Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
842/21.3T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONCURSO ENTRE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E AQUILIANA
DEVERES ACESSÓRIOS DE CONDUTA
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: RP20240205842/21.3T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As declarações de parte, interessadas e, em regra, por natureza, não isentas, não podem fundamentar a prova da versão dos factos apresentada pelo próprio declarante em seu benefício, sem que sejam corroboradas por quaisquer outros elementos de prova.
II - A responsabilidade civil comporta: i) a contratual (obrigacional), fundada em violação do contrato (falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários); ii) e a extracontratual (delitual/aquiliana) que emerge não de violação de contratos, mas sim, da violação de normas que impõem deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado (violação de normas gerais que tutelam interesses alheios, de deveres genéricos de respeito); iii) modalidades clássicas de responsabilidade, estas, a que acresce, ainda, uma “via intermédia”, uma “terceira via”, a englobar situações como a de violação de deveres que decorrem da boa fé, geradora de responsabilidade pré-contratual (art. 227º, do Código Civil) e pós-contratual, de violação de deveres específicos decorrentes do dever de boa fé negocial que, não chegando a constituir obrigações em sentido técnico, se apresentam como um mais relativamente aos deveres genéricos de respeito contrapostos aos direitos absolutos, em que a proteção e a confiança impõem tutela.
III - Situações se geram de concurso entre responsabilidade contratual e aquiliana, mais frequente no domínio do cumprimento defeituoso, caminho fértil para danos diversos do domínio contratual e delitual, podendo uma única pretensão indemnizatória ter aquele duplo fundamento. Tal concurso não é, porém, em regra, real, efetivo, mas meramente aparente (concurso de normas) dado que sempre que há violação de contratos nos temos de mover no específico regime destes (que consome o regime delitual), imbuído do princípio da autonomia privada (405º, do CC) e da liberdade contratual (nº1, do art. 406, do CC), em todas as suas vicissitudes, o qual, atento o espírito do sistema, se não pode abandonar, sequer em matéria de ressarcimento de danos;
IV - Regras da boa fé, esta a fundamentar a constituição de deveres acessórios ou laterais de conduta, demandam a proteção da contraparte num contrato e deveres no trafego impõem cuidados a quem cria especiais perigos.
V - A responsabilidade obrigacional (art. 798º), a via intermédia de responsabilidade e a responsabilidade extracontratual (art 483º), supõem um ilícito (o incumprimento de obrigação), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este, sendo que naquele regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º) e nestes, em regra (a comportar exceções como a do nº2, do art. 493º), tem de ser provada pelo credor da indemnização (nº1, do art. 487º), tal como os restantes pressupostos (sendo factos constitutivos do direito - v. nº1, do art. 342º, preceitos do Código Civil), sem cuja verificação se não constitui obrigação de indemnizar.
VI - Num caso como o dos autos, em que ficou provado que a queda foi causada, unicamente, pela conduta culposa da Autora, lesada, que, entrando em zona assinalada como de acesso proibido a pessoas estranhas ao serviço de atividade de inspeções de veículos automóveis e caminhando distraída (a verificar o que levava nas mãos) cai numa fossa, iluminada, a indemnização está totalmente excluída, dado que apenas à Autora pode ser imputado um comportamento ilícito e culposo, estando-se no âmbito de culpa do lesado .
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 842/21.3T8PVZ.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – juiz 3

Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. António Mendes Coelho
2º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorridas: A..., Lda. e  B... – Companhia de Seguros, S.A


AA veio propor a presente ação declarativa, com processo comum, contra A..., Lda. e B... – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação, solidária ou conjunta, das rés no pagamento de €77.844,66, importância acrescida de juros, desde a citação e até integral pagamento, e, ainda, de quantia a liquidar em decisão ulterior correspondente ao custo de cirurgia estética a que a autora terá de se submeter e tratamentos de fisioterapia, consultas de ortopedia e outras despesas médicas de que necessitará.
Alegou, para tanto e resumidamente, que sofreu uma queda num fosso existente nas instalações da ré aquando da realização de uma inspeção periódica ao seu veículo automóvel, contratada por si com a ré, consequente a falta de diligência de trabalhador por conta da ré ao dar-lhe indicações e a violação de diversos deveres de cuidado por parte da ré a respeito de precauções de segurança nas instalações, e que da queda lhe resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais que especifica, tendo a responsabilidade civil emergente da exploração dos equipamentos de inspeção em causa sido assumida pela ré pelo contrato de seguro que refere.
Ambas as Rés contestaram tendo-se, quer a Ré A... quer a Ré B..., defendido por impugnação, ao negarem factos alegados pela Autora, e por exceção, ao invocarem a prescrição do direito da autora dado o acidente se ter verificado mais de três anos antes da propositura da ação. Sustentam ter a Ré A... cumprido todas as regras de segurança e sinalização no centro de inspeção de veículos em questão e ter-se a queda da Autora no fosso ficado a dever a culpa sua, que circulava em zona proibida e o fazia distraída.
A Autora respondeu pugnando pela improcedência das exceções invocadas pelas Rés.

Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.


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            Foi proferida sentença com a seguinte

parte dispositiva:

“Pelo exposto decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver as rés do pedido.

Custas pela autora”.


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Apresentou a Autora recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença recorrida, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:
“1ª. Sendo atualmente admissível a prova por declarações de parte, que devem ser apreciadas livremente, desde que não constituam confissão (art. 466º, nº 3, do CPC), será de admitir a auto-suficiência dessas declarações, ou seja, elas podem servir de apoio autónomo e autosuficiente para a convicção do juiz; a exigência de que tais declarações sejam corroboradas por outros meios de prova é critério que pode ser seguido no âmbito da referida livre apreciação, mas que a lei não impõe.
2ª. Os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, nada obstando, inclusive, a que, em última instância, aquelas, ponderadas de acordo com o critério da livre apreciação da prova, possam constituir o único suporte probatório de um facto; A conclusão final sobre a credibilidade e o valor de um depoimento ou de umas declarações de parte alcança-se quando tal conteúdo “é enquadrado com a restante prova produzida, permitindo aferir da existência de linha de continuidade entre esse depoimento e o conjunto do material probatório recolhido.
3ª. As declarações de parte apenas são admissíveis se corresponderem a prova direta (factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou sejam do seu conhecimento direto), não se convertendo automaticamente numa demonstração imediata e suficiente dos factos controvertidos, tratando-se antes de uma prova habilitada, cuja valoração está sujeita à livre apreciação do tribunal.
4ª. Não será de afastar desde logo as declarações de parte da Autora apenas porque a mesma reveste essa condição de parte, tanto mais que a sua versão dos acontecimentos, como a sentença não deixa de reconhecer, mostra-se corroborada pelo relatório junto nos autos (documento 3 junto com a p.i.)
5ª. Relativamente à dinâmica do acidente e cumprimento de obrigações de segurança pela ré A..., sustenta-se na decisão recorrida: O único meio de prova que sustentou directamente a dinâmica do acidente nos termos alegados pela autora foram as declarações de parte da própria autora. Trata-se de um meio de prova de valia muito limitada para sustentar uma convicção probatória favorável à própria declarante. Salvo em casos muito excepcionais, as simples declarações de parte não apoiadas em outros meios de prova serão insuficientes no desiderato probatório.
Embora com marcas de fiabilidade e esforços de precisão, as declarações em causa acabaram sobretudo contrariadas por outros meios de prova.
6ª. Sustenta-se ainda o Mº Juiz “a quo”, em sede fundamentação da decisão de facto que embora com marcas de fiabilidade e esforços de precisão, as declarações em causa acabaram sobretudo contrariadas por outros meios de prova, que indica como sem do os depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC.
7ª.Ora se atentarmos desde logo e pormenorizadamente na parte transcrita na sentença de tais depoimentos, podemos concluir que:
a) BB, inspector de automóveis foi funcionário da Ré A..., que não saiu em litígio com ela, efetuou a inspeção do veículo da Autora, confirma ter entregue os documentos na zona de inspecção, ter sido logo chamado a outro serviço, não ter acompanhado a autora ao carro, e não ter indicado à autora nenhum percurso específico para se dirigir ao veículo, embora num primeiro momento tivesse feito menção a isso.
Trata-se pois de depoimento que num aspeto essencial embora discordante das declarações de parte se revela hesitante relativamente à indicação do percurso para a Autora se dirigir ao seu veículo, quando é certo que foi determinante para a queda da Autora a indicação desse percurso, apesar de haver divergência quanto ao seu acompanhamento no mesmo percurso.
Não pode pois extrair-se com segurança do referido depoimento que não tenha sido indicado à Autora o percurso que deveria efetuar até atingir o seu veículo parado à frente da fossa de verificação técnica.
b) CC, inspector de automóveis, foi também funcionário da Ré A..., também não saiu em litígio com ela, apercebeu-se da iminência da queda, mas não foi a tempo de a evitar.
Confirma que a autora ia distraída, mas apontou o telemóvel como foco da distracção. Não tinha recordação se BB a acompanhou em parte do percurso.
Trata-se pois de um depoimento que em nada esclarece relativamente às questões essenciais, designadamente não se recordando se BB acompanhou a Autora no seu percurso ou se este lhe foi indicado e que se revela confuso e pouco compreensível, sobretudo quanto à informação de que a Autora se terá distraído com o uso do telemóvel.
8ª. Relativamente à profissão e rendimentos do trabalho da autora, sustenta-se na decisão recorrida:
Foi parca a prova oferecida sobre estes factos e teria sido fácil oferecer prova mais robusta, sobretudo documental.
Resumiu-se às declarações da autora e de seu pai, DD. Ambos confirmaram que à data do acidente a autora concluíra a licenciatura e ia começar a trabalhar no mês seguinte. Referiram que a autora actualmente trabalha em Amsterdão como gestora de produto, mas apenas a autora referiu o seu actual vencimento, o que foi insuficiente para objectivar uma confissão a respeito.
9ª.Sustenta-se na decisão recorrida que o teor do relatório junto como documento n.º 3 com a petição, acaba por verter a versão da autora, a que segue a afirmação de que o representante da ré A... na diligência de reconstituição do acidente não terá colocado em causa tal versão, mas o descrito logo nos parágrafos que seguem aponta para que, ao contrário, a versão tenha sido colocada em causa. “
Para tanto sustenta-se que “EE, que acompanhou a reconstituição, não confirmou a versão da autora, nem se recordava de ter validado tal versão aquando da reconstituição, referindo que, na altura do acidente, viu apenas a entrega de documentos à autora na recepção, mas não o percurso seguido até cair na fossa.”
10ª.Ora, tal depoimento revela-se manifestamente contraditório, sendo de salientar que se trata de um funcionário da Ré A... (responsável do Centro de Inspeções). Com efeito afirma não se recordar de ter validado a versão constante do documento 3 junto com a petição, mas nega a versão da Autora.
11ª.Ao não valorar, como devia, as declarações de parte da Autora, a sentença recorrida fez errada interpretação do disposto no artigo 466º, nº3 do Código de Processo Civil.
12ª.Foi alegada matéria de facto pela Autora suscetível de imputar à Ré A..., por intermédio de um seu colaborador, contributo para o comportamento da Autora e para o desfecho que a vitimou, confirmada pelas depoimento da Autora, que ficou gravado no sistema de gravação de 00:00:00 a 00:33:28 (20230118141845). concretamente de 14:18.45 a 14:52:14 e pelo depoimento da testemunha, DD, que ficou gravado no sistema de gravação de 00:00:00 a 00:19:27 (20230118145556). concretamente de14:55:57 a 15:15:24.
13ª. Consta do documento 3 junto com a petição, que é um relatório elaborado pela C..., Lda., empresa que se dedica a atividade de avaliação de riscos e danos, com sede em ..., no Porto, sobre as condições de funcionamento do CTIV pertencente à Ré A..., designadamente quanto à segurança dos utentes e particularmente no que se refere à fossa de verificação de folgas, no qual se conclui, por método comparativo com outro centro de inspeções, que a fossa do CTIV não tem sinalização e proteção adequadas e que as condições de acessibilidade e de estacionamento de veículos são deficientes.
14ª. Deve ser dado como provado que o funcionário da 1ª Ré, BB, que realizou o procedimento de inspeção, chamou a Autora e pediu para o acompanhar e sair pela porta direita que dá acesso à zona de inspeção, iniciando ambos o atravessamento desta zona, de forma oblíqua em direção ao local onde se encontrava parado o veículo, que, chamado por outro colaborador, o inspetor se separou dela a meio do percurso, lhe entregou a documentação relativa à inspeção e lhe apontou o restante percurso até ao mesmo veículo.
15ª. Devem pois tais factos ser aditados aos factos provados sob as alíneas j) e k), sugerindo-se a seguinte redação:
FACTO PROVADO (alínea j):
“No final do procedimento, o funcionário em questão dirigiu-se ao local onde a Autora se encontrava e chamou-a para o acompanhar e sair pela porta direita que dá acesso à zona de inspeção, iniciando ambos o atravessamento desta zona, de forma oblíqua em direção ao local onde se encontrava parado o veículo”
FACTO PROVADO (alínea k)
“A meio do percurso o referido funcionário, chamado por um seu colaborador, entregou à Autora a documentação relativa à inspeção e apontou-lhe o restante percurso até ao veículo e enquanto a Autora examinava dos documentos entregues, colocou inadvertidamente um pé a fossa e caiu dentro dela “.
16ª. Foi alegada matéria de facto relativa à atividade profissional da Autora desde a data do acidente até hoje e rendimentos por ela auferidos, comprovados pelos documentos 27, 28 e 29 juntos com a p.i., confirmada pelo depoimento da Autora, que ficou gravado no sistema de gravação de 00:00:00 a 00:33:28 (20230118141845). concretamente de 14:18.45 a 14:52:14.
17ª. Deve ser dado como provado que a Autora trabalha na empresa D..., auferindo mensalmente cerca de 4.000,00 €.
18ª. Devem pois tais factos ser aditados ao factos provado sob a alíneas Y), sugerindo-se a seguinte redação:
FACTO PROVADO (alínea Y):
“Atualmente a Autora trabalha como gestora de produto, em Amsterdão, na empresa D..., auferindo mensalmente cerca de e 4.000,00.
19ª. Prevê o nº2 do artigo 493º do Código Civil que “quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Ora, a fossa dos CTIV, é indiscutivelmente um equipamento ou meio técnico perigoso que carece de especiais cuidados na sua utilização e na sua proteção dos utentes.
20ª. A Ré A... não cuidou de vedar, em termos de não ser facilmente acessível, a zona envolvente do fosso, sem prejudicar a intervenção técnica que tal equipamento desempenha e na saída da zona da receção não colocou sinalização percetível ao comum dos utentes, impeditiva do acesso à zona de inspeção.
21ª. Por outro lado, para o comportamento da Autora e o desfecho que a vitimou, contribuiu decisivamente o colaborador da Ré A..., pois conduziu-a a zona de inspeção, iniciando ambos o atravessamento desta zona, de forma oblíqua em direção ao local onde se encontrava parado o veículo da Autora.
E depois, a meio do percurso abandonou a Autora, sem cuidar que esta atingiria, sem percalços, o seu veículo automóvel.
22ª. A Autora em nada contribuiu para a produção do acidente, ou se contribuiu, a sua conduta é desculpável pois não lhe era exigível que num espaço regulado e supostamente controlado, pudesse contar com a existência de uma fossa, sendo certo que o procedimento normal e habitual é o proprietário do veículo acompanhar, ao longo de percurso assinalado no pavimento, as várias etapas ao ato inspetivo e nele ter colaboração ativa, conduzindo o veículo, e quando em cima da fossa, efetuar travagem do mesmo e rodagem do volante para ambas as direções.
23ª. O comportamento do funcionário/colaborador da Ré A... e o desrespeito por esta, das normas de segurança, configuram a prática do crime de ofensas à integridade física por negligência, quer por ação, quer por omissão, cometido na pessoa da Autora, previsto no artigo 148º, nº1, do Código Penal.
24ª. Sustenta-se na decisão recorrida, com apoio jurisprudencial que “a actividade de inspecção de veículos em geral não se distingue especialmente de uma normal oficina mecânica de reparação de veículos que, de forma algo paralela à construção civil, não se pode subsumir ao conceito de actividade perigosa, particularmente quando nos centramos na probabilidade de causar danos aos donos dos veículos.
25ª. Cumpriria assim à autora demonstrar a imputação da violação da sua integridade física à autora por dolo ou mera culpa da sua gerência ou representantes.
26ª. Ora, a empresa que recebe clientes nas suas instalações deve manter os equipamentos perigosos ,e de existência e modo de funcionamento desconhecidos da generalidade dos clientes, protegidos de modo a que um cliente não consiga deles aproximar-se por mera distração, sob pena de responder pelos danos causados pelo contacto inadvertido de um cliente com o dito equipamento.
27ª. Prevê o artigo 493º do Código Civil: quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir.
28ª. A fossa de verificação técnica é um equipamento perigoso, pelo que os acidentes causados por ela devem imputar-se à empresa, visto que esta não demonstrou ter tomado as providências mais adequadas para os evitar e que passariam por um cordão, barreira ou murete que impedisse a aproximação inadvertida.
29ª. A contribuição da Autora para o sinistro, objetivamente importante (afinal foi o autora que, pelo seu próprio pé, se deslocou para dentro da fossa), afigura-se desculpável por não ser exigível que o inspecionada esteja com todos os sentidos alerta, num espaço regulado e supostamente controlado, onde está num espírito de alguma contrariedade, tensão e nervosismo.
30ª Ao considerar inexistir responsabilidade contratual e extracontratual da 1ª Ré, a sentença recorrida violou e fez errada interpretação do disposto nos artigos 483º e 493º, n2 do Código Civil.
31ªAtenta a factualidade provada constante das alíneas c), d), e), f), g) e h) dos Factos Provados, conclui-se que a responsabilidade extracontratual da 1ª Ré foi transferida para a 2ª Ré, através do contrato de seguro identificado na citada alínea c), pelo que devem as Rés ser conjunta, solidaria ou individualmente condenadas a pagar à Autora as indemnizações a que esta tem direito e que quantificou em € 77.844,66 e que este Tribunal Superior fixará”.

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           Respondeu a 1ª Ré, A... pugnando por que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1.ª- O M.º Juiz a quo formou livremente a sua convicção, à luz dos critérios legais pertinentes, atribuindo a devida valoração aos documentos constantes dos autos e aos depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento.
2.ª- Nestas circunstâncias, não existem motivos válidos que possam justificar qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3.ª- A factualidade apurada permite concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da própria recorrente.
4.ª- Nada resultou provado que permita imputar alguma responsabilidade, ainda que residualmente, à recorrida A..., cuja atividade não pode, ademais, ser qualificada como “atividade perigosa”.
5.ª- Face ao naufrágio da recorrente na prova dos fundamentos da ação, o Tribunal a quo não apreciou nem decidiu a questão da prescrição dos direitos invocados pela recorrida, questão esta cujo conhecimento ficou prejudicado.
6.ª- Porém, admitindo a possibilidade (certamente muito remota) de ser atendidos os fundamentos do recurso, haverá que apreciar e decidir a sobredita questão da prescrição.
7.ª- Os direitos que a recorrente pretende fazer valer contra a recorrida fundam-se em (pretensa) responsabilidade civil extracontratual.
8.ª- De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 498.º do mesmo diploma legal, “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento (…) da extensão integral dos danos…”.
9.ª- O evento danoso (queda) que a aqui recorrente alega ocorreu em 24 de janeiro de 2017 e foi neste mesmo dia (24/01/2017) que a mesma recorrente teve conhecimento do dito evento e, bem assim, da generalidade das suas consequências danosas.
10.ª- A recorrida, todavia, somente em 09 de junho de 2021 foi citada para a presente ação, a qual deu entrada em juízo em 05 de junho de 2021.
11.ª- Em qualquer das referidas datas, mostravam-se já transcorridos mais de três anos, quer sobre a mencionada data da ocorrência do sinistro, quer do seu conhecimento pela recorrente e, bem assim, do correspondente direito de indemnização que (pretensamente) lhe compete.
12.ª- Assim, os direitos invocados pela recorrente, estão irremediavelmente prescritos – cfr. cit. art. 498.º, n.º 1, do Código Civil – prescrição esta que, constituindo exceção perentória que importa a imediata absolvição da recorrida do pedido – cfr. art. 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
13.ª- A prescrição invocada, na eventual, mas remota, hipótese de procedência das questões suscitadas pela recorrente, deverá ser agora conhecida e declarada por este Colendo Tribunal, com a consequente extinção dos direitos cuja titularidade se arvora a recorrente.

          Respondeu a 2ª Ré, B..., sustentando dever o recurso interposto pela autora improceder ou, caso assim não se entenda, ser apreciando o objeto do recurso ampliado nos termos que requerer, e julgada procedente por exceção perentória de prescrição e absolvida do pedido, o que faz com base nas seguintes


CONCLUSÕES:

“A – Da apelação da autora

1 - O Tribunal a quo dentro do poder que tem de livre apreciação da prova – cfr. artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC –, soube fazer a devida leitura das declarações de parte prestadas pela autora, dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas em sede de julgamento, confrontando-os com os demais meios de prova.

2 - O Tribunal não pode ficar convencido sobre a factualidade favorável à procedência da ação recorrendo apenas às declarações prestadas pela parte interessada na prova de tais factos.

3 - As declarações de parte da autora foram prestadas por quem tem interesse na decisão da causa e, por isso, favoráveis a quem as prestou, não sendo aptas a fazer prova, por si só, dos factos que a parte pretende provar, tanto mais que não se encontram corroboradas por outros meios de prova.

4 - Mesmo que se admitisse a tese pugnada pela recorrente, da autossuficiência das declarações de parte, prestadas por si, para fazer prova da factualidade também por si alegada na ação, as declarações da autora foram insuficientes e contrariadas por outros meios de prova não alcançando o efeito jurídico pretendido pela apelante.

5 - A fundamentação factual da sentença encontra-se alicerçada na prova efetivamente produzida. Devendo manter-se inalterada a redação das alíneas j), k) e y) por corresponder à factualidade efetivamente demonstrada nos autos.

6 - O tribunal a quo decidiu acertadamente ao declarar inexistir responsabilidade contratual e extracontratual da ré A....

7 - Acresce que não se afigura que a atividade de inspeção de veículos constitua uma atividade perigosa em si mesmo ou pela natureza dos meios utilizados.

8 - De todo o modo, sempre se acrescentará que o centro de inspeções cumpriu com os normativos legais que lhe são aplicáveis, existindo sinalética adequada ao caso e conforme referido na sentença a infeliz queda resultou “… resultou de falta de diligência da própria autora, que circulou numa zona de inspecção delimitada e com advertências de proibição de circulação e, por falta de atenção, caiu numa fossa dentro dessa zona, delimitada, sinalizada e iluminada.”

9 - O Tribunal a quo, face à prova produzida, fazendo a correta apreciação da matéria de facto dada como provada e a correta determinação das normas aplicáveis, decidiu acertadamente pela absolvição, das rés, do pedido.

B – Do recurso ampliado

10 - A douta sentença, tendo julgado a ação improcedente por falta de sustentação factual, absteve-se de conhecer da prescrição invocada pela apelada.

Importa, no entanto, e na hipótese de procedência da pretensão recursória da apelante, que a exceção de prescrição seja apreciada por este Venerando Tribunal.

11 - O acidente relatado nos autos deu-se no dia 24 de janeiro de 2017. O direito de indemnização prescreve passados três anos, conforme dispõe o artigo 498.º, n.º 1 do CC.

12 - A autora tem conhecimento do seu direito desde a data do acidente, designadamente, o de propor ação contra as rés.

13 - Tendo o acidente ocorrido no dia 24 de janeiro de 2017, a prescrição ocorreu no dia 24 de janeiro de 2020.

14 - Nos termos do artigo 323.º, n.º 1 do C. Civil, a prescrição interrompe-se, nomeadamente, pela citação, que é o ato que aqui releva. Tanto a 2.ª ré, como a sua segurada, a 1.ª ré, foram citadas para a ação em 9 de junho de 2021, muito depois do prazo de prescrição ter terminado.

15 - Face ao exposto, o direito da autora em ser indemnizada em virtude deste acidente, encontra-se prescrito nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do C. Civil, dado ter sido excedido o prazo de três anos na interrupção da prescrição.

16 - Mas mesmo no caso de se colocar a possibilidade da apelante eventualmente gozar do prazo prescricional mais alargado, de 5 anos, decorrente da aplicação conjugada das normas do artigo 498.º n.º 3 do C. Civil, e artigos 148.º, n.º 1 e 118.º, n.º 1, al. c) do C. Penal, seria necessário provar a culpa efetiva da 1.ª ré no cometimento de ofensas à integridade física por negligência. O que não se verifica in casu.

17 - Em consequência, deve ser julgada procedente por provada a exceção perentória de prescrição e a apelada absolvida do pedido - cfr. artigos 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC”.


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            Não foram apresentadas contra alegações.

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            Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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            II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

           Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto;
   1.2- Da modificabilidade da decisão de facto:
 1.2.1 - Dos critérios do julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação; e
 1.2.2 - Das alterações ao decidido.
  2ª- Do erro da decisão de mérito:
2.1– Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (seja contratual, extracontratual ou terceira via/intermédia/de confiança) e da obrigação de indemnizar;
2.2 - A verificarem-se, da procedência da exceção da prescrição do direito da Autora.

3ª - Da responsabilidade tributária.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

            1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):

a) Em 24/01/2017, a A., cerca das 11.00 h, estacionou o seu veículo de marca e modelo ..., matrícula ..-FH-.., em zona de estacionamento do Centro de Inspeções de Veículos, propriedade da R. A..., sito na Rua ..., em ..., Matosinhos;

b) Pretendia a A. que a R. A... efetuasse a inspeção anual ao seu referido veículo, motivo porque se dirigiu à receção/secretaria do Centro de Inspeções para apresentar o certificado de matrícula e o documento relativo à última inspeção;

c) Por contrato de seguro válido e eficaz, no momento do acidente, titulado pela apólice nº ...23, a Ré A... havia transferido a sua responsabilidade civil de exploração, profissional e equipamentos de laboração para a Ré, B... – Companhia de Seguros, SA, sendo o capital seguro de € 250.000,00;

d) Incluindo a condição especial, relativa à responsabilidade civil dos Centros de Inspeção Obrigatória de Veículos, com um sublimite de capital de € 100.000,00;

e) Nos termos do artigo 2º, nº2, alínea a), da referida condição especial da apólice, ficam garantidos os danos causados a pessoas ou às viaturas confiadas à guarda do segurado para inspeção técnica ou qualquer outro trabalho próprio da sua atividade, em consequência de atos ou omissões do segurado ou das pessoas ao seu serviço no exercício da atividade;

f) Nos termos da alínea i) do mesmo nº2 do artigo 2º, ficam garantidos os danos decorrentes da queda de veículo ou pessoa nas fossas das linhas de inspeção ou do parque das instalações do segurado;

g) Nos termos da alínea j) do mesmo nº2 do artigo 2º, ficam ainda garantidos os danos decorrentes da deficiente marcação/delimitação das zonas de acesso aos equipamentos, fossas e corredores de circulação de clientes, existentes nas instalações do segurado;

h) Por outro lado, prevê o nº2 ainda do mesmo artigo 2º que a cobertura prevista na referida condição especial garante os danos causados a colaboradores, clientes e/ou terceiros decorrentes da laboração dos equipamentos de inspeção, medição e ensaio ou outros, utilizados na atividade segura, quando se encontrem sob a direção efetiva do segurado e sejam utilizados no seu interesse;

i) Na sequência do descrito em a) e b) um funcionário da ré A... deu início ao procedimento de inspeção, enquanto a autora permaneceu na zona de receção;

j) No final do procedimento, o funcionário em questão dirigiu-se ao local onde a autora se encontrava, entregou-lhe a documentação respeitante à inspeção periódica e disse-lhe que podia retomar o veículo, que se encontrava parado em frente à fossa de verificação técnica, no final da linha de inspeção, no lado oposto da receção;

k) A autora dirigiu-se então ao seu veículo, atravessando de forma oblíqua a zona de inspeção, enquanto examinava os documentos entregues, e colocou inadvertidamente um pé na fossa e caiu dentro dela;

l) A fossa onde a autora caiu estava delimitada por um lancil de metal, descontinuado no centro, com o contorno delimitado a tinta amarela, e estava iluminada no seu interior, não tendo, no entanto, qualquer vedação do tipo corrimão ou guarda-corpos;

m) A zona de inspeção encontrava-se delimitada da zona de circulação de clientes, que permite o acesso aos veículos no fim do percurso, por linhas contínuas pintadas a tinta amarela, e existiam letreiros no local com a advertência de ser proibida a circulação na zona de inspeção;

n) Na sequência do acidente a autora foi transportada para o Hospital 1..., onde foi observada e realizou radiografia ao cotovelo, sendo diagnosticada fratura e luxação do cotovelo esquerdo;

o) Para tratamento, foi submetida no mesmo dia a cirurgia no Hospital 2..., com colocação de material de osteossíntese, que implicou dois dias de internamento;

p) Teve alta com tala imobilizadora e suspensão do membro;

q) Foi, ainda, seguida em consultas de ortopedia no mesmo Hospital e realizou fisioterapia;

r) Em maio de 2017 foi novamente submetida a cirurgia para remoção do material de osteossíntese e realizou após tratamentos de fisioterapia;

s) Em maio de 2019 foi reobservada e teve indicação para realização de exercícios de fortalecimento muscular que cumpre por si própria;

t) Como sequelas das lesões após tratamento a autora apresenta cicatriz nacarada no cotovelo e antebraço esquerdo, com 9x0,5 cms, amiotrofia do braço e antebraço esquerdo de 0,5 cms, por comparação com o direito, e dor em alguns movimentos do cotovelo;

u) Em consequência de tais sequelas a autora tem dificuldade em carregar pesos, e em carregar caixas e pendurar roupa em cabides altos, atos frequentes na sua atividade profissional, por dor no cotovelo, sofre algumas dores nas alterações meteorológicas, procura esconder a cicatriz com vestuário por que opta, suporta dor em alguns exercícios na atividade de ginásio que mantém e ao andar de bicicleta;

v) Em consequência das lesões sofridas, a autora sofreu défice funcional temporário de 172 dias, com repercussão temporária parcial no mesmo período, quantum doloris de grau 4 em 7, dano estético de grau 2 em 7, défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixado em 2 pontos, repercussão permanente nas atividades desportivas e de laser de grau 1 em 7;

w) A autora nasceu em ../../1995;

x) À data do acidente, a autora concluíra a licenciatura e ia iniciar atividade profissional no mês seguinte;

y) Atualmente, a autora trabalha como gestora de produto, em Amsterdão;

z) Pelos tratamentos e exame que lhe foram prestados no Hospital 1... a autora pagou €75,00;

aa) Pelos tratamentos, internamento e cirurgia realizados no Hospital 2... em 24/01/2017 a 26/01/2017, incluindo honorários dos profissionais de saúde intervenientes, a autora pagou €2.297,26;

bb) Por estacionamento no Hospital 2... em 24 e 25/01/2017, para se submeter a tratamentos e cirurgia, a autora pagou €22,75;

cc) Pela tala imobilizadora referida em p) a autora pagou €36,50;

dd) Em sessões de fisioterapia a autora despendeu €155,00;

ee) Em momento posterior ao pagamento, a autora beneficiou de reembolsos parciais das despesas descritas em z), aa), cc) e dd), por via de contrato de seguro de saúde, em montante não apurado;

ff) Em consequência das lesões resultantes no acidente e subsequentes sequelas a autora ficou impedida de realizar uma viagem a Paris, que já havia pago, sendo o custo viagem e estadia de €204,57, que não recuperou;

gg) Em consequência das lesões resultantes no acidente e subsequentes sequelas a autora ficou impedida de realizar uma viagem a Amsterdão, que já havia pago, sendo o custo viagem e estadia de €313,71, que não recuperou.


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            2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Considerou o Tribunal de 1ª instância não provado:

- Que o funcionário da ré tenha solicitado à autora que o acompanhasse até ao veículo, atravessando a área de inspeção na companhia da autora, de forma oblíqua, em direção ao veículo, que se separasse dela a meio do percurso, e lhe apontasse o restante percurso até ao veículo, com atravessamento da zona de inspeção e da fossa.

- Que o funcionário da autora lhe tenha apontado especificamente a zona de circulação de clientes referida em m) para aceder ao seu veículo.

- Que a autora estivesse ciente que não podia circular pela zona de inspeção quando realizou o percurso mencionado em k).

- Que a autora tenha indicação para realizar uma cirurgia estética para eliminação da cicatriz no cotovelo.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º.  Da impugnação da decisão de facto

1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto
Cumpre decidir da impugnação da decisão de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito. Antes, porém, cabe analisar a questão, de conhecimento oficioso, da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto (questão adjetiva, prévia à análise da apreciação de mérito da impugnação).
Encontram-se tais ónus de impugnação da decisão de facto enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório e constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação. Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º). E o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, verificando-se, no caso, que cumpriu a apelante os ónus, que lhe estão cometidos pelo nº1, do referido artigo 640º, pois que especificou nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos pontos de facto considera incorretamente julgados (al. a)) e deu, também, nas alegações (podendo fazê-lo no seu corpo), cumprimento aos demais ónus impostos, pacífico vindo a ser, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos apenas no corpo das alegações[1]. Assim sendo, manifesto é que a Recorrente cumpriu aqueles ónus, ao indicar nas conclusões do Recurso, que apresentou, a matéria de facto que pretendia impugnar, como se pode verificar de uma leitura das conclusões, supra citadas, mostrando-se os demais ónus, também, observados nas alegações oferecidas. Com efeito, apresentou a Autora alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deu cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, referindo os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indicando elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados (prova testemunhal produzida e documentos juntos) e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e exarando, ainda, passagens da gravação, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento. Tem de se entender que a Recorrente ao cumprir esses ónus, circunscreveu o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, sendo, por isso, de apreciar, também, esta vertente do recurso, o que passa a efetuar.


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1.2. Do mérito da impugnação da decisão de facto/modificabilidade de tal decisão:

1.2.1. Critérios do julgamento da Relação (âmbito da apreciação e autonomia decisória).
Podendo a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância sofrer de patologias, cabe à Relação, em caso de recurso, e a ser caso disso, alterá-la por forma a corrigir os erros de que padeça. Pode, também, dar-se o caso de, mesmo que erro na apreciação da prova se não verifique, o Tribunal da Relação, usando da sua autonomia decisória, entender introduzir as alterações solicitadas no compósito fáctico da causa, por diversa convicção sobre as provas, sendo que o princípio da livre convicção de julgador vigora, não só, no julgamento de facto em 1ª instância, como também, no Julgamento de facto da Relação, não estando este Tribunal vinculado à livre convicção do julgador do Tribunal inferior.
Vejamos.  
 As patologias a conhecer pelo Tribunal da Relação, dentro dos limites traçados pela lei, podem corresponder a:
i) erros de apreciação ou de julgamento;
ii) ou a outros erros, também estes, lato senso, de julgamento, como seja caso a envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º e situações de se não estar perante relevante matéria de facto e questões de facto. 
Em matéria de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, em caso de erro, estatui o nº1, do art. 662º, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“… se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Nesta conformidade, podendo a decisão da matéria de facto sofrer alterações, em caso de erro ou de divergência na apreciação probatória, “dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Ou seja, (…) a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão (cf. Abrantes Geraldes, ob. cit. , pp. 288-293)”.[2].
Os objetivos visados pelo legislador com o duplo grau de jurisdição em matéria de facto “designadamente quando esteja em causa decisão assente em meios de prova oralmente produzidos, determinam o seguinte: reapreciação dos meios de prova especificados pelo recorrente, através da audição das gravações (…); conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis, por constarem dos autos ou da gravação; (…) formação de convicção própria  e autónoma quanto à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão da matéria de facto que se considere erradamente julgada as modificações que forem consideradas pertinentes (cf. STJ 14-5-15, 260/70, STJ 29-10-13, 298/07, STJ 14-2-12, 6823/09 e STJ 16-12-10, 170/06). Cf. ainda Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, pp. 187-189, no sentido de que a Relação pode fazer uso de presunções judiciais que o Tribunal de 1ª instância não utilizou, bem como que alterar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida com base em presunções judiciais”[3].    
Deste modo, “a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o Tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levaram a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância[4], sendo que “a Relação goza dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607º, nº5, e a que especificamente se alude no arts. 349º (presunções judiciais), 351º (reconhecimento não confessório), 376º, nº3 (certos documentos), 391º (prova pericial) e 396º (prova testemunhal), todos do CC, bem assim nos arts. 466º, nº3 (declarações de parte) e 494º, nº2 (verificações não qualificadas) do CPC[5].
Cumpre referir que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
ii) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
iii) nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. E o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, tem de ser efetuado na consideração de a convicção do julgador em 1ª Instância ter sido construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC), que está atribuído quer ao tribunal da 1ª instância quer ao Tribunal de recurso, sendo que, contudo, na formação da convicção do julgador podem intervir elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[6].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[7].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da, demais, prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados. E norteando-se o julgamento pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, que continuam vigorantes, e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve atuado nos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8], devendo ser usado quando se possa concluir, de modo fundado e seguro, por outra convicção relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Assim, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem para direção diversa e justificarem outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
E na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova pelo Tribunal da Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras, estabelecendo-se a comunicação, também, por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados, uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos, devendo, contudo, esclarecer, na decisão, os elementos considerados, que entendeu de relevo.
Os factos incorporados em registos fonográficos devem ser alterados a existir convencimento pelo Tribunal de 2ª instância, com base em elementos lógicos e objetivos, em sentido diverso do considerado em 1ª instância, sendo que o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida, pelo que toda ela tem de ser revisitada e sopesada. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente a documental.

          Ponderando estas referências que deverão conduzir o julgamento da Relação que passamos a efetuar, os argumentos apresentados pela apelante e, ainda, os da parte contrária e debruçando-nos sobre a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto, com a qual se concorda, entendemos não se justificar alterar a decisão de facto pelas razões que, de seguida, se passam a expor.


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1.2.2 - Das alterações ao decidido pelo tribunal de primeira instância.

           Considerando que a prova indicada pela apelante e toda a restante produzida não é suficiente para dar uma resposta diversa aos factos impugnados, não pode a impugnação da decisão de facto deixar de improceder.
Analisemos.
Impugna a Autora a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida pretendendo que os factos provados j)[9], k)[10] e y)[11], passem a ter a seguinte relação:
 j):“No final do procedimento, o funcionário em questão dirigiu-se ao local onde a Autora se encontrava e chamou-a para o acompanhar e sair pela porta direita que dá acesso à zona de inspeção, iniciando ambos o atravessamento desta zona, de forma oblíqua em direção ao local onde se encontrava parado o veículo
k):“A meio do percurso o referido funcionário, chamado por um seu colaborador, entregou à Autora a documentação relativa à inspeção e apontou-lhe o restante percurso até ao veículo e enquanto a Autora examinava dos documentos entregues, colocou inadvertidamente um pé a fossa e caiu dentro dela”.
Y):“Atualmente a Autora trabalha como gestora de produto, em Amsterdão, na empresa D..., auferindo mensalmente cerca de € 4.000,00”.
Considerou o Tribunal a quo não provado:
“Que o funcionário da ré tenha solicitado à autora que o acompanhasse até ao veículo, atravessando a área de inspeção na companhia da autora, de forma oblíqua, em direção ao veículo, que se separasse dela a meio do percurso, e lhe apontasse o restante percurso até ao veículo, com atravessamento da zona de inspeção e da fossa”.
               Assim o julgou fundamentando: “O único meio de prova que sustentou directamente a dinâmica do acidente nos termos alegados pela autora foram as declarações de parte da própria autora. Trata-se de um meio de prova de valia muito limitada para sustentar uma convicção probatória favorável à própria declarante. Salvo em casos muito excepcionais, as simples declarações de parte não apoiadas em outros meios de prova serão insuficientes no desiderato probatório. Embora com marcas de fiabilidade e esforços de precisão, as declarações em causa acabaram sobretudo contrariadas por outros meios de prova. Tiveram também momentos de fragilidade, ao negarem a existência de lancil no rebordo da fossa e de sinalização da proibição de circular em áreas de inspecção, em contraste com fotografias juntas pela própria autora como documentos n.º 1 e 2 com a petição inicial (fls. 16 e 16, verso).

Em apoio destas declarações o tribunal encontrou o relatório junto como documento n.º 3 com a petição inicial (fls. 17), em vista a averiguação do sinistro. De partida, padecia desde logo da natural fragilidade decorrente de se tratar de averiguação contratada pela autora, que não apresenta normalmente uma equidistância em relação às partes. O teor do relatório acabou por deixar transparecer esta falta de equidistância. Ao tribunal acabou por ressaltar alguma propensão do relatório para forçar críticas sobre falta de cumprimento de requisitos de segurança, chegando mesmo a criticar a pouca exigência da regulamentação, que deveria prescrever (e não prescreve) um sistema automático de guarda com um metro de altura, a ser levantado quando a fossa não está a ser utilizada, crítica que se afigurou ao tribunal como pouco compatível com a operabilidade da fossa e com regulamentação infra citada.

O relatório acaba por verter a versão da autora, a que segue a afirmação de que o representante da ré A... na diligência de reconstituição do acidente não terá colocado em causa tal versão, mas o descrito logo nos parágrafos que seguem aponta para que, ao contrário, a versão tenha sido colocada em causa. Inquirido em audiência, EE, que acompanhou a reconstituição, não confirmou a versão da autora, nem se recordava de ter validado tal versão aquando da reconstituição, referindo que, na altura do acidente, viu apenas a entrega de documentos à autora na recepção, mas não o percurso seguido até cair na fossa.

BB identificou-se como técnico que acompanhou a inspecção. Teve um depoimento descomprometido, sem hesitações ao referir falta de memória dos pontos que não lembrava, e que podiam desfavorecer a tese da autora, como foi o caso de não recordar se a autora ia ou não distraída a ler os documentos, facto que a própria autora admitiu. Teve no entanto momentos em que recorreu a memória dos gestos habituais nas inspecções, e não tanto a recordação do caso concreto. Confirma ter entregue os documentos na zona de inspecção, ter sido logo chamado a outro serviço, não ter acompanhado a autora ao carro, e não ter indicado à autora nenhum percurso específico para se dirigir ao veículo, embora num primeiro momento tivesse feito menção a isso.

CC apercebeu-se da iminência da queda, mas não foi a tempo de a evitar. Confirma que a autora ia distraída, mas apontou o telemóvel como foco da distracção. Não tinha recordação se BB a acompanhou em parte do percurso. O depoimento foi desprendido e com preocupação de fidelidade às suas percepções”.

Quanto à “profissão e rendimentos do trabalho da autora, a que se reportam os arts. 105.º, 106.º, e 116.º da petição” considerou o Tribunal a quo: “Foi parca a prova oferecida sobre estes factos e teria sido fácil oferecer prova mais robusta, sobretudo documental. Resumiu-se às declarações da autora e de seu pai, DD. Ambos confirmaram que à data do acidente a autora concluíra a licenciatura e ia começar a trabalhar no mês seguinte. Referiram que a autora actualmente trabalha em Amsterdão como gestora de produto, mas apenas a autora referiu o seu actual vencimento…”.
Ora, na verdade, as declarações de parte, porque interessadas e, por conseguinte, pela normalidade, não isentas não mostram, como regra, aptidão para fundamentar a prova da versão dos factos apresentada pelo próprio declarante em seu benefício, sem que tais declarações ou depoimento sejam corroborados por outros elementos de prova.

O artigo 466º, consagra um “direito potestativo de natureza processual conferido a qualquer das partes, permitindo-lhe oferecer-se para prestar declarações[12], de livre apreciação pelo Tribunal.

Na verdade, quanto “à livre valoração das declarações de parte, a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo três posições essenciais: tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, tese do princípio de prova e tese da autossuficiência ou valor autónomo das declarações de parte. Segundo a primeira, as declarações de parte têm uma natureza essencialmente supletiva, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, um juízo de prova, salvo nos casos de prova única, em que inexiste outra prova. A tese do princípio de prova propugna que as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova, ou seja, as declarações de parte terão de ser corroboradas por outros meios de prova (RP 23-4-18, 482/17 e RP 20/11/14, 1878/11). Para a terceira tese, as declarações de parte, pese embora a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo”[13].

Explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa os argumentos da escolha por esta última solução, que entendem ajustada, indicando:

“ a) Paridade face a outros meios de prova de livre apreciação com base nos quais pode ser considerado provado o facto (art. 607º, nº5), e necessidade de o juiz expor os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (nº4 do mesmo artigo);

b) O interesse da parte na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada, sendo a diferença apenas de grau;

c) A parte é quem, em regra, tem melhor razão de ciência; o nº3 do art. 466º não degrada o valor probatório das declarações de parte;

d) Simetricamente, no processo penal, as declarações do assistente e das partes civis podem, por si só, sustentar a convicção do tribunal;

e) Há que valorar em primeiro lugar as declarações de parte e só depois a pessoa do depoente, porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e só depois a declaração) implica prejulgar as declarações de parte e incorrer no viés confirmatório”[14].

 A jurisprudência vem atribuindo às declarações de parte valor de livre apreciação, o que aconteceu designadamente no Ac. da Relação de Guimarães de 1/2/2018, proc. 103509/16.4YIPRT.G1, em que a ora relatora foi adjunta, onde se escreve (citando-se as respetivas notas no local próprio para melhor perceção) “Na verdade, no que respeita ao valor probatório do depoimento e das declarações de parte sem valor confessório mas utilizado em benefício do próprio depoente ou declarante, embora se reconheça que esse elemento probatório fica sujeito à livre apreciação do tribunal, desde cedo a jurisprudência vem alertando para a necessidade de serem adotadas especiais cautelas nessa valoração favorável, uma vez que esses depoimentos ou declarações são sempre parciais, não isentos, em que quem os produz tem manifesto interesse na ação e, por isso, embora possam ajudar a suportar a formação do convencimento do julgador, esse convencimento nunca poderá assentar, única e exclusivamente, nesses depoimentos ou declarações, mas apenas quando conjugados com outros elementos de prova que os corroborem[15].

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, que entendeu que “a confissão (…) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor[16].

No mesmo sentido se pronunciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[17], ao escreverem que “a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.

Também Carolina Henriques Martins[18] assinala que “…não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado”.

Significa isto, que as declarações de parte da legal representante da apelante nunca poderão de per si servir de fundamento probatório à matéria que aquela apelante pretende seja julgada como provada.

Essas declarações podem apenas servir de início de prova, ou seja, podem servir de fundamento à prova dos factos declarados por aquela legal representante da apelante e que redundam em benefício da própria apelante, desde que corroboradas por outros elementos de prova que as corroborem, elementos de prova esses que, contudo, inexistem”.

Pese embora nos inclinemos mais para a posição seguida por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa e, efetivamente, aberta aos supra referidos argumentos, considere que as declarações de parte, não obstante a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo, livremente apreciável pelo juiz, no caso concreto as declarações de parte não foram completamente espontâneas, antes tendenciosas e interessadas, tendo a parte absoluto interesse em fazer valer a posição que assumiu no processo, o que transpareceu das suas declarações.

Com efeito, as declarações de parte da Autora, não convincentes, não são isentas bem resultando de toda a prova produzida que, tendo-lhe sido mostrado, pelo inspetor que realizou a inspeção - e lhe entregou os documentos relativos ao ato inspetivo, próximo da receção (local onde ficou a aguardar pelo resultado da inspeção) -, onde estava o seu veículo (para que a ele se dirigisse e se pudesse ausentar do centro de inspeções), a Autora para ele seguiu, sem se preocupar com o caminho que lhe era imposto tomasse, antes foi para o, apontado, veículo, seguindo, na diagonal, pela zona destinada à realização dos serviços de inspeções e, mesmo, distraída, a olhar para o que tinha nas mãos, sem observar o chão que pisava e sem cuidar de verificar a sinalização existente no local.

E bem resultou do depoimento da testemunha CC, inspetor automóvel que, estando a trabalhar no local, viu a Autora, sozinha, atravessar pela área reservada aos serviços de inspeções e apercebeu-se de a mesma ir a olhar para o telemóvel enquanto caminhava e de ir em direção ao fosso, caindo nele, sem que tivesse tido tempo de agir para evitar tal queda.

Não ficou este Tribunal convencido de que o inspetor que efetuou a inspeção do veículo da Autora a tivesse conduzido para a zona onde se realizam os serviços de inspeção nem que por aí a tenha acompanhado nem de que lhe tenha dito para, por aí, seguir em direção ao seu veículo, certo sendo que existe, no local, sinalização quer de proibição de circulação nessa zona, de serviço, quer de indicação do caminho a seguir pelas pessoas estranhas ao serviço.

Com efeito, quer BB, inspetor automóvel que efetuou a inspeção ao veículo da Autora e lhe mostrou onde havia deixado o seu veículo, quer EE, inspetor automóvel que era, à data do acidente em causa nos autos, o responsável do centro em causa (e que, estando, no momento, no seu gabinete, bem, de lá, viu o inspetor anteriormente referido a entregar à Autora os documentos relativos à inspeção), esclareceram ambos os mencionados inspetores, que os referidos documentos foram entregues à Autora junto à receção e existir, no local, sinalização quer no chão, a indicar o caminho de circulação de clientes (que a Autora devia ter tomado), quer em cartazes  a proibir a circulação de pessoas na zona de realização dos serviços de inspeção.

Negando a testemunha BB (que afirmou ter, após a entrega dos documentos à Autora, sido chamado a outro serviço e de junto dela se ter ausentado) ter dito à Autora o que quer que seja quanto a caminho a seguir, apenas a Autora afirma a versão que carreou para os autos.

Com efeito, nenhuma testemunha presente no local referiu terem sido dadas instruções à Autora para se dirigir ao seu veículo pela zona onde são realizados os serviços de inspeção, nenhuma prova disso havendo, para além do que, parcial e conveniente à sua versão, é referido pela própria Autora, e se a mesma não estivesse desatenta e distraída com o que tinha nas mãos, fossem documentos fosse telemóvel, enquanto caminhava, bem podia ver a fossa e bem podia verificar a sinalização existente no local, a proibir a circulação pela zona que estava a tomar e que a levou à queda no fosso.

E não ficou o tribunal convencido de que a testemunha FF, perito de sinistros que efetuou peritagem a pedido do pai da Autora, seu amigo, tenha sido rigorosa e falasse a verdade quando referiu ser pacífico entre a Autora e a Ré A... que aquela seguiu o caminho que o técnico que efetuou a inspeção ao veículo lhe indicou, mostrando o seu depoimento, em confronto com o do responsável pelo centro (a testemunha EE) a confusão em que o mesmo incorreu quando referiu ter estado com um representante do Centro de nome António a efetuar a reconstituição do acidente. Resultou, em audiência, que quem esteve presente na dita reconstituição foi a testemunha EE, a qual mostrou ter lembrança da reconstituição, mas deixou claro não se recordar de ter referido o mencionado, esclarecendo nada poder ter dito ou assumido pela Ré A..., pois que de nada do referido tinha conhecimento.

Também não resultou produzida prova minimamente segura de a Autora auferir a importância que pretende seja dada como provada com base nas suas declarações.

Nada resulta que permita fundamentar qualquer resposta positiva aos factos impugnados, dados como não provados na sentença, como bem transparece da análise de toda a prova produzida.
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, integralmente revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe o erro de julgamento que a recorrente aponta, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.

Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere.
 Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência, bem tendo, por falta de prova, a matéria em causa, sido julgada não provada.
A convicção do julgador para as respostas negativas tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos e, na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo e genérico da Autora Apelante fundado nas suas declarações de parte.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Não estamos perante erro de julgamento, mas, sim, ante livre convicção do julgador de 1ª instância que, também, é a nossa.

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Improcede, pois, na totalidade, o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto.

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            2. Da decisão de mérito

2.1- Da verificação de responsabilidade civil da 1ª Ré (contratual, aquiliana ou intermédia/terceira via/de confiança): natureza, pressupostos e relações entre tais modalidades.

 
Insurge-se a Autora contra a decisão por verificados estarem os pressupostos da responsabilidade civil da 1ª Ré, A..., que para a 2ª Ré, Seguradora, transferiu a responsabilidade civil emergente da exploração profissional do centro de inspeções de veículos. Indica a Autora como fonte da obrigação da Ré, que se traduz num direito seu, e cujo cumprimento reclama nos autos, a responsabilidade civil.
Responsabilidade civil é o conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem[19].
Na responsabilidade civil cabe distinguir a:
i) - Responsabilidade civil contratual (obrigacional), que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos;
ii) - Responsabilidade civil extracontratual (delitual/aquiliana) que é a que advém da violação de direitos absolutos (violação de deveres genéricos de respeito, violação de normas gerais destinadas à proteção de outrem) ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem, sendo categorias desta: a) a emergente de atos ilícitos; b) a emergente de atos lícitos (ato consentido por lei mas que a mesma lei considera de justiça que o seu titular indemnize o terceiro pelos danos que lhe causar); c) a emergente do risco (alguém responde pelos prejuízos de outrem em atenção ao risco criado pelo primeiro).
Assim, a “responsabilidade extracontratual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado (obrigação de indemnizar em consequência de um acidente de viação, por exemplo)” e a “responsabilidade contratual pressupõe a existência duma relação inter-subjectiva, que atribua ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato)”[20].
O Código Civil, abreviadamente CC, diploma a que doravante nos passamos a referir na falta de outra indicação, ocupa-se da matéria da responsabilidade civil:
- no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º;
- no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 5620 a 5720;
- e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798° a 812º).
Alicerça a Autora a sua pretensão no incumprimento do contrato que refere, celebrado com a Ré A..., fundando o direito à indemnização que invoca em responsabilidade civil contratual.
Na verdade, a responsabilidade civil contratual distingue-se da extracontratual ou aquiliana pelo facto de naquela estar em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e esta emergir da violação de deveres de ordem geral e, correlativamente, de direitos absolutos do lesado.
Estas duas categorias de responsabilidade civil - porque diferentes - foram tratadas pelo Código Civil em secções distintas quanto à regulação da sua fonte (nos artigos 483.º ss para a responsabilidade civil extracontratual e nos artigos 798.º e ss para a responsabilidade contratual), ainda que seja hoje dominante uma corrente que considera não ser esta repartição estanque, existindo normas no sector reservado à responsabilidade delitual que se aplicam, manifestamente, à responsabilidade contratual, como é o caso das referentes à obrigação de indemnizar, que foi objeto de um tratamento unitário pelo legislador nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil.
A responsabilidade civil obrigacional deve ser considerada como sendo uma fonte de obrigações, tal como a delitual, e não como uma mera modificação da obrigação inicialmente constituída. A sua especialidade resulta da circunstância de a sua fonte ser a frustração ilícita de um direito de crédito, o qual era, primariamente, tutelado através da ação de cumprimento. No entanto, o dever de prestar violado não se confunde com o dever de indemnizar originado em consequência dessa violação tendo antes uma fonte autónoma: a responsabilidade obrigacional. A diferença entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional é que, enquanto aquela surge como consequência da violação de direitos absolutos, que aparecem desligados de qualquer relação intersubjetiva previamente existente entre lesante e lesado, esta pressupõe a existência de uma relação intersubjetiva, que primariamente atribua ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica [21].
E há, ainda, “situações em que não existe um direito primário de crédito, por meio do qual alguém possa exigir de outrem uma prestação, mas a responsabilidade surge em consequência da violação de deveres específicos e não apenas dos deveres genéricos de respeito, que se apresentam como contrapostos aos direitos absolutos. Fala-se, por isso, de uma terceira via da responsabilidade civil, onde se poderão incluir situações como a violação dos deveres de boa fé, geradoras de responsabilidade pré-contratual e pós-contratual. Efetivamente esses deveres não possuem uma tutela primária, através da ação de cumprimento, mas surgem no âmbito de ligações específicas entre as partes que instituem deveres que constituem um plus relativamente ao dever geral de respeito” [22] [23].
Assim, como bem esclarece Carneiro da Frada:
“importa sublinhar uma linha de pensamento que, partindo da distinção entre as duas modalidades clássicas de responsabilidade – a obrigacional e a delitual -, defende o espaço de uma via intermédia de responsabilidade civil, ligada em particular à violação de deveres específicos decorrentes do dever de boa fé negocial; deveres que, não chegando a constituir obrigações em sentido técnico, se apresentam, contudo, como relativos e, com frequência, como um plus relativamente aos deveres genéricos de respeito contrapostos aos direitos absolutos. Esta via intermédia de responsabilidade civil, também correntemente designada de “terceira via” da responsabilidade civil, colhe um conjunto heterogéneo de espécies como a culpa in contrahendo, prevista no art. 227º do Código Civil, a violação positiva do crédito ou o contrato com eficácia de proteção para terceiros. É maioritariamente identificada com o âmbito da responsabilidade pela confiança,[24] (negrito nosso).
Deste modo, em causa está uma conceção de responsabilidade contratual e de responsabilidade aquiliana e das relações que se mantêm entre uma e outra, e, ainda, do “espaço prático e dogmático das responsabilidades intermédias”[25].  
Além responsabilidade contratual, geradora de obrigação de indemnizar, “os danos patrimoniais puros serão … ressarcíveis, nos termos do art. 483º, nº1, do Código Civil, quando tiver sido violada uma disposição de protecção cujo objeto seja a tutela de interesses puramente patrimoniais. As disposições de protecção representam, assim, uma via de alargamento da tutela delitual dos bens e interesses.
Dentro desta perspectiva, os chamados deveres no tráfico só tutelarão interesses patrimoniais puros nos casos e desde que esses interesses gozem de protecção aquiliana, sob pena de incongruência sistemática. Tais deveres, também conhecidos por deveres de segurança no tráfico ou por deveres de prevenção do perigo, impõem àquele que cria, controla ou mantém uma fonte de perigo a adoção das medidas adequadas a prevenir os danos que essa fonte de perigo pode ocasionar. Eles estabelecem os termos da equiparação da omissão à acção e solucionam o problema da causação mediata de lesão em posições que gozam (abstractamente) de protecção delitual. No ordenamento jurídico português, estes deveres encontram afloramentos importantes, nomeadamente, nos arts. 491º a 493º do Código Civil. Não servem, porém, ao contrário das disposições de protecção, para aumentar o catálogo de bens jurídicos delitualmente protegidos.
A tutela aquiliana de interesses puramente patrimoniais pode assim resultar, quer da existência de uma previsão delitual específica que os contemple (v.g. arts. 485º e 495º), quer de uma disposição de proteção que tenha por objeto a sua defesa.
É ainda de admitir a indemnizabilidade de danos patrimoniais quando tenha havido uma ofensa grave do mínimo ético-jurídico exigível a todos os membros da comunidade, estejam ou não inseridos em relações contratuais.
Ao menos em parte, semelhante conclusão é alicerçável no abuso do direito (art. 334º). (…)
As lacunas de proteção de interesses puramente patrimoniais em sede aquiliana – mas também contratual, sobretudo quando são atingidos terceiros alheios à relação contratual -, e a importância crescente que este tipo de interesses assume nos nossos dias contribuiu para a afirmação – predominantemente doutrinária – de uma via “intermédia” de responsabilidade civil, ligada em particular à violação de deveres específicos decorrentes do dever de conduta segundo a boa fé no mundo dos negócios. Esta via possibilita – naturalmente no seu âmbito próprio – a ressarcibilidade de danos patrimoniais puros, mesmo quando não há deveres de prestar dirigidos à prevenção desses danos. Neste espaço, também a responsabilidade pela confiança é susceptível de cobrir os danos patrimoniais puros correspondentes à frustração do investimento de confiança”[26].

Surgem, também, situações de concurso entre responsabilidade contratual e aquiliana, casos em que estas responsabilidades se misturam e em que difícil é desenhar os campos de aplicação de cada uma delas, sequer separar as suas fronteiras, tendo tal “especial acuidade no domínio do cumprimento defeituoso, na medida em que neste tipo de violação contratual se verifica uma maior propensão para ocasionar diferentes prejuízos, em simultâneo, no domínio contratual e delitual”[27] havendo situações em que há uma  só pretensão – a indemnização – com um duplo fundamento, existindo um concurso de normas e não um concurso de acções”[28].
Vaz Serra esclarece “não pode negar-se que o mesmo facto pode, ao mesmo tempo, representar uma violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual” – “Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual”, in BMJ, 85, 115-239 e, no mesmo sentido, Rui de Alarcão afirma que “o mesmo facto humano pode provocar um dano simultaneamente contratual e extracontratual” – “Direito das Obrigações” (Lições Policopiadas – 1983), pág. 210, daí falar-se em “cúmulo de responsabilidades”, em “concurso de normas” que fundamentam a mesma pretensão, sendo que como bem analisa Almeida Costa, o concurso das responsabilidades, contratual e extracontratual, reconduz-se à figura do concurso aparente, legal ou de normas, consumindo o regime de responsabilidade contratual o da extracontratual, sempre que “perante uma situação concreta, sejam aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil”. - Almeida Costa, “Direito da Obrigações”, 6ª edição, págs. 455- 461[29].
Analisou a Relação de Lisboa que na questão do concurso da responsabilidade contratual e extracontratual têm vindo a ser praticados dois sistemas: o do cúmulo e o do não cúmulo, surgindo, no primeiro três entendimentos: a possibilidade de o lesado se socorrer, numa única ação, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual; a de se lhe conceder a opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e a de admitir, em ações autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual e o, a excluir o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de subsunção. Para quem seja adepto do concurso das duas responsabilidades, será ainda possível configurar esse concurso como de ações, ou de normas (ou pretensões). Aceitando-se um concurso de ações, será diferente a causa de pedir: por um lado, o contrato, por outro, o dever jurídico de neminem laedere, isto é, a regra geral de não lesar outrém. Sendo única a ação, haverá um concurso de pretensões, surgindo o dever contratual e o dever geral de não ofender direitos e bens alheios como deveres jurídicos independentes, colocados ao lado um do outro, não sendo proibido ao autor invocar em grau posterior do processo, uma norma diversa da que alegara, e sem que se possa dizer que o juiz decide ultra petita se aplicar uma norma diversa da invocada pelo autor. Quando o mesmo facto causa danos de diversa natureza, não se pode considerar que estejam fundamentadas pretensões distintas, havendo uma única causa petendi: o dano e a qualificação de contratual ou delitual não altera a identidade do pedido”[30].
Entendeu o STJ que existindo concurso de títulos de imputação ou concurso de pretensões, o lesado pode escolher o regime mais favorável, não sendo de aceitar a existência de duas ações, pois que existe uma única conduta ilícita, uma unidade de pedido indemnizatório e de indemnização, tudo se reconduzindo à figura do concurso aparente[31].
Aprofundando e sintetizando a doutrina mais avisada e a jurisprudência, bem decidiu em recente acórdão a Relação de Lisboa: “É aparente o concurso entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual, matéria no âmbito da qual, as diversas orientações se dividem em dois grupos: - os denominados sistemas do cúmulo; e, - o sistema do não cúmulo. Na primeira orientação cabem três perspectivas: - a de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual, amparando-se nas que entenda mais favorável; - a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e, - a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual. A segunda orientação, a do sistema que exclui o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de consunção.
A lei portuguesa omitiu preceito expresso decisor da controvérsia, pelo que a solução há-de procurar-se no seu quadro se apresente mais adequada, ponderando, sobretudo, os interesses e valores contrapostos.
Sendo certo que o Código Civil vigente consagra regimes sem diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a extracontratual, as poucas diferenças entre ambas permitem concluir que a disciplina da primeira, globalmente encarada, confere maior protecção ao lesado.
Se, de um vínculo negocial, resultarem danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual, a mesma solução se impondo quando o facto que produz a violação do negócio, ou melhor, da relação que dele deriva, simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana.
Trata-se da solução que se mostra mais correcta no plano sistemático e no da justiça material, razão pela qual se adere à ideia da exclusão do cúmulo entre ambos os tipos de responsabilidade, pois que acautela devidamente todos os interesses atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição do responsável, só não sendo de adotar em face de preceito legal que estipule o contrário[32].
Não podendo, na verdade, em caso de concurso ou concorrência das duas mencionadas modalidades de responsabilidade civil, pelas razões referidas, ser efetuado o cúmulo dos seus regimes, impondo-se a exclusão do mesmo, o pedido de indemnização por danos deve alicerçar-se, tão só, nas regras da responsabilidade contratual, pois que, vigorando o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, compete às partes fixar a disciplina que rege as suas relações, não podendo, atento o referido e o espírito do sistema, deixar de continuar a imperar este regime, aplicável, na sua globalidade e como um todo, a reger a relação das partes contratantes, consumindo o específico regime da responsabilidade contratual o da extracontratual[33].

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Cumpre, pois, analisar se estamos perante responsabilidade contratual, cujo regime, a verificar-se esse enquadramento legal, tenha, como vimos, de imperar sobre o regime da responsabilidade extracontratual ou se o caso deve ser subsumido a responsabilidade intermédia ou pela confiança.
Ora, conforme decorre do disposto no artigo 798.º, os pressupostos da responsabilidade civil contratual em pouco ou nada diferem dos da responsabilidade extracontratual (art. 483º).
São eles:
a) o facto voluntário do agente a que a lei (artigo 798.º) faz menção quando na estatuição se refere ao "devedor que", ou seja, quando estabelece que o incumprimento é consequência de um comportamento do obrigado;
b) a ilicitude traduzida na utilização do verbo faltar como sinónimo de violar não o direito absoluto de outrem, mas um direito de crédito ou relativo: "falta ao cumprimento da obrigação";
c) a imputação subjetiva, ou seja, a culpa a que o artigo 798.º se refere expressamente quando utiliza o advérbio de modo "culposamente";
d) o dano, uma vez que a lei fala em responsabilidade pelos prejuízos; e
e) a imputação objetiva, isto é, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que no texto do artigo 798.º decorre da fórmula " que causa ao credor".
As diferenças residem essencialmente no facto de na responsabilidade contratual, a culpa do lesante se presumir – v. nº1, do artigo 799.º -, sendo, também, diversas as regras da prescrição, com prazos de prescrição mais curtos na responsabilidade delitual (art. 498º) do que na obrigacional, esta sujeita em princípio ao prazo ordinário de prescrição das obrigações e “Há ainda um regime de responsabilidade por actos de terceiro muito diferente (art. 500º e 800º). A regra da solidariedade, estabelecida no art. 497º do Código Civil, para a hipótese de existir uma pluralidade de responsáveis na responsabilidade civil delitual, contrapõe-se igualmente ao princípio da conjunção quando existe uma pluralidade de responsáveis na responsabilidade obrigacional (art. 514º, a contrario)”[34].
E, com efeito, na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº1 do art. 483º, entre eles, como vimos, a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º, contando-se, entre tais casos, o consagrado no artigo nº2, do art. 493º. Assim, a responsabilidade civil extracontratual pressupõe, em regra, a culpa do agente por dolo ou mera negligência, incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa (artigos 483º e 487º).
Ciente de que em muitos casos essa prova pode ser difícil, o legislador estabeleceu situações de inversão do ónus da prova, em que a responsabilidade continua a depender da culpa do agente, mas essa culpa se presume, contando-se entre eles o nº2, do art. 493º.
In casu, movemo-nos no âmbito da responsabilidade contratual, em causa estando a, eventual, violação de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários.
Analisemos, pois, da violação de obrigações contratualmente assumidas pela Ré, causadora de danos à Autora e da medida da responsabilidade da Ré, decorrente de tal violação.  
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O “Cumprimento e não cumprimento das obrigações” vem regulado no Capítulo VII, arts 762º e seguintes do Código Civil, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº1, do art. 763º, quer no nº1, do art. 406º.
O cumprimento de acordo com o nº1, do art. 762º, consiste na realização da prestação debitória. É a realização voluntária da prestação pelo devedor, que a ela se vinculou[35], impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional se paute pelas regras da boa fé. E atuar de boa fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que o devedor se encontra adstrito[36].
Assim, o vínculo obrigacional é uma realidade composta ou complexa, que não se reconduz ao mero dever de prestar a cargo do devedor, englobando deveres acessórios de conduta, baseados na boa fé: deveres de lealdade, de esclarecimento, de colaboração, de proteção[37].
O nº2 enuncia o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações contratuais e no exercício do direito de crédito correspondente, revelando-se a aceção objetiva da boa-fé, enquanto norma de conduta ou critério do agir humano[38]. Tal princípio desdobra-se numa série interminável de deveres  secundários da prestação e principalmente de deveres acessórios da conduta que recaem, por igual, sobre ambos os sujeitos da relação jurídica (RLJ, 106º, 52)[39].  Resulta, pois, que da boa fé no cumprimento decorrem, para o devedor, variados deveres acessórios e secundários, impondo-se-lhe, que omita todos os atos que possam por em causa um comportamento pontual e que empreenda todos os comportamentos que se mostrem necessários para que aquele tenha lugar[40].
No cumprimento vigora o princípio da autonomia da vontade (art. 405º), devendo, por isso, atender-se em primeiro lugar ao que as partes estipularam, de forma expressa ou tácita e no próprio contrato ou em convenção posterior, a respeito do cumprimento, apresentando as normas legais natureza supletiva[41].
A boa fé, imposta pelo nº2, do art. 762º, ilumina e reflete-se em toda a economia do contrato e durante todo o período da sua execução vinculando os contraentes não ao mero cumprimento formal dos deveres da prestação que recaem sobre eles, mas à observância do comportamento que não destoe da ideia fundamental da leal cooperação que está na base do contrato[42] e refere-se tanto aos deveres principais ou típicos da prestação e aos deveres secundários ou acidentais, como também aos deveres acessórios de conduta quer do lado do devedor quer do do credor[43].  
As obrigações laterais ou acessórias surgem como o resultado do comprometimento das partes, ligadas ao cumprimento das obrigações principais, com estas coenvolvidas, estando muitas vezes, na base de todo o desenvolvimento negocial e, até, o determinando[44] , impondo-se, no cumprimento das obrigações, o dever de agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte[45].
O artigo 798º, ao estatuir “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, enuncia o “princípio geral da responsabilidade obrigacional subjetiva”, que, “tal como a delitual (art. 483º), supõe um ilícito (o incumprimento), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este”[46], sendo que neste regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º), e na responsabilidade extracontratual a regra é a de que o credor da indemnização a tem de provar (art. 487º, nº1).
Do nº1, do art. 799º decorre uma presunção de culpa do devedor pelo não cumprimento, tendo, contudo este de ser, efetivamente, provado, bem como os demais requisitos, seja qual for a modalidade, pelo credor[47], sendo a culpa, nos termos do nº2, “apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”, remetendo-se, assim, para o nº2, do art. 487º, sendo esta “o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência e este dever legal de conteúdo indeterminado (diligência juridicamente devida) é a que teria tido um bom pai de família colocado nas circunstâncias do agente, daí decorrendo que tal diligência tem uma medida diversa para o mesmo ato se o agente for um profissional ou não, exigindo-se àquele uma perícia, conhecimento, qualificações não esperáveis deste[48].
E o não cumprimento/cumprimento defeituoso pode resultar do não cumprimento de deveres principais, essenciais ou de deveres acessórios e secundários.
O princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações contratuais, que funciona em termos bidirecionais, impõe às partes outorgantes que atuem “na realização do direito e no cumprimento das obrigações correspondentes, de forma reta, leal e honesta, observando elevados padrões de lisura e de probidade, e em termos que contemplem o interesse da contraparte. A boa-fé conforma, nesta medida, os termos da execução da prestação debitória, impondo um cumprimento, não meramente formal, mas também (…) em termos adequados à realização do interesse do credor. O princípio da boa fé tem uma importância genética, na medida em que fundamenta a constituição de deveres acessórios ou laterais de conduta, não diretamente explicitados num preceito da lei nem no conteúdo contratual. Neste sentido, o cumprimento (integral e pontual – cfr. artigos 406º, nº1 e 763º) da prestação tem de ser acompanhado, sempre que as circunstâncias do caso o reclamem (v.g., o tipo de negócio, a natureza do bem ou do serviço contratado, as condicionantes objetivas e materiais do local ou do modo do cumprimento) pela observância de deveres de cuidado (v.g. a adequada embalagem do bem; o transporte cuidado do bem), de proteção, de informação e de lealdade. A boa-fé reclama dos contraentes, pois, estritos deveres de cooperação. (…)
Entre os deveres acessórios, fundamentados – direta ou indiretamente – na boa fé, cumpre relevar deveres de proteção, certos deveres de lealdade e deveres de informação[49], sendo abordados pela doutrina como, padrões de conduta, deveres laterais e deveres acessórios a observar os de proteção, de informação e de lealdade[50].   
   A boa-fé no cumprimento da obrigação abrange “os atos preparatórios e instrumentais quanto ao cumprimento, assim como os comportamentos subsequentes à entrega do bem ou à realização da prestação. Numa palavra, o cumprimento da obrigação deve pautar-se por exigências de informação e de esclarecimento, de proteção e de cuidado, e de diligência” e verificando-se a sua inobservância “há fundamento de responsabilidade civil obrigacional – v. Menezes Cordeiro, 2017:420. Por conseguinte, a responsabilidade obrigacional pode ancorar-se no incumprimento de deveres principais, secundários ou laterais – vd. Brandão Proença, 2017: 280.Vd., ainda, Almeida Costa, 2009:76-80”[51].
 
O Tribunal a quo analisou o pedido indemnizatório da Autora, de condenação, solidária ou conjunta, das Rés com base nas invocadas causas de pedir: responsabilidade civil contratual ou extracontratual e julgou a ação improcedente por falta de verificação dos requisitos da responsabilidade civil.
Cumpre, pois, começar por analisar do incumprimento do contrato e a ter sido, de algum modo, incumprido, do direito da Autora a indemnização e do quantum indemnizatório.
O incumprimento em sentido amplo, no qual se inclui o cumprimento defeituoso, vem previsto nos artigos 798° e 799°, sendo que apesar da referência que vem feita no artigo 799°, 1, todos do C.C., ao cumprimento defeituoso ele não vem regulado especialmente[52].
Consagra o referido artigo 799º, 1, do C.C., que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
In casu, a existir incumprimento culposo do contrato pela Ré, estaríamos, na verdade, perante responsabilidade contratual regulada no art.º 798º, do C.C., consagrando este artigo que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

Porém, para que o devedor incorra em responsabilidade contratual e em obrigação de indemnizar seria necessário o preenchimento dos referidos pressupostos.

À analise do requisito da ilicitude é essencial determinar quais as obrigações das partes, decorrentes do contrato celebrado, e comparar o conteúdo das mesmas com os comportamentos efetivamente empreendidos (alegados e provados), a fim de aferir se estes traduzem violações daquelas.

E o devedor está obrigado não só ao que expressamente se estipulou, quer inicialmente quer em convenção posterior, mas também ao que do convencionado decorra das regras da boa fé, como resulta do referido nº2, do art. 762º.

O credor tem de provar a ilicitude bem como o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, presumindo-se, contudo, a culpa (cfr. nº1, do art.º 799.º).
Sustenta a autora a responsabilidade da Ré A... na violação de deveres acessórios de conduta a que esta se encontrava vinculada na sequência da celebração entre ambas de um contrato de prestação de serviço, tendo por objeto a realização da inspeção periódica do veículo, mas certo é que se não provou a violação, por esta Ré, de qualquer dever. E, mesmo o facto, alegado pela Autora, de a sua queda se ter ficado a dever a ter seguido percurso que lhe foi indicado por um funcionário ao serviço da ré A..., a configurar, específica, violação de deveres de cuidado, não resultou provado.

Bem sustenta o Tribunal a quo:
“É, já, tradicional no âmbito da responsabilidade contratual a distinção dos deveres principais da relação obrigacional, a que se pode dirigir normalmente a execução coerciva da prestação, que podem ser a entrega da coisa vendida, o pagamento do preço, ou a realização da inspecção objecto do contrato. Na sequência, a doutrina elenca os deveres secundários, que são os deveres acessórios destinados a assegurar o cumprimento da prestação principal, cuja violação pode redundar no cumprimento defeituoso, ou os deveres complementares à prestação, como são o dever de indemnizar por mora ou cumprimento defeituoso.
Por último, e no que aqui releva, são enquadrados na relação obrigacional os deveres acessórios de conduta, que já não estão relacionados directamente com a prestação principal, mas que emergem de um dever geral de boa-fé no cumprimento de obrigações, dirigido à satisfação do interesse do outro contraente inerente à relação obrigacional. Neste excurso, vimos seguindo Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, pp. 123 a 130.
Nestes deveres laterais, em que avultam deveres de protecção da integridade pessoal e patrimonial do outro contraente, o fundamento não será assim o próprio contrato, ou seja o seu clausulado ou disposições supletivas, ainda que por via de interpretação extensiva. A sua fonte é o padrão da boa fé negocial, nos termos do art. 762.º, n.º 2, do CC. A intensidade e configuração destes deveres acessórios de conduta radica numa relação contratual, e pode radicar numa fase pré-contratual, relacionada com deveres de informação ou ser mesmo pós-contratual, ou abranger terceiros à relação, como é o caso de venda de coisas susceptíveis de criara perigo para terceiros. Neste sentido Carneiro da Frada, in Contrato e Deveres de Protecção, 1994, p. 69 e ss.
Não se trata no entanto de uma protecção ampla e irrestrita à pessoa e património do outro contraente que deva ser considerada em todas as relações obrigacionais por mais complexas que sejam. Apenas devem ser considerados danos decorrentes deste tipo de direitos absolutos quando tal “for imposto pelo próprio fim do contrato e pela natureza específica das prestações acordadas ou quando a relação contratual tenha originado um risco particular e acrescido para uma das partes” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/05/2014, proc. n.º 600/11.3TVLSB, in www.dgsi.pt).
Assim, estes deveres podem decorrer de perigos específicos das instalações ou locais onde o contrato irá ser executado, de casos em que a execução do contrato implica para uma das partes o domínio de facto sobre determinada coisa, ficando, consequentemente, a parte particularmente obrigada à respectiva guarda onerada com especiais deveres respeitantes à prevenção de danos, ou de casos em que a natureza das prestações emergentes da relação contratual envolve um específico dever de evitar a ocorrência de determinadas situações lesivas e danosas para a contraparte”.

E analisando as circunstâncias do caso refere o Tribunal a quo:
  “A prestação de serviços de inspecção de veículo, nomeadamente quando implica acompanhamento da inspecção pelo cliente, ou circulação e zonas próximas de inspecção, implica um específico dever acessório de protecção da integridade física do cliente contra os perigos decorrentes da inspecção e meios utilizados, nomeadamente o concreto o perigo de queda nas fossas de inspecção.
Estes concretos deveres encontram-se densificados na Portaria n.º 221/2012, de 20 de Julho, na versão que lhe foi dada pela Portaria n.º 378-E/2013, de 31 de Dezembro, que veio estabelecer os requisitos técnicos a que devem obedecer os centros de inspecção de veículos, nomeadamente as regras de segurança para protecção de clientes.
Nesta regulamentação avultam normas para o caso concreto como o 2.2.5, alínea a), do seu anexo I, nos termos do qual as fossas devem apresentar as seguintes características:
a) Possuir ao longo do seu contorno envolvente limitadores de segurança, os quais devem ser descontinuados no intervalo correspondente à largura das placas do detetor de folgas, de forma a poder visualizar-se o posicionamento dos rodados naquelas placas.
A ré não violou esta norma, como decorre da alínea l) dos factos provados. Esta norma não prevê qualquer vedação da fossa com guarda-corpos.
Relacionável com o caso concreto temos ainda o 2.2.6., alínea c), do mesmo anexo, nos termos do qual o pavimento das linhas de inspeção deve: (…) c) Possuir, ao longo de cada linha, uma passagem ou passadeira contígua de forma evidenciada no pavimento para o apresentante poder acompanhar a inspeção do respetivo veículo, a qual não deve interferir com a largura útil da linha de inspeção.
Também este dever de cuidado de protecção de cliente foi cumprido pela ré, como resulta da alínea m) dos factos provados.
Os danos na integridade física da autora não resultaram assim de qualquer violação de qualquer dever acessório de conduta que vinculasse a autora na execução do contrato de prestação de serviços. Antes resultou de falta de diligência da própria autora, que circulou numa zona de inspecção delimitada e com advertências de proibição de circulação e, por falta de atenção, caiu numa fossa dentro dessa zona, delimitada, sinalizada e iluminada”.

Conclui, pois, pela inexistência de direito da Autora a indemnização por via de responsabilidade contratual e afasta, também, a verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual, nos termos seguintes:
“temos uma conduta voluntária da gerência da ré A..., ao manter em funcionamento um centro de inspecções com uma fossa, onde a autora caiu.
A queda e lesões resultantes implicam a violação do direito à integridade física da autora, momento da ilicitude da conduta.
Cumpre agora questionar a existência de dolo ou mera culpa nessa violação de um direito absoluto, que em princípio cabe ao lesado demonstrar, nos termos do art. 487.º, n.º 1, do CC.
Dispõe o art. 493.º, n.º 2, do CC, que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Trata-se de uma das excepções que a lei prevê, presumindo a culpa do lesante, e desonerando o lesado da sua demonstração. No caso de o lesante exercer uma actividade perigosa apenas poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas para prevenir os danos causados.
A lei recorre no entanto ao conceito indeterminado de actividade perigosa, que ao longo do tempo a doutrina e jurisprudência têm laboriosamente apurado. Desde logo o próprio texto da lei especifica que a perigosidade pode advir da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados.
Vaz Serra, apoiado pela doutrina italiana que cita, define actividades perigosas como as «que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades»(in BMJ n.º 85, p. 378).
(…) A actividade de inspecção de veículos em geral não se distingue especialmente de uma normal oficina mecânica de reparação de veículos que, de forma algo paralela à construção civil, não se pode subsumir ao conceito de actividade perigosa, particularmente quando nos centramos na probabilidade de causar danos aos donos dos veículos. Aqui nem sequer estamos a pensar nos executantes das tarefas de inspecção nem nos próprios veículos, em relação aos quais a probabilidade de dano da actividade não deixa de crescer por comparação.
Julgamos não estar assim na presença de uma actividade perigosa que implique presunção de culpa da ré A....
Cumpriria assim à autora demonstrar a imputação da violação da sua integridade física à autora por dolo ou mera culpa da sua gerência ou representantes. Tal imputação pode-se exprimir numa conduta intencional ou na mera violação de um dever de cuidado, determinada a partir do critério estabelecido no art. 487.º, n.º 2, do CC, que apela à figura jurídica do bom pai de família.
No fundo estamos a falar praticamente dos mesmos deveres de cuidado que, na análise da questão sob ponto de vista da responsabilidade contratual, definiam o momento da ilicitude enquanto aqui estão no momento da culpa.
E de novo repetimos que os deveres de cuidado inerentes à actividade de inspecção de veículos encontram-se densificados na Portaria n.º 221/2012, de 20 de Julho, na versão que lhe foi dada pela Portaria n.º 378-E/2013, de 31 de Dezembro. Remetendo para a análise já expendida a propósito da responsabilidade contratual, não resulta demonstrada a violação de qualquer destes deveres que pudesse ser causal da queda da autora”.

Na verdade, o nº2, do art. 493º, constitui uma das exceções ao princípio geral enunciado no n.º 1, do artigo 487.º, prevendo a inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa, em consequência da qual ocorre o dano. Presume a lei a culpa, impondo ao agente a demonstração de ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias do caso com o fim de prevenir os dano, ou seja que atuou com diligência[53]. Consagra uma presunção de culpa quanto aos danos decorrentes de atividades perigosas seja “por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados”.
A lei não fornece “um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos dessa norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade como a natureza dos meios utilizados.
 A perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «directriz genérica» indicada pelo legislador.
Deve ser considerada perigosa a actividade que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes”[54].
Assim, o que determina a qualificação de uma atividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregues e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto[55] [56].
E se é certo que o n.º 2 do artigo 493.º não indica o que deve entender-se por “atividade perigosa”, admitindo apenas, ainda que de forma genérica, que a perigosidade deriva da própria natureza da atividade, ou da natureza dos meios utilizados, revela-se pacífico na jurisprudência o entendimento de que a atividade aqui em causa não ser perigosa para efeitos deste preceito, não o sendo, até, por regra, a atividade de construção civil, onde fossas podem existir. A atividade de inspeção de veículos não pode, na verdade, ser qualificada, para efeitos de aplicação do nº2, do artigo 493º, como atividade perigosa não acrescentando, na verdade, perigosidade, nem pela sua própria natureza nem pela natureza dos meios utilizados, à atividade de reparação automóvel, a que se assemelha pela própria natureza, relacionada com a mecânica automóvel, e pelos meios utilizados, os adequados a vistoriar/inspecionar veículos.
Bem considerou o Tribunal a quo não estarmos perante uma atividade perigosa e a doutrina dos deveres no tráfico, adstrições destinadas a prevenir especiais riscos de danos, não têm aplicação no caso, em que a queda da Autora em fossa iluminada, bem visível, se deu por completa e total culpa da mesma, que entrou em zona proibida a pessoas estranhas ao serviço e caminhou, em completa distração, sem ver o chão que pisava, tendo caído na fossa como podia ter tropeçado/caído em qualquer instrumento ou objeto que existisse no local.
Inspeções automóveis não podem, seja pela natureza da atividade seja pelos meios usados, ser qualificadas como atividades perigosas suscetíveis de desencadear o regime rigoroso de responsabilidade previsto no referido preceito, não se mostrando suscetíveis de criar especiais riscos.

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Não resultando provada atuação da Ré A... a infringir o contrato, as regras da boa fé no cumprimento dos contratos ou qualquer dever acessório de conduta, ou, mesmo, qualquer disposição legal e evidenciando os factos apurados que, apenas, à Autora pode ser imputado um comportamento ilícito e culposo, comportamento esse, causal da sua queda, não podem as Rés ser responsabilizadas pelos danos que, desta, resultaram para a Autora, sendo que a 2ª Ré, seguradora, só responde em caso de responsabilidade da 1ª Ré, segurada.
E, na verdade, consagrando o nº1, do artigo 342º, do C. Civil, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, não tendo a Autora logrado provar os factos que alegou, constitutivos do direito de que se arroga, antes tendo resultado provada a sua culpa na produção do acidente, tem a mesma de sofrer as consequências desvantajosas de o não ter conseguido.
    Para fundar responsabilidade civil e, consequente, obrigação de indemnizar danos causados, necessário era estarem verificados os supra aludidos pressupostos da responsabilidade civil e forçoso é concluir, como bem analisou a 1ª instância, pela prova da culpa efetiva da própria lesada, pois que a queda da Autora se ficou a dever a ter a mesma invadido a zona de realização dos serviços de inspeção, devidamente assinalada como de circulação proibida, e a ter seguido distraída a, por aí, caminhar.

E provada a culpa efetiva, e exclusiva, da Autora, como provou, nenhuma alteração tendo sido introduzida à decisão de facto, nunca as Rés poderiam ser responsabilizadas com base em responsabilidade civil, seja contratual, seja numa via intermédia, seja, ainda, extracontratual, pois que presunção de culpa sempre se mostraria afastada, pela prova da, efetiva, culpa da Autora, que entrou em zona proibida à circulação de pessoas estranhas ao serviço e por lá caminhou sem atenção ao chão que pisava, caindo em “meio” de trabalho da Ré A..., tendo sido a sua atuação a causa, única e exclusiva, da sua queda, das lesões e de todos os danos por si sofridos.

Não pode, pois, deixar de improceder a pretensão que a Autora formula, assente em culpa da outra parte (presumida ou efetiva), a qual se mostra afastada pela, demostrada, culpa, exclusiva, da lesada.    

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Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida. E não declarado o direito da Autora, prejudicada fica a apreciação da ampliação do objeto do recurso (deduzida, apenas, para apreciação da prescrição do direito da Autora a ser o direito reconhecido, o que não ocorre).

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3. Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).


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            III. DECISÃO

           Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


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          Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 5 de fevereiro de 2024
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Mendes Coelho
Jorge Martins Ribeiro
________________
[1] Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações” - AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 e v., ainda, Decisão do STJ de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 823 e seg.
[3] Ibidem, págs 824 e seg.
[4] Ibidem, pág, 825.
[5] Ibidem, pág, 825.
[6] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[7] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, Almedina, pag.635.
[8]Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e v., ainda, Ac. RP de 13/11/2023, proc. 12254/19.4T8PRT.P1 (Relatora: Ana Paula Amorim).
Sobre a questão da alteração da decisão da matéria de facto pela Relação podem ser vistos Acórdãos desta Relação, em que a ora relatora foi adjunta, respetivamente, com os seguintes sumários:
- Ac. RP 13/3/2023, proc. 124/18.8T8PVZ.P1: “I. Tendo em vista alcançar o duplo grau de jurisdição ao nível da decisão de facto, incumbe ao Tribunal da Relação proceder à reanálise crítica e autónoma da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, convocando, para o efeito, todos os meios de prova disponíveis no processo (e não apenas os que foram convocados pelo apelante).II. Os poderes de alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um remédio a utilizar apenas nos casos em que os meios probatórios apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal de 1ª instância e já não naqueles (como é o caso) em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, logrou firmar a sua convicção quanto à demonstração de determinado quadro factual, sem que se evidencie nesse seu juízo algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, assumindo uma opção que justificou de forma consonante, lógica e racional com toda a prova produzida nos autos” (Relator: Jorge Seabra);
- Ac. da RP de 8/5/2023, proc. 9648/21.9T8PRT.P1:“… II- O tribunal de 1ª instância é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos em detrimento de outros, desde que na explicitação do iter formativo da sua convicção evidencie de forma coerente e convincente a adoção de uma das teses em confronto, mormente estribando-se na coerência e consistência dos elementos probatórios que a sustentam. III- Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum” (Relator: Miguel Baldaia Morais);
- Ac. RP de 24/10/2022, proc. 2270/20.9T8AVR.P1: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II- Nesta conformidade, a modificação da decisão de facto só deve ocorrer quando hajam razões fortes para que tal suceda, o que implica que, existindo uma convicção razoável da parte do tribunal recorrido, não deve o Tribunal da Relação substituir por uma outra, igualmente possível, mas formada na ausência dos elementos presenciais que podem ter levado à formação da primeira. O princípio da imediação é um princípio processual geral a respeitar e as consequências dele extraídas só devem ser afastadas quando tenha sido mal usado,não quando o Tribunal da Relação pareça, ouvida a gravação, que outra é mais plausível” (Relator: Pedro Damião e Cunha);
- Ac. da RP de 25/1/2001, proc. 11472/18.7T8PRT.P1, onde se escreve “o juízo formulado pelo tribunal a quo não se mostra passível de censura em sede de julgamento, certo sendo que o mesmo beneficiou da imediação e oralidade.
Nada evidencia uma errada valoração das provas produzidas, ou violação das regras da lógica ou da experiência no processo valorativo e justificativo expresso pelo tribunal a quo.
Tal como decorre do já citado artigo 662º nº 1 do CPC a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuserem diversa decisão” (Relatora: Fátima Andrade).
[9] j) No final do procedimento, o funcionário em questão dirigiu-se ao local onde a autora se encontrava, entregou-lhe a documentação respeitante à inspeção periódica e disse-lhe que podia retomar o veículo, que se encontrava parado em frente à fossa de verificação técnica, no final da linha de inspeção, no lado oposto da receção;
[10] k) A autora dirigiu-se então ao seu veículo, atravessando de forma oblíqua a zona de inspeção, enquanto examinava os documentos entregues, e colocou inadvertidamente um pé na fossa e caiu dentro dela;
[11] “y) Actualmente, a autora trabalha como gestora de produto, em Amsterdão”.
[12] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 529.
[13] Ibidem, pág. 532
[14] Ibidem, pág. 532
[15] Ac. STJ. de 25/11/2010, Proc. 3070/04.9TVLSB, in base de dados da DGSI.
[16] Ac. TC. n.º 504/2004, D.R., II Série de 02/11/2004, pág.16.093.
[17] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 309.
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, onde, a pág. 278, escreve: “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”.
[18] Carolina Henriques Martins, in “Declarações de Parte”, pág. 58.
[19] Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direito das obrigações, vol. I, 2017, 14ª edição, Almedina, pág. 275.
[20] Ac. da RL de 19/4/2005, proc. 10341/2004-7 (Relator: Pimentel Marcos), acessível in dgsi.
[21] Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Idem, pág. 278.
[22] Ibidem, pág. 278
[23] Ac. do STJ de 12/9/2019, proc. 2604/15.8T8LRA.C1.S1 (Relatora: Rosa Ribeiro Coelho), acessível in dgsi
[24] Manuel A. Carneiro da Frada, FORJAR O DIREITO, 2ª Edição, Almedina, pág. 164-165 e cfr., ainda, a nota de rodapé ali citada (“Manuel A. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, 2003, 99 ss, 381 ss, 431 ss, …”).
[25] Ibidem, pág. 165
[26] Ibidem, pág. 168 a 170.
[27] Pedro Romano Martinez, O direito das obrigações (Parte Especial) , 2ª Edição, Almedina, pág. 473
[28] Ibidem, pág 475
[29] Ac. do STJ de 20/11/2012, proc. 176/06.3TBMTJ.L1.S2 (Relator: Fonseca Ramos), acessível in dgsi, onde se entendeu “Classicamente, a responsabilidade civil coenvolve a responsabilidade contratual (a violação do contrato) e a extracontratual (a que não se filia na violação de deveres contratuais, mas em normas que tutelam interesses alheios, ou direitos absolutos) e ainda a responsabilidade objectiva: em não poucos casos, a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual miscigenam-se, mal se destrinçando os campos de aplicação e nem sequer a nitidez das fronteiras”.
[30] Ac. da RL de 27/9/2012, proc. 512/10.8TCFUN.L1-2 (Relatora: Teresa Albuquerque), acessível in dgsi
[31] Ac. do STJ de 7/2/2017, proc. 4444/03.8TBVIS.C1.S1 (Relator: Hélder Roque), acessível in dgsi
[32] Ac. da RL de 24/9/2019, proc. (Relator: José Capacete), acessível in dgsi, onde esclarecendo-se a questão do concurso ou concorrência da responsabilidade civil contratual e da extracontratual, se refere “Conforme refere Vaz Serra, «o contrato não priva as partes da protecção geral, pois pela celebração de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria independentemente dele», antes «não sendo de presumir que, com o contrato, se tenha querido afastar a responsabilidade delitual, principalmente quando os contraentes teriam dificuldade em prever a possibilidade do dano.» «(…).»
«Com a celebração do contrato, os direitos do credor são reforçados e não limitados» (…) «Se a existência de um contrato estabelece entre as partes mútuos deveres de protecção, mais intensos do que em relação a terceiros, não se justifica que a tutela do credor seja inferior à destes.»[2].
Trata-se, como esclarece Almeida Costa, «de um concurso aparente das duas modalidades da responsabilidade civil», estando em causa um concurso aparente das duas modalidades de responsabilidade civil.»[3].
Conforme nos revela o mesmo Autor, tem sido muito discutido o problema da equação «do concurso de ambas as espécies de ilícito civil. As diversas orientações dividem-se em dois grupos: os denominados sistemas do cúmulo e sistema do não cúmulo.
Dentro do primeiro cabem três perspectivas: a de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual, amparando-se nas que entenda mais favorável; a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual. Pelo contrário, o sistema que exclui o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de consunção.
A lei omitiu preceito expresso que decidisse a controvérsia. Portanto, terá de procurar-se a solução que, no seu quadro, se apresente mais adequada ponderando, sobretudo, os interesses e valores contrapostos.
Recordemos que o Código Civil vigente consagra regimes sem diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a extracontratual. Também advertiu que as poucas especificidades de cada um deles permitem concluir que a disciplina da primeira, globalmente encarada, confere maior protecção ao lesado. (...).»
Afasta-se, naturalmente, a possibilidade de uma dupla indemnização, em correspondência a essas duas espécies de ilícito civil. Por outras palavras: havendo um só dano, resultante de um único facto, nada justifica a duplicação de acções ou concorrência de pretensões.
Também parece inaceitável o sistema da acção híbrida. Afigura-se substancialmente injusto que o lesado beneficie das normas que considere mais favoráveis da responsabilidade contratual e da extracontratual, afastando as que nos respectivos sistemas - estabelecidas em paralelo e que com elas formam conjuntos orgânicos - repute desvantajosas. Por exemplo, prevalecer-se do ónus da prova que impende sobre o devedor na responsabilidade contratual (art. 799.º, n.º 1) e, ao mesmo tempo, do regime da solidariedade passiva, caso haja vários responsáveis, que vigora para a responsabilidade extracontratual (arts. 497.º e 507.º). Existiria ainda certo melindre quanto à determinação do foro competente: se o próprio da responsabilidade contratual ou o da extracontratual.
Não menos insatisfatória se revela a teoria da opção. Ela equivale a deixar-se ao lesado a escolha de uma acção baseada no ilícito contratual ou no ilícito extracontratual. É que, além do resto, a questão se analisa no que pode considerar-se um concurso legal ou aparente, em que dois regimes têm campos de aplicação próprios.
Infere-se do exposto que se adere à ideia da exclusão do cúmulo. Se, de um vínculo negocial, resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. A mesma directriz se impõe quando o facto que produz a violação do negócio – ou melhor, da relação que dele deriva – simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana. Esta solução mostra-se correcta no plano sistemático e no da justiça material.
Como se referiu, as hipóteses de concurso da responsabilidade contratual e da extracontratual, aqui abordadas, reconduzem-se à figura do aparente, legal ou de normas, Quer dizer, trata-se de situações em que só “aparentemente” se pode falar de um concurso, já que nos deparamos com uma única conduta ilícita, a merecer, portanto, uma só indemnização. A essência do problema reside, assim, na solução do conflito positivo regimes, que decorre da circunstância de uma mesma factualidade ser simultaneamente subsumível à responsabilidade contratual e à extracontratual. O critério terá, pois, de assentar num ponto de vista teleológico, que atenda ao juízo de valor e à função que subjazem àquelas duas figuras.
A responsabilidade aquiliana intervém se o dano resulta da violação de um dever geral de conduta, ao passo que a responsabilidade contratual apenas actua quando se verifica a violação de um crédito. Cada uma possui esfera particular ou autónoma de actuação, pelo que se encontram numa relação de especialidade. Outras razões levam, contudo, à da subordinação exclusiva dos casos considerados às regras da responsabilidade contratual.
Nas hipóteses de concurso das duas variantes da responsabilidade civil há-de convir-se que qualquer delas, a funcionar isoladamente, esgotaria a protecção que a ordem jurídica pretende dispensar a casos desse tipo. A integração de tais hipóteses num esquema ou no outro - e que equivale à correspondente qualificação como ilícito contratual ou extracontratual - depende, portanto, da perspectiva geral que preside à regulamentação do direito das obrigações.
Ora, neste âmbito, impera, como não se ignora, o princípio da autonomia privada, segundo o qual compete às partes lixar a disciplina que deve reger as suas relações, com ressalva dos preceitos imperativos. Assim, parece que, perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio da autonomia privada, o facto tenha, em primeira de considerar-se ilícito contratual. Se a responsabilidade foi disciplinada por negócio jurídico apresenta-se como contratual, posto que, na falta dele, existisse responsabilidade extracontratual. (...).
Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto se traduz o princípio da consunção.
Saliente-se, por outro lado, o aspecto decisivo de que o caminho preconizado, além de uma adequação conceitual, dá plena satisfação aos interesses do lesado. Não se esqueça, na verdade, a ideia de relação obrigacional complexa, concebida como um todo e um processo dirigidos à tutela dos interesses globais das partes nela envolvidos. Aí se encontram, não só deveres de prestação, mas também deveres acessórios e laterais, que incluem deveres de protecção e cuidado para com a pessoa e o património dos intervenientes. Observe-se, ainda, que o devedor se encontra obrigado ao que expressamente convencionou e ao que resulta dos ditames da boa fé.
Em idêntico sentido, postula o instituto do cumprimento defeituoso ou imperfeito, designadamente quanto à cobertura dos danos relativos à vida, à integridade física e ao património do credor. O cálculo da indemnização é feito nos mesmos termos básicos para as duas espécies de responsabilidade civil. E, inclusive, podem apurar-se e compensar-se danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual.
A posição adoptada acautela devidamente todos os interesses atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição do responsável: mostra-se correcta no plano da justiça material e também encarada de um ângulo sistemático. Só não se aplicará em face de preceito contrário da lei.
Esta terá de ser a regra. O que não invalida que, diante de situações concretas, se lhe introduzam possíveis desvios, em homenagem à solução substancialmente mais justa. Estar-se-á, então, perante casos de consunção impura.»”.
[33] Ac. da Rel de Lisboa de 24/10/2019, proc. 2069/13.9TCLRS.L1-6 (Relator: Nuno Ribeiro), acessível in dgsi
[34] Manuel A. Carneiro da Frada, idem, pág. 163.
[35] “Strito sensu, o cumprimento da obrigação é a realização voluntária da prestação debitória. É a actuação da relação obrigacional, no que toca ao dever de prestar (A. Varela, Obrigações, 2º-7)”, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 766.
[36] A. Varela, CJ, 1987, 4º, 21.
[37] Ac. do STJ de 12/6/2003, proc. 03B573.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 768.
[38] Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, pág. 1030.
[39] Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 767.
[40] Ana Prata, Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág. 960.
[41] Almeida Costa, Introdução, 152, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum, pág. 767.
[42] A. Varela, Obrigações, 187, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum, pág. 767.
[43] Cunha de Sá, Abuso de Direito, 173, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum, pág. 767.
[44] Ac. do STJ de 14/7/2009, proc. 2406/06.2TVSLB.S1.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum, pág. 769.
[45] Ac. do STJ de 17/9/2009, proc. 841/2002.S1.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum, pág. 769.
[46] Ana Prata, Idem, pág. 997.
[47] Ibidem, pág. 998.
[48] Ibidem, pág. 633.
[49] Ana Filipa Morais Antunes, idem, pág. 1030.
[50] Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado, I-1, p. 407 e Obrigações, 1º, págs 149 e segs e Da Boa Fé, págs. 586 e segs e Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2017, 14ª Edição, Almedina, pág. 55.
[51] Ana Filipa Morais Antunes, idem, pág 1031 e seg.
[52] Vaz Serra, R.L.J., 108º, p. 144 e 147; Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1968, p. 26.
[53] Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 88
[54] Ac. do STJ de 17/5/2017, proc. 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, in dgsi.net
[55] Ac. RP de 13/9/2016, proc. 1496/14.9T8PRT.P1, in dgsi.pt
[56]Ac. RC de 18/5/2021, proc. 67/18.5T8GRD.C1, in dgsi, onde se decidiu “Não concretizando/definindo a lei o que deve entender-se por “atividades perigosas” - limitando-se à admissão genérica de que a perigosidade derive da própria natureza da atividade ou da natureza dos meios nela utilizados -, deverá, assim, tal matéria ser apreciada à luz de cada caso e segundo as circunstâncias concretas da ocorrência do mesmo”.
Ac. RP de 8/2/2021, proc. 9754/17.4T8PRT.P1, in dgsi.pt “I. O conceito de atividade perigosa previsto no artigo 493, n.º 2 do CC é um conceito indeterminado, a preencher segundo as circunstâncias de cada caso concreto e ponderando, nomeadamente, o evento ou a lesão invocados pelo lesado e o acréscimo de risco que pressupõe o conceito. II - O artigo 493, n.º 2 do CC estabelece uma presunção de culpa, mas não uma presunção de causalidade. III- Sempre cabe ao lesado demonstrar a ocorrência de uma ação ou omissão do lesante que afete o seu direito ou um interesse protegido.