Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2521/22.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP202303132521/22.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 03/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais;
II – As providências cautelares têm por finalidade acautelar o efeito útil da acção (art. 2º, nº2, CPC), isto é, assegurar a utilidade da tutela que venha a ser obtida numa acção; não a de obstar à utilidade de uma tutela já concedida;
III – Se o fim visado com o procedimento cautelar for reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais, deve o mesmo ser indeferido liminarmente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº2521/22.5T8AVR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório[1]

AA e mulher, BB, vieram instaurar procedimento cautelar não especificado contra CC e mulher, DD, requerendo que seja decretada a restituição imediata aos Requerentes da posse sobre o imóvel urbano composto de casa de habitação de cave ampla, rés-do-chão, sótão, alpendre, logradouro e quintal, sito no lugar ..., concelho de Anadia, a confrontar, do norte, com EE, do nascente, com estrada, do sul, com FF, e, do poente, com caminho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o número ..., assim como todos os bens móveis, utensílios, equipamentos, trator, viatura automóvel, alfaias agrícolas que se encontram no interior do imóvel e que pertencem aos Requerentes, e ainda que permita a estes poderem regar um dos seus prédios que fica junto do imóvel urbano onde estão plantados kiwis pois o computador de rega está instalado na casa de habitação e foi de má fé desativado e se tal não suceder de imediato, irão secar por completo, assim como condenar os Requeridos a absterem-se de praticar qualquer ato que colida com o direito que foi reconhecido pelas partes no contrato-promessa junto a fls. 28, designadamente no que à “traditio” do imóvel diz respeito.
Alegam, para o efeito, em síntese:
- foram proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o número ... até 20/09/2002, data em que o imóvel foi adjudicado aos ora Requeridos no âmbito do processo executivo nº515/2001 do extinto Tribunal Judicial de Anadia;
- embora os Requeridos tenham registado a aquisição a seu favor, foram os Requerentes que se mantiveram a habitar o imóvel, onde dormiam, confeccionavam as suas refeições e guardavam os seus bens, constituindo a sua casa de habitação em Portugal, aonde se deslocam mensalmente, uma vez que se encontram emigrados em França, o que sempre fizeram sem oposição dos Requeridos;
- os Requeridos vieram requerer a renovação da instância no processo executivo nº 515/2001, através da dedução, a 30/06/2020, de um incidente de entrega de bem adjudicado, nos termos do art. 828.º do CPC, incidente esse que após ser distribuído corre termos com o nº 13320/20.0T8AGD pelo Juízo de Execução de Águeda, no qual, por despacho datado de 03/11/2020, a Mma Juiz de Execução determinou que se procedesse à entrega do imóvel que os Requeridos haviam adquirido;
- a execução ficou entretanto suspensa, a pedido das partes, que, nesse período, negociaram, acordaram e outorgaram um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual os Requerentes prometeram comprar e os Requeridos prometeram vender, por € 90.000,00, o imóvel em causa, e onde consta clausulado que este se encontra na posse e fruição dos Requerentes; os Requerentes já entregaram aos Requeridos a quantia de € 35.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento; a escritura de compra e venda só ainda não se realizou por o imóvel não ter todas as obras nele edificadas legalizadas, obrigação que pertence aos promitentes-vendedores;
- os Requerentes, para cumprirem com o pagamento integral do preço da compra e venda, propuseram uma ação de consignação em depósito, que está a correr termos por apenso à execução nº 13320/20.0T8AGD, onde depositaram o remanescente do preço acordado pela compra e venda. Neste processo de consignação em depósito os Requeridos foram citados a 20/05/2022, tendo apresentado oposição;
- a 4/07/2022, quando os ora Requerentes não se encontravam no imóvel, uma funcionária judicial deslocou-se ao imóvel, acompanhada pelos ora Requeridos, pelo Mandatário destes e por elementos da GNR, tendo para o efeito arrombado portas a fim de tomarem posse do mesmo;
- os Requeridos, ao terem permitido que o processo de execução prosseguisse para entrega do imóvel, estão a causar prejuízos aos Requerentes e a violar o que acordaram no contrato-promessa.
Apresentado a despacho o requerimento inicial, foi indeferida liminarmente a providência cautelar nele requerida através de decisão com o seguinte teor (prescinde-se do seu relatório):
Vejamos.
Como os próprios Requerentes reconhecem (artigo 11.º da petição inicial), o imóvel foi entregue aos Requeridos por despacho proferido pela Mma Juiz de Execução no âmbito do processo executivo nº 13320/20.0T8AGD do Juízo de Execução de Águeda.
Tendo sido ordenada a entrega do imóvel neste processo, era no Juízo de Execução de Águeda (processo executivo nº 13320/20.0T8AGD) que os ora Requerentes deveriam ter reagido contra a entrega por ser o único com competência para reverter (digamos) a entrega que ordenou.
Com efeito, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não faz qualquer sentido ter-se procedido à entrega aos ora Requeridos de um imóvel que estava, alegadamente, na detenção (ou posse) dos ora Requerentes por ordem da Mma Juiz do Juízo de Execução de Águeda, e ser este Juízo Central Cível de Aveiro a, eventualmente, reverter tal decisão e ordenar que o imóvel seja entregue, de novo, aos Requerentes – trata-se de Tribunais da mesma hierarquia (artigos 79.º e seguintes da Lei nº 62/2013, de 26/08).
Nunca este Juízo Central Cível de Aveiro poderia ordenar a reversão (digamos) de ato ordenado pelo Juízo de Execução de Águeda, decidindo em sentido contrário, revogando o mesmo, por serem tribunais da mesma hierarquia.
Acresce, por último, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que não se verifica no caso dos autos qualquer esbulho violento, nos termos do art. 377.º do CPC, ao contrário do que defendem os Requerentes no artigo 76.º da petição inicial. A entrega do imóvel foi ordenada no âmbito de um processo judicial e por ordem do juiz titular do mesmo.
*
Pelo exposto, indefiro liminarmente a providência cautelar requerida.
Custas pelos Requerentes.
Notifique.

De tal decisão vierem os Requerentes interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) Analisando o teor da douta sentença recorrida e perante os fundamentos e causa de pedir alegada pelos Apelantes, estes entendem, salvo o devido respeito por douta opinião em contrário, que a Meritíssima Juiz a quo deveria ter ordenado o prosseguimento da providência, com a produção da prova que foi indicada, uma vez que, ao contrário do que vem referido na douta sentença recorrida, não está em causa revogar um acto praticado por um Tribunal da mesma hierarquia, mas antes e sim reagir contra a violação do que as partes acordaram num contrato promessa de compra e venda e que constitui um negócio jurídico, celebrado entre as partes depois de uma anterior decisão.

B) Sendo que os Apelantes alegaram, e demonstraram com documentos, que das obrigações decorrentes do contrato promessa de compra e venda objecto dos presentes autos, cumpriram com todas as suas cláusulas, designadamente, com o pagamento do sinal e depois com a entrega, em consignação e depósito, do remanescente do preço acordado, assim como com a marcação da escritura pública.

C) Mais tendo alegado que os promitentes vendedores não cumpriram com as obrigações decorrentes do contrato promessa de compra e venda, designadamente, obtendo toda a documentação, que é da sua responsabilidade, para que o ato de formalização do negócio prometido pudesse ser feito, ou seja, entregando licença de utilização devidamente actualizada com a aprovação das obras que foram feitas no imóvel, grande parte, em decorrência de um incêndio que deflagrou na moradia e que os Apelantes tiveram que proceder à reconstrução do imóvel, já que os Apelados não se interessaram por tal, como infra se irá alegar, quando os mesmos se obrigaram a proceder à sua legalização e que determinou o adiamento da escritura.

D) Daí que havendo incumprimento do contrato promessa de compra e venda – que é o objecto e fundamento da presente providência cautelar –, por parte dos Apelados, e que está a causar prejuízos aos Apelantes, podem estes, nos termos do que ficou estipulado nesse contrato, recorrer à execução especifica ou exigir da parte faltosa, in casu os Apelados, uma indemnização diária de € 500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso na outorga da escritura, conforme ficou acordado na cláusula quinta do contrato promessa objecto os presentes autos.

E) Deste modo, na presente providência cautelar, os Apelantes não requerem apenas que sejam investidos na posse do imóvel sub judice e melhor identificado no artigo 1º da Petição Inicial, mas também a posse sobre todos os bens móveis que estavam no interior do imóvel, como sendo, mobiliário, veículo automóveis e agrícolas, alfaias agrícolas, ferramentas, vestuário acesso a sistema de rega de uma grande propriedade de kiwis que estão a secar e outros, como estão descritos no pedido, e cujos bens nada têm que ver o processo executivo a que a Meritíssima Juiz a quo faz referência e onde se demonstra que não cuidou de analisar de forma séria e atenta o que pelos Apelantes foi alegado.

F) Para além de que, ainda que o Tribunal a quo considerasse que a providência cautelar que foi proposta pelos Apelantes visasse reagir contra a decisão que determinou no processo executivo a entrega do imóvel aos Apelados – que não visa, mas antes e sim tem por objecto o contrato promessa de compra e venda em que as partes acordaram na traditio do imóvel para os compradores – e onde os Apelantes podiam deduzir oposição, então sempre poderia ter remetido o processo para tal processo servindo a presente providência cautelar como dependência de tal acção que está em curso, o que ora se alega por dever de patrocínio face ao que acima ficou dito.

G) Com efeito, os Apelantes, em 16 de Abril de 2021, outorgaram com os Apelados um contrato promessa de compra e venda, através do qual aqueles prometeram comprar e estes prometeram vender o imóvel urbano composto de casa de habitação de cave ampla, rés do chão, sótão, alpendre, logradouros e quintal, sita no lugar ..., concelho de Anadia, a confrontar do norte com EE, do nascente com estrada, do sul com FF e do poente com caminho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial concelhia sob o número ....

H) Os Apelantes e Apelados, conforme a cláusula quarta do contrato promessa de compra e venda que vem sendo referido, acordaram que a escritura seria outorgada no prazo de 90 dias após a outorga do contrato, podendo ser marcada por qualquer uma das partes, notificando-se a outra parte do dia, hora e Cartório Notarial, mediante carta endereçada ao domicilio das partes – e em que o domicilio dos aqui Apelantes foi reconhecido por todos os contraentes como sendo o da localização do imóvel objecto dos presentes autos, o que demonstra que os Apelados reconheciam e aceitavam que aqueles tinham a posse do imóvel do qual após a sua edificação nunca saíram e se mantivessem com a mesma –, com a antecedência de 10 dias.

I) As partes também acordaram, e que tem relevância para a presente providência cautelar, sob a cláusula terceira do contrato promessa, o seguinte: “o prédio ora prometido vender e comprar encontra-se na posse e fruição dos Segundos Outorgantes [aqui Apelantes] desde há cerca de 20 anos, declarando estes últimos aceitá-lo, com todas as suas pertenças, no estado e conservação e de funcionamento em que actualmente se encontram.”

J) Mais ficou convencionado em tal cláusula que “consigna-se ainda que todo o recheio da casa, e todos os bens móveis, equipamentos, acessórios, e demais bens nele existentes são propriedade exclusiva dos Segundos Outorgante” [aqui Apelantes].

K) Um declaratário comum, perante a expressão “encontra-se na posse e fruição”, interpretariam, como interpretam, que tal significa deter a posse sobre a coisa e que ao longo desse período de tempo, os Apelantes praticaram todos os actos possessórios em seu nome próprio, como se de proprietários se tratassem, no imóvel objecto do contrato promessa.

L) Daí que, os Apelados, com a inclusão daquela cláusula contratual reconhecem ter havido, desde há 20 anos, a inversão da posse, até atendendo aos actos possessórios que os Apelantes sempre praticaram e que vão ser alegados.

M) Só por culpa única e exclusiva dos Apelados a escritura a formalizar o negócio prometido ainda não foi celebrada, os quais continuam a não proceder à legalização das obras que actualmente constituem o imóvel objecto da venda e com isso a tornar inviável que se possa concluir o negócio prometido, por a constituição e descrição do imóvel que é objecto de inscrição nas Finanças e descrição na Conservatória não correspondem ao que se encontra edificado, como aliás os Apelados bem sabem, e até pelo contacto que já fizeram aos Srs. Engenheiros para atualizar a licença de utilização.

N) Os Apelantes, para cumprirem com o pagamento integral do preço da compra e venda e para que os Apelados não viessem alegar aqueles estarem em incumprimento – ainda que sejam os Apelados que estão a incumprir o contrato promessa, pois não obtêm os documentos necessários para a realização da escritura e que são da sua responsabilidade, enquanto vendedores, obterem –, vieram propor, em 10 de Dezembro de 2021, uma acção de consignação em depósito, que está a correr termos no apenso A) à execução supra referida, ainda que inicialmente tivesse sido proposta no Juízo Central Cível de Aveiro, desta Comarca, onde depositaram o remanescente do preço acordado pela compra e venda, ou seja, a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).

O) Sucede que os Apelados, que há muito podiam ter actualizado os documentos camarários para instruir a escritura, com a legalização das obras que tiveram que ser feitas ao longo dos anos pelos Apelantes, em consequência do incêndio à vista e com o conhecimento dos Apelados e sem que estes a tal se opusessem, resolveram não comunicar ao processo de execução a sua extinção, até porque já o haviam prometido vender e até para que não houvesse contradição entre o que nele é peticionado e o que por negócio jurídico válido outorgado entre as partes, após a instauração do incidente, ficou acordado entre as partes e

P) Em 4 de Julho de 2022 , quando os Apelantes não se encontravam no imóvel objecto dos presentes autos, e onde sempre habitaram e tiveram a posse – como tal é reconhecido pelos Apelados na clausula terceira do contrato promessa e também no cabeçalho do mesmo onde estão identificadas as partes e os seus domicílios – uma funcionária judicial, acompanhada dos Apelados, do seu Ilustre Mandatário e de militares da GNR, deslocaram-se ao imóvel, tendo para o efeito arrombado as suas portas, a fim de tomarem posse do mesmo, o que viola o constante do contrato promessa de compra e venda que se mantinha e mantém válido e não foi alvo de nenhuma alteração ou aditamento, o que sempre, como acordado entre as partes, teria que ser feito por escrito.

Q) Sendo que os Apelantes, desde esse dia 4 de Julho de 2022, se viram impedidos de entrar no imóvel objecto do contrato promessa e destes autos, como também ficaram privados de todos os bens que estavam no seu interior, equipamentos, tractor agrícola, veículos automóveis, roupas, medicamentos, todos os móveis de uma habitação e de acesso ao sistema que controla a rega de um grande pomar de kiwis situado em frente à habitação sub judice e que tem que ser diariamente regado, agora ainda mais devido à seca extrema, mas que não está a ser devido ao facto de os Apelantes terem sido impedidos de aceder ao imóvel, e de usarem os seus equipamentos e bens móveis.

R) Com efeito, como os Apelados bem sabem e reconheceram no contrato promessa sub judice, os Apelantes são os legítimos possuidores do prédio urbano composto de casa de habitação, anexos alpendre e quintal, sito em ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., da União de Freguesias ..., ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial concelhia sob o número ..., tendo nesse prédio os Apelantes edificado em 1992 a sua casa de morada de família e onde sempre viveram.

S) Desde então que de forma ininterrupta e com o conhecimento dos Apelados, a vêm ocupando, possuindo, fruindo, habitando-o, confeccionando as suas refeições, recebendo nele os seus amigos, cultivando a horta, procedendo a obras de restauro e conservação, o que sempre fizeram à vista e com o conhecimento dos Apelados e sem que estes alguma vez a tal se opusessem.

T) Donde, os Apelantes, em relação ao contrato promessa que lhes reconheceu a posse do imóvel e a atribui, já cumpriram com todas as obrigações, tendo pago a totalidade do preço, ou seja, uma parte entregue diretamente aos Apelados, há mais de um ano, e a outra consignada e depositada à ordem do Tribunal no processo em que os Apelados serão os únicos beneficiários da mesma.

U) Sendo que na presente data, os Apelados encontram-se a violar duas obrigações contratuais que assumiram, a saber: primeiro, não reuniram a documentação necessária, e que é da sua responsabilidade, para que a escritura possa ser celebrada, como seja a demonstração da legalização das obras para actualização da Licença de Utilização e, segundo, ao terem no dia 4 de Julho de 2022 arrombado as portas e impedindo os Apelantes a ele acederem, quando no contrato ficou acordado que estes manteriam a posse, bem como as centenas , senão milhares dos móveis que nele se encontram e aos Apelantes pertencem, e sem que tivesse havido qualquer comunicação a estes e feita na sua ausência.

V) Deste modo, face ao que vem sendo alegado, os Apelados ao não terem desistido da execução para entrega do imóvel e ao terem arrombado as portas e retirado o imóvel e todos os bens móveis que a estes pertencem aos Apelantes, em 4 de Julho de 2022 e ,tendo substituído as fechaduras não permitindo que estes o habitem e que acedam ao seu interior, nem mesmo aos bens e equipamentos que só aos Apelantes pertencem e que estes desconhecem se foram ou não danificados, e ou onde e como se encontram, estão a perturbar o exercício do direito que os Apelantes têm que resulta do contrato promessa.

W) Tal privação do uso da habitação, e apropriação indevida dos milhares de bens móveis reafirme-se, também contraria e viola o disposto no contrato promessa objecto dos presentes autos – o qual foi outorgado muito tempo depois de os Apelados terem instaurado o incidente onde foi determinada a entrega do imóvel adjudicado e onde estes podiam, e deviam, para cumprir com o contrato promessa, ter vindo requerer a sua extinção –, pois os Apelados acordaram que os Apelantes se mantinham na posse do imóvel até a outorga da escritura, o que aqueles disso têm perfeita consciência.

X) Contudo, ainda que os Apelados já tenham na sua posse € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) que os Apelantes lhes entregaram a título de sinal e princípio de pagamento, também o restante do preço, ou seja, € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) se encontra consignado em depósito e que os Apelados são os directos beneficiários, mesmo assim não se abstiveram de, incorrectamente, promover o acto da entrega e verdadeiro despejo dos Apelantes do que sempre foi a sua casa de habitação, apenas com o propósito de os enxovalhar e denegrir a imagem destes perante a comunidade, porquanto

Y) O acto praticado em 4 de Julho de 2022 e que se prolongou no dia seguinte, que impediu os Apelantes de continuarem a habitar o imóvel como estava acordado no contrato promessa, foi feita com grande aparato, publicitário, além de muitos militares da GNR, tendo a população de ... assistido a tudo, o que constituiu uma vergonha para os Apelantes, que estes, não aceitam, pois

Z) As pessoas da localidade apenas sabem aquilo que viram, ou seja, viram as portas da habitação arrombada, substituídas as fechaduras e os Apelados a apropriarem-se de todos os bens móveis, não sabendo que estes celebraram um contrato promessa e que já pagaram todo o preço, que era devido e são os Apelados que estão em falta.

AA) Daí que com esse ofensivo acto, praticado à vista de toda a gente, os Apelados pretenderam enxovalhar, molestar e denegrir a imagem dos Apelantes e fazer com que toda a população de ... soubesse que estes estavam a ser “despejados” da casa que eles construíram em 1992 e que já pagaram integralmente aos Apelados, o que tudo causou e está a causar grande mágoa, sofrimento e abalo físico e psicológico aos Apelantes.

BB) Ainda mais quando os próprios Apelados sabem que os Apelantes são pessoas bastantes doentes e com saúde muito debilitada, uma vez que a Apelante mulher sofre de uma doença grave nos ouvidos, tendo já sido operada, e tendo quase perdido a audição e o Apelante marido sofre de cancro e está a ser submetido a muitos e dolorosos tratamentos agressivos de quimioterapia que o têm debilitado muito, sendo que toda esta situação gerada pelos Apelados, em violação do acordado no contrato promessa objecto dos presentes autos, ainda mais o deixou debilitado.

CC) Os Apelantes também se encontram impedidos de utilizar todos os seus bens de uso pessoal, bem como as viaturas de circulação e tratores agrícolas que estavam estacionadas no interior do imóvel, bem como a possibilidade de regar um pomar de Kiwis que, diariamente, tem de ser efectuada, sendo que os Apelantes apenas têm acesso ao sistema de rega se entrarem no imóvel onde existe o poço de onde é captada a água para a rega, e que a manter-se por mais uma semana toda a produção do presente ano é destruída e as árvores secarão mesmo por completo advindo daí avultadíssimos prejuízos, se o procedimento cautelar não ordenar a entrega imediata do imóvel e dos móveis aos Apelantes.

DD) Os Apelantes já pagaram todo o preço da compra e venda, existindo da parte dos Apelados incumprimento contratual, o que sempre também levaria a que aqueles, face aos valores já entregues e a tal incumprimento, independentemente da outorga da escritura pública, possam invocar o direito de retenção nos temos do artigo 755º n.º 1, alínea f), do Código Civil.

EE) Pelo exposto, estando verificados os pressupostos, quer do artigo 379º quer do artigo 377º, ambos do Código de Processo Civil, para que seja, com base no que ficou acordado no contrato promessa de compra e venda objecto dos presentes autos, decretada a imediata restituição da posse do imóvel melhor identificado no artigo 1º da Petição Inicial e que é objecto do contrato promessa sub judice, assim como todos os bens móveis, utensílios, equipamentos, tractor, viatura automóvel, alfaias agrícolas que se encontram no interior do imóvel e que pertencem aos Apelantes.

FF) É um facto inequívoco, como resulta da análise do contrato promessa de compra e venda sub judice – cuja celebração, reafirme-se, é muito posterior à instauração do incidente de entrega de imóvel adjudicado e do douto despacho que determinou a entrega antes da citação dos executados – que os Apelados, enquanto promitentes vendedores reconhecerem estarem os Apelantes na posse do imóvel pelo tempo que indicaram e que assim se manteriam.

GG) Sendo que o reconhecimento que é feito e tal contrato promessa de compra e venda, por parte dos promitentes compradores que são os mesmos que antes requereram a entrega do imóvel adjudicado, só por si levaria a que o processo de execução fosse terminado por inutilidade superveniente da lide, já que a ser feita a entrega aos Apelados, como o foi, tal violaria o que as partes acordaram no contrato promessa, até quanto também os Apelados reconheceram, para efeitos de notificações que estas seriam enviadas para as moradas indicadas no cabeçalho e sendo a morada dos Apelantes a mesma do imóvel objecto dos presentes autos.

HH) Pelo que os Apelantes, a quem os próprios Apelados por um negócio jurídico válido e eficaz reconheceram a posse do imóvel que aqueles detém há mais de 20 anos e que haveria a traditio do imóvel, permitiram que fosse executada uma decisão judicial que eles podiam ter evitado transmitindo a Tribunal, pelo menos, a suspensão de tal acto até que se mostrasse, por parte deles, cumpridas as suas obrigações contratuais.

II) Daí que os Apelantes, com o devido respeito por douta decisão e contrário, entendem que nada obsta a que através dos meios legais para defesa da posse e, concretamente, pelos meios urgentes para que a posse seja mantida em que de direito, possam reagir contra o acto, ainda que judicial, que determinou a entrega do imóvel aos Apelados e que põem em causa os direitos que os Apelantes, pelo contrato promessa, detêm, designadamente, a posse do imóvel.

JJ) Tanto mais que na lei processual, para além do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, previsto no artigo 377º do Código de Processo Civil, e em que se tem que verificar a existência de esbulho violento, alegando-se factos que constituem a posse, o esbulho e a violência,

KK) Também é previsto um outro meio cautelar de restituição da posse quando tais circunstâncias não ocorrem, ou seja, através de uma providência cautelar inominada prevista no artigo 379º do Código de Processo Civil, da qual os Apelantes lançaram mão como até consta do cabeçalho da Petição Inicial, a qual pode ter por fundamento o possuidor ter sido esbulhado ou ter sido perturbado o exercício do seu direito.

LL) Não há dúvidas, ainda que de forma sumária, que é evidente pela leitura e análise do contrato promessa de compra e venda junto com a Petição Inicial que as partes ao terem acordado na traditio do imóvel, ainda antes da formalização do negócio prometido, e vindo, posteriormente, os Apelados consentir que fosse concretizada a decisão de entrega do imóvel, sem prévia citação dos Apelantes – quando os Apelados tinham na sua disponibilidade transmitir ao Tribunal a suspensão de tal acto ou a desistência do pedido em face das obrigações contratuais que entretanto assumiram – que tal perturba e põe em causa o exercício do direito dos Apelantes em se manterem na posse do imóvel, tal como ficou contratado e acordado em contrato promessa válido e que até hoje os Apelados não puseram em causa e muito menos houve quaisquer alterações ao mesmo.

MM) E desse modo, nada impede o Tribunal a quo, atendendo aos fundamentos de facto e de direito invocados e ao facto de, face ao incumprimento contratual dos Apelados, poder a presente providência cautelar ser, como é preliminar, de uma acção de execução especifica, conhecer dos factos e da providência e decretá-la nos termos peticionados pelos Apelantes, até porque, para além do imóvel, também está em causa a restituição da posse sobre os bens móveis que se indicaram na Petição Inicial e no pedido e cuja privação dos mesmos estão a causar os prejuízos alegados no petitório e que se tendem a agravar a cada dia.

NN) Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que determine o prosseguimento da presente providência cautelar com a produção da prova indicada pelos Apelantes, pois o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, pela douta sentença recorrida, o disposto nos artigos 362º e 379º, ambos do Código de Processo Civil, ou se assim não se entender, o que só por mera questão de patrocínio se coloca, deverá ser ordenada a baixa do processo à 1ª instância a fim de que o Tribunal a quo profira despacho judicial a remeter os presentes autos para serem apensados ao processo de execução supra identificado, e que o procedimento ora requerido seja decretado”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: apurar se é de revogar a decisão sob recurso e determinar o prosseguimento dos autos.
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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Passemos então ao tratamento da questão enunciada.
Como resulta alegado no requerimento inicial da providência (artigos 7º a 11º) e desde logo se circunscreve no primeiro parágrafo da fundamentação da decisão recorrida, a entrega de imóvel sobre que os Requerentes pretendem reagir com a presente providência teve lugar na sequência de decisão judicial naquele sentido proferida no âmbito da acção executiva que corre termos no Juízo de Execução de Águeda sob o nº 1336/20.0T8AGD (pensamos que será este o número correcto, face aos documentos direccionados a tal processo e a um seu apenso constantes de fls. 36-verso e fls. 56, e não o nº13320/20.0T8AGD, referido na sentença recorrida por ter sido assim referido no requerimento inicial, com certeza por lapso de escrita), que retirou tal imóvel aos Requerentes e determinou a sua entrega aos Requeridos.
Tendo aquela entrega sido ali judicialmente ordenada – e ainda que os Requerentes entendam que ocorre, nos termos que defendem, violação do contrato-promessa celebrado entre si e os Requeridos e da posse do imóvel que por via de tal contrato lhes foi conferida –, a reacção contra a mesma deveria ter tido lugar naqueles mesmos autos.
Efectivamente, conjecturando, se se admitisse que a presente providência pudesse ser proposta e decidida noutro tribunal que não aquele onde corre aquele processo e por apenso a ele, estava-se a frustrar a decisão judicial de entrega do imóvel aos Requeridos ali proferida, o que traduziria a violação de uma decisão judicial por um tribunal da mesma hierarquia.
Além disso, e agora considerando também a pretensão defendida pelo Recorrentes no sentido de os presentes autos serem remetidos para aquele processo de execução, servindo como apenso de tal acção em curso [conclusões F) e NN)], há que referir que, quer autonomamente quer por apenso a outro processo, “não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais”[2].
Efectivamente, parafraseando o Prof. Miguel Teixeira de Sousa em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 23/2/2016, onde se trata de questão idêntica (proc. nº1106/13.1TBMTR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt)[3], publicado na internet no Blog do IPPC em 10/5/2016 (sob a etiqueta Jurisprudência 2016), “As providências cautelares têm por finalidade acautelar o efeito útil da acção (cf.art. 2º, nº2, CPC), isto é, assegurar a utilidade da tutela que venha a ser obtida numa acção”. Os requerentes da providência pretendiam “que essa providência cumprisse uma finalidade exactamente oposta: a de obstar à utilidade de uma tutela já concedida”.
Assim, e como se sintetiza no Acórdão também da Relação de Évora, agora de 25/5/2017[4], “Os procedimentos cautelares não são o meio idóneo e processualmente adequado para reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução, ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais. Se o fim visado com o procedimento for um daqueles, deve o mesmo ser indeferido liminarmente”.

Pelo que se vem de expor, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
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Porto, 13/3/2023
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
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[1] Segue-se, com pequenas alterações, o relatório da decisão recorrida
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/10/2016, proferido no processo nº921/08.2TBMTR-C.E1, relator Canelas Brás, disponível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido do acórdão referido na nota anterior e até do mesmo relator.
[4] Proferido no proc. nº406/17.6T8FAR.E1, relator Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt, e onde também se cita aquele comentário do Prof. Miguel Teixeira de Sousa.