Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0640101
Nº Convencional: JTRP00038864
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RP200602220640101
Data do Acordão: 02/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: No caso de revogação da liberdade condicional e havendo prisão a executar por mais de um ano há sempre renovação da instância para efeitos da apreciação da concessão de nova liberdade condicional, nos termos do artº 61 do CP95.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)
DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. B...... foi condenado, por decisão, transitada, no processo n.º ../95, da 3.ª vara criminal do Porto, na pena de 9 anos de prisão.
Esteve preso, em cumprimento dessa pena, desde 10/05/1994 até 10/05/2000, data em que atingiu dois terços do cumprimento dessa pena e foi colocado em liberdade condicional, até ao dia 10/05/2003.
A liberdade condicional foi revogada, por decisão de 18/10/2002.
O arguido foi novamente detido em 14/06/2005.
Segundo o cômputo efectuado, terminará o cumprimento da pena em 14/06/2008 e os cinco sextos do cumprimento da pena ocorrem em 14/12/2006.
2. No respectivo processo gracioso de liberdade condicional n.º 664/00.5TXCBR do 1.º juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi decidido, por despacho do Exm.º Juiz, de 28/10/2005, que, nos termos do artigo 61.º do Código Penal e 486.º do Código de Processo Penal, não havia lugar a renovação da instância, devendo o processo ser arquivado.
Isto no entendimento de que “não se mostra aplicável in casu a regra prevista no artigo 61.º, n.º 5, do Código Penal, uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade (o remanescente de pena de prisão por cumprir é de 3 anos)”.
3. Inconformado com esse despacho, o arguido veio interpor o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:
«1. Foi o Recorrente condenado pelo colectivo de Juízes nas Varas Criminais do Porto, no âmbito do Processo n.º ..../93.2 ECPRT da ...a Vara, ...a Secção, a uma pena unitária de nove anos de prisão, por tráfico de estupefacientes.
«2. O requerente cumpriu 2/3 da pena a que foi condenado, tendo permanecido a cumpri-la, de 15 de Maio 1994 até 10 Maio de 2000 (por um período de 6 anos), data em que lhe foi concedida a Liberdade Condicional.
«3. Porém, foi-lhe a mesma revogada por decisão transitada em julgado em 21/10/2002, uma vez que o Recorrente terá incumprido os deveres impostos pelo Instituto de Reinserção Social, nomeadamente, o dever de comparência.
«4. Foi o recorrente, novamente preso, a 14 de Junho de 2005, para cumprir o remanescente da pena, que ascende a 3 anos de prisão, encontrando-se actualmente detido há cerca de cinco meses e meio.
«5. Na respectiva liquidação e consequente despacho de homologação da pena imputada ao recorrente, os 5/6 da pena, serão atingidos em 14/12/2006 e o seu fim em14/06/2008.
«6. Sendo que, relativamente, à possibilidade de concessão de nova liberdade condicional, nos 5/6 da pena, e na consequente renovação da instância, entende o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito do TEP, não haver lugar à concessão da mesma.
«7. Fundamentando para tal, que a ratio do n.º 5 do art. 61.º do C. Penal, consiste nas prisões de longa duração, e no caso concreto houve interrupção da execução da pena, pela concessão da liberdade, concessão aos 2/3 da pena.
«8. No entanto, e relativamente à possibilidade de concessão de nova liberdade condicional, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, por força da revogação da previamente concedida, esta possibilidade está consagrada no n.º 3 do art. 64.º do C. Penal,
«9. e pode ser concedida nos termos gerais do art. 61.º do C.P por remissão, do anterior dispositivo legal.
«10. No caso sub judice, ao recorrente poderá ser-lhe concedida nova liberdade condicional, uma vez cumpridos os 5/6 da pena,
«11. pois esta concessão afigura-se como um poder-dever do Exmo. Sr. Dr. Juiz do T.E.P. de colocar o condenado na situação de liberdade condicional, que opera ex vi legis, dependendo tão-só da verificação dos requisitos formais enunciados na referida norma.
«12. Depende, unicamente da verificação objectiva, do decurso de um período determinado de tempo de cumprimento da pena.
«13. Por outro lado, a lei não refere que o condenado tenha de cumprir os 5/6 da pena sem qualquer interrupção, nem resulta do seu espírito, atentas as finalidades da concessão da liberdade condicional obrigatória, que assim deva ser.
«14. Assim sendo, não contemplando a lei a natureza ininterrupta do cumprimento da pena como fundamento para a concessão da L.C., uma vez atingidos os 5/6 da pena, o condenado, terá de ser "obrigatoriamente" colocado em liberdade condicional.
«15. Deste modo, o entendimento do Exmo. Sr. Dr. Juiz do TEP, em considerar como impeditivo dessa concessão, a circunstância de a execução da pena do recorrente, ter sido interrompida pela prévia concessão da mesma, não poderá ser aceite.
«16. No que concerne à renovação da instância, face aos supra citados argumentos, não poderá deixar de se verificar, até porque, verificar-se-á este procedimento, quando, como referido, a liberdade condicional for revogada e a prisão houver de prosseguir por mais um ano.
«17. O que no caso concreto se verifica, pois o remanescente da pena que o recorrente terá de cumprir é de 3 anos.
«18. Pelo que, e de acordo com este dispositivo legal, não se verifica qualquer fundamento para a não aplicação deste normativo legal ao caso concreto e o consequente arquivamento dos autos.
«19. Pelo que, se requer a revogação do despacho ora recorrido, e que o mesmo seja substituído por outro que considere relevante para efeitos de apreciação e concessão de liberdade condicional, ainda que os 5/6 da pena só sejam atingidos no dia 14/12/2006, e que a sua subsequente apreciação e/ou concessão se remeta a essa data.»
4. Admitido o recurso, e na sequência da notificação dessa admissão, veio a ser apresentada resposta pelo Ministério Público, no sentido de que o recurso não merece provimento.
5. Na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a posição do Ministério Público em 1.ª instância, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
7. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

II

Cumpre decidir.
1. A questão objecto de recurso está em saber se, no caso, se mostra ou não fundada a decisão de não renovação da instância (não ter aplicação o artigo 486.º do Código de Processo Penal), uma vez que é essa a única questão que o despacho recorrido, efectivamente, decide, embora essa decisão implique o enunciado de que, no futuro, a situação do recorrente não será apreciada para efeitos de concessão da liberdade condicional.
2. Apoia-se a decisão recorrida no entendimento de que o recorrente não pode beneficiar da liberdade condicional aos cinco sextos da pena por, embora condenado numa pena de prisão superior a seis anos, ter interrompido o cumprimento da pena aos dois terços do seu cumprimento, por lhe ter sido concedida a liberdade condicional, e encontrar-se, agora, a cumprir o resto da pena, sendo este inferior a seis anos (3 anos), em consequência da revogação da liberdade condicional.
Isto, no pressuposto de que o artigo 61.º, n.º 5, do Código Penal reclama o cumprimento ininterrupto dos cinco sextos da pena superior a seis anos.
O entendimento subjacente ao despacho recorrido tem apoio em diversas decisões do Supremo Tribunal de Justiça mas também se encontram outras em sentido divergente [Por facilidade de exposição remetemos para a jurisprudência recenseada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2006, de 23 de Novembro de 2005, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 9 de Janeiro de 2005, a que passaremos a aludir], vindo, recentemente, a ser fixada jurisprudência sustentada em argumentação que contraria o entendimento implicado na decisão recorrida.
Pelo acórdão n.º 3/2006, de 23 de Novembro, foi fixada jurisprudência no sentido de que «Nos termos dos n.os 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional».
Da fundamentação do acórdão extrai-se o entendimento de que a exigência que os cinco sextos do cumprimento da pena se perfaçam ininterruptamente não tem apoio na letra da lei (artigo 61.º, n.º 5, do Código Penal) e contraria o sentido da própria norma, não sendo, por outro lado, imposto pela ratio legis.
3. Sem prejuízo de remetermos para a argumentação constante desse acórdão, que, se não fosse a sua valia intrínseca, sempre relevaria em nome da certeza e da segurança do direito, ensaiaremos demonstrar por que, no caso, há lugar a renovação da instância, nos termos do artigo 486.º do Código de Processo Penal.
O que implica a interpretação dos artigos 61.º, n.º 5, e 64.º, n.º 3 do Código Penal.
3.1. «A disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.» [João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª Reimpressão, Almedina, p. 173, que, neste ponto, seguiremos, de perto]
Para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete deve socorrer-se de diversos factores hermenêuticos: o elemento gramatical, o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático, o elemento histórico.
O texto é o ponto de partida da interpretação. Cabe-lhe desde logo a função negativa de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva. Se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (sem prejuízo de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador. Quando as normas comportam mais de um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a um dos sentidos possíveis, devendo o intérprete optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da lei, no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma.
O elemento sistemático compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda (o contexto da lei).
O elemento histórico compreende todos os materiais relacionados com a história do preceito: a história evolutiva do instituto, as chamadas fontes da lei (os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador na elaboração da lei), os trabalhos preparatórios, entendendo-se por tais os estudos prévios, os anteprojectos, que normalmente os acompanham, os projectos, as propostas de alterações aos projectos, as actas das comissões encarregadas da elaboração do projecto, as actas da discussão do projecto, etc.
«Muitas vezes, o cotejo da fórmula finalmente adoptada e promulgada como lei com as fórmulas propostas nos projectos, nas emendas, propostas, etc. é de grande valia para definir a atitude final e a opção do “legislador”, servindo, assim, para afastar interpretações que se devem considerar rejeitadas (pelo mesmo legislador) justamente pelo facto de ele ter alterado a fórmula do projecto, ter recusado a sua adesão a uma proposta de emenda ou ter considerado impertinente uma crítica movida ao texto submetido a votação.» [Ibidem, p. 185]
3.2. Na lei vigente (artigo 61.º do CP), dentro do instituto da liberdade condicional, coexistem a liberdade condicional, em sentido próprio (também chamada liberdade condicional facultativa), nos n.os 2, 3 e 4, e a chamada liberdade condicional obrigatória, que só tem de comum com a liberdade condicional o facto de determinar uma libertação antecipada do condenado em pena de prisão e as consequências do incumprimento dos deveres que esta libertação antecipada implica para o condenado [Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 543].
Facultativa chama-se (mal) à liberdade condicional quando a sua concessão depende não apenas de pressupostos formais, mas também materiais; obrigatória quando ela depende apenas de pressupostos formais, não havendo lugar a qualquer valoração judicial autónoma e sendo pois a concessão, nesta acepção, automática. Aqui «não se trata da assunção comunitária do risco de libertação em virtude de um juízo de prognose favorável, antes sim, perante o já próximo final do cumprimento da pena, de facilitar ao agente o reingresso na vida livre, qualquer que seja o juízo que possa fazer-se (e nenhum se faz!) sobre a manutenção, a diminuição ou até, o agravamento da perigosidade. Com efeito, ainda quando as expectativas sobre a socialização após o cumprimento dos 5/6 da pena sejam péssimas, ainda aí a liberdade condicional é automaticamente atribuída» [Ibidem, p.544].
3.2.1. Na versão primitiva do código (artigo 61.º), os condenados a pena de prisão superior a 6 anos não seriam postos em liberdade definitiva sem passarem previamente pelo regime de liberdade condicional e seriam sujeitos a este regime logo que tivessem cumprido cinco sextos da pena, se antes não tivessem aproveitado da liberdade condicional “facultativa” (n.º 2), que podia ser concedida aos condenados em pena de prisão de duração superior a 6 meses quando tivessem cumprido metade da pena, se tivessem bom comportamento prisional e mostrassem capacidade de readaptação à vida social e vontade séria de o fazerem (n.º 1).
No Projecto de 1963, a redacção do artigo 51.º, que veio a dar origem ao artigo 61.º, era a seguinte:
«Todos os condenados a penas privativas de liberdade de duração não inferior a seis meses serão postos em liberdade condicional quando tiverem cumprido cinco sextos da pena.
«§ único – No caso de terem cumprido metade da prisão poderão também os reclusos ser postos em liberdade condicional, quando se possa prever que isso favorece a sua vontade e capacidade de readaptação à vida social.»
Da discussão da Comissão Revisora [Cfr. Acta da 19.ª Sessão, de 2 de Março de 1964], colhe-se a ideia de que o carácter obrigatório da concessão da liberdade condicional corresponde a uma necessidade de supervisão do recluso no momento crítico em que deixa a prisão, afirmando-se que não «tem aqui qualquer sentido falar de delinquentes que merecem a liberdade condicional, já que ela procura justamente, como o Prof. Ferrer Correia muito pôs em relevo, ir ao encontro dos piores, dos reincidentes – para quem ela será sempre acompanhada de supervisão» e na consideração «de que se não se libertar o delinquente quando tiver cumprido 5/6 da pena ele será libertado definitivamente pouco depois, e desta vez de todo abandonado à sua sorte».
Nesta perspectiva, a liberdade condicional obrigatória é uma verdadeira fase de transição entre a prisão e a liberdade [Cfr., sobre a questão, Figueiredo Dias, ob. cit., p. 542].
O actual n.º 5 do artigo 61.º estabelece que, sem prejuízo do disposto nos números anteriores (os relativos à liberdade condicional “facultativa”), o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
No Anteprojecto de Revisão do Código Penal (de 1987), a redacção do n.º 3 do artigo 61.º (correspondente, com as diferenças de redacção que vamos, justamente, assinalar, ao actual n.º 5), era a seguinte:
«3 – Se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores [Os respeitantes à liberdade condicional “facultativa”.], o condenado a pena de prisão superior a 8 [Entendeu, depois, a Comissão de Revisão baixar para os 6 anos de prisão] anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.»
Sobre este n.º 3, disse o Sr. Professor Figueiredo Dias [Cfr. Acta n.º 7, de 17 de Abril de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 62]:
«O n.º 3 consagra a modalidade “obrigatória” da liberdade condicional. No fundo, trata-se de dar resposta às situações de desabituação da vida em liberdade, originadas pela aplicação de penas muito longas, em que se torna imprescindível um período de adaptação.
«O ónus da recuperação do condenado é transferido para o Estado, competindo à sociedade suportar o risco da sua libertação condicional.»
A discussão sobre o n.º 3 centrou-se, no seguinte [Cfr. mesma Acta n.º 7, p. 70 da ob. cit]:
O Sr. Procurador-Geral da República exprimiu as suas dúvidas quanto à redacção do n.º 3 e isto porque o condenado pode ter aproveitado as soluções anteriores (de liberdade condicional “facultativa”) e depois voltar à cadeia.
O Sr. Professor Figueiredo Dias concordou com a objecção levantada, reconhecendo haver necessidade se obter uma decisão para o caso do condenado a pena de prisão superior a 8 anos que é posto em liberdade condicional quando se encontram cumpridos dois terços da pena e depois vê revogada a liberdade condicional.
Volta à prisão para cumprir o resto da pena, saindo obrigatoriamente em regime de liberdade condicional quando haja cumprido cinco sextos da pena?
Ou é de negar a libertação aos cinco sextos?
O Sr. Procurador-Geral da República «frisou o ónus do Estado na preparação do delinquente para a liberdade, que deverá ainda aqui justificar a liberdade condicional obrigatória.
«O Estado procederá sempre à libertação do condenado, pois, se não for no momento do cumprimento dos cinco sextos da pena, será em liberdade plena pouco tempo depois.
«A manutenção, nesta hipótese, da liberdade condicional obrigatória manteria ainda algum controlo sobre o delinquente.»
Na sequência desta intervenção, a «Comissão acordou na seguinte redacção para o artigo 61.º, n.º 3:
«3 – O condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.»
Não obstante ter a Comissão acordado nesta redacção, o que é certo é que a primeira redacção do n.º 3 do artigo 61.º voltou a ser discutida [Cfr. Acta n.º 16, de 21 de Setembro de 1989, ob. cit., p. 156], sendo «de novo questionada a expressão “se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores”. Tal expressão pode dar a ideia de que, ocorrendo liberdade condicional facultativa, não subsiste a obrigatória. A sua eliminação, contudo, pode por sua vez gerar dúvidas de sentido contrário. A Comissão aprovou a seguinte alteração que corresponde às preocupações assinaladas:
«“3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores ...”.»
3.2.2. Se o teor literal do n.º 5 do artigo 61.º aponta no sentido de que cumpridos os cinco sextos da pena o condenado em pena de prisão superior a seis anos deve ser obrigatoriamente colocado em liberdade condicional, a história e a evolução do preceito e a discussão que relevou para a sua redacção definitiva manifestam que foi propósito do legislador encontrar uma fórmula que não deixasse que subsistissem dúvidas quanto à obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena mesmo que antes de atingir essa fase do cumprimento da pena o condenado tivesse interrompido o cumprimento da pena em virtude de ter beneficiado da liberdade condicional “facultativa”.
A interpretação do n.º 5 do artigo 61.º que reclama o cumprimento ininterrupto dos cinco sextos da pena de medida superior a seis anos não encontra, portanto, qualquer apoio no elemento histórico e cremos que é até rejeitada por esse factor hermenêutico.
O elemento histórico demonstra que o legislador, tendo admitido como hipótese negar a liberdade condicional aos cinco sextos da pena aos condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional, afastou-a e consagrou a solução de que, mesmo nessa situação, haveria liberdade condicional “obrigatória”.
Acresce que, quer da discussão da Comissão Revisora do Projecto de 1963 quer da discussão da Comissão de Revisão do Anteprojecto de 1987 ressalta que a liberdade condicional “obrigatória” não tem como única finalidade permitir ao condenado uma mais fácil reintegração na comunidade – objectivo particularmente justificado nos casos em que mercê da aplicação de uma pena de prisão muito longa (como seja a de medida superior a seis anos de prisão), a desabituação à vida em liberdade torna indispensável a existência de um período de adaptação -, mas, ainda, que o reingresso na vida em liberdade não se faça sem um período de transição durante o qual o Estado ainda mantenha algum controlo sobre o condenado.
Por isso, também o elemento teleológico aponta no mesmo sentido da interpretação do n.º 5 do artigo 61.º do Código Penal a que nos conduz o elemento literal e o elemento histórico.
A liberdade condicional “obrigatória” não é um “prémio” para o condenado, antes um ónus acrescido para o Estado.
3.2.3. Segundo o disposto no artigo 64.º, a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida (n.º 2), podendo, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º (n.º 3).
Do teor literal da norma resulta que a revogação da liberdade condicional não constitui obstáculo a nova concessão de liberdade condicional e, por isso, o texto legal (função negativa) elimina a interpretação no sentido de que no caso de revogação de liberdade condicional não há lugar a nova concessão de liberdade condicional nos termos do artigo 61.º do Código Penal.
Atendendo ao texto, como ponto de partida da interpretação, podemos assentar que durante a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, na sequência da revogação da liberdade condicional (remanescente), pode haver a concessão de nova liberdade condicional.
Já assim era na versão primitiva do código. Dispunha o n.º 2 do artigo 63.º: «A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida nos termos gerais, nova liberdade condicional.»
No Projecto de 1963, previa-se que, no caso de revogação da liberdade condicional, seria executada a pena de prisão ainda não cumprida e, apenas, a possibilidade de o tribunal, se o considerasse justificado, reduzir o tempo de prisão a cumprir (artigo 54.º, 3.º).
Quanto ao n.º 3.º, o «Conselheiro Osório disse que não tinha grande convicção na utilidade da solução contida na parte final, pelo que propunha antes que o delinquente cumprisse a parte da pena em falta, sem prejuízo da concessão de nova liberdade condicional» [Cfr. Acta da 19.ª Sessão, de 2 de Março de 1964].

A possibilidade de redução do tempo de prisão que o projecto consagrava (e veio a ser acolhida no n.º 2 do artigo 63.º) suscitou controvérsia mas a proposta do Cons. Osório de a segunda parte do n.º 3.º conter a possibilidade da concessão de nova liberdade condicional, nos termos do § único do artigo 51.º do Projecto obteve aprovação [Cfr. Acta da 19.ª Sessão, de 2 de Março de 1964].
Os “termos gerais” para que remetia o n.º 2 do artigo 63.º do Código Penal/versão primitiva, não podiam deixar de ser, assim, os previstos no n.º 1 do artigo 61.º do Código Penal/versão primitiva, pois só aí é que se previa a possibilidade de concessão de liberdade condicional (a liberdade condicional “facultativa”). O n.º 2 respeitava, exclusivamente, à liberdade condicional “automática”.
Os actuais n.os 2 e 3 do artigo 64.º correspondem ao n.º 2 do artigo 62.º do Anteprojecto de Revisão de 1987.
Sobre esse n.º 2 referiu o Professor Figueiredo Dias [Cfr. Acta n.º 8, de 29 de Maio de 1989, ob. cit., pp. 71-72] que «a ideia era que esse número recolhesse parcialmente o n.º 2 do vigente artigo 63.º».
No pressuposto de que a questão que se coloca «reverte-se à parte final do dispositivo quanto à aplicação do regime da liberdade condicional, relativamente à prisão que venha a executar-se no seguimento da revogação da liberdade condicional», a Comissão aprovou a seguinte redacção para esse n.º 2:
«2 – A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, sem que o delinquente tenha, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º»
E, prestando esclarecimentos sobre esse n.º 2, em relação com o disposto no artigo 483.º do Código de Processo Penal [Que, na redacção, então, vigente, dispunha: «Quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver de prosseguir por mais de um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do artigo 481.º, alíneas a) e b), até dois meses antes de decorrido aquele período.» Referiam-se aquelas alíneas a) e b) do artigo 481.º ao relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso e ao parecer fundamentado sobre a concessão da liberdade condicional do director do estabelecimento prisional que deviam ser enviados até dois meses antes da data estabelecida para a admissibilidade da libertação condicional do recluso.
Estando aquele artigo 483.º em consonância com o disposto no artigo 97.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro (que estabelecia que «quando a liberdade condicional não seja concedida, o caso do recluso deve ser reexaminado de doze em doze meses, contados desde o meio da pena», e que só veio a ser revogado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto [artigo 8.º, alínea b)].], disse o Professor Figueiredo Dias que se houve uma tentativa de ressocialização que falhou por razões relevantes não faz sentido, posteriormente, levantar periodicamente a questão da liberdade condicional para além do previsto nos termos gerais (artigo 61.º). Na sequência, a Comissão assentou na necessidade de proceder à alteração do artigo 483.º do Código de Processo Penal.
A redacção do preceito no Anteprojecto era absolutamente clara no sentido de que, relativamente ao remanescente da pena que viesse a executar-se, “é aplicável o disposto no artigo 61.º”.
Ou seja, a concessão da liberdade condicional seria apreciada nos marcos temporais ali estabelecidos. Não havendo que, anualmente, reapreciar a questão, como o legislador esclareceu.
É certo que a redacção do texto definitivo do preceito não é, nas palavras, rigorosamente coincidente com o Projecto. Neste, dizia-se que “relativamente à prisão que venha a executar-se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º”, o texto definitivo diz que “relativamente à pena de prisão que vier a executar-se pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”.
Mas não cremos que a diferença de redacção consinta a interpretação de que no caso de revogação de liberdade condicional só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 61.º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”.
É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional.
Tendo conferido uma redacção ao n.º 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.
Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64.º, era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional “facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.
De referir, ainda, que do n.º 4 do artigo 62.º do Código Penal nenhum argumento se retira que contrarie validamente a interpretação que fizemos, uma vez que aquele artigo 62.º respeita à liberdade condicional em caso de execução de penas sucessivas e essa situação não se verifica quando há que executar-se uma pena e o remanescente de uma pena em resultado de revogação da liberdade condicional.
A pena a executar-se no caso de revogação de liberdade condicional não é uma nova pena mas o que ficou por cumprir de uma pena, uma parte de uma pena.
3.2.4. Com o Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, foi introduzida a reclamada alteração ao artigo 483.º do Código de Processo Penal, dispondo, agora, o artigo 486.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (que corresponde ao n.º 1 do artigo 483.º da versão originária do Código):
«Artigo 486.º
«(Renovação da instância)
«1. Quando a liberdade condicional for revogada e a prisão houver ainda que prosseguir por mais de um ano, são remetidos novos relatórios e parecer, nos termos do artigo 484.º, até dois meses antes de decorrido o período de que depende a concessão.» [Nos termos do artigo 484.º, até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado, os serviços prisionais enviam ao Tribunal de Execução de Penas relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso e parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento].
Do texto da lei não podem subsistir dúvidas de que no caso de revogação da liberdade condicional e havendo prisão a executar por mais de um ano há sempre renovação da instância para efeitos da apreciação da concessão de nova liberdade condicional, nos termos do artigo 61.º do CP.
Ou seja, nas datas admissíveis para a liberdade condicional que só podem ser as datas em que se perfazem os dois terços e os cinco sextos de cumprimento da pena (porque a liberdade condicional revogada não podia ter sido concedida antes de cumprida metade da pena).
No caso, tendo a liberdade condicional (que veio a ser revogada) sido concedida aos dois terços do cumprimento da pena, há lugar a renovação da instância para efeitos de concessão da liberdade condicional aos cinco sextos do cumprimento da pena (que ocorrem no dia 14/12/2006), dependendo, de qualquer modo, do consentimento do recorrente (n.º 1 do artigo 61.º do Código Penal).
Como se escreveu no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2006, o consentimento do condenado é a única reserva à aplicação do n.º 5 do artigo 61.º, que opera ex vi legis, logo que verificado o decurso de um determinado período de tempo.

III

Termos em que, na essencial procedência do recurso, revogamos a decisão recorrida e determinamos que seja substituída por outra que reconheça, no caso, a renovação da instância, nos termos do artigo 486.º do Código de Processo Penal.
Sem tributação.

Porto, 22 de Fevereiro de 2006
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira