatarsiano.
Nesta parte foram essenciais, as declarações do autor, da sua mulher e dos amigos que o visitavam esporadicamente.
Também, lograram ficar amplamente demonstrados e provados os tratamentos, exames, os cuidados médicos nomeadamente de fisioterapia prestados os respectivos locais, datas; as deslocações ao hospital para consulta, exames, avaliações, intervenções cirúrgicas, etc. como resulta dos factos provados nºs. 37 a 40, 41 e seguintes, mas nesta parte, em virtude dos termos da impugnação foram complementados com os documentos juntos pelo autor que mereceram total credibilidade do Tribunal foram positivamente valorados.
Neste preciso ponto note-se que a recuperação das lesões foi demorada no tempo, tendo o autor logrado provar que realizou sessões de fisioterapia prolongadas para recuperar alguns movimentos, no entanto, a mão esquerda ainda mantém fortes limitações que o impedem designadamente de conseguir fechar a mão.
Na actualidade, o autor na marcha ainda apresenta claudicação.
Também, os tratamentos a que o autor foi submetido durante os referidos 10 meses foram intensos e implicaram uma dose de dor significativa porque, numa primeira fase teve que colocar arames pois dois dos dedos da mão esquerda ficaram tortos, situação que envergonha o autor.
Por sua vez, os factos provados em 32 a 35, 36, 37, 49 e 51que resultaram da conjugação do teor do relatório pericial elaborado após a realização do exame médico de avaliação do dano corporal à pessoa do autor de fls. 104 verso a 109 com os demais documentos juntos aos autos 26 a 75 que traduzem de forma credível todos os tratamentos, exames e que necessariamente determinaram as deslocações do autor a esses estabelecimentos e instituições hospitalares. Destes destacam-se os de fls. 30 verso a 35 verso, por serem referentes aos cuidados prestados na sequência do acidente e, por isso, reveladores do estado e extensão das lesões corporais sofridas.
Concretamente, quanto à indemnização pedida pela paralisação do motociclo, sem desconsiderar que o autor teve efectivamente este prejuízo e que o mesmo é devido, o certo é que ficou demonstrado dos depoimentos da mulher do autor, II e do amigo JJ que, entretanto, o autor adquiriu um novo motociclo, mas a data não foi apurada. E, por isso, entendemos que o valor da indemnização pedida não pode ser considerada na sua totalidade, devendo por ser adequado e proporcional ser contabilizado apenas o período que decorreu entre o acidente e a data em que aquele foi avaliada e se concluiu pela perda total do mesmo.
Por último, acresce referir que o autor irá ficar com sequelas das lesões, nomeadamente, artroses, ligeira claudicação e problemas de manipulação e preensão ao nível da mão esquerda.
*
Os factos acima indicados como não provados, no essencial, resultaram da total ausência de produção de prova por ambas as partes, sendo de realçar que, no caso concreto, a ré não logrou demonstrar que o sinistro ocorreu da faixa de rodagem da direita e que a velocidade de circulação do autor fosse superior a 120km/h.
*
Em síntese, ponderados os depoimentos produzidos conjugando-os com os supracitados elementos documentais, sem quaisquer dúvidas, podemos concluir que o autor logrou produzir a prova necessária que lhe competia. Porquanto, logrou demonstrar que nas supracitadas circunstâncias de tempo lugar e de modo o sinistro ocorreu na sequência de uma manobra de ultrapassagem não sinalizada, precipitada e imprudente do condutor da viatura AI segurado na Ré.
Aliás, foi notório como acima se referiu que o depoimento deste condutor foi genérico, evasivo e nada espontâneo.
Os danos materiais decorrentes com a perda do fato; botas, luvas, telemóveis, as despesas com as deslocações para tratamentos, aparcamento, despesas médicas e medicamentosas, tratamentos, perdas salariais até 1 de Outubro de 2019, com a perda total do motociclo, a reparação do telemóvel e combustíveis, resultaram demonstradas com base nos comprovativos apresentados que não obstante a impugnação, não ofereceram quaisquer dúvidas quanto às transacções que os mesmos visavam comprovar porquanto foram integralmente confirmados pela mulher do autor, II e pelo próprio AA.
No entanto, mostra-se controvertido o montante de paralisação pedido porquanto deu-se como provada a circunstância de, no entretanto, em virtude da aquisição de um novo motociclo os fundamentos daquela indemnização perderam contemporaneidade. Pelo que em termos de período a indemnizar serão somente considerados os dias entre a data do acidente e a data de realização da peritagem ao motociclo.
O dano biológico resultou demonstrado e devidamente fundamentado pelos exames e subsequentes relatórios periciais juntos confirmativos dos restantes relatórios que já haviam sido anteriormente juntos pelo autor e que foram dando conta da evolução das lesões que resultaram do acidente, os tratamentos e as intervenções cirúrgicas efectuadas e, bem assim, as sequelas e a evolução das mesmas. Sendo pois de concluir que, em conformidade com o alegado, o autor logrou demonstrar com suficiente clareza e certeza que as lesões sofridas e a sua extensão assumem gravidade, tendo a expressão que melhor se mostra descrita no relatório pericial e são relevantes no normal desempenho das tarefas normais pois que afectam o tornozelo do pé esquerdo e ainda os dedos da mão e antebraço.
Finalmente, os danos não patrimoniais nomeadamente em termos de ampliação, embora, sejam justificados irão naturalmente merecer o ajustamento que infra referido.
Por conseguinte, impõe-se agora apreciar e decidir da justeza e adequação das quantias peticionadas por indemnização/compensação pelos danos sofridos.
Ficaram concretamente provados, os termos e modo como a capacidade laboral do autor ficou afectada, tendo em conta o grau de robutez física - resistência, força e capacidade de precisão - exigidas pela actividade de marcenaria, nomeadamente, na fabricação das peças de madeira.
Também, ao nível da diminuição da capacidade funcional do autor ficou o Tribunal convencido de forma segura que o autor após o acidente e devido às áreas do corpo lesionadas - mão esquerda, punho e antebraço direito, tornozelo e pé esquerdo - passou a ter de fazer um maior esforço e sacrifício para executar tarefas diárias e profissionais que anteriormente fazia de forma espontânea e rápida. Este esforço suplementar claramente destaca e evidencia a inferioridade física que o autor passou a ter após o referido acidente, provocando-lhe as alterações que alega sentir, nomeadamente, deixou de poder ser responsável por uma área comercial tão extensa pois não aguenta conduzir e estar de pé longas horas, na marcha claudica ligeiramente, na mão esquerda perdeu capacidade de preensão dos dedos, sendo incapaz de fechar completamente os dedos, estando por isso fisicamente limitado e incapaz de fazer esforços prolongados e de executar as tarefas habituais.
Contudo, é nas actividades básicas diárias e pessoais que o autor mais sentiu e sente as suas limitações pese embora entre a data do acidente e a data em que foi realizada a avaliação corporal, vidé relatório pericial, tivessem sido alcançados alguns progressos nomeadamente na reabilitação das áreas do corpo afectadas pelas lesões como resulta estar evidenciado pela comparação entre os vários relatórios e o relatório pericial.
Do acima exposto, concluímos pela procedência parcial da presente acção, nos termos de direito que infra passamos a expor.”
*
3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:

- Do recurso interposto pela ré:
- da eliminação dos factos conclusivos;
- da responsabilidade pela ocorrência do acidente;
- da quantificação do dano biológico;
- da quantificação dos danos não patrimoniais.

- Do recurso interposto pelo autor:
- da quantificação do dano de privação do veículo;
- da quantificação dos danos não patrimoniais.

4. Conhecendo do mérito dos recursos interpostos pela ré e pelo autor
4.1 Da eliminação de factos conclusivos
Invoca a ré/apelante que os factos constantes dos pontos 17 (apenas quando refere «inesperada e inadvertidamente»), 18 (quando refere «por isso»), 21, 22 e 23 encerram matéria conclusiva devendo, como tal, e por legalmente inadmissíveis, ser eliminados.
Consta dos pontos 17 e 18 que:
“17. Quando o motociclo se encontrava em plena manobra de ultrapassagem e a uma distância não superior a 15 metros do veículo AI, inesperada e inadvertidamente, o condutor deste resolve efetuar uma manobra de ultrapassagem a um veículo que se encontrava à sua frente, sem efectuar qualquer sinalização prévia nesse sentido, mormente o sinal luminoso pisca-pisca, nem cuidar de verificar se nesse momento se encontrava a ser ultrapassado.
18. Invadindo, por via disso, o corredor de circulação da esquerda por onde já circulava o motociclo, obstruindo o seu sentido de marcha.”
Consta, ainda, dos factos constantes dos pontos 21, 22 e 23 que:
“21. E deveu-se ao comportamento culposo do condutor do veículo AI, que ao efectuar uma manobra de ultrapassagem sem constatar que nesse momento se encontrava a ser ultrapassado e ao efectuar a referida manobra transposição sem sinalizar previamente essa manobra, praticou uma condução imprudente e irresponsável, contribuindo de forma decisiva e exclusiva para a produção do sinistro.
22. O desrespeito pelas regras relativas à manobra de ultrapassagem, bem como pelos deveres gerais de diligência e cuidado consubstancia acto ilícito que foi causal do sinistro.
23. Agiu assim o condutor do veículo AI culposamente na medida em que, iniciou a manobra de ultrapassagem sem atender ao veículo que circulava atrás de si e que já havia iniciado a manobra de ultrapassagem ao seu veículo e sem antecipadamente sinalizar essa manobra.”
Cumpre apreciar e decidir
Como é consabido não é linear traçar uma linha divisória entre facto e direito, impondo-se agir, nesta matéria, com cautela e circunspeção.
Como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270, “(…) a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”.
Salienta-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2007, in www.dgsi.pt., “torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos.
Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”.
A este respeito afirmou, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa, in Anotação ao Acórdão do STJ de 28/9/2017, processo n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1, Blog IPPC, Jurisprudência 784:
“Lembre-se, a este propósito, que, enquanto no CPC/1961 se selecionavam, no modo interrogativo (primeiro no questionário e depois da base instrutória), factos carecidos de prova, hoje enunciam-se, no modo afirmativo, temas da prova (cf. art. 596.º CPC). Tal como estes temas não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra (…)
A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. Por exemplo: se o tribunal disser que a parte atuou com dolo, porque, de acordo com o depoimento de várias testemunhas, ficou provado que essa parte gizou um plano para enganar a parte contrária, não se percebe por que motivo isso há-de afetar a prova deste plano ardiloso (nem também por que razão a qualificação do plano como ardiloso há-de afetar a sua prova). O exemplo acabado de referir também permite contrariar uma ideia comum, mas incorreta: a de que factos juridicamente qualificados não podem constituir objeto de prova. A ideia é, efetivamente, incorreta, porque cabe perguntar como é que sem a prova do dolo (através dos respetivos factos probatórios) se pode aplicar, por exemplo, o disposto no art. 483.º, n.º 1, CC quanto à responsabilidade por facto ilícito. É claro que o preceito só pode ser aplicado se, no caso de o dolo ser um facto controvertido, houver prova desse facto. Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objeto da prova. A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto”.
Mas mesmo sem ir tão longe e admitindo que o Tribunal possa excluir factos genuinamente conclusivos, importa ter em conta o referido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 13/11/2007, atrás citado.
No seguimento do exposto, defendemos que os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum.
No caso em apreço, entendemos que as expressões constantes do ponto 17 (quando refere «inesperada e inadvertidamente») e do ponto 18 (quando refere «por isso») foram utilizadas no seu sentido corrente.
Por essa razão, embora se reconheça que não corresponde à melhor técnica jurídica a inclusão de tais expressões nos factos provados, no referido circunstancialismo, não merece reparo a sua utilização. Com efeito, os referidos factos, mesmo com uma componente conclusiva, têm ainda um substracto relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa.
Na realidade, não pode considerado conclusivo todo o facto que é genérico, insuficientemente alegado ou “tendencioso”. Tal entendimento do que seja um facto conclusivo afigura-se claramente excessivo.
Como refere Helena Cabrita, in A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, págs. 106-107 “Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
Afigura-se-nos, porém, na sequência do exposto, que os factos constantes dos pontos 21, 22 e 23 contêm segmentos conclusivos que devem ser eliminados, designadamente no ponto 21, onde se refere “E deveu-se ao comportamento culposo do condutor do veículo AI (…) praticou uma condução imprudente e irresponsável, contribuindo de forma decisiva e exclusiva (…).
De resto, o ponto 22 é igualmente conclusivo, onde se refere “O desrespeito pelas regras relativas à manobra de ultrapassagem, bem como pelos deveres gerais de diligência e cuidado consubstancia acto ilícito que foi causal do sinistro.”.
Ademais, o ponto 23 contém, também, segmento conclusivo onde refere “Agiu assim o condutor do veículo AI culposamente (…)”.
Assim, os factos constantes dos pontos 21, 22 e 23 devem passar a ter a seguinte redacção, sendo acoplados num único ponto:
“21. O condutor do veículo AI, iniciou a manobra de ultrapassagem sem atender ao veículo que circulava atrás de si e que já havia iniciado a manobra de ultrapassagem ao seu veículo e sem antecipadamente sinalizar a manobra, contribuindo, assim, para a produção do sinistro.”.
Além disso, apesar de não haver uma impugnação válida da matéria de facto, afigura-se-nos que o ponto 15 da matéria de facto contém um lapso ostensivo onde consta “(…) de pelo menos (…)” tendo em consideração a convicção expressa pelo Tribunal a quo, que importa corrigir.
Com efeito, consta da convicção do Tribunal a quo que “Da prova produzida e contrariamente àquilo que a ré pretendeu demonstrar, nenhuma evidência resultou que o autor circulasse a uma velocidade superior ao limite legal estabelecido naquela via de trânsito. Todavia, temos que admitir que a velocidade de circulação do autor era objectivamente superior às velocidades das demais viaturas que se deslocavam pela faixa da direita precisamente porque estava a realizar uma manobra de ultrapassagem, não sendo de desconsiderar o facto de ser um Domingo de manhã e, em regra, há menos viaturas a circular na ... e, por isso, damos por seguro que seria bastante próxima do limite de velocidade daquela via de trânsito, a velocidade de circulação do autor.”.
Assim sendo, onde consta “15. E no mesmo sentido de trânsito, o aqui autor AA conduzia o motociclo pela Auto-Estrada ..., no sentido ... - ..., a uma velocidade de pelo menos 120 km/h e integrado num grupo de mais de seis motociclos.”, deve passar a constar “15. E no mesmo sentido de trânsito, o aqui autor AA conduzia o motociclo pela Auto-Estrada ..., no sentido ... - ..., a uma velocidade não superior a 120 km/h e integrado num grupo de mais de seis motociclos.”.
Assim sendo, determina-se a rectificação dos referidos pontos da matéria de facto assente, no referido sentido, mantendo-se os demais, com a correcção da numeração sequencial ao ponto 21.

4.2 Da responsabilidade pela ocorrência do acidente
A apelante Companhia de Seguros A..., S.A. clama pela revogação da sentença de que recorre pugnando que a responsabilidade pela ocorrência do acidente deverá ser repartida de outra forma pelos intervenientes no acidente.
Afigura-se-nos, todavia, que o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação do direito quanto à responsabilidade na eclosão do acidente ajuizado, porquanto não há fundamento para concluir que a aludida responsabilidade deverá ser diversa daqueloutra sentenciada.
Vejamos.
O acidente de viação não é uma estática mas uma dinâmica, daí que os factos adquiridos processualmente devam ser interpretados numa perspectiva critica para se apurar, seleccionar, surpreender aqueles que tiveram a virtualidade de, só por si, desencadearem todo o nexo causal e necessário ao evento.
Estamos no domínio da responsabilidade civil extra-contratual, no campo dos acidentes de viação onde vigora o princípio geral do artigo 483º do Código Civil, com a especialidade de que de acordo com o artigo 487º do citado diploma é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
Não sofre dúvidas que a lei distingue, no campo mais geral da responsabilidade extracontratual, entre responsabilidade civil por factos ilícitos - artigos 483º e seguintes do Código Civil - e responsabilidade pelo risco - artigos 499º a 510º do mesmo diploma - sem prejuízo de, na regulamentação desta, fazer frequentes apelos à culpa, como acontece nos artigos 500º, n.º 3, 503º, n.º 3, e 506º todos do Código Civil, e de mandar cumprir, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos - artigo 499º, do Código Civil.
A responsabilidade por factos ilícitos, com base na culpa, é a regra, na medida em que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei - artigo 483º, n.º 2, do Código Civil.
Aqui, reiteramos, é ao lesado que incumbe provar todos os pressupostos fixados no n.º 1, do artigo 483° do Código Civil, designadamente, a culpa, salvo quando haja presunção legal de culpa - artigo 487° n.º 1 do Código Civil - pois é sabido que quem tem a seu favor presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz - artigo 350º, n.º 1 do Código Civil.
Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - artigo 487º, n.º 2 do Código Civil.
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana - pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe, neste sentido, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, I, 9ª edição, página 545, mas, fundamental na responsabilidade por factos ilícitos, por culpa, além da ilicitude (elemento objectivo, o autor agiu objectivamente mal), é essencial concluir que a conduta do lesante se pode considerar reprovável, censurável.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo, neste sentido, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, I, 9ª edição, página 582.
Culpa efectiva, provada, e culpa presumida são uma e a mesma coisa, designadamente para afastar a indemnização devida pela responsabilidade pelo risco, pois, as presunções, enquanto “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (art.º 349° do Código Civil) - podem resultar tanto da lei (art.º 350º do Código Civil) como das regras da experiência e da vida do julgador (art.º 351º do Código Civil), reconhecendo-se que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência.
A questão trazida em apelação contende com a ilicitude e com o nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, da infracção e da culpa.
A ilicitude é sempre algo contrário ao direito, neste sentido, Pessoa Jorge, in, Pressupostos, página 61.
Integram-na, por isso, todos e quaisquer actos ou omissões, que violem disposições da lei, do interesse e ordens públicas, ou normativos destinados a proteger interesses de terceiros.
Perante a facticidade demonstrada haverá que proceder à necessária análise sobre a responsabilidade civil.
Ora, no caso em apreço, provou-se que no dia 23 de Dezembro de 2018, pelas 12h35, ocorreu um acidente de trânsito na Auto-Estrada ..., ao quilómetro número 26, 765, na freguesia ..., concelho de Paredes, tendo sido intervenientes o motociclo de marca Kawazaki, modelo ..., cilindrada 125 cc, de matrícula ..-QA-.. e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, de matrícula ..-AI-...
Provou-se, ainda, que a Auto-Estrada ..., no local do sinistro configura uma recta de boa visibilidade, avistando-se a faixa de rodagem numa extensão não inferior a 100 metros, tendo em conta o sentido ... - ..., encontrando-se dividida em toda a sua extensão em duas pistas de tráfego, através de um separador central, sendo que uma dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... - ... e a outra destinada ao trânsito em sentido contrário.
Mais se provou, que a faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido ... - ..., tem uma largura útil de 7,60 metros e encontrava-se, como se encontra, dividida em dois corredores de trânsito, através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade: Linha Descontínua Marca M2, sendo que o piso da faixa de rodagem da Auto-Estrada ... era, como é, pavimentado a asfalto.
Provou-se, ainda, que o tempo estava bom e o pavimento encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
Mais se provou, que na altura da ocorrência do acidente de trânsito o tempo estava limpo, seco e de sol aberto e a visibilidade, no local da deflagração do acidente de trânsito era, como é, muito boa.
Provou-se, ainda, que no dia e hora atrás indicados, o BB conduzia o ligeiro AI, pela Auto-Estrada ..., no sentido ... - ... pelo corredor de tráfego situado mais à direita da pista de trânsito da Auto-Estrada ..., atento o seu sentido de marcha e animado de uma velocidade moderada, não superior a oitenta (80,00) quilómetros por hora e no mesmo sentido de trânsito, o aqui autor AA conduzia o motociclo pela Auto-Estrada ..., no sentido ... - ..., a uma velocidade não superior a 120 km/h e integrado num grupo de mais de seis motociclos.
Nessa sequência, pretendendo efectuar a manobra de ultrapassagem ao referido veículo AI, o Autor circulava com o motociclo na faixa da esquerda, com o sinal luminoso da esquerda accionado, vulgo pisca - pisca, indicativo de tal manobra.
Provou-se, ainda, que quando o motociclo se encontrava em plena manobra de ultrapassagem e a uma distância não superior a 15 metros do veículo AI, inesperada e inadvertidamente, o condutor deste resolve efectuar uma manobra de ultrapassagem a um veículo que se encontrava à sua frente, sem efectuar qualquer sinalização prévia nesse sentido, mormente o sinal luminoso pisca pisca, nem cuidar de verificar se nesse momento se encontrava a ser ultrapassado, invadindo, por via disso, o corredor de circulação da esquerda por onde já circulava o motociclo, obstruindo o seu sentido de marcha.
Não obstante, ao deparar com esta manobra do veículo AI, o Autor AA ainda tentou evitar a colisão, guinando à direita, atento o sentido de trânsito seguido, na tentativa de evitar a colisão, mas embateu com a frente do motociclo com a traseira, canto direito do veículo AI.
Mais se provou, que a colisão ocorreu no corredor de circulação da esquerda, junto ao eixo da via, atento o sentido de marcha dos intervenientes.
Provou-se, ainda, que o condutor do veículo AI, iniciou a manobra de ultrapassagem sem atender ao veículo que circulava atrás de si e que já havia iniciado a manobra de ultrapassagem ao seu veículo e sem antecipadamente sinalizar a manobra, contribuindo, assim, para a produção do sinistro.
Considerando toda a atrás referida factualidade e em sintonia com o Tribunal a quo, temos que resultou demonstrado que a culpa na ocorrência da colisão com o motociclo conduzido pelo Autor se ficou a dever exclusivamente à conduta contraordenacional do condutor da viatura AI, segurada na Ré/Apelante, que iniciou, de forma repentina e inopinada, a manobra de ultrapassagem, sem que tivesse atendido se havia veículos a circular na faixa da esquerda da ..., no sentido ...-..., em desrespeito pelos deveres gerais de diligência e cuidado e pelas regras relativas à manobra efectuada.
Assim, o condutor da viatura segurada na Ré/Apelante violou as regras estradais, nomeadamente, o previsto nos artigos 35º e 38º do Código da Estrada que, em síntese dispõem que “o condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem (…) e por forma a que a sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.” Mais acrescentando, “o condutor do veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com o veículo que transite no mesmo sentido ou sentido contrário”.
De resto, resulta da factualidade assente que foi o condutor da viatura (AI) segurada na Apelante que deu origem à colisão, em consequência da violação por parte do seu condutor, nomeadamente do disposto nos artigos 35º, nº 1 e 38º, nº 1 todos do Código da Estrada.
Assim, da descrita conduta estradal e em sintonia com o Tribunal a quo, pode concluir-se que o condutor do veículo (AI) segurado na Ré, desrespeitou o dever que sobre ele recaía de realizar a manobra de ultrapassagem em total segurança pois, com a sua conduta negligente, criou uma situação objectiva de perigo para os demais condutores que naquela via circulavam e, em particular, para o Autor/Apelado.
Temos, assim, que concluir que o comportamento estradal do condutor da viatura (AI) foi causal da ocorrência do acidente.
Mas será que dos factos provados se pode concluir que há concurso de culpas entre os dois condutores na ocorrência do acidente.
Também aqui, não se apurou factualidade suficiente que nos permita concluir pela responsabilidade, pela concorrência de culpa do condutor do motociclo de matrícula ..-QA-...
Com efeito, não se apurou que este condutor fosse a uma velocidade superior a 120 km/hora, e como tal não se pode afirmar que o mesmo seguia em velocidade excessiva.
Da prova produzida e contrariamente àquilo que a ré/apelante pretendeu demonstrar, nenhuma evidência resultou que o autor/apelado circulasse a uma velocidade superior ao limite legal estabelecido naquela via de trânsito ou com velocidade excessiva.
Com efeito, apesar de admitirmos que a velocidade de circulação do autor era objectivamente superior às velocidades das demais viaturas que se deslocavam pela faixa da direita, tal facto é justificável uma vez que estava a realizar uma manobra de ultrapassagem e não ultrapassou o limite legal, não sendo, ainda, de desconsiderar, à luz das regras da experiência comum, o facto de ser um Domingo de manhã e, em regra, haver menos viaturas a circular na ....
De resto, o que vigora na condução estradal é o princípio da confiança, segundo o qual cada condutor deve confiar que os restantes vão cumprir as regras enquanto conduzem, pelo que o autor não tinha que prever que o condutor do veículo segurado na Ré se iria colocar, sem mais, à sua frente, obstruindo-lhe a ultrapassagem em curso.
Afigura-se-nos, por isso, ser de imputar a responsabilidade pela ocorrência do embate ao condutor do veículo segurado na Recorrente Companhia de Seguros A..., S.A.
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4.3 Da Valorização dos Danos
No caso vertente, a Apelante/ré considera desajustado o montante fixado pelo Tribunal a quo para indemnização do dano biológico (€ 70.000,00) e do dano não patrimonial (€ 35.000,00), pugnando que a quantificação do dano biológico se cifre em € 25.000,00 ou, no máximo, € 52.500,00, bem como que a indemnização por danos não patrimoniais se cifre em € 25.000,00.
Por sua vez, o Apelante/autor considera desajustado o montante fixado para indemnização do dano de privação do veículo, bem como dos danos não patrimoniais, pugnando que a fixação da indemnização pelo dano de privação do veículo seja relegada para liquidação em execução de sentença e que a indemnização por danos não patrimoniais se cifre em € 50.000,00.
Impõe-se, assim, apurar e valorizar os referidos danos.
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4.3.1 Do dano da privação do uso do veículo automóvel
Vejamos, em primeiro lugar, a questão da obrigação de indemnizar pela privação do uso do veículo.
Para ressarcir os prejuízos sofridos por um veículo em acidente de viação deve, antes de mais, repor-se em substância a utilidade perdida pelo lesado, cabendo ao lesante (ou a sua seguradora) repor em substância a utilidade perdida pelo lesado.
Este é o dano emergente em sede de privação de uso do veículo. Enquanto a seguradora não o providenciar, sujeita-se à respectiva responsabilidade civil.
Como enuncia Abrantes Geraldes, in “Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 2ª edição, em desenvolvido estudo sobre a questão "tratando-se de veículo automóvel de pessoa singular ou de empresa utilizado como instrumento de trabalho ou no exercício de actividade lucrativa, a existência de um prejuízo material decorre normalmente da simples privação do uso, independentemente da utilização que, em concreto, seria dada ao veículo no período de imobilização, ainda que o veículo seja substituído por outro de reserva.".
Ou seja, a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro veículo ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma "fatia" dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização. Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.
E o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto.
A este propósito, o Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdão de 26.11.2002, Colectânea de Jurisprudência, Tomo V, pág. 19) decidiu que "o uso de um veículo automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve, por si só, ser indemnizado com recurso a critérios de equidade. Por conseguinte, mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade dos danos tendo em conta a mera indisponibilidade do bem".
Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de 05.07.2007, proferido no processo n.º 07B1849 "a privação de uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano indemnizável”.
Com efeito, o dono do veículo, ao ser-lhe tornada impossível a utilização desse veículo durante o período em causa, sofre uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias. E essa lesão é avaliável em dinheiro, uma vez que a utilização de um veículo automóvel no comércio implica o dispêndio de uma quantia em dinheiro. A medida do dano é, assim, definida pelo valor que tem no comércio a utilização desse veículo, durante o período em que o dono está dele privado.
O dano produzido atinge, neste caso, a propriedade - direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado.
Ou seja, a privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, é, pois, um dano - e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.
Como ensina Gomes da Silva, in “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, Vol. I, pág. 78 "o dano consiste no malogro dos fins realizáveis por meio do bem perdido ou deteriorado (…). No dano há sempre, portanto, a frustração de um ou mais fins, resultante de se haver colocado o bem, por meio do qual era possível atingi-los, numa situação de não poder ser utilizado para esse efeito".
Com efeito, se uma pessoa adquire um veículo automóvel será certamente para o utilizar normalmente, seja no exercício de uma actividade profissional, seja nas suas deslocações normais, frequentes ou não, para o trabalho ou para outros fins, designadamente de lazer.
Ao ser impedido de utilizar o veículo, o dono sofre naturalmente uma lesão no seu património, sendo afectado o seu direito de propriedade, que integra a possibilidade de uso, fruição e disposição (artigo 1305.º do Código Civil).
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que se provou que:
- o Autor viu danificado o seu motociclo ainda em consequência do sinistro que havia adquirido, em 23 de Maio de 2015, em Espanha, a DD, seu anterior proprietário que posteriormente legalizou;
- a partir da compra do veículo, foi o autor que o conduziu e o utilizou diariamente, e em proveito próprio, recolhendo-o no local da sua residência, o que sempre fez à vista de toda a gente e sem oposição de qualquer pessoa ou entidade;
- a Ré comunicou ao autor, no seguimento da peritagem realizada, em 20.02.2019, ao veículo acima indicado, que os serviços técnicos (B..., S.A.) concluíram que face aos danos estimados em € 12 142,95 e susceptíveis de agravamento após desmontagens, se impunha a respetiva regularização como perda total;
- o valor do salvado era de € 606,00;
- o autor aceitou a perda total traduzida na inviabilidade da reparação, mas discordou do valor atribuído pela Ré ao veículo à data do acidente;
- o valor de mercado da mota do autor, atendendo a que estava em óptimo estado de conservação à data do acidente, era de € 8.000,00 e com um extra, no caso concreto, um cano de escape: € 1.737,00, e;
- o prejuízo sofrido pelo Autor pela perda total do motociclo corresponde a € 7.394,00;
- no entretanto, o autor já adquiriu outro motociclo.
Conforme já referimos a afectação do direito de propriedade, com a consequente lesão dos direitos de gozo, fruição do veículo, não pode deixar de se considerar - independentemente de outros danos que se provem - que atribui o direito a um valor indemnizatório para ressarcir o seu titular daquela afectação ou lesão, sob pena de violação do princípio basilar, consagrado no art.º 562º do Código Civil, de que a lesão do direito de outrem constitui o lesante na obrigação de reparar os danos resultantes dessa acção.
Ou seja, têm-se por correcto e adequado o entendimento de que a simples privação do uso do veículo automóvel é suficiente para fundar o direito a indemnizar, pois trata-se de um dano autónomo com valor pecuniário, que priva o respectivo titular da disponibilização do mesmo, não sendo assim necessária a prova de quaisquer outros factos (nomeadamente a ocorrência de danos concretos ou o destino dado habitualmente ao veículo) e sendo, nesse caso, o montante indemnizatório fixado com recurso à equidade.
Ora, que tudo isto é assim, foi o que veio a ser claramente esclarecido pela entrada em vigor, a partir de fins de 2006, do Decreto Lei n.º 83/2006, de 03.05, que introduziu o artigo 20.º-J no Decreto Lei n.º 522/85, de 31.12, regime depois substituído por um igual no Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, actualmente em vigor, que, pelo seu artigo 42.º, obriga as seguradoras, verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, a pôr à disposição do lesado um veículo de substituição (de características semelhantes) a partir da data em que assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente.
Repare-se que o único pressuposto do direito é a imobilização do veículo sinistrado, não se exigindo ao lesado que alegue e prove que tinha possibilidade ou a vontade de continuar a utilizar o veículo sinistrado (cf., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2008, proferido no processo n.º 07B3557, e do Tribunal da Relação do Porto de 19/03/2009, proferido no processo n.º 3986/06.8TBVFR.P1.).
No caso vertente, apurou-se que o Autor utilizava o seu motociclo que havia adquirido, em 23 de Maio de 2015, em Espanha, a DD, seu anterior proprietário que posteriormente legalizou, sendo que a partir da compra do veículo, foi o autor que o conduziu e o utilizou diariamente, e em proveito próprio, recolhendo-o no local da sua residência.
Ora, tendo resultado provado que o Autor, aqui Apelante, ficou privado da utilização do motociclo desde a data do sinistro (23.12.2018), não há como não deixar de reconhecer ao Autor o direito a ser indemnizado pela referida privação do uso do veículo, a fixar segundo um juízo de equidade.
Entendeu o Tribunal recorrido que como a perda total do motociclo foi decretada na sequência da averiguação do B..., conforme relatório de averiguações de 20.02.2019, para o caso em apreço relevará a paralisação entre o dia 23.12.2018 (correspondente à data da ocorrência do sinistro) e a data da declaração de perda total (20.02.2019), ou seja, a sua paralisação durante um total de 59 dias (59 x 6 = € 354,00), fixando a indemnização a atribuir ao lesado pela privação do uso do veículo no montante de € 354,00, correspondente ao valor diário de € 6,00.
Ora, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, no caso de perda total do veículo, operando-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro, a privação do uso subsiste até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização correspondente, pois só neste momento é que o lesado ficará habilitado a adquirir um veículo que o substitua.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.4.2005, proferido no processo 03B2246, publicado na base de dados da dgsi, “(...) o específico dano da privação do uso do veículo destruído subsiste, com autonomia indemnizatória, até que o lesado seja ressarcido, nomeadamente, por mero equivalente (em dinheiro) da perda total.
Apenas a partir desse momento, deixa de poder falar-se de privação do uso do veículo posto que reconstituída - por equivalente - a situação que existiria se não fosse o facto do lesante e a perda do automóvel (artºs 562º e 566º do CC).”.
No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2011, proferido no processo 6472/06.2TBSTB-E1, textua o seguinte: “Mas, a destruição e perda total do veículo e a correspondente obrigação de indemnizar o A. em dinheiro, não contende com a obrigação de indemnizar pela privação do uso.
É que essa privação mantém-se enquanto o responsável não reparar o veículo, quando for caso disso, ou não indemnizar o lesado, pelo respectivo valor …”.
Na verdade, só com a reparação ou com a indemnização cessará o dano e, por isso, só nessa altura pode deixar de falar-se em privação do uso.
Porém, no caso vertente, resulta provado que o autor já adquiriu, entretanto, outro motociclo (ponto 139), o que significa que o referido dano já não existe.
Com efeito, se é certo que o autor não era obrigado a ter dinheiro para comprar outro motociclo antes de ter a indemnização, também é certo que, se efectivamente o comprou, deixou objectivamente de estar privado de o usar.
Ora, a orientação jurisprudencial de delimitação temporal até ao momento da disponibilização da indemnização existe no pressuposto de que o dano da privação se mantém até à referida data, o que não sucede no caso vertente por força da aquisição de um novo motociclo por parte do autor.
Assim, uma vez que o dano de privação do motociclo já cessou dado que o Autor, aqui Apelante, já adquiriu outro motociclo e não se tendo provado em que data tal facto ocorreu, ónus da prova que competia ao Apelante, não possuímos elementos que nos levem a concluir que o dano pelo mesmo sofrido foi superior ao fixado na sentença, improcedendo, por isso, a apelação do autor neste segmento.
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4.3.2 Do quantum indemnizatório do dano biológico
A título indemnizatório pelo dano biológico, entende a ré Apelante que tal montante deve ser fixado em € 25.000,00 ou, no máximo, em € 52.500,00.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de 4.10.2005, proferido no Processo nº 05A2167 e publicado in www.dgsi.pt.
Tem vindo a integrar o conceito de dano biológico a existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado, também denominadas défice funcional.
Este conceito aparece legalmente consagrado no sentido de ofensa à integridade física e psíquica, independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho, no artigo 3.º, alínea b) da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, sendo a mesma realidade designada também por dano corporal, por contraposição a dano material, como acontece no artigo 51.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
O chamado dano biológico ou corporal, adquiriu autonomia, estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem-estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo, constitucionalmente consagrado nos artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que estabelecem o carácter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no artigo 70.º do Código Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um.
Este “direito à saúde” quando afectado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado, no que tem sido a posição unânime defendida pela nossa jurisprudência.
Verifica-se que a incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a actividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização por danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos.
Isto significa, apenas, que da mesma lesão que constitui um défice funcional, podem resultar em simultâneo danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo, por isso, apenas susceptível de uma compensação.
Diverge a jurisprudência quanto à classificação, ou melhor, à natureza do chamado dano biológico (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional): se um dano meramente patrimonial, se um dano moral, se um tertium genus. E procuram os vários arestos, cada um à sua maneira, justificar o quantum indemnizatório arbitrado para estes danos geradores de incapacidade permanente que se não repercutam directamente na capacidade de ganho do lesado (na medida em que não implicam uma diminuição da retribuição, embora implicando esforços acrescidos, ou, então, porque o lesado está fora do mercado de trabalho, como ocorre com desempregados, crianças, reformados).
Assim, o dano biológico tem suscitado especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes.
Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.05.2010, Processo n.º 103/2002.L1.S1; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.01.2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, in www.dgsi.pt..
É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.12.2013, in http://www.dgsi.pt.. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais.
Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, in http://www.dgsi.pt.
Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.
No caso vertente, com interesse para a apreciação desta questão ficou provado que o autor ficou a padecer de um défice funcional temporário total (anterior Incapacidade Temporária Geral Total), compreendido entre 23.12.2018 a 04.01.2019 entre 01.07.2020 e 03.07.2020, sendo fixável num período de 16 dias.
Mais se provou, que o Défice Funcional Temporário Parcial (anterior Incapacidade Temporária Geral Parcial) situou-se entre 05.01.2019 e 30.06.2020, entre 04.07.2020 e 30.07.2020, sendo fixável num período de 570 dias.
Provou-se, ainda, que o período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total (anterior Incapacidade Temporária Profissional Total) corresponde aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto entre outros situou-se entre 23.12.2018 e 27.09.2019, entre 01.07.2020 e 30.07.2020, sendo fixável num período total de 309 dias.
Provou-se, também, que o período de Repercussão Temporária na actividade Profissional Parcial (anterior Incapacidade Temporária Profissional Parcial) situou-se entre 28.09.2019 e 30.06.2020, sendo fixável num período de 277 dias.
Mais se provou, que o Quantum doloris é fixável em grau 5, em escala de 7 de gravidade.
Provou-se, ainda, que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 16 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro perspectivado em função do tipo de fracturas e lesões de envolvimento articular e com potencial futuro de artrose acelerada pós-traumática das articulações atingidas: IFP do 4º dedo da mão esquerda, articulações tarso-metatarso.
Mais se provou, que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforço suplementar.
Provou-se, também, que o dano estético permanente foi fixado no grau 4, numa escala de 7 graus, atendendo às múltiplas cicatrizes distróficas e à claudicação da marcha que a par das limitações funcionais lhe causaram e causam um profundo desgosto e sofrimento.
Mais se provou, que a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7.
Provou-se, ainda, que o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectarem o autor em termos de autonomia e independência, mas sendo causa de sofrimento físico, foi atribuido um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos.
Mais se provou, que relativamente à repercussão permanente na actividade profissional foi apurado que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade normal, mas implicam esforços suplementares
Provou-se, também, que a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, por considerar que o autor está impedido e/ou muito limitado da prática de algumas actividades físicas atrás referidas e que faria com regularidade.
Mais se provou, que no exame realizado em 21.01.2021, o Autor apresentava queixas ao nível funcional, quanto à postura, deslocamento e transferências, nomeadamente as resultantes das dificuldades acrescidas em permanecer na posição de pé por longos períodos, dificuldade em iniciar a marcha depois de longos períodos de imobilização, claudicação ligeira à esquerda, mais evidente na marcha continuada, ao subir/descer escadas e/ou na marcha em pisos irregulares, dificuldades acrescidas ao acocorar-se.
Provou-se, ainda, que ao nível da manipulação e prensão apresenta défice acentuado de força de prensão e capacidade de manipulação com a mão direita, pinça fina ineficaz com dificuldade em pegar em pequenos objectos, não encerra completamente os dedos da mão esquerda (D2, D3 e D4).
Mais se provou, que apresenta fenómenos dolorosos ao nível da dor do pé esquerdo (++), dor ligeira no punho direito, dor na prensão com a mão esquerda, nomeadamente ao bater com os dedos e edema moderado no pé esquerdo e de tonalidade cianosa designadamente após extracção de material.
Provou-se, também, que nos actos da vida diária revela dificuldades acrescidas em todas as actividades e gestos da vida diária que obrigam a usar a mão esquerda, nomeadamente, no uso de talheres, apertar botões, abrir manípulos das portas.
Mais se provou, que tem dificuldades acrescidas na condução da moto, decorrente da dificuldade em usar a embraiagem, vendo-se ainda limitado na condução do carro no uso repetido da embraiagem durante viagens longas ou circuitos citadinos.
Provou-se, ainda, que o autor deixou praticamente de andar de mota aos Domingos de manhã precisamente por ter dificuldade no uso da embraiagem.
Mais se provou, que o autor era praticante de artes marciais, designadamente, karaté e Krav Maga e teve que abandonar essas práticas;
Provou-se, também, que o autor fazia ainda corrida e natação, estando agora mais limitado no exercício dessas actividades desportivas.
Mais se provou, que o autor, em termos profissionais, tem dificuldades acrescidas no ortostatismo, bipedestração prolongada, não consegue usar a pistola de pintura com a mão esquerda referindo dores intensas em edema vespertino, após longos períodos de pé ou depois de estar numa posição muito tempo.
Provou-se, ainda, que o autor é dextro e apresenta marcha claudicante, mais marcada nos primeiros movimentos após ter estado muito parado e sem recurso a ajudas técnicas.
Assim, no caso vertente, o dano biológico sofrido pelo autor/recorrente, corporizado num défice funcional permanente de 16,00 pontos, com implicação ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte do mesmo, não só para o exercício da sua actividade profissional, bem como para qualquer outra actividade doméstica ou de lazer, implicando, diríamos nós, um enorme esforço pessoal suplementar para “viver”.
Assim, há que ter em conta o anexo IV da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2008, de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica, designado por dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente.
Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado.
Assim sendo, nesta perspectiva, entende-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com os seus rendimentos ou com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional.
Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional.
Considera-se, por isso, que estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.
A jurisprudência autonomizou, antes da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, o dano biológico e maioritariamente qualificou-o como de cariz patrimonial - cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 04.03.08, proc. 0724890 e de 04.04.06, proc.062059 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, neste citados, designadamente, de 27.04.2004, no proc. 04A1182 e de 06.07 2004, no proc. n.º 04B2084. Esta Portaria adoptou, como salienta o seu preâmbulo, o “princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra.”.
Porém, por outro lado, refere-se na Portaria que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica.”.
Nessa orientação, o artigo 4º da referida Portaria integra entre os denominados danos morais complementares o dano biológico.
No entanto, é entendimento pacífico que as normas da referida Portaria n.º 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, devendo «os valores propostos ( ... ) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo n.º 3459/08, in www.dgsi.pt.
Portanto, na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação - como ocorre no presente caso -, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na citada Portaria, antes ali se estabelecem padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2014, proc. 1269/06.2TBBCL.G1.SI.
No presente caso, até podíamos simplificar e, simplesmente, incluir o dano aqui em apreciação na indemnização que, a seguir, se vai fixar por danos morais.
Contudo, seguindo a posição maioritária da jurisprudência, dado que o dano biológico é distinto do dano não patrimonial (artigo 496.º do Código Civil) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida, entendemos ser de autonomizar, igualmente, como dano patrimonial futuro esse maior esforço que a Autora/Apelada terá de efectuar ao longo da sua vida activa.
Por sua vez, não sendo possível determinar o valor exacto do dano ora em causa, tal avaliação terá de ser efectuada recorrendo à equidade, nos termos do artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.
Isto é, a equidade terá de ser sempre um elemento essencial no cálculo do dano aqui sob apreciação, independentemente de se considerar o dano biológico numa vertente meramente patrimonial, mais ou menos patrimonial ou como um tertium genus.
É certo que o nosso legislador não definiu o conceito de equidade, deixando a sua densificação para os aplicadores do Direito.
Nas palavras sábias de Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 6.ª edição, 104, nota 2, a equidade é a justiça do caso concreto. Julgar pela equidade é procurar a justiça do caso concreto "limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal" - cf. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1980, págs.103/104.
Ou, como diz Ana Prata, in Dicionário Jurídico, 4ª Edição, 2005-499 "julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parece mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções da justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico".
Do que se trata, portanto, é de encontrar a solução mais equilibrada no contexto da prova disponível.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 8 de Junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 e ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2017, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de Janeiro de 2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de Abril de 2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de Outubro de 2010, proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de Novembro de 2009, proc. n.º 381-2002.S1, estes in www.dgsi.pt.
Porém, como já acima ficou dito, o dano biológico não pode ser indemnizado por obediência a tabelas rígidas, de forma que a uma mesma pontuação em pessoas de idade aproximada tenha de corresponder necessariamente a fixação do mesmo valor ressarcitório. É que, se assim fosse, então, em vez de se dar abrigo ao princípio constitucional da igualdade que a adopção dos referidos critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados consubstancia, estaríamos precisamente a violar esse mesmo princípio, dado que o mesmo impõe que a situações desiguais se dê tratamento desigual.
Ou seja, tudo depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade.
Assim, seguindo um critério de equidade e de ponderação das regras de experiência, devem ser atendidas, globalmente, mas de forma casuística, todas as circunstâncias envolventes, designadamente as actividades exercidas pelo lesado, os rendimentos patrimoniais que lhe proporcionam, assim como a idade e tempo de vida activa.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-12-2017, Proc. 1509/13, em www.dgsi.pt (Tomé Gomes) “o dano biológico abrange um espetro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis”.
Escreveu-se na motivação deste aresto, designadamente, que “a jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, tem vindo a reconhecer o chamado dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado”.
Esta orientação colhe-se, designadamente, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2020, relatado pela Cons. Maria da Graça Trigo, em cujo sumário se refere, nomeadamente, que “de acordo com a jurisprudência do STJ, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado)”.
Para além disso, neste e noutros casos, como é jurisprudencialmente pacífico, não poderão deixar de ser considerados as sequelas das lesões sofridas na realização de todas as tarefas, pois também aí se revela uma maior dificuldade na sua execução que encontra a sua causa principal no acidente de viação.
A que acresce um outro factor, igualmente a ponderar, como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2021 (Abrantes Geraldes): o grau de culpa do condutor do veículo a que as normas que regulam a responsabilidade civil e a fixação de indemnizações atribuem relevo.
Em sintonia com o referido supra, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2022: «Na linha do tratamento da questão da indemnização por perda de capacidade geral de trabalho realizado pelos acórdãos do Supremo Tribunal de 20/10/2011 (proc. n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1), de 10/10/2012 (proc. n.º 632/2001.G1.S1), de 07/05/2014 (proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19/02/2015 (proc. n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 04/06/2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 07/04/2016 (proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), de 14/12/2016 (proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), de 16/03/2017 (proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1), 25/05/2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1), de 09/11/2017 (proc. n.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1), de 01/03/2018 (proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1) e de 29/10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, entende-se que:
- De acordo com o regime do n.º 3 do art. 566.º do Código Civil, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, a indemnização deve ser fixada equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver como provados (art. 566.º, n.º 3, do Código Civil);
- Não existindo, como sucede no caso dos autos, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade constitui o único critério legalmente previsto para a fixação da indemnização devida;
- A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de trabalho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores:
(i) A idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a respectiva esperança média de vida à data do acidente);
(ii) O seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) As suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) A conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui tendo em conta as suas qualificações e competências).
- Esclarece-se que se deve atender à esperança média de vida do lesado (à data do acidente) e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas (…)».
E, se é certo que a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ut art.º. 13º da Constituição e art.º. 8º, nº 3, do Código Civil), é claro que um juízo comparativo incidente sobre montantes indemnizatório apenas poderá ser realizado em relação a decisões não apenas temporalmente próximas, mas também em que estejam em causa situações fácticas essencialmente similares.
Como tal, «Pretender indemnizar a perda da capacidade geral mediante recurso a comparações com outros casos decididos pelos tribunais, tendo designadamente em conta a idade do lesado à data do sinistro, o índice de incapacidade funcional e o valor indemnizatório fixado, mas esquecendo a referida exigência de ponderação das potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências, assim como de avaliação da conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações ou preparação técnica, constitui, a nosso ver, uma grave falha nos pressupostos do juízo equitativo porque leva a comparar entre si situações factuais não comparáveis..». - Consª Maria da Graça Trigo, in «O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos - Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46, em curso de publicação, pág. 268.
Ademais, a jurisprudência tende a ser mais actualista e evolutiva. Assim, numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.
Chegados aqui coloca-se a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização, sendo certo que a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efectuar o cálculo do dano biológico.
Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correcto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida, em conformidade com o já defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 628/14.1TBOAZ.P1, desta Secção, onde o aqui relator foi 1º adjunto.
Com efeito, a retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem.
Ora, a informação estatística da base de dados Pordata, indica que o ordenado médio mensal dos trabalhadores/homem por conta de outrem no ano de 2021 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.152,20 que é um pouco inferior neste caso do valor auferido pela vítima.
Este valor é, então, um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização do dano biológico, havendo também que considerar a idade do lesado que era de 42 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade de que ficou a padecer que é de 16,00 pontos.
Ora, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho que, no seu anexo IV, dispõe sobre os valores de compensação do dano biológico - compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica. Na mesma é estabelecido um valor por cada ponto de desvalorização, ponderando a idade do lesado.
À luz da situação factual vertida nos autos, a tabela do anexo IV dá-nos, para uma desvalorização entre 16 a 20 pontos, os valores de € 1092,69 a € 1179,90 por ponto, quando a vítima tenha entre 41 a 45 anos de idade, pelo que havendo uma desvalorização equivalente a 16 pontos, a indemnização pelo dano biológico deverá situar-se entre os € 17.483,04 e os € 18.878,40.
Contudo, tais valores da portaria são encontrados com referência à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que, na altura, era de € 403,00 (nota 1 ao anexo IV), que é menos de metade da remuneração média nacional.
Assim, se considerarmos a remuneração base média nacional de € 1.152,20 e observando uma regra matemática de três simples, chegamos a um valor compensatório entre € 49.985,01 e € 53.974,42 de acordo com a tabela em questão, para um dano biológico traduzido num défice funcional de 16,00 pontos.
Todavia, como se referiu, tal valor constitui apenas mais um elemento a considerar pelo tribunal na determinação da indemnização equitativa a fixar, pelo que impõe-se ponderar, ainda, a remuneração superior que o lesado vinha auferindo na sua vida activa, superior à tida em consideração no cálculo efectuado, as circunstâncias concretas do caso já evidenciadas e atrás exaustivamente enunciadas, nomeadamente a circunstância da remuneração tida em consideração se reportar ao ano de 2021, a subida acentuada da taxa de inflação, a actualização constante dos salários em função da referida taxa de inflação, a idade do lesado, o deficit funcional apurado e as repercussões graves das lesões no dia a dia do autor durante toda a vida, o que apontaria para que a indemnização a título de compensação pelo dano biológico se fixasse em € 66.000,00.
No entanto, deve-se, ainda, subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital e a taxa de juro que o Autor capitalizará sobre os montantes a receber, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. (cf. acórdão desta Relação do Porto de 15.06.2023, proferido no processo 13390/18.0T8PRT.P1, em que é Relator Paulo Teixeira Duarte, aqui Adjunto).
Assim, sendo o referido montante recebido de uma só vez deverá ser ajustado.
Afigura-se-nos, por isso, que a indemnização fixada pelo Tribunal a quo ao autor a título de compensação pelo dano biológico deverá ser reduzido para o montante de € 60.000,00, ponderando todos estes vectores.
Procede, por isso, neste segmento e parcialmente o recurso da ré.

4.3.3 Danos não patrimoniais
A título indemnizatório pelos danos não patrimoniais, entende a ré Apelante que tal montante deve ser fixado em € 25.000,00, ao contrário do valor de € 35.000,00 fixado pelo Tribunal a quo.
Por sua vez, entende o autor Apelante que tal montante deve ser fixado em € 50.000,00, ao contrário do valor de € 35.000,00 fixado pelo Tribunal a quo.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme já referimos a indemnização por danos não patrimoniais cuja gravidade merece a tutela do direito (artigo 496.º do Código Civil) deve, nos termos do n.º 4, primeira parte deste preceito, ser fixada segundo juízos de equidade, tendo em conta as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º do Código Civil).
A indemnização destes danos não tem por objecto a reposição da situação em que o lesado estaria se não tivesse sofrido o dano (artigo 566º, nº 2, do Código Civil) mas apenas dar-lhe algo que possa constituir uma compensação do dano sofrido, contribuindo para aliviar ou reduzir o seu sofrimento e a sua perda. Por isso mesmo, a indemnização tem de ser fixada com base na mera equidade (artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil), levando em linha de conta as circunstâncias do caso.
Com a cláusula de equidade, prevista em geral no artigo 4.º e permitida, no que ora interessa, nos artigos 496.º, n.º 3 e 566.º, n.º 3, do Código Civil, o tribunal resolverá o litígio ex aequo et bono e não ex jure stricto.
Ora, o juízo ou critério equitativo corresponde ao “prudente arbítrio do julgador”.
José Tavares, in Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I, pág. 50, ensinava que a função característica da equidade era “tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez”. “A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume I, pág. 54, ao decidir segundo a equidade, o julgador não está subordinado aos critérios normativos fixados na lei. E a fls. 501, referem: “Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa: a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras, para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto. (…) A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”. Concluem: “Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.1980, in BMJ n.º 300, pág. 386, referia-se que ao exercício da aequitas associa-se sempre a prática dum “prudente arbítrio” atentas as circunstâncias do caso.
Ou seja, equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.
Assim se compreende que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio. Sendo que para o cálculo do respectivo montante, ponderará, entre outros factores, o grau de culpa do autor da lesão, as condições económicas deste e do lesado, as flutuações da moeda - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., 1987, p. 501.
Não deve ser descurada a Doutrina e a Jurisprudência de onde vêm soprando sempre novos ventos de justiça sobre este campo indemnizatório, nomeadamente, o anunciado sentimento de que “a indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.07.2002, in CJ cit., pág. 134..
Neste particular, tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo:
(i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico;
(ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;
(iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas;
(iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”;
(v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida;
(vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;
(vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade;
(viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais;
(ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar - cf., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009, proferido no processo 397/03.0GEBNV.S1, www.dgsi.pt.
Presente neste domínio deverá estar a consideração do melindre que a “quantificação”/valoração de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa de coisa fungível (a mais fungível das coisas), o que por natureza é insusceptível de mensuração e de redução a uma expressão numérica, não tendo cabimento uma reparação por equivalente, encerrando óbvias dificuldades a tradução em números do que por definição não tem tradução matemática, procurando ter-se em conta todo o cortejo de dores e sofrimentos padecidos, por vezes, o corte abrupto dos sonhos e das ambições, dos projectos de vida, bem como o reflexo, o rebate da perda de autonomia de vida em diversos aspectos, com todas as consequentes limitações, sob múltiplas formas, da vivência do demandante e os efeitos imediatos e mediatos de todas as sequelas das lesões sofridas.
Neste campo, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder”, ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir”, ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.
Efectivamente, em bom rigor, a única condição de compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade, o que lhes confere um carácter algo indeterminado e de difícil quantificação. Seria, por isso, em vão que se tentaria apurar o respectivo quantum compensatório com base em factores aparentemente objectivos, devendo reconhecer-se ao julgador margem para valorar segundo critérios subjectivos (na perspectiva do lesado), isto é, “à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado [como] a doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais” - cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III - Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pág. 506.
A equidade é aqui, em rigor, o único recurso do julgador, ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar (cfr. artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil).
Dito isto e voltando ao caso concreto sub judice, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não deixando de trazer à colação e analisar várias decisões, mais ou menos semelhantes, quer das Relações, quer do Supremo Tribunal de Justiça, no fito de procurar que a indemnização atribuída estivesse em sintonia com o cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança e igualdade na realização da justiça equitativa (artigo 496º, nºs 1 e 4 do Código Civil).
No caso em apreço, provou-se que o autor nascido a .../.../1976, tinha 42 anos à data do acidente.
Por outro lado, antes da ocorrência do sinistro o autor era saudável, alegre, não tinha quaisquer deficiências físicas, trabalhava num sector de actividade fisicamente exigente – tintas/pintura para oficinas de automóveis, como vendedor/comercial numa área geográfica que incluía o Norte da Galiza e de Portugal e naturalmente tinha que conduzir longas horas, fazer várias deslocações aos clientes, com vista à promoção dos respectivos produtos.
Resultou, ainda, que em termos de lazer desenvolvia actividades desportivas fisicamente exigentes como praticante de artes marciais, natação, corrida e passeios de motos.
Em termos sociais e familiares era um sólido pilar da sua família, sendo extrovertido, alegre e presente, mas por causa do acidente e, em consequência das lesões sofridas, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 16 pontos.
Provou-se, ainda, que as sequelas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada no grau 3/7 uma vez que o autor, antes do acidente de viação, habitualmente praticava Karaté, Krav Mag, natação e corrida.
Por outro lado, o dano estético permanente foi fixado no grau 4/7.
Finalmente, o quantum doloris foi fixado em 5/7.
Acresce, ainda, que, na data em que sofreu o acidente, o autor auferia o vencimento mensal base de € 1.100,00, com um cartão de refeição mensal, acrescido do subsídio de alimentação de € 226,60 e acrescido do valor de € 1.200,00, atribuído a título de prémio por objectivos de 4 em 4 meses, mas com carácter de complemento à retribuição, perfazendo o valor médio mensal de € 1.400,00.
Como resulta do exame pericial, o autor ficou com dificuldades acrescidas em permanecer em posição de pé, por longos períodos e ainda dificuldades em iniciar a marcha e após longos períodos de imobilização. Evidencia uma ligeira claudicação à esquerda, mais notória na marcha continuada, ao subir e descer escadas e/ou na marcha em pisos irregulares e dificuldades acrescidas ao acocorar-se.
Ao nível das mãos, o autor apresenta um défice acentuado de força de prensão e capacidade de manipulação com a mão direita; pinça fina ineficaz com dificuldade em pegar em pequenos objectos, sendo incapaz de encerrar completamente os dedos da mão esquerda (D2, D3 e D4), sendo certo que o descrito défice se traduz numa objectiva e notória incapacidade funcional que afecta membros estruturais fundamentais para a execução de qualquer tarefa, no caso concreto, das mãos, sem prejuízo de numa delas a alteração ser bem mais significativa e relevante em termos de alteração da integridade física.
Profissionalmente, em matéria de exercício da actividade habitual – de vendedor – o autor revela problemas ao nível do ostostatismo/bipedestação prolongada; não consegue usar a pistola de pintura com a mão esquerda, referindo dores intensas e edema vespertino, após longos períodos de pé ou depois de estar na mesma posição muito tempo, sendo as descritas sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Também, nos actos normais da vida diária, o autor revela dificuldades acrescidas em todas as actividades e gestos da vida diária que o obriguem a usar a mão esquerda, nomeadamente, na utilização dos talhares, no apertar botões, abrir manípulos das portas, etc.
Igualmente, revela dificuldades acrescidas na condução de moto - por dificuldade no uso da embraiagem, em regra manípulo da mão esquerda - assim como também se vê limitado na condução do carro, em particular, no uso repetido da embraiagem durante viagens longas ou em circuitos citadinos, tendo, inclusivamente, abandonado os passeios de moto aos Domingos de manhã com o seu grupo de amigos.
Finalmente, ao nível afectivo, social e familiar teve de abandonar a prática das artes marciais (karaté e Krav Mag), estando igualmente limitado na prática de outras actividades desportivas tais como a corrida e a natação.
Provou-se, também, que após, todos os tratamentos e terapias, o Autor mantém queixas de dor (++) ao nível do pé esquerdo, na prensão da mão esquerda, nomeadamente ao bater com os dedos, sendo que o nível de dor no punho direito é bem mais ligeira.
Em termos de sequelas relacionadas com o evento ao nível do membro superior direito ficou com uma cicatriz cirúrgica com 9 cm de comprimento na face anterior do terço distal do antebraço com dor à palpação da extremidade distal da cicatriz junto à eminência tenar; cicatriz de cor arroxeada na face interna do cotovelo com 2 cm e 3 cm., evidenciando, ainda, limitação (rigidez) da mobilidade do punho nos limites máximos da dorsiflexão anterior e flexão palmar.
No membro superior esquerdo, o autor ficou com uma limitação marcada da mobilidade dos dedos da mão, sendo incapaz de encerrar por completo os dedos da mão (D2, D3 e D4), com o polegar e dedo auricular livres. Aliás, o 3º. dedo em ligeiro flexo da IFP, algo deformado e com anquilose da IFP e rigidez da IFD, anquilose da IFP do 2º. dedo e 4º. Dedos, tendo perdido neste membro a capacidade de pinça fina.
Ao nível do membro inferior esquerdo ficou com sequelas de fractura de Lisfranc com rigidez das articulações médio-társica e tarso-metatarsica (Lisfranc) (++), apresenta uma cicatriz com 4 cm por 2cm, distróficas, localizada na face interna do pé (médio-pé), com área de pele adjacentes com alterações tróficas (insuficiência venosa pós-traumática), com edema dos tecidos moles do pé com dor intensa à palpação do dorso do pé junto à dobra, com rigidez ligeira da articulação tibiotársica (+ dorsiflexão anterior) e movimentos de inversão/eversão do pé muito diminuídos.
Estas sequelas afectam de modo objectivo a postura e a marcha do autor.
Ora, considerando a matéria de facto dada como provada é manifesto que o valor defendido pela Ré/Recorrente, para compensar o Autor, aqui Recorrido, pelo dano não patrimonial sofrido é manifestamente escasso.
Afigura-se-nos, ainda, que o montante fixado pelo Tribunal a quo peca por defeito.
Em face ao exposto parece-nos desadequado o valor de € 25.000,00 proposto pela ré/apelante.
No entanto, também nos parece exíguo o valor de € 35.000,00 fixado pelo Tribunal a quo à luz dos critérios da jurisprudência dominante.
Ora, conforme já referimos, a indemnização, a título de danos não patrimoniais, deverá, como sabemos, compensar o lesado pelos danos físicos e morais sofridos e a sofrer.
Também aqui inexistem critérios “exactos”, fixados por lei, determinando esta que, à míngua desses critérios, a indemnização seja arbitrada com base na equidade.
Assim, aplicando as regras da equidade, deve in casu, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente, acima reproduzidas.
Ora, da factualidade dada como provada vê-se que foram muito graves as consequências do acidente no estado físico e moral da autora/recorrente.
As incapacidades, as dores e as consequências que ficam dos acidentes de viação constituem, em geral, para os lesados o fim de uma vida saudável e são ofensas ilícitas à personalidade física e moral das pessoas, direito fundamental consagrado constitucionalmente, pelo que o quantum indemnizatório deve constituir uma contrapartida digna e justa.
Todavia, uma vez definida autonomamente a compensação devida pelo dano biológico causado ao lesado, o montante indemnizatório devido pelos danos não patrimoniais ou morais complementares não pode ter em conta os factores que estiveram na origem da definição da compensação decorrente daquele dano biológico.
Todavia, como “lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral”, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, sendo que numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.
Assim, no caso dos autos, pensamos que a contrapartida justa e equitativa para compensar o autor pelos danos não patrimoniais, passados, presentes e futuros corresponderá, atenta a sua gravidade, se deverá cifrar no valor de € 45.000,00, actualizada a esta data.
Impõe-se, assim, neste segmento a improcedência do recurso interposto pela ré e a procedência parcial do recurso interposto pelo autor.
*
Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
………………………
………………………
………………………
*
5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em:
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré, reduzindo o montante da indemnização pelo dano biológico em que a ré foi condenada para o montante de € 60.000,00, improcedendo o recurso no demais;
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, alterando o valor de indemnização pelos danos não patrimoniais em que a ré foi condenada para o montante de € 45.000,00, improcedendo o recurso no demais e mantendo-se o demais já decidido em primeira instância.
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Custas do recurso interposto pela ré a cargo da ré/apelante e do autor/apelado na proporção do decaimento e custas do recurso interposto pelo autor a cargo do autor/apelante e da ré/apelada na proporção do decaimento.
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Notifique.
Porto, 28 de Setembro de 2023
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
Isabel Ferreira
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)