Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4755/15.0T8MTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202201174755/15.0T8MTS.P2
Data do Acordão: 01/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Os danos não patrimoniais são indemnizáveis sempre que, pela sua gravidade mereçam, a tutela do direito, devendo a respectiva indemnização ser fixada equitativamente, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, aludidas no art. 494º do Código Civil.
II - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial sofrido em consequência de acidente de trabalho, o indispensável recurso à equidade aconselha, que, se considere, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, sem prejuízo de se atender a todas as especificidades e particularidades do caso que, em concreto, é submetido à apreciação do Tribunal.
III - Num quadro factual em que o autor, dextro, com 33 anos de idade à data do acidente, que consistiu em a sua mão direita ser apanhada e esmagada pelos cilindros da máquina em que se encontrava a laborar, sofrendo traumatismo com esfacelo dessa mão e punho direitos, esteve internado cerca de mês e meio, foi submetido, em menos de um mês, a três intervenções cirúrgicas, foi sujeito a várias anestesias gerais, fez durante cerca oito meses fisioterapia e terá de continuar a fazer, após o internamento compareceu a cerca de 70 consultas médicas e/ou curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, receou que lhe fosse amputada a mão direita, ficou com sequelas traduzidas, na dependência permanente de ajudas medicamentosas, ajuda de terceira pessoa, quer para ajudas esporádicas, quer em gestos de auto-cuidado do dia-a-dia, como os que exigem destreza de dedos e os que exijam a acção conjunta das mãos, o que muito o deprime, tendo-lhe sido fixado em 21 pontos o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, a sua actividade sexual ficou afectada, sendo a repercussão permanente fixável no grau 3/7, as dores que sofreu quando do sinistro, durante os tratamentos, e que ainda sente e sentirá para o resto da vida, “Quantum Doloris”, são quantificáveis no grau 5/7, tem cicatrizes, sendo o dano estético permanente do grau 4/7, perdeu a capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7, tem-se como ajustada fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais devidos ao autor no valor de € 110.000,00.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc n° 4755/15.0T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do …, … - Juízo do Trabalho - Juiz …
Recorrente: AA…
Recorridos: BB…, Companhia de Seguros, S.A., CC…, DD… e EE…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

Por não se terem conciliado na fase conciliatória, [apesar de todas as partes terem aceite a existência do acidente, o salário auferido pelo sinistrado, a existência e validade do contrato de seguro, a seguradora não aceitou qualquer responsabilidade decorrente do acidente por entender que o mesmo se deveu à inobservância das regras de segurança por parte da entidade empregadora e esta não aceitou a responsabilização que lhe foi imputada pelo sinistrado e pela seguradora, por entender que foram por si cumpridas todas as regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho] como decorre do “Auto de Tentativa de Conciliação” de fls. 138 a 140, veio o sinistrado, AA…, com o patrocínio de advogado, intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra a empregadora Padaria C.., Lda., (entretanto declarada extinta e, agora, representada pelos ex-sócios, CC…, DD… e EE…) e a seguradora BB… - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a procedência desta e, em consequência, serem as rés condenadas a pagar-lhe:
1) A 1ª ré (empregadora):
a) a pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada após realização da perícia por junta médica, agravada nos termos do disposto no art. 18°, n.° 1 e 4, al. b) da RRRAT;
b) subsídio por situação de elevada incapacidade permanente para o trabalho habitual, que vier a ser fixada após realização da perícia por junta médica, nos termos do disposto no art. 67° da RRRAT;
c) indemnização pelos relevantíssimos danos não patrimoniais, na quantia de €150.000,00:
d) a quantia de €197,78, correspondente à diferença entre a quantia de €5.273,64, que deveria ter recebido, e a quantia de €5.075,86 já recebida, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta ocorrida entre 25/10/2014 e 01/10/2015 (342 dias);
e) a título de pagamento das despesas de deslocação a tribunal, a quantia de €33,30;
f) juros de mora sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos até integral pagamento.
Subsidiariamente,
2) a 2ª ré (seguradora):
a) a pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada após realização da perícia por junta médica, normal nos termos do disposto no art. 48°, n.° 2 e 3, al. b) da RRAT;
b) subsídio por situação de elevada incapacidade permanente para o trabalho habitual, que vier a ser fixada após realização da perícia por junta médica, nos termos do disposto no art. 67° da RRRAT;
c) a quantia de € 197,78, correspondente à diferença entre a quantia de €5.273,64, que deveria ter recebido, e a quantia de €5.075,86 já recebida, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta ocorrida entre 25/10/2014 e 01/10/2015 (342 dias);
d) a título de pagamento das despesas de deslocação a tribunal, a quantia de €33,30;
e) juros de mora sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos até integral pagamento.
Mais, requereu a realização de perícia por junta médica e apresentou quesitos.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, ter sofrido um acidente de trabalho no dia 24/10/2014, cerca das 08h00 quando, no desempenho das suas funções de profissional de panificador, trabalhava para a primeira ré, auferindo uma retribuição anual ilíquida de 8.038,00€, operando com um cilindro sovador, sendo sua habitual tarefa, a colocação da massa do pão entre os dois cilindros que compõem o cilindro sovador, para ser amassada e cilindrada por este, sendo quando procedia à colocação da massa do pão entre os dois cilindros, que a sua mão direita foi apanhada e esmagada pelos cilindros da máquina em funcionamento de que lhe resultou traumatismo com esfacelo da mão e punho direitos, que lhe determinaram sequelas correspondentes a uma IPP para o trabalho de 56,3187%, que não aceita.
Mais, alega que aquando da ocorrência do acidente, a máquina em que laborava não dispunha de qualquer utensílio/acessório de protecção que impedisse o contacto mecânico do operador com os cilindros da mesma, o que teria sido possível de instalar, por forma a evitar completamente esse contacto físico.
Por fim, alega que a 1ª Ré tinha a responsabilidade infortunística transferida para a 2ª Ré, mas não aceitaram conciliar-se, por ele e a ré seguradora entenderem que houve violação das normas de segurança por parte da R./empregadora e por esta entender não ter havido violação das regras de segurança ou qualquer actuação da sua parte causadora do acidente participado.
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Citadas ambas as Rés contestaram.
A Ré, empregadora, nos termos que constam a fls. 192 e ss., aceitou a ocorrência do acidente e, em síntese, alegou que uma vez que a máquina a substituir tinha a configuração constante das especificações técnicas com que foi concedida, verificou-se ser impraticável aplicar agora protecções junto dos cilindros sem afectar gravemente a sua operacionalidade, por isso optou por adquirir um novo equipamento com carregamento pela parte superior.
Conclui que a acção deve ser julgada improcedente e ela absolvida do pedido.
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A R., seguradora, contestou nos termos que constam a fls. 201 e ss., aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho e a existência de contrato de seguro transferindo contratualmente para si, a responsabilidade. No entanto, alega que o acidente ocorreu por manifesta violação das condições de segurança na prestação do trabalho, não tendo a empregadora atuado com a diligência que seria exigível a evitar o sinistro.
Termina que deve a acção ser julgada de acordo com a prova que vier a ser produzida, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste sobre a empregadora.
Requereu a realização de perícia médico-legal colegial e juntou quesitos.
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Nos termos que constam a fls. 212 e ss., o A. respondeu a ambas as contestações, concluindo como na petição inicial.
E, a empregadora respondeu à contestação da seguradora, nos termos que constam a fls. 215 e ss., concluindo como na contestação e ainda pela inexistência de qualquer fundamento para serem atendidos os pedidos formulados pela Ré seguradora nem responsabilidade da Ré entidade empregadora que permitam a verificação dos requisitos para a existência do direito de regresso daquela.
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Conforme consta de fls. 224 e ss., foi proferido despacho saneador tabelar, consignada a matéria assente, elaborada a base instrutória e ordenado o desdobramento do processo.
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A Ré empregadora e o autor vieram apresentar reclamação do despacho saneador, respectivamente, nos termos que constam a fls. 232 e 235, ambas indeferidas, conforme consta do despacho de fls. 243 e ss. que, em síntese, se transcreve: “Por requerimento de fls. 232 veio a ré empregadora reclamar da selecção de matéria de facto, alegando que o facto considerado assente e constante da alínea I. havia sido impugnado no artigo 27° de sua contestação, pelo que tal facto deveria ter sido levado à base instrutória.
A alteração pretendida mereceu oposição do autor, que afirma não ocorrer a impugnação agora invocada.
A alínea I. dos factos assentes, que corresponde ao alegado pelo autor no artigo 11° da petição inicial contém o seguinte facto: "Teria sido possível instalar tal protecção, por forma a evitar completamente esse contacto físico."
No artigo 27° da contestação a ré empregadora afirma que: "Uma vez que a máquina a substituir tinha a configuração constante das especificações técnicas com que foi concebida, verificou-se ser impraticável aplicar agora protecções junto dos cilindros sem afectar gravemente a sua operacionalidade".
Da leitura de ambos verifica-se que no artigo 27° da contestação não existe uma verdadeira impugnação daquela possibilidade de instalação da protecção. Afirma-se, apenas, que tal instalação afectaria "gravemente a sua operacionalidade", sem que se afirme a impossibilidade de instalação e posterior funcionamento da máquina. No entanto, sendo esta afirmação puramente conclusiva (já que não permite perceber porquê ou em que termos a operacionalidade da máquina seria afectada) não pôde ser levada à base instrutória. De qualquer modo, do alegado na contestação resulta que esta ponderação da ré nem ocorreu em momento anterior ao acidente (pois então teria certamente procedido à substituição da máquina antes).
Nestes termos, indefiro a reclamação apresentada pela ré empregadora.
(...)
Por sua vez, por requerimento de fls. 235 e ss veio o autor reclamar da selecção da matéria de factos, alegando que deveria ter sido incluída nos factos assentes a matéria por si alegado nos artigos 10°, 14°, 15°, 21° a 26°, 98°, 101°, 139°, 142°, 143°, 149° e 152° da petição inicial, e ainda que deveriam ter sido levada à base instrutória a matéria alegada nos artigos 71°, 72°, 109° a 112°, 145° a 148°, 169°, 171°, 174° a 176°, 178°, 180°, 186°, 189° a 192°, 195°, 198°, 200°, 209° a 215°, 217°, 218°, 220° e 222° também da petição inicial.
Nenhuma das rés respondeu a tal reclamação.
(...)
Nestes termos, e com fundamento no exposto, indefiro a reclamação apresentada pelo autor à selecção da matéria de facto.
Notifique.
Rectifique o lapso de escrita constante do quesito 31° da base instrutória em conformidade com o requerido pelo autor nos pontos 11° e 12° de fls. 237.
(...).”.
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No processo apenso, destinado à fixação da incapacidade para o trabalho, realizada a junta médica, considerou-se o sinistrado curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 80,77%, com IPATH desde o dia imediato ao da alta, a qual é de fixar a 1/10/2015.
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Nestes autos, nos termos que constam a fls. 306 e ss., foi proferido o seguinte: “Na sequência do despacho proferido no apenso de fixação de incapacidade, determino a realização de perícia médico-legal para avaliação do dano corporal em direito civil, a efectuar pelo INML.
O seu objecto será composto pelos seguintes quesitos já apresentados pelo autor:
1. Quais as lesões sofridas pelo autor em consequência do acidente dos autos?
2. O A. foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas por causa dessas lesões?
3. A que intervenções cirúrgicas foi o autor sujeito, e onde foram realizadas?
4. Após a intervenção cirúrgica realizada no Hospital FF…, a mão direita do autor ficou infeccionada?
5. Por causa dessa infecção, a mão direita do autor correu risco de ter que ser amputada?
6. As lesões sofridas são susceptíveis de causar dores?
7. O autor tomou, duas vezes por dia, de dois em dois dias, medicação antibiótica através de injecções ministradas directamente no seu braço esquerdo?
8. A toma dessa medicação intravenosa, é particularmente dolorosa?
9. As veias do braço esquerdo do autor, sofreram uma ruptura por exaustão ou saturação, provocada pela medicação?
10. Foi ministrada ao autor medicação ansiolítica e relaxante, para combater e conter o seu estado de ansiedade e nervosismo?
11. Quais os tratamentos a que se submeteu o autor?
12. O autor ficou a padecer de sequelas permanentes em consequência do acidente dos autos? Em caso afirmativo, quais?
13. Como consequência das sequelas de que ficou a padecer, o autor continuará a sofrer dores para o resto da sua vida?
14. As lesões e dores sofridas poderão agravar-se no futuro?
15. Qual a valoração do Quantum Doloris?
16. As sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência do acidente, impedem-no de realizar as atividades diárias bimanuais, como a alimentação, a condução automóvel, vestir-se e despir-se, apertar e desapertar botões e cordões, cuidados de higiene, fazer a barba, entre outras?
17. O autor ficou com cicatrizes visíveis e vestígios cicatriciais em diversas partes do seu corpo, resultantes do acidente dos autos? Em caso afirmativo, quais?
18. Qual a valoração do dano estético?
19. Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, o autor ficou impedido de continuar a praticar actividades desportivas e de lazer, designadamente, ciclismo, futebol e bilhar?
20. Qual a valoração do prejuízo de afirmação pessoal?
21. As lesões sofridas limitam o normal desempenho de outras actividades profissionais que exijam esforço físico, ou exigirão esforços acrescidos?
22. Por força das lesões sofridas, o autor poderá ter que suportar no futuro despesas médico-medicamentosas e despesas decorrentes dos tratamentos que venha a ter que realizar?”
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Foi solicitado e realizado pelo INML exame médico ao autor para avaliação do dano corporal em direito civil e resposta aos quesitos anteriores.
Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de fls. 366 e ss., a fls. 419, foi ordenada a conclusão dos autos e proferida sentença, em 30.09.2019, que terminou com a seguinte decisão:
“Nestes termos, e face ao exposto, condeno as rés no pagamento ao autor AA…, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.° 135.° do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias:
a) a ré BB… - Companhia de Seguros, S.A., e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade patronal:
- na quantia de €197,78 a título de diferenças de indemnização por incapacidade temporária.
- na pensão anual no montante de €5.317,54 devida desde 1/10/2015, que ascende ao montante de €5.338,81 a partir de 1/1/2016, ao montante de €5.365,50 a partir de 1/1/2017, ao montante de €5.462,08 a partir de 1/1/2018 e ao montante de €5.549,47 a partir de 1/1/2019;
- no subsídio de elevada incapacidade no montante de €5.214,55
- na quantia de €33,30 a título de reembolso de despesas de deslocação.
b)a ré Padaria C…, Lda. :
- €2.257,20 a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária;
- na pensão anual, devida em 1/1/2015, no montante de €2.256,87, a qual ascende ao montante de €2.265,90 a partir de 1/1/2016; ao montante de €2.277,23 a partir de 1/1/2017; ao montante de €2.318,22 a partir de 1/1/2018; e ao montante de €2.355,31 a partir de 1/1/2019;
- na quantia de €30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia esta que vence juros de mora desde a citação ocorrida a 27/3/2017, igualmente à taxa de 4% até efetivo pagamento..
Fixo em €162.135,24 o valor da presente ação (art. 120° do Código de Processo de Trabalho).
Custas a cargo de ambas as rés, na proporção dos respetivos decaimentos. ”.
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Decisão que foi objecto de recurso por parte do A. e da Ré/empregadora, os quais foram apreciados, nesta Relação, e proferido acórdão que terminou com a seguinte decisão: “Atento o exposto, acordam os Juízes desta secção em anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal “a quo” proceder à formulação de novos quesitos, com a factualidade constante daqueles artigos e após, julgamento, com vista a dar resposta àqueles, podendo ampliar aquele quanto a outros quesitos e artigos da matéria de facto alegada pelas partes, tendo em vista evitar contradições, por fim proferir nova sentença, em conformidade.
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Custas a final, a cargo da parte vencida.”.
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Os autos baixaram à 1ª instância e em obediência ao decidido naquele, foi proferido despacho, nos termos que constam a fls. 551, a aditar quesitos à base instrutória.
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Entretanto, em 08.09.2020, foi junta informação aos autos, a comunicar a declaração de insolvência da sociedade Ré/empregadora, após o que foi proferido despacho a ordenar o prosseguimento dos autos contra a respectiva massa insolvente.
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Realizada, nova, audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de fls. 572 e ss., a fls. 598, foi ordenada a conclusão dos autos e proferida sentença, em 08.09.2021, que terminou com a seguinte decisão:
“Nestes termos, e face ao exposto, condeno as rés no pagamento ao autor AA…, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias:
a) a ré BB… - Companhia de Seguros, S.A., e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade patronal:
- na quantia de €197,78 a título de diferenças de indemnização por incapacidade temporária.
- na pensão anual no montante de €5.317,54 devida desde 1/10/2015, que ascende ao montante de €5.338,81 a partir de 1/1/2016, ao montante de €5.365,50 a partir de 1/1/2017, ao montante de €5.462,08 a partir de 1/1/2018 e ao montante de €5.549,47 a partir de 1/1/2019;
- no subsídio de elevada incapacidade no montante de €5.214,55
- na quantia de €33,30 a título de reembolso de despesas de deslocação.
b) a ré Padaria C…, Lda.:
- €2.257,20 a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária;
- na pensão anual, devida em 1/1/2015, no montante de €2.256,87, a qual ascende ao montante de €2.265,90 a partir de 1/1/2016; ao montante de €2.277,23 a partir de 1/1/2017; ao montante de €2.318,22 a partir de 1/1/2018; e ao montante de €2.355,31 a partir de 1/1/2019;
- na quantia de €30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia esta que vence juros de mora desde a citação ocorrida a 27/3/2017, igualmente à taxa de 4% até efetivo pagamento..
Fixo em €162.135,24 o valor da presente acção (art. 120º do Código de Processo de Trabalho).
Custas a cargo de ambas as rés, na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e notifique.”.
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Inconformado com esta, interpôs o A. recurso nos termos das alegações, juntas em 08.10.2021, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
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Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença na parte recorrida, tudo em conformidade com o acima exposto e com as legais consequências, fazendo-se, assim, inteira JUSTIÇA!”.
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As RR. não apresentaram contra-alegações quanto a este recurso.
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Entretanto, em 10.11.2021, na sequência do requerimento de fls. 613 e ss, apresentado a 4/10/2021, pela Ilustre Advogada que representava a massa insolvente da ré empregadora, que veio invocar a caducidade do mandato, por se ter extinto a massa insolvente por força do encerramento do processo de insolvência ocorrido a 12/11/2020, foi proferido despacho que concluiu que, “Registado o encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula da ré, esta há de ser processualmente substituída pela generalidade de seus sócios, representados pelos liquidatários, nos termos do art. 162º do Cod. Sociedades Comerciais.”.
E, posteriormente, em 20.12.2021, foi proferido despacho nos seguintes termos: “Considerando que não foi nomeado liquidatário na dissolução administrativa da sociedade Padaria C…, Lda., a representação nestes autos dos interesses patrimoniais decorrentes da sua qualidade de ré passará a ser assegurada pelos seus ex-sócios (na data da dissolução), por força do disposto no art. 162º do Cod. Sociedades Comerciais”.
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Conforme consta daquele mesmo despacho de fls. 656, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação do autor, com efeito devolutivo e ordenou a remessa dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, emitiu parecer no sentido de ser rejeitado o recurso quanto à matéria de facto ou de lhe ser negado provimento, merecendo a sentença manter-se na ordem jurídica.
Notificadas deste, as partes nada disseram.
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Dispensados os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
- se deve ser alterada a matéria de facto nos termos impugnados;
- se deve, equitativamente, ser fixada ao A. a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de €150.000,00.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A 1ª instância, discutida a causa, considerou “Estão provados os seguintes factos:
1. O autor nasceu a 7 de Julho de 1981.
2. No dia 24 de Outubro de 2014, cerca das 08H00, o autor encontrava-se a trabalhar, sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª Ré, sua entidade empregadora, nas instalações desta, em pleno desempenho das suas tarefas e funções correspondentes à categoria profissional de panificador,
3. Mediante a retribuição base mensal de €505,00, recebida 14 vezes no ano (505 x 14), acrescida do valor mensal de €88,00, a título de subsídio de alimentação, recebido 11 vezes no ano (88 x 11), o que perfaz a retribuição, anual e ilíquida, de €8.038,00 (oito mil e trinta e oito euros).
4. Operando então com um cilindro sovador, máquina concebida para amassar e cilindrar as massas de padaria e pastelaria,
5. Sendo sua habitual tarefa, a colocação da massa do pão entre os dois cilindros que compõem o cilindro sovador, para ser amassada e cilindrada por este.
6. Foi quando o autor procedia à colocação da massa do pão entre os dois cilindros, que a sua mão direita, nessa altura, foi apanhada e esmagada pelos cilindros da máquina em funcionamento.
7. De que lhe resultou traumatismo com esfacelo dessa mesma mão e punho direitos
8. Aquando da ocorrência do acidente, a máquina em que o autor laborava, não dispunha de qualquer utensílio/acessório de proteção que impedisse o contacto das suas mãos com os dois cilindros, que ficam em contínuo movimento enquanto a máquina está ligada.
9. A máquina não continha marcação CE, declaração ou certificado de conformidade, manual de instruções e nem registo de verificações e ensaios.
10. Após o referido em 2., em Janeiro de 2016 a ré empregadora substituiu a máquina em que o autor operava por uma que possui utensílio/acessório de proteção que impede o contacto das mãos do operador com as partes móveis da mesma, mormente, com os cilindros.
11. O autor é um trabalhador com experiência superior a 14 anos na utilização da máquina em questão.
12. Nas deslocações asseguradas por transporte público a este Tribunal e ao INML do Porto, com vista à comparência em diligências judiciais e à realização dos exames que necessitava, o autor despendeu a quantia de €33,30.
13. À data do acidente e no que ao autor concerne, a 1ª Ré (empregadora) tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidente de trabalho transferida para a 2ª Ré (Seguradora), nos termos de contrato de seguro titulado pela apólice n° ……..
14. O autor foi assistido no local do acidente pelo INEM, que lhe prestou os primeiros cuidados médicos e o transportou, em ato contínuo, ao Hospital FF…, em ….
15. Nessa unidade hospitalar, foram prestados cuidados médicos ao A., apresentando este de forma visível esfacelo da mão e punho direitos, com as seguintes lesões:
- Ferida circunferencial ao nível do punho com desluvamento distal volar;
- Fractura da base de F2 do polegar com pastilha óssea contendo o extensor longo do polegar;
- Fractura dos côndilos de F1 de D4;
- Fractura da base de F2 de D4.
16. Face à gravidade das lesões que o vitimaram, o autor ficou internado no Serviço de Ortopedia do Hospital FF….
17. No Serviço de Ortopedia do Hospital FF…, o autor, ainda no mesmo dia (24/10/2014), foi submetido a intervenção cirúrgica.
18. Essa intervenção cirúrgica consistiu na reinserção com fios e reinserções necessárias com pontos transósseos.
19. Cerca de três dias após essa cirurgia, o autor continuava a sentir dores fortíssimas na mão direita, ao ponto de não conseguir dormir, mesmo sob efeito de morfina e analgésicos.
20. No dia 31/10/2014, o autor, por decisão tomada pela 2ª Ré (Seguradora), foi transferido para a Casa de Saúde GG…, onde ficou internado.
21. Já na Casa de Saúde GG…, em 03 de Novembro de 2014, o autor foi sujeito a outra intervenção cirúrgica, visando, fundamentalmente, a debelação da grave infeção.
22. Essa intervenção cirúrgica consistiu na remoção de toda a pele e tecidos infecionados, numa linguagem simples, toda a "carne podre", a que se seguiu lavagem cirúrgica.
23. Em 20 de Novembro de 2014, na Casa de Saúde GG…, o autor foi sujeito a mais uma intervenção cirúrgica.
24. Essa intervenção cirúrgica consistiu na reconstrução plástica da mão e punho direitos, com recurso a enxertos de tecidos retirados da zona dadora da perna esquerda, que foram transplantados para as zonas lesionadas, e onde se manifestava a falta de tecido devido ao esfacelo e à remoção, através da cirurgia anterior, de toda a "carne podre ".
25. O autor foi sujeito a várias anestesias gerais.
26. Em 06 de Dezembro de 2014, o autor teve alta hospitalar dada pela Casa de Saúde GG…, com indicação médica quer para passar ao regime de consulta externa, onde foi seguido no pós-operatório, quer para iniciar tratamentos de fisioterapia.
27. Após o internamento o autor compareceu a cerca de 70 consultas médicas e/ou curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, realizados na Casa de Saúde GG…, no ….
28. O autor compareceu e submeteu-se também aos tratamentos de fisioterapia, realizados na "Clínica HH…, Lda.", sita na Avª …, …, na …, durante 7 meses, nas seguintes datas e períodos:
- de 22/01/2015 até 12/03/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 13/03/2015 até 09/04/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 10/04/2015 até 08/05/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 18/05/2015 até 15/06/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 22/06/2015 até 20/07/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 27/07/2015 até 21/08/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15.
29. Cerca de três dias após essa cirurgia, o autor continuava a sentir dores fortíssimas na mão direita, ao ponto de não conseguir dormir, mesmo sob efeito de morfina e analgésicos. (Eliminado)
30. Ao mesmo tempo, apercebeu-se que a sua mão também libertava um odor nauseabundo.
31. Há medida que o tempo passava, o autor sentia as dores aumentarem, bem como o odor a intensificar-se
32. Por isso, cinco dias depois dessa cirurgia, foi submetido à realização de novos exames radiológicos.
33. Analisado o resultado desses exames radiológicos, a equipa médica informou o autor, que a sua mão se encontrava gravemente infecionada, havendo risco sério de vir a ser amputada.
34. Essa infeção surgiu após a cirurgia realizada naquele Hospital.
35. Para tentar evitar a amputação, a mão do autor foi imediatamente lancetada: sujeita a mais um procedimento cirúrgico traduzido numa abertura da mão de tal modo larga, feita através de um corte ou golpe, na qual foi introduzido um dreno formado a partir de um dedo de uma luva em látex, para expurgar aquela infeção
36. O autor, para além das dores insuportáveis que continuava a sentir, ficou em grande pânico e apavorado com a séria possibilidade da sua mão vir a ser amputada.
37. Entrou num estado de enorme ansiedade e desespero por pensar que iria ficar com profundas deficiências físicas para o resto da sua vida.
38. Por pensar, sobretudo, que a sua primeira filha, à data ainda não nascida mas já concebida, tão ansiosamente esperada pelo autor, iria ter um pai deficiente.
39. Um pai, que sendo dextro e por não ter a mão direita, nunca poderia vir a dar um biberão de leite à filha, nem pegar nela ao colo, nem trocar-lhe uma fralda, nem acariciá-la ou agarrá-la com a sua mão.
40. Ao autor foi assim necessário ministrar medicação ansiolítica e relaxante, para combater e conter toda aquela ansiedade e desespero.
41. A infeção que afetara a mão do autor não dava quaisquer sinais de estar a ser debelada, mostrando-se resistente.
42. O que, aumentou ainda mais, o já grande estado de ansiedade e sofrimento, físico e psicológico, que o autor se encontrava a viver.
43. A cada minuto que passava, a amputação da mão afigurava-se ao autor como uma realidade fatalmente inevitável.
44. O autor foi medicado com antibióticos, os quais foram-lhe ministrados diretamente nas veias do braço esquerdo, conforme determinação clínica.
45. O autor foi igualmente medicado com analgésicos para as dores que sentia.
46. E manteve ainda a medicação ansiolítica e relaxante para combater a ansiedade e o nervosismo.
47. O autor fazia curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas.
48. Mostrando-se estas, cerca de duas semanas depois da cirurgia realizada a 03/11/2014, no estado que resulta da fotografia de fls. 176.
49. Cerca de uma semana depois da cirurgia referida em 24., as partes intervencionadas apresentavam-se no estado que resultam das fotografias juntas aos autos a fls. 176v a 177v. (Alterado o número sublinhado).
50. Depois dessa cirurgia referida em AC., o autor continuou internado e em repouso, manteve a medicação com antibióticos, manteve a medicação com analgésicos para as dores que ainda sentia, e manteve a medicação ansiolítica e relaxante para combater a ansiedade.
51. O autor continuava também a fazer curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas.
52. Uma semana após essa cirurgia foram retirados os primeiros agrafos ao autor.
53. O autor regressou então a sua casa e da sua companheira, com quem vivia, onde se manteve em repouso.
54. Após o acidente, o autor ficou impossibilitado de conduzir seu automóvel.
55. Para poder comparecer nas consultas médicas e tratamentos de fisioterapia que lhe foram agendadas após o internamento, o autor pediu ajuda ao pai, ao sogro e à companheira.
56. Nos dias referidos em 28., o autor foi sujeito a tratamentos fisiátricos que demoravam 1h15m e eram dolorosos. (Alterado o número sublinhado).
57. O autor sofreu dores no momento do acidente, nos períodos de convalescença e tratamentos a que foi submetido.
58. O autor viveu momentos de angústia e tristeza durante os 43 dias em que esteve internado.
59. Sentiu a solidão hospitalar.
60. O forte abalo da sua mão direita, especialmente, quando esta esteve na iminência de ser amputada.
61. Apesar de todos os tratamentos a que se submeteu, o autor ficou a padecer das seguintes sequelas:
a) No membro superior direito:
- Cicatriz hiperpigmentada, tipo luva, com perda importante de substância e aderente aos planos profundos em algumas áreas (sobretudo na face dorsal da mão), que se estende desde o punho (em torno do mesmo) até à base das primeiras falanges dos dedos (na face dorsal) e até metade do comprimento dos metacarpos (na face palmar), encontrando-se o polegar praticamente todo ocupado pela área cicatricial;
- tumefação de consistência dura ao nível da articulação interfalângica do polegar, em provável relação com calo ósseo;
- coloração arroxeada do 4° e 5° dedos;
- à palpação, mão e dedos com temperatura inferior relativamente ao lado contralateral;
b) No punho:
- 20° de flexão palmar, 5° de dorsiflexão;
- 5° de desvio radial, 10° de desvio cubital (encontrando-se em desvio lateral quando em repouso), 45° de pronação e supinação preservada;
c) No 1° dedo:
- articulação metacarpofalângica (MCF) com flexão e abdução ativas de 5° e flexo da articulação interfalângica aos 35°, sendo possível extensão completa passiva mas não ativa;
d) Nos 2° e 3° dedos:
- MCF e articulação interfalângica proximal (IFP) realizam 10° de flexão ativa, encontrando-se esta última em flexo de 5°; articulação interfalângica distal (IFD) encontra-se em extensão, não realizando qualquer amplitude de movimentos ativos (todas as articulações referidas realizam extensão completa passiva e 20° de flexão passiva);
e) No 4° dedo:
- desvio medial de 10° da falange proximal e desvio lateral de 10° da falange média;
- MCF encontra-se em extensão, realizando 5° de flexão ativa;
- perda de substância da face dorsal da IFP com cicatriz aderente aos planos profundos com 2 cm por 0,7 cm de maiores dimensões;
- IFP encontra-se em extensão, sem qualquer amplitude de movimentos;
- flexo de 10° da IFD, sem qualquer mobilidade ativa;
f) No 5° dedo:
- MCF encontra-se em hiperextensão de 30° e desviada medialmente num ângulo de 10°, realizando 2° de flexão ativa;
- anquilose da IFP em 70° de flexão e anquilose da IFD em extensão;
- ausência de qualquer mobilidade ativa e passiva da IFP e IFD;
- Ausência de sensibilidade do 5° dedo e diminuição de sensibilidade do 4° dedo e das áreas ocupadas pelas cicatrizes;
g) Na força muscular da mão e dedos:
- qualificável em 3+/5 no escalonamento;
g) No membro inferior esquerdo:
- Cicatriz heterogénea, nacarada e rosada, ténue, com 31 cm por 14 cm de maiores dimensões, a ocupar a face interna, anterior e externa da coxa.
62. Por causa das sequelas de que ficou a padecer, o autor continuará a sofrer dores para o resto da sua vida.
63. Em consequência do acidente, o autor vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, de ajudas medicamentosas.
64. As sequelas que apresenta na mão e punho direitos, interferem de forma grave e direta com o seu desempenho nas atividades da vida diária
65. O autor não consegue pegar em pesos.
66. Desde o acidente que o autor não consegue realizar de forma autónoma outras atividades como a alimentação, a condução automóvel, vestir-se, apertar e desapertar botões e cordões, fazer a barba
67. É a companheira do autor que, à hora da refeição, lhe corta e descasca os alimentos.
68. É a companheira do autor, que desde o acidente, também lhe dá banho e cuida da sua higiene.
69. O autor não consegue cortar a barba, tendo para isso de se deslocar ao barbeiro, que é quem lha corta.
70. O autor não consegue dormir em nenhuma posição que implique a mais leve pressão sobre o seu braço direito.
71. O que provoca intranquilidade e perturbação no seu sono.
72. O autor sente dores ao longo do dia, e mesmo sem realizar qualquer esforço ou movimento brusco, e sempre nas mudanças de clima.
73. Antes do acidente, o autor gozava de perfeita saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais, não padecia de qualquer doença ou deformidade física.
74. Era um jovem, robusto, dinâmico, com grande alegria de viver.
75. Como atividades de lazer, o autor praticava ciclismo, futebol e bilhar.
76. Depois do acidente e das sequelas que lhe advieram, o autor ficou impedido de continuar a praticar essas atividades.
77. Depois do acidente o autor viu-se também impossibilitado de levar seu cão a passear, face ao porte deste.
78. Perturbam o autor sentimentos de profundo desgosto, tristeza, constrangimento e revolta pela situação em que ficou.
79. Agonia-se pelas limitações e impedimentos físicos de que ficou a padecer
80. De uma pessoa dinâmica e com grande alegria de viver, passou a uma pessoa apática e triste.
81. A dependência do autor perante terceiros fá-lo sentir-se profundamente diminuído e impotente, o que muito o deprime.
82. Por causa do acidente, o autor ficou com as seguintes cicatrizes visíveis e vestígios cicatriciais:
a) Na mão e punho direitos, o autor apresenta cicatriz tipo luva, muito marcada e hiperpigmentada, que se estende desde o punho, envolvendo-o, até à base das primeiras falanges dos dedos e até metade do comprimento dos metacarpos, encontrando-se o polegar praticamente todo ocupado pela área cicatricial;
b) Na perna esquerda, o autor tem uma cicatriz heterogénea, nacarada e rosada, com 31 cm por 14 cm, a ocupar a face interna, anterior e externa da coxa.
83. O autor não tem habilitações académicas ou profissionais para exercer trabalho intelectual.
84. Ainda em consequência do acidente o autor apresenta distúrbios de sono e propensão para estados de ansiedade e nervosismo.
85. O cilindro sovador que a Ré adquiria há cerca de 30 anos para afetar ao fabrico de pão na sua pequena indústria, mantinha todas as configurações de fábrica e de segurança que presidiram à sua conceção.
86. As quais eram um pedal para inversão do sentido da marcha dos cilindros colocado junto aos pés do operador e um botão de grandes dimensões que constitui o sistema de comando que permite a sua paragem geral ou para paragem de emergência do motor que alimenta os cilindros.
87. O manuseamento da matéria prima é feito numa banca de trabalho situada a cerca de 40 cm de distância dos cilindros pegando o operador na massa nesse local para, em seguida a ir empurrando contra as faces juntas dos dois cilindros em movimento que a vão puxando e amassando.
88. O acidente deu-se porque inadvertidamente o autor aproximou demasiado a mão direita do meio dos cilindros, levando a que esta fosse puxada.
89. O autor não acionou o pedal de segurança de que dispunha junto ao pé.
90. O que veio a ser feito por um colega de trabalho momentos após o sinistro.
91. Por força das sequelas que lhe advieram, o autor ficou a padecer de uma IPP de 80,775%, com IPATH.
92. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 1/10/2015.
93. O autor padeceu de um período de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até 1/10/2015.
94. A título de indemnização por incapacidade temporária a ré seguradora pagou ao autor a quantia de €5.085,76.
95. O quantum doloris, relativo ao sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo autor na sequência das lesões sofridas, é fixável no grau 5 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
96. O autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico- psíquica fixável em 21 pontos.
97. O dano estético que o autor sofreu, resultante das cicatrizes e deformidade da mão direita, é fixável no grau 4 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
98. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer (a que o autor se dedicava e referidas no ponto 75.) é fixável no grau 3 de uma escala de sete graus de gravidade crescente. (Alterado o número sublinhado).
99. A repercussão permanente na atividade sexual é fixável no grau 3 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
100. Pelo menos desde 1990 que a máquina referida em 4. laborou sem que tivesse havido qualquer sinistro.
101. Quando a ACT visitou o local do sinistro, em novembro de 2015, e foi verificar o equipamento em causa, notificou a ré para dotar a máquina/equipamento de proteção colectiva que impedisse o contacto mecânico do trabalhador com a mesma.
102. A máquina a substituir tinha a configuração com que foi concebida e verificou-se ser impraticável aplicar agora proteções junto dos cilindros sem afetar gravemente a sua operacionalidade.
103. A ré está assessorada em matéria de segurança pela empresa II…, Lda., que vistoriou todos os equipamentos da ré.
*
De resto não se provou:
a) os factos constantes dos quesitos 16°, 20°, 21°, 60° e 64°.
b) que a massa estivesse endurecida após ser trabalhada e quando o operador precisava de a ir empurrando por entre os cilindros, conforme o constante do quesito 63°.
c) que O inspetor do ACT não tenha selado a máquina, nem determinado a sua paralisação, por verificar que a mesma podia continuar em operação, uma vez que seu manuseamento não provocava qualquer risco para além do decorrente da normal atividade;
d) que a empresa II…, Lda. nunca tenha feito qualquer reparo ou sinalizado o equipamento em que se deu o sinistro, quer antes quer depois do sinistro.
*
Os factos supra descritos sob os pontos 1. a 28. estavam já assentes no despacho de selecção da matéria de facto (tendo sido eliminada a alínea I. dos factos assente face à sua contradição o aditado quesito 72º).”.
*
Previamente, a entrarmos, na análise das questões colocadas no recurso, há que, oficiosamente, porque julgamos tratar-se de simples lapsos, decorrentes da anterior numeração da factualidade que antecede, desde já, ao abrigo do art. 607, nºs 4 e 5, do CPC, corrigir a redacção dos factos 49, 56 e 98, da decisão recorrida neles eliminando os números, “25, 29 e 76”, respectivamente, deles passando a constar, os números 24, 28 e 75, conforme anotámos naqueles.
Mais importará ainda, oficiosamente, proceder à eliminação do ponto 29, daquela factualidade, uma vez que o mesmo é a repetição do que se deu como provado no ponto 19.
Assim, determina-se ao abrigo daquele art. 607, nºs 4 e 5, a eliminação do ponto 29 dos factos provados.
*
B) O DIREITO
Vem o recurso interposto pelo A./Apelante dado o mesmo não se conformar com o montante de €30.000,00, fixado pelo Tribunal “a quo” para indemnização dos danos não patrimoniais de que foi vítima, por entender, que face aos factos que estão provados no processo, bem como, às circunstâncias do caso concreto, que tal montante peca, manifestamente, por defeito.
E por, alegadamente, entender, baseado no cotejo e análise crítica de toda a prova produzida, ter ocorrido um errado julgamento sobre a matéria de facto constante dos quesitos 16º, 20º e 21º da base instrutória, que foi julgada como não provada e do ponto 47 dos factos provados, pela forma restritiva como foi julgada.
Vejamos, então.
- Da Impugnação da Decisão de Facto
Como decorre das conclusões do recurso (3 a 9) verifica-se que vem o apelante insurgir-se contra a decisão de facto, o que faz, precisamente, quanto aos factos por si impugnados (veja-se conclusão 3 de um e do outro), no anterior recurso, apreciado por esta Relação, conforme Acórdão deste colectivo de 14.07.2020, junto a fls. 527 e ss.. Impugnação que foi rejeitada, naquele, por incumprimento nas conclusões dos ónus (a que alude o art. 640º, do CPC), que incumbem sobre o recorrente para que, nesta Relação, se proceda à reapreciação dos factos impugnados da decisão de facto.
Naquele Acórdão de 14.07.2020, para além da rejeição da impugnação deduzida pelo A. quanto aos referidos factos, igualmente foi ordenada a anulação da decisão recorrida, com a consequente remessa dos autos à 1ª instância, com vista à formulação de novos quesitos e produção de provas quanto a eles, com vista a proferir decisão quanto à violação por parte da entidade empregadora, das regras de segurança que no caso se impunham, como veio a acontecer e nada mais, como decorre da decisão, agora, recorrida.
Ora, sendo desse modo, não duvidamos que ao recorrente/A. assiste o direito de se insurgir contra o decidido e referido naquele Acórdão no que toca à rejeição da impugnação da decisão de facto respeita. Resta saber de que modo o pode fazer.
E, podemos adiantar, pese embora, o necessário respeito por diversa opinião, que, não o é do modo que o fez no recurso, agora interposto, novamente, deduzindo impugnação quanto àqueles referidos factos, cumprindo (conforme se verifica das conclusões 6 a 9), agora, com aqueles ónus que por não terem sido cumpridos determinaram a decisão proferida naquele.
Acontece que, em nosso entendimento, tal não é admissível.
O mesmo configuraria, a admitir-se, a correcção das conclusões, no que à decisão de facto respeita e que não foi determinado naquele primeiro recurso, porque a lei não o admite (veja-se art. 639ª, nºs 2 e 3, “a contrario”, do CPC).
Assim, cabendo a decisão da matéria de facto, em última instância, ao Tribunal da Relação, atento os seus poderes oficiosos e face à impugnação deduzida pelas partes – artigo 662º, nº2 do CPC – cremos que, o caso se enquadra, nas situações em que, a parte prejudicada com tal decisão, pode recorrer, de revista, com o fundamento de que a Relação usou, indevidamente, dos seus poderes oficiosos ou não valorou determinado meio de prova, quando o deveria ter feito, ou o valorou quando o deveria ter desconsiderado. Neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 08.06.2017 em www.dgsi.pt
E entendemos que deve ser desse modo porque, não fora a ordenada anulação da decisão recorrida, o recorrente podia ter recorrido daquela, de imediato, de revista. Mas como foi ordenada a referida anulação e, por isso, no acórdão de 14.07.2020 não se chegou a conhecer do “mérito”, tudo se passa como se o recurso a intentar pelo recorrente, de revista, seja deferido para momento posterior, quando for proferido acórdão que tome em conta o que foi “trazido” aos autos, na sequência da ordenada anulação e se conheça do mérito.
Ou seja, o recorrente deverá aguardar a prolação do presente Acórdão desta Relação para, afinal, recorrer de revista na parte em que ficou vencido, incluindo quanto à peticionada alteração da matéria de facto já decidida e rejeitada, naquele acórdão de 14.07.2020.
A entender-se o contrário estaria este Tribunal de recurso a pronunciar-se, novamente, sobre o já anteriormente decidido em sede de matéria de facto e a admitir que o recorrente procedesse à correcção das conclusões do recurso, direito que a lei não lhe confere, quanto à decisão de facto que, como já dissemos, não é admissível.
Assim, sem necessidade de outras considerações cremos, mostrar-se prejudicada a apreciação da questão relativa à impugnação de facto, agora, suscitada.
Razão porque, com excepção, das alterações oficiosamente determinadas, a matéria de facto a considerar, é a supra transcrita, nos termos fixados na decisão recorrida.
*
Analisemos, então, se deve ser alterada a quantia fixada a título de compensação pelos danos não patrimoniais, que o Tribunal “a quo” fixou no montante de €30.000,00.
Fundamentando a decisão, nos seguintes termos que, em síntese, se transcrevem:
“(…)
Na fixação desta indemnização, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º do Código Civil).
Nesta ponderação importa relevar as dores e sofrimentos físicos e emocionais sofridos pelo autor no momento do acidente e posteriormente (decorrentes das lesões, de seu internamento e das limitações funcionais temporárias e permanentes que lhe advieram - cfr. pontos 7., 16. a 26., 28. a 53., 57. a 73., 77. a 83., 85., 96. a 100. dos factos provados), mas já não os danos decorrentes da sua incapacidade funcional para o exercício de actividade profissional (os quais são objetivamente ressarcidos no âmbito do dano laboral).
Por outro lado, é também de ponderar a atuação, a contribuição da ré empregadora para a produção do acidente (manter em laboração uma máquina que não cumpria com as exigências legais de segurança), sendo certo que se desconhece qualquer situação específica da situação económica desta ré.
Nestes termos, e tudo ponderado, entendo como adequado e proporcional a condenação da ré empregadora no pagamento ao autor de uma indemnização de €30.000,00 por força dos danos não patrimoniais por este sofridos.”.
Desta discorda o autor, alegando e argumentando que, “não se conforma com o montante de €30.000,00 fixado pelo tribunal a quo, para indemnização dos gravíssimos danos não patrimoniais por si sofridos, por entender, com fundamento no circunstancialismo factual do caso concreto, e que está provado nos autos, que tal montante é, manifestamente, diminuto ou exíguo.
Aliás, nem tão pouco a jurisprudência portuguesa, que desde há muito reconhece que tal tipo de indemnizações não podem nem devem ser miserabilistas, aponta no sentido da decisão recorrida, muito pelo contrário!
Sendo pacífico que os danos não patrimoniais não integram o património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização, o montante da indemnização por danos não patrimoniais, deve ser calculado segundo critérios de equidade,”, mais, alegando que “em situações de lesões físicas de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação dos danos não patrimoniais, nem sequer tem como limite, as quantias geralmente arbitradas a título de compensação da lesão do direito à vida, podendo excedê-lo substancialmente.
Assim, por todo este somatório de razões, e atentas todas as circunstâncias do caso concreto, deverá, equitativamente, ser fixado em €150.000,00, o montante a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Apelante,”.
Que dizer?
Antes de mais e, salvaguardando qualquer repetição, face ao que já consta da sentença recorrida, importa referir, quanto aos danos não patrimoniais que, no domínio da responsabilidade civil extracontratual resultante de facto ilícito, nos termos do art. 483º do C.Civil, (diploma legal a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) determina expressamente o art. 496º, nº 1, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo de realçar que o montante de tal indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e a quaisquer outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, cfr. art.s 496º, nº 3 e 494º, (Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5ª ed., Coimbra, 1991, págs. 484 e 485).
E entre as “quaisquer outras circunstâncias”, referidas naquele art. 494º, costumam a doutrina e jurisprudência francesas apontar a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, as possibilidades de melhoramento, de reeducação e reclassificação, conforme (Françoise Cocral, “Les responsabilités civiles diverses e le contrat d’assurance”, pág., 165).
Deve ponderar-se designadamente o “quantum doloris”, o período de duração do sofrimento físico e moral, prejuízo de afirmação pessoal, as sequelas permanentes decorrentes da lesão, designadamente a incapacidade de que se fica a padecer na medida em que implica sofrimento físico ou moral, prejuízo estético, e outros.
Atento o exposto, na fixação da indemnização determina o nº 3 daquele art. 496º, que se atenda à equidade. E, na verdade, “quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está, assim, limitada sempre pelos imperativos de justiça real (e justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal.
Por isso, se entende que, a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou mais justo”, veja-se, (Dario Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., Coimbra, 1987, págs. 107 e 108).
Estabelece o nº 4, do mesmo art. 496º, que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 474), «o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida».
Tem sido entendido de forma uniforme que, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico conforme, entre outros, o (Ac. do STJ de 19.04.2012, Proc. nº 3046/09.0TBFIG.S1).
Como decorre daquele nº 3 do art. 496º, já referido, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º. Pois, na indemnização por este tipo de danos não estamos face a um “equivalente do dano”, mas perante uma “compensação pelo dano”, permitindo-se ao lesado, com a indemnização atribuída, o acesso a bens (consumo) e serviços (lazer ou outros) que o distraiam do dano causado.
Existe um dano não patrimonial sempre que é ofendido objectivamente um bem imaterial, cujo valor é insusceptível de ser avaliado pecuniariamente, sendo certo que a indemnização visa proporcionar ao lesado “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter os prazeres ou distracções, porventura de ordem espiritual, que, de algum modo, atenuem a sua dor”, como diz, (Pessoa Jorge, in “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972, pág. 375).
Sendo que, a compensação assim atribuída deve ser significativa e não meramente simbólica, como a jurisprudência vem afirmando, estando ultrapassado a época das indemnizações miserabilistas, conforme (Ac. da RL de 15.12.94, in CJ 1994, tomo V, pág. 135), impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas mas, também sabemos que isso deve acontecer, sem se cair em exageros.
Efectivamente, como deixámos dito, no que respeita aos danos não patrimoniais não há quanto a eles uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, ou seja, a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar dores e sofrimento e a repará-los.
Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento o lesado possa encontrar uma compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio verificado fora do património.
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no art. 494º., conforme se lê, no (Ac. do STJ de 14.09.2010, Proc. nº 267/06.0TBVCD.P1.S1, citando o Ac. do mesmo STJ de 09.10.2008, Proc. nº 2430/07).
Este recurso à equidade não afasta, porém, “a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso”, vejam-se os (Ac. do STJ de 03.02.2011, Proc. nº 605/05.3TBVVD.G1.S1. e Ac. do STJ de 30.09.2010, Proc. nº 935/06.7TBPTL.G1.S1).
Novamente, citando decisões do STJ, (Acórdão de 21.02.2013, Proc. nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1) e nas palavras do, (Acórdão do STJ de 31.01.2012, Proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição”.
A orientação que tem vindo a seguir o Supremo Tribunal de Justiça, é de que o juízo de equidade das instâncias, situado na margem de discricionariedade que lhes é consentida, deve ser mantido desde que não se revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualistica, generalizadamente vêm sendo adoptados em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, entre outros, vejam-se os (Acórdãos de 22.02.2017, Conselheiro relator Lopes do Rego, de 11.01.2017, Conselheiro relator Alexandre Reis, de 22.05.2017, Conselheiro relator Salazar Casanova, CJ AcSTJ, II, 87, de 30.06.2021, Conselheiro relator Ferreira Lopes e bem recente de 19.10.2021, Conselheiro relator Manuel Capelo), em cujo sumário se lê, “I - O juízo prudencial e casuístico de equidade firmado nas instâncias deve, por regra, ser mantido, salvo se o julgador não se tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade.
II - A equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.”.
Tendo em atenção o exposto e regressando ao caso, verifica-se que a questão a decidir incide, apenas, sobre o montante da indemnização a pagar ao Autor pelos danos não patrimoniais decorrentes das lesões sofridas no acidente de trabalho ocorrido, no dia 24.10.2014, devido à falta de observação, por parte da entidade patronal das regras sobre segurança no trabalho, como decidido na sentença recorrida, fixando a indemnização a este título no montante de €30.000,00. O recorrente reitera e pretende a revogação desta parte da decisão, pugnando que, aquele, seja fixado no valor de €150.000,00.
Ora, assente que, a lei admite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (nº 1 do art. 496º), visando a indemnização compensar o lesado pelos danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, como sejam as dores físicas e morais, a integridade física, a saúde, a reputação, os prejuízos estéticos, etc., com uma quantia pecuniária que lhe possa proporcionar momentos de prazer e conforto, que contribuam de algum modo para atenuar a dor sofrida, é pacífico que, no caso, pela sua gravidade, os danos sofridos pelo autor em consequência do acidente dos autos, merecem ser indemnizados. A questão é decidir qual o valor justo dos mesmos.
E podemos, desde já dizer que, se nenhuma crítica se nos oferece fazer à sentença recorrida, no que respeita aos seus fundamentos, já quanto àquela parte da decisão, que fixou o montante da indemnização por danos não patrimoniais em €30.000,00, não podemos deixar de concordar com o recorrente no sentido em que diz que aquele montante é “diminuto”, atento o caso.
Efectivamente, perante a factualidade apurada, constata-se que, em virtude do acidente de que foi vítima o A. sofreu lesões, foi e continuará, eventualmente, ao longo da sua vida a ser submetido a tratamentos, de maior ou menor dimensão, os quais lhe causaram e causarão dores e incómodos, tendo sofrido sequelas irreversíveis, que atenta a gravidade das mesmas lhe provocaram e provocarão desgosto, que lhe advém de, em consequência dessas lesões sofridas, ter deixado de ser a pessoa que até aí foi, ficando privado de viver a vida como até aí viveu e de realizar algumas actividades que desenvolvia, sendo forçado a viver o resto da sua vida, de um modo diferente daquele que iria viver se não tivesse sido vítima deste acidente, para o qual nada se apurou que tivesse contribuído, a não ser estar naquele local, naquele momento, a laborar com a máquina da empregadora que, como bem se disse na decisão recorrida, “não cumpria com as exigências legais de segurança”, razão porque, aquele valor não nos parece adequado, nem justo.
Basta atentar nos valores de indemnização que vêm sendo atribuídos pelo STJ em casos com alguma semelhança e a factualidade que se provou, a este propósito, ou seja: “1. O autor nasceu a 7 de Julho de 1981.
2. No dia 24 de Outubro de 2014, cerca das 08H00, o autor encontrava-se a trabalhar, sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª Ré, sua entidade empregadora, nas instalações desta, em pleno desempenho das suas tarefas e funções correspondentes à categoria profissional de panificador,
6. Foi quando o autor procedia à colocação da massa do pão entre os dois cilindros, que a sua mão direita, nessa altura, foi apanhada e esmagada pelos cilindros da máquina em funcionamento.
7. De que lhe resultou traumatismo com esfacelo dessa mesma mão e punho direitos
14. O autor foi assistido no local do acidente pelo INEM, que lhe prestou os primeiros cuidados médicos e o transportou, em ato contínuo, ao Hospital FF…, em ….
15. Nessa unidade hospitalar, foram prestados cuidados médicos ao A., apresentando este de forma visível esfacelo da mão e punho direitos, com as seguintes lesões:
- Ferida circunferencial ao nível do punho com desluvamento distal volar;
- Fractura da base de F2 do polegar com pastilha óssea contendo o extensor longo do polegar;
- Fractura dos côndilos de F1 de D4;
- Fractura da base de F2 de D4.
16. Face à gravidade das lesões que o vitimaram, o autor ficou internado no Serviço de Ortopedia do Hospital FF….
17. No Serviço de Ortopedia do Hospital FF…, o autor, ainda no mesmo dia (24/10/2014), foi submetido a intervenção cirúrgica.
18. Essa intervenção cirúrgica consistiu na reinserção com fios e reinserções necessárias com pontos transósseos.
19. Cerca de três dias após essa cirurgia, o autor continuava a sentir dores fortíssimas na mão direita, ao ponto de não conseguir dormir, mesmo sob efeito de morfina e analgésicos.
20. No dia 31/10/2014, o autor, por decisão tomada pela 2ª Ré (Seguradora), foi transferido para a Casa de Saúde GG…, onde ficou internado.
21. Já na Casa de Saúde GG…, em 03 de Novembro de 2014, o autor foi sujeito a outra intervenção cirúrgica, visando, fundamentalmente, a debelação da grave infeção.
22. Essa intervenção cirúrgica consistiu na remoção de toda a pele e tecidos infecionados, numa linguagem simples, toda a "carne podre", a que se seguiu lavagem cirúrgica.
23. Em 20 de Novembro de 2014, na Casa de Saúde GG…, o autor foi sujeito a mais uma intervenção cirúrgica.
24. Essa intervenção cirúrgica consistiu na reconstrução plástica da mão e punho direitos, com recurso a enxertos de tecidos retirados da zona dadora da perna esquerda, que foram transplantados para as zonas lesionadas, e onde se manifestava a falta de tecido devido ao esfacelo e à remoção, através da cirurgia anterior, de toda a "carne podre ".
25. O autor foi sujeito a várias anestesias gerais.
26. Em 06 de Dezembro de 2014, o autor teve alta hospitalar dada pela Casa de Saúde GG…, com indicação médica quer para passar ao regime de consulta externa, onde foi seguido no pós-operatório, quer para iniciar tratamentos de fisioterapia.
27. Após o internamento o autor compareceu a cerca de 70 consultas médicas e/ou curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, realizados na Casa de Saúde GG…, no ….
28. O autor compareceu e submeteu-se também aos tratamentos de fisioterapia, realizados na "Clínica HH…, Lda.", sita na Avª …, …, na …, durante 7 meses, nas seguintes datas e períodos:
- de 22/01/2015 até 12/03/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 13/03/2015 até 09/04/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 10/04/2015 até 08/05/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 18/05/2015 até 15/06/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 22/06/2015 até 20/07/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15;
- de 27/07/2015 até 21/08/2015, diariamente, de segunda a sexta, das 11h00 às 12h15.
30. Ao mesmo tempo, apercebeu-se que a sua mão também libertava um odor nauseabundo.
31. Há medida que o tempo passava, o autor sentia as dores aumentarem, bem como o odor a intensificar-se
32. Por isso, cinco dias depois dessa cirurgia, foi submetido à realização de novos exames radiológicos.
33. Analisado o resultado desses exames radiológicos, a equipa médica informou o autor, que a sua mão se encontrava gravemente infecionada, havendo risco sério de vir a ser amputada.
34. Essa infeção surgiu após a cirurgia realizada naquele Hospital.
35. Para tentar evitar a amputação, a mão do autor foi imediatamente lancetada: sujeita a mais um procedimento cirúrgico traduzido numa abertura da mão de tal modo larga, feita através de um corte ou golpe, na qual foi introduzido um dreno formado a partir de um dedo de uma luva em látex, para expurgar aquela infeção
36. O autor, para além das dores insuportáveis que continuava a sentir, ficou em grande pânico e apavorado com a séria possibilidade da sua mão vir a ser amputada.
37. Entrou num estado de enorme ansiedade e desespero por pensar que iria ficar com profundas deficiências físicas para o resto da sua vida.
38. Por pensar, sobretudo, que a sua primeira filha, à data ainda não nascida mas já concebida, tão ansiosamente esperada pelo autor, iria ter um pai deficiente.
39. Um pai, que sendo dextro e por não ter a mão direita, nunca poderia vir a dar um biberão de leite à filha, nem pegar nela ao colo, nem trocar-lhe uma fralda, nem acariciá-la ou agarrá-la com a sua mão.
40. Ao autor foi assim necessário ministrar medicação ansiolítica e relaxante, para combater e conter toda aquela ansiedade e desespero.
41. A infeção que afetara a mão do autor não dava quaisquer sinais de estar a ser debelada, mostrando-se resistente.
42. O que, aumentou ainda mais, o já grande estado de ansiedade e sofrimento, físico e psicológico, que o autor se encontrava a viver.
43. A cada minuto que passava, a amputação da mão afigurava-se ao autor como uma realidade fatalmente inevitável.
44. O autor foi medicado com antibióticos, os quais foram-lhe ministrados diretamente nas veias do braço esquerdo, conforme determinação clínica.
45. O autor foi igualmente medicado com analgésicos para as dores que sentia.
46. E manteve ainda a medicação ansiolítica e relaxante para combater a ansiedade e o nervosismo.
47. O autor fazia curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas.
48. Mostrando-se estas, cerca de duas semanas depois da cirurgia realizada a 03/11/2014, no estado que resulta da fotografia de fls. 176.
49. Cerca de uma semana depois da cirurgia referida em 24., as partes intervencionadas apresentavam-se no estado que resultam das fotografias juntas aos autos a fls. 176v a 177v.
50. Depois dessa cirurgia referida em AC., o autor continuou internado e em repouso, manteve a medicação com antibióticos, manteve a medicação com analgésicos para as dores que ainda sentia, e manteve a medicação ansiolítica e relaxante para combater a ansiedade.
51. O autor continuava também a fazer curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas.
52. Uma semana após essa cirurgia foram retirados os primeiros agrafos ao autor.
53. O autor regressou então a sua casa e da sua companheira, com quem vivia, onde se manteve em repouso.
54. Após o acidente, o autor ficou impossibilitado de conduzir seu automóvel.
55. Para poder comparecer nas consultas médicas e tratamentos de fisioterapia que lhe foram agendadas após o internamento, o autor pediu ajuda ao pai, ao sogro e à companheira.
56. Nos dias referidos em 28., o autor foi sujeito a tratamentos fisiátricos que demoravam 1h15m e eram dolorosos.
57. O autor sofreu dores no momento do acidente, nos períodos de convalescença e tratamentos a que foi submetido.
58. O autor viveu momentos de angústia e tristeza durante os 43 dias em que esteve internado.
59. Sentiu a solidão hospitalar.
60. O forte abalo da sua mão direita, especialmente, quando esta esteve na iminência de ser amputada.
61. Apesar de todos os tratamentos a que se submeteu, o autor ficou a padecer das seguintes sequelas:
a) No membro superior direito:
- Cicatriz hiperpigmentada, tipo luva, com perda importante de substância e aderente aos planos profundos em algumas áreas (sobretudo na face dorsal da mão), que se estende desde o punho (em torno do mesmo) até à base das primeiras falanges dos dedos (na face dorsal) e até metade do comprimento dos metacarpos (na face palmar), encontrando-se o polegar praticamente todo ocupado pela área cicatricial;
- tumefação de consistência dura ao nível da articulação interfalângica do polegar, em provável relação com calo ósseo;
- coloração arroxeada do 4° e 5° dedos;
- à palpação, mão e dedos com temperatura inferior relativamente ao lado contralateral;
b) No punho:
- 20° de flexão palmar, 5° de dorsiflexão;
- 5° de desvio radial, 10° de desvio cubital (encontrando-se em desvio lateral quando em repouso), 45° de pronação e supinação preservada;
c) No 1° dedo:
- articulação metacarpofalângica (MCF) com flexão e abdução ativas de 5° e flexo da articulação interfalângica aos 35°, sendo possível extensão completa passiva mas não ativa;
d) Nos 2° e 3° dedos:
- MCF e articulação interfalângica proximal (IFP) realizam 10° de flexão ativa, encontrando-se esta última em flexo de 5°; articulação interfalângica distal (IFD) encontra-se em extensão, não realizando qualquer amplitude de movimentos ativos (todas as articulações referidas realizam extensão completa passiva e 20° de flexão passiva);
e) No 4° dedo:
- desvio medial de 10° da falange proximal e desvio lateral de 10° da falange média;
- MCF encontra-se em extensão, realizando 5° de flexão ativa;
- perda de substância da face dorsal da IFP com cicatriz aderente aos planos profundos com 2 cm por 0,7 cm de maiores dimensões;
- IFP encontra-se em extensão, sem qualquer amplitude de movimentos;
- flexo de 10° da IFD, sem qualquer mobilidade ativa;
f) No 5° dedo:
- MCF encontra-se em hiperextensão de 30° e desviada medialmente num ângulo de 10°, realizando 2° de flexão ativa;
- anquilose da IFP em 70° de flexão e anquilose da IFD em extensão;
- ausência de qualquer mobilidade ativa e passiva da IFP e IFD;
- Ausência de sensibilidade do 5° dedo e diminuição de sensibilidade do 4° dedo e das áreas ocupadas pelas cicatrizes;
g) Na força muscular da mão e dedos:
- qualificável em 3+/5 no escalonamento;
g) No membro inferior esquerdo:
- Cicatriz heterogénea, nacarada e rosada, ténue, com 31 cm por 14 cm de maiores dimensões, a ocupar a face interna, anterior e externa da coxa.
62. Por causa das sequelas de que ficou a padecer, o autor continuará a sofrer dores para o resto da sua vida.
63. Em consequência do acidente, o autor vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, de ajudas medicamentosas.
64. As sequelas que apresenta na mão e punho direitos, interferem de forma grave e direta com o seu desempenho nas atividades da vida diária
65. O autor não consegue pegar em pesos.
66. Desde o acidente que o autor não consegue realizar de forma autónoma outras atividades como a alimentação, a condução automóvel, vestir-se, apertar e desapertar botões e cordões, fazer a barba
67. É a companheira do autor que, à hora da refeição, lhe corta e descasca os alimentos.
68. É a companheira do autor, que desde o acidente, também lhe dá banho e cuida da sua higiene.
69. O autor não consegue cortar a barba, tendo para isso de se deslocar ao barbeiro, que é quem lha corta.
70. O autor não consegue dormir em nenhuma posição que implique a mais leve pressão sobre o seu braço direito.
71. O que provoca intranquilidade e perturbação no seu sono.
72. O autor sente dores ao longo do dia, e mesmo sem realizar qualquer esforço ou movimento brusco, e sempre nas mudanças de clima.
73. Antes do acidente, o autor gozava de perfeita saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais, não padecia de qualquer doença ou deformidade física.
74. Era um jovem, robusto, dinâmico, com grande alegria de viver.
75. Como atividades de lazer, o autor praticava ciclismo, futebol e bilhar.
76. Depois do acidente e das sequelas que lhe advieram, o autor ficou impedido de continuar a praticar essas atividades.
77. Depois do acidente o autor viu-se também impossibilitado de levar seu cão a passear, face ao porte deste.
78. Perturbam o autor sentimentos de profundo desgosto, tristeza, constrangimento e revolta pela situação em que ficou.
79. Agonia-se pelas limitações e impedimentos físicos de que ficou a padecer
80. De uma pessoa dinâmica e com grande alegria de viver, passou a uma pessoa apática e triste.
81. A dependência do autor perante terceiros fá-lo sentir-se profundamente diminuído e impotente, o que muito o deprime.
82. Por causa do acidente, o autor ficou com as seguintes cicatrizes visíveis e vestígios cicatriciais:
a) Na mão e punho direitos, o autor apresenta cicatriz tipo luva, muito marcada e hiperpigmentada, que se estende desde o punho, envolvendo-o, até à base das primeiras falanges dos dedos e até metade do comprimento dos metacarpos, encontrando-se o polegar praticamente todo ocupado pela área cicatricial;
b) Na perna esquerda, o autor tem uma cicatriz heterogénea, nacarada e rosada, com 31 cm por 14 cm, a ocupar a face interna, anterior e externa da coxa.
83. O autor não tem habilitações académicas ou profissionais para exercer trabalho intelectual.
84. Ainda em consequência do acidente o autor apresenta distúrbios de sono e propensão para estados de ansiedade e nervosismo.
91. Por força das sequelas que lhe advieram, o autor ficou a padecer de uma IPP de 80,775%, com IPATH.
92. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 1/10/2015.
93. O autor padeceu de um período de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até 1/10/2015.
95. O quantum doloris, relativo ao sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo autor na sequência das lesões sofridas, é fixável no grau 5 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
96. O autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico- psíquica fixável em 21 pontos.
97. O dano estético que o autor sofreu, resultante das cicatrizes e deformidade da mão direita, é fixável no grau 4 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
98. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer (a que o autor se dedicava e referidas no ponto 75.) é fixável no grau 3 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.
99. A repercussão permanente na atividade sexual é fixável no grau 3 de uma escala de sete graus de gravidade crescente.”.
O que se acaba de descrever, demonstra bem que estamos perante danos de natureza não patrimonial e, sem dúvida, de consequências muito graves para o A. que justificam uma indemnização, sendo de relevar o facto de o mesmo em nada ter contribuído para o acidente que, provou-se, ficou a dever-se à actuação da sua empregadora que não cuidou de cumprir com as exigências legais de segurança, em relação à máquina em que o mesmo laborava.
Está, infelizmente, assente que o A. sofreu dores e vai inevitavelmente continuar a sofrer e sente desgosto devido às limitações com que ficou, para o resto da sua vida, determinantes da necessidade de ajuda de terceiros para realização de actividades do seu quotidiano.
Realidade que, é manifesto, não será facilmente ultrapassada e obviamente nunca mais esquecida.
Resta-nos, assim, compensar o A. pelo que sofreu e continuará a sofrer, fixando o valor ajustado para tal, já que considera ele e concordamos nós que o valor fixado pela 1ª instância é diminuto e exíguo.
Importa que se repita, que perfilhamos e somos defensores, de que há muito se mostram ultrapassados os tempos das indemnizações miserabilistas e, apesar de, não podermos concordar que aquele montante fixado na decisão recorrida assim possa ser considerado, como o apelida o autor, o certo é apesar de não o ser, o mesmo não se mostra adequado e suficiente, tendo em conta a situação concreta. Em nosso entender, aquele montante, afigura-se-nos muito diminuto, face à gravidade das lesões e dores físicas e psíquicas que o autor sofreu e continuará a sofrer, por toda a sua vida e, principalmente, se fizermos a comparação relativamente com outras situações, nomeadamente, decididas pelo Supremo Tribunal de Justiça, que nos fornecem um referencial objectivo, pese embora, sabermos que o caso concreto alguma vez se poderá esgotar nele, precisamente por a individualidade de cada concreta ocorrência reclamar um olhar de atenção exclusivo, com respeito pela própria equidade.
Analisando algumas decisões do STJ, algumas bem recentes, disponíveis em www.dgsi.pt, constatamos que, foram proferidos doutos acórdãos, em:
- 19.01.2012 no Proc. nº 817/07 que fixou a quantia de 40.000,00 para um sinistrado de 16 anos com 30% de IPG;
- 09.02.2012 que fixou a quantia de 50.000,00 para um sinistrado de 37 anos com 35% de IPG;
- 06.03.2012 no Proc. nº 7140/03 que fixou a quantia de 40.000,00 para um sinistrado de 20 anos com 5% de IPG;
- 24.04.2012 no Proc. nº 1496/04 que fixou a quantia de 65.000,00 para um sinistrado de 43 anos com 35% de IPG;
- 20.11.2019 no Proc. nº 107/17 que fixou a quantia de 20.000,00 para um sinistrado de 17 anos com 2% de IPG;
- 18.10.2018 no Proc. nº 3643/13 que fixou a quantia de 40.000,00 para um sinistrado de 29 anos com 21% de IPG;
- 05.07.2017 no Proc. nº 4861/11 que fixou a quantia de 140.000,00 000 para um sinistrado de 43 anos e uma IPG de 53%;
- 10.12.2019 no Proc. nº 34/14 que fixou a quantia de 60.000,00 para um sinistrado de 21 anos com 19% de IPG;
- 29.04.2021 no Proc. nº 2648/18 que fixou a quantia de 60.000,00 € para um sinistrado com 56 anos e IPG de 22%;
- 19.10.2021, Proc. nº 7098/16 que fixou a quantia de 125.000,00 € para um sinistrado que à data do acidente tinha 23 anos e ficou afectado com uma IPG de 62,00 pontos.
Ora, da análise dos processos em que foram fixadas estas diferentes indemnizações por danos de natureza não patrimonial, é fácil de observar que a referência das percentagens de incapacidade e idades dos sinistrados são um elemento tópico de ponderação, além de em todas as situações se atender à especificidade de cada caso e ao que da prova releva quanto aos sofrimentos ou dor, física ou moral, provocados pelas ofensas à integridade física ou moral, demonstradas nas suas mais diversas representações em cada caso. Comparando, com particular atenção, os mais recentes e a avaliação de todos os elementos recolhidos nos autos, somos levados a concluir que os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo, formulado na decisão recorrida, em face da ponderação da individualidade do caso concreto, colide com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados e se deixaram expressos naqueles referidos arestos e, desse modo, em nosso entender, aquele valor não pode considerar-se, de modo algum, adequado a indemnizar o A. pelos danos não patrimoniais sofridos.
Senão, vejamos.
Sintetizando, dos factos provados resulta que o autor tinha à data do acidente, em 24 de Outubro de 2014, 33 anos de idade, esteve internado cerca de mês e meio, foi submetido, em menos de um mês, a três intervenções cirúrgicas, foi sujeito a várias anestesias gerais, fez durante cerca oito meses fisioterapia e terá de continuar a fazer, após o internamento compareceu a cerca de 70 consultas médicas e/ou curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, receou que lhe fosse amputada a mão direita, ficou com sequelas traduzidas, na dependência permanente de ajudas medicamentosas, ajuda de terceira pessoa, quer para ajudas esporádicas, quer em gestos de auto-cuidado do dia-a-dia, como os que exigem destreza de dedos e os que exijam a acção conjunta das mãos, o que o muito o deprime, tendo-lhe sido fixado em 21 pontos o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, a sua actividade sexual ficou afectada, sendo a repercussão permanente fixável no grau 3/7, as dores que sofreu quando do sinistro, durante os tratamentos, e que ainda sente e sentirá para o resto da vida, “Quantum Doloris”, são quantificáveis no grau 5/7, tem cicatrizes, sendo o dano estético permanente do grau 4/7, perdeu a capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer, sendo a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7.
Assim, na comparação daqueles casos, com o que decorre da síntese que antecede e salientando as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos, anestesias gerais, o período decorrido entre o acidente e a alta médica, a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada ao autor, as sequelas do acidente a nível das repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento causado pela total dependência para algumas actividades do dia-a-dia de uma terceira pessoa com representação na sua própria sexualidade, consequências que permanecerão pela vida do autor que, à data do acidente era um jovem robusto, dinâmico, com grande alegria de viver, com 33 anos e passou a ser uma pessoa apática e triste, o grau de culpa do causador do acidente que resultou de uma infracção às regras de segurança exigíveis em relação à máquina onde o sinistrado laborava, o valor que se nos afigura adequado e justo, a título de
indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., é bem diferente do que foi fixado na decisão recorrida.
Ou seja, tudo visto e ponderado, no caso em apreciação, tendo em conta os factos provados supra descritos, julgamos que a indemnização que compete ao autor pelo dano não patrimonial que o atingiu não deve ser fixada no montante estabelecido na decisão recorrida que nos parece muito diminuto, afigurando-se-nos adequada a quantia de €110.000,00.
Procede, deste modo, parcialmente, o recurso do Autor.
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III – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção em julgar parcialmente procedente a apelação do Autor e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, relativamente ao terceiro parágrafo, da al. b), do seu dispositivo, o qual se substitui pelo presente acórdão, condenando-se a Ré/patronal a pagar ao A./sinistrado a indemnização, na quantia de €110.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação ocorrida em 27.03.2917, à taxa de 4%, até efectivo pagamento.
No mais, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas em ambas as instâncias, nas seguintes proporções, 1/6 a cargo do A. e o restante, 2/6 a cargo da ré/seguradora e 3/6 a cargo da ré/empregadora.
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Porto, 17 de Janeiro de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão