Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1710/17.9JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: INTERESSE EM AGIR
ASSISTENTE
DESISTÊNCIA DE QUEIXA
Nº do Documento: RP202303081710/17.9JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: REJEITADO O RECURSO INTERPOSTO PELA ASSISTENTE
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não tem interesse em agir a assistente que recorre de uma sentença de absolvição da arguida da prática de um crime público quando no processo havia declarado desistir da queixa que apresentou.
II - Do confronto da posição assumida pela assistente com os termos da decisão proferida pelo tribunal recorrido, é coincidente a situação processual e substantiva da arguida pretendida pela assistente e manifestada no processo – a não condenação da arguida, pela extinção do procedimento criminal expressa no pedido de desistência de queixa e de desistência do pedido cível - e a que resulta da decisão do tribunal recorrido com a sua absolvição.
III - Mostra-se irrelevante o facto de a assistente não poder desistir da queixa atendendo à natureza pública do crime em causa, porquanto no seu requerimento de desistência está expressa a vontade de não pretender procedimento criminal contra a arguida, pelo que vir agora recorrer pugnando pela sua condenação no crime em causa e no pedido cível configura não só uma situação de venire contra factum proprium, comportamento abusivo contrário às expetativas criadas na arguida que aceitou a desistência, como um ato sem qualquer efeito útil relativamente ao pedido cível, uma vez que dele desistiu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 1710/17.9JAPRT.P1 - Juízo Local Criminal do Porto

Relator Paulo Costa
Adjuntos Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha


Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular suprarreferido, a correr termos no Juízo Local Criminal do Porto, por sentença foi decidido:
«a) Absolver a arguida AA da prática de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6.º, n.º 1 e 4, al. a), da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), por verificação de uma causa de exclusão da ilicitude, prevista no art.º 34.º do Código Penal, de que vinha acusada.
b) Custas a cargo da assistente, por ter deduzido acusação particular, nos termos do art.º 515.º, n.º 1, al. a), do CPP.
c) Julgar o pedido de indemnização civil totalmente improcedente e, em consequência absolver a demandada AA de todo o pedido;
d) Sem custas cíveis, atento o disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais.
e) Ao abrigo do disposto no art.º 109.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código Penal, declara-se perdida a favor do Estado a drive apreendida e, consequentemente, a sua oportuna destruição.»
*
Inconformado, a assistente A..., Ld.ª interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que a condene.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
« CONCLUSÕES
1. Foi a arguida absolvida da prática do crime de que vinha acusada pelo facto de no entendimento do Tribunal a quo se verificar uma causa de exclusão da ilicitude, no caso direito de necessidade;
2. “Considerando os factos julgados provados em 1.º a 3.º podemos concluir que estão preenchidos os pressupostos objectivos do tipo legal do crime previsto no art.º 6.º, n.ºs 1 e 4, al. a) do citado diploma legal.”
3. No entendimento do Tribunal a quo a arguida encontrava-se perante um perigo que consistia “na confrontação por parte dos seus empregadores de ter que responder em processo crime”.
4. “No caso vertente, ficou provado que na sequência da carta enviada pela arguida à entidade patronal, a mesma foi confrontada com a possibilidade de ser alvo de processo criminal, foi sujeita a pressões, designadamente, de ser acusada de ser uma pessoa criminosa. (motivação da Sentença).
5. Ficou também demonstrada que perante tal perigo, a defesa assumida pela arguida foi aceder ilegitimamente a dados da Assistente pertencentes a clientes desta para afastar o perigo que se verificava.
6. “Pretendia, pois, a arguida, na defesa desse ataque, demonstrar que as razões expostas na carta correspondiam à verdade e só acedendo aos ficheiros para fins não relacionados com o exercício da sua função, poderia vir a demonstrar, caso lhe fosse instaurada uma acção, que o escreveu na carta correspondia à verdade, designadamente no que tocava às horas extraordinárias não remuneradas que cumpriu.
7. Entendeu o Tribunal a quo a defesa efectuada pela Arguida era adequada a afastar o perigo de ser confrontada em ter que responder num processo crime.
8. ”a solução encontrada pela arguida de copiar os únicos documentos que demonstravam esse trabalho seria copiá-los, para fins não relacionados com o exercício das suas funções, a fim de constituírem mais tarde meio de prova. O perigo era actual porque o ataque estava a acontecer; esse perigo ameaçava os seus direitos laborais e de defesa em qualquer processo que viesse a ser alvo, nomeadamente, de natureza criminal, que são interesses juridicamente protegidos da esfera da arguida e das colegas em quem pensou” (motivação da sentença).
9. Dito de outra forma, entendeu o Tribunal a quo que a arguida praticou os factos pelos quais vinha acusada, que os mesmos correspondem a uma conduta criminalmente punível.
10. Foi também entendimento do Tribunal que a arguida agiu a coberto de uma causa de exclusão de ilicitude, no caso do direito de necessidade.
11. Que o perigo que a Arguida enfrentava era o ser “confrontada com a possibilidade de ser alvo de processo criminal, foi sujeita a pressões, designadamente, de ser acusada de ser uma pessoa criminosa.
12. Salvo o devido respeito, exercício legítimo de um direito - apresentar queixa crime ou interpor uma qualquer acção - de outrém não pode ser considerado um perigo (para estes efeito).
13. Ainda assim, a ser considerado perigo, não se vislumbra como tal perigo seja actual -veja-se que a arguida fez cópias em vários dias;
14. Não se vislumbra igualmente que a defesa assumida pela arguida seja apta ou adequada a afastar o perigo.
15. Numa última leitura, a arguida podia fazer as cópias que quisesse que enfrentava sempre a possibilidade de ter que responder num processo crime;
16. Por outro lado, se o perigo fosse a eventual condenação num eventual processo crime, depois de uma eventual acusação do MP, depois de uma eventual pronúncia da instrução criminal, sempre se dirá que com toda a certeza o perigo não será actual.
17. Em suma:
- a confrontação de ter que responder em processo crime não pode ser considerado perigo nos termos do disposto no art.34º CP
- ainda que o fosse, neste caso em concreto, o “perigo” não seria actual (ou contemporâneo) à defesa praticada;
- não se vislumbra como os factos praticados se destinam a afastar o perigo de ser confrontada em responder em processo crime, existindo portanto uma desadequação da defesa praticada em relação ao perigo considerado.
18. A arguida praticou os factos pelos quais vem acusada, não existe qualquer causa de justificação ou exclusão da ilicitude, pelo que terá que ser condenada.
19. Sendo nesse caso e em face da matéria provada, procedente o pedido de indemnização civil.
20. Violou a sentença ou pelo menos fez uma errada interpretação do disposto no art.34º do CP.»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões (transcrição):

«Concluindo a douta sentença recorrida e bem que face à factualidade apurada como provada nos artigos 6 a 18, estarem assim preenchidos os pressupostos legais do direito de necessidade previsto no artigo 34.º do Código Penal, o que exclui a ilicitude da sua conduta e consequentemente levará à não punibilidade da conduta em questão.
Em face da fundamentação exposta e da valoração da prova na douta sentença, concluiremos, tal qual a Mmª Juiz a quo que, “a conduta da arguida foi para afastar um perigo actual que ameaçava interesses jurídicos ( direitos laborais e de defesa de processo de natureza criminal) protegidos da arguida, não tendo tal perigo sido criado voluntariamente por ela, haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado, e ser razoável impor à ofendida o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza do interesse ameaçado”.
Por conseguinte, entendemos que face à factualidade apurada e provada, bem andou o Tribunal a quo em considerar que arguida que a arguida agiu ao abrigo do direito de necessidade, nos termos dos artigos 31º, n.º 2, al. b) e 34º, do Código Penal.
Posto isto, pese embora a conduta da arguida tenha preenchido os elementos objectivos do crime de acesso ilegítimo, dado que actuou ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, nos termos dos preceitos acima mencionados, a sua conduta não lhe pode ser imputada a título de dolo, em qualquer das suas modalidades, impondo-se a sua absolvição da prática do referido crime, como a Mm.ª Juiz a quo, o fez.
Termos em face ao supra exposto, concluiremos que, a Douta Sentença recorrida não padece de qualquer vício e fez correcta interpretação e aplicação da lei, designadamente, dos artigos invocados
pelo recorrente e, por isso, o recurso interposto não merece provimento, devendo a douta sentença recorrida ser mantida com a absolvição da arguida, por força do verificado direito de necessidade.»
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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em sentido contrário à posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pugnando, assim, pela procedência do recurso e pela substituição da sentença recorrida.
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Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrida não apresentou resposta.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Direito de necessidade.
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Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes da sentença recorrida (transcrição):
« Da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos:
1.º A arguida exerceu funções de técnica de contabilidade para a firma assistente – A..., Lda. – no período compreendido entre agosto de 2011 e 17.06.2017 – no escritório sito à Rua ..., Porto.
2.º No dia 05.05.2017, 08.05.2017 e 19.05.2017, a arguida, a partir do computador do seu local de trabalho no Porto, efetuou várias cópias de dados informatizados no sistema informático da firma assistente – designados por “back ups” -, que compreendiam vários documentos referentes a clientes da firma assistente – como emails, dados fiscais de clientes aos quais a arguida não tinha acesso em razão das suas funções e, como tal, eram sigilosos.
3.º A arguida guardou esses dados informatizados – descrição de fls.25 a28 e cuja descrição se dá por integralmente reproduzida - num disco externo pessoal – com o número de série ... - marca “Western digital” - e guardou-os numa pasta que criou para o armazenamento dos dados/documentos que designou por «A...».
Do pedido de indemnização civil formulado:
4.º Na verdade, ao aceder e copiar dados sensíveis de clientes da Assistente, a Arguida provocou nos legais representantes daquela preocupações quanto ao destino que a Arguida lhes ia dar.
5.º E, ainda, sentiu-se na necessidade de recorrer a um técnico de informática que conseguisse perceber quais os dados acedidos e copiados.
Mais se provou que:
6.º A arguida manteve-se a trabalhar na empresa ininterruptamente até ao dia 17/06/2017, data em que foi assinada a declaração de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo entre a arguida e a assistente.
7.º A arguida enviou à assistente a carta, datada de 10/04/2017, com o conteúdo que consta de fls. 130 a 134 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido por razões de economia processual.
8.º No dia 13/04/2017, a gerência da assistente enviou por email a todos os seus funcionários a carta que a arguida escreveu à entidade patronal e junto de colegas de trabalho da arguida, apelidava-a de “criminosa”, sugerindo que a ia processar.
9.º A partir do envio da carta referida em 7.º dos factos provados, a entidade patronal passou a restringir a liberdade da arguida na empresa, designadamente, foi colocada a trabalhar numa sala a trabalhar isoladamente, deixou de poder fazer uso do refeitório, nem da garagem, Para além disso, colocaram-me dentro de uma sala, não pude usar o refeitório; deixou de poder falar/conversar com as colegas de trabalho no escritório.
10.º Para além disso, existia um diferendo entre algumas colaboradoras da empresa, incluindo a arguida, e a entidade patronal devido ao facto de aquelas trabalharem fora do horário de trabalhão estabelecido e não serem remuneradas pelas horas extraordinárias.
11.º A arguida efectuou a cópia dos ficheiros na sequência da reacção dos patrões, descritas em 9.º e 10.º dos factos provados, à carta que dirigiu à entidade patronal identificada em 7.º dos factos provados e à consequente divulgação dessa carta pela entidade patronal.
12.º Teve como motivo reunir os elementos para se defender, designadamente, tinha em vista reunir as cópias do trabalho que realizava na empresa fora do horário de trabalho, mormente as declarações fiscais enviadas fora de horas e pretendia guardar esses mesmos elementos das suas colegas que estavam na mesma situação que a sua.
13.º Pretendia defender-se do que a acusavam e como não tinha conhecimentos informáticos muito alargados foi copiando todos os ficheiros, sem critério, mesmo os que não necessitava para se defender.
14.º Caso não realizasse a cópia dos ficheiros dos clientes, a arguida não tinha como demonstrar futuramente que tinha enviado e executado trabalho fora do seu horário de trabalho.
15.º Desde o dia em que se deslocou à Polícia Judiciária para entregar a cópia que havia feito dos servidores (08/06/2017), e o dia em que deixou de trabalhar (17/06/2017), a arguida manteve o acesso a todas as informações da empresa para poder realizar o seu trabalho.
16.º No exercício das suas funções na empresa assistente, nem a arguida, nem as restantes colaboradoras necessitava de fazer uso de password para aceder aos ficheiros dos clientes.
17.º O acesso geral aos dados de todos os clientes prendia-se com a necessidade de se ajudarem umas às outras quando havia prazos a cumprir ou quando uma das colaboradoras estava de férias.
18.º As colaboradoras faziam trabalho fora do horário de trabalho, de modo a cumprirem os prazos e estavam autorizadas a copiar ficheiros que lhes permitisse concluir os trabalhos em casa.
Das condições sócio económicas da arguida:
19.º A arguida é solteira e exerce a profissão de contabilista não certificada.
20.º Durante a semana vive sozinha no Porto e ao fim-de-semana desloca-se para Ponte de Lima onde reside a mãe, a irmã e a família desta.
21.º A arguida está a trabalhar por conta de outrem na área da contabilidade e é mediadora de seguros por conta própria.
22.º É sócia gerente de um café em Ponte de Lima juntamente com a irmã, mas não retira para si qualquer rendimento desse negócio.
23.º Como contabilista ganha 1.400 euros. nos seguros são cerca de €2.000 por ano.
24.º A arguida é titular, juntamente com a irmã, do apartamento onde reside no Porto.
25.º A arguida não tem internet na sua residência.
26.º Pelas despesas da água, electricidade, gás e condomínio despende mensalmente cerca de €150.
27.º Gasta mensalmente €7,50 em telemóvel e € 15 em internet móvel.
28.º Despende mensalmente cerca de €10 por mês.
29.º A arguida faz-se transportar num veículo próprio da irmã, mas paga todas as despesas inerentes ao seu uso.
30.º Paga anualmente €600 por um Seguro de Saúde e €600 pelo seguro automóvel.
31.º A arguida concluiu a Licenciatura em Economia (Pré-Bolonha) e completou um Curso de Mediação de Seguros.
32.º A arguida é reputada como sendo uma profissional competente e boa colega.
Dos antecedentes criminais do arguido:
32.º Nada consta do certificado de registo criminal da arguida.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa:
Da acusação:
A) A arguida ao aceder àqueles dados da empresa, a que não podia aceder por não estarem incluídos no lastro de dados a que poderia aceder em virtude das funções para as quais foi contratada, sabia que estava a aceder a dados de terceiros, sigilosos, cujo conteúdo e inserção nas Bases de Dados da empresa assistente (ou outra) é protegida por lei.
B) Sabia a arguida que, ao fazer “back ups” (cópias) de dados dos clientes da empresa assistente, de dados pessoais de clientes, aos quais acedeu sem permissão ou justificação, estava a pôr em causa a segurança do sistema informático da empresa, o que conseguiu.
C) Atuou de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era, porque proibida, criminalmente punida.
Do pedido de indemnização civil:
D) Tendo a demandante despendido várias horas de trabalho de todos os seus trabalhadores para perceber o que havia sido acedido e copiado e bem como a sensibilidade dos dados.
E) Por outro lado, a demandante sentiu-se na necessidade de avisar os seus clientes que foram afectados pela conduta da demandada, o que criou naqueles uma imagem daquela e de desleixo e insegurança que não é a pretendida pela gerência.
F) Sendo que tal originou até a perda de clientes.
G) A demandante sentiu-se (e ainda se sente) molestada pelas atitudes assumidas pela demandada até porque não sabe se existem ainda outras cópias.
H) Sendo que nas semanas subsequentes à descoberta da prática do ilícito o ambiente na sede da demandante era pesado, desmotivador e incerto quanto ao futuro na relação com esses clientes.
I) Que a arguida tenha desviado algum cliente da empresa da assistente e que os factos cometidos tenham tido esse propósito.
J) Quando a arguida cometeu os factos sabia que o contrato de trabalho iria cessar em Junho seguinte.
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C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
A arguida admitiu que efectuou as cópias dos ficheiros do servidor. Porém, referiu que o fez sem proceder à escolha dos ficheiros, assumindo que efectuou cópias por arrasto. Explicou os motivos pelos quais fez a cópia dos ficheiros: relatou situações que considerou indignas nas condições de trabalho, designadamente, que tinham câmaras que filmavam os funcionários, que trabalhavam muito para além do horário de trabalho, sem que tivessem a contrapartida remuneratória; disse que tinha acesso aos ficheiros de todos os clientes, quer aos seus, quer aos das suas colegas, uma vez que, por vezes, havia necessidade de substituir colegas em férias ou de as ajudar quando alguma se atrasava nos prazos que tinham que cumprir. Fez referência à muita pressão que sentia por parte da entidade patronal e à falta de compensação remuneratório pelo trabalho extra que desenvolviam. Explicou que por essas e outras razões, redigiu e enviou em 10/04/2017 uma carta à entidade patronal a denunciar e a alertar todas essas situações – carta essa que consta de fls. 130 a 132 e cujo teor e envio foi confirmado pelo gerente da assistente em julgamento. Afirmou que a entidade patronal divulgou a sua carta a todos os colaboradores da empresa (que demonstrou com o email junto a fls. 278 e foi confirmado pela testemunha BB, ex-colaboradora da empresa) e que na sequência da mesma fizeram um acordo de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo com fim previsto em 19/06/2017 (acordo constante de fls. 7 e 8), asseverando que trabalhou até este dia. Mais referiu que depois da divulgação da carta a sua entidade patronal passou a exigir que a arguida não frequentasse o refeitório, não usasse a garagem, não falasse com as restantes colegas e que estivesse sozinha numa sala a trabalhar sem contacto com os demais. Salientou que nessa altura sofreu algumas ameaças por parte do gerente que lhe dizia que a ia processar criminalmente (facto que foi confirmado pela testemunha BB, que para além de ter confirmado as restrições que à data foram impostas à arguida, ainda acrescentou que o gerente lhe chegou a dizer que não podia ir falar com a arguida porque ela era uma “criminosa”, vincando que o gerente lhe disse isso várias vezes e que tudo o que não agradava ao gerente tinha ser provado em tribunal).
Confirmou que quando o informático da empresa detectou as cópias que fez aos ficheiros, foi confrontada pela gerência e foi à Polícia Judiciária entregar essa cópia, mas afiançou que esteve a trabalhar até ao último dia do contrato de revogação, e que para isso manteve o acesso a todos os ficheiros até ao último dia em que esteve a trabalhar (este facto foi igualmente confirmado pela colega da arguida BB).
A arguida vincou com muita seriedade e clareza que o seu intuito era guardar os documentos de modo a poder demonstrar que realizavam trabalho fora do horário e que esse trabalho não era remunerado e que se não fosse assim, não tinha outra forma de o demonstrar. Ora, é consabido que o trabalho efectuado pelos contabilistas, designadamente quando remetam às entidades fiscais os documentos, fica registado o dia e hora da remessa e, nessa medida, considerando a carteira de clientes que estavam a cargo da arguida e também dos das colegas, que disse serem vítimas do mesmo tratamento, essa seria a única forma de conseguir as provas de que tal abuso, na sua óptica, era cometido pela empresa.
A arguida prestou um depoimento muito sério, revelou ter um sentido de responsabilidade muito elevado, demonstrou ser uma pessoa com brio profissional, pela forma como esclareceu todas as razões que a levaram a cometer os factos. Estas caract6erísticas foram mesmo confirmadas pelo próprio gerente CC, que disse que era uma das melhores trabalhadoras da empresa. O depoimento da arguida foi muito verdadeiro, espontâneo e sincero. Foi emotivo o que, de certo ponto de vista explica a pressão que sentiu naquela empresa e o que a determinou a cometer os factos. Prestou um depoimento credível porque justificou todas as suas afirmações com elevada coerência e consistência.
Dúvidas não se suscitaram ao tribunal de que a arguida falou com verdade e foi sincera.
Além do mais, os documentos sustentam as suas afirmações, bem como os depoimentos das colegas de trabalho DD, EE e BB que confirmaram, de forma espontânea, consistente e credível (porque revelaram as suas próprias experiências no trabalho que desenvolveram na empresa e que era uma função semelhante à da arguida). Confirmaram, todas elas, que todas tinham acesso a todos os clientes, que não necessitavam de password para aceder aos ficheiros dos clientes, que sempre levaram pens com os ficheiros dos clientes para realizarem trabalho em casa, que sempre o fizeram para além do seu horário de trabalho sem que recebessem horas extraordinárias, o que era do conhecimento da empresa. Negaram ainda, todas elas, que quando saíram da empresa tenham levado clientes consigo. Mais confirmaram que não tiveram conhecimento da carta enviada pela arguida à entidade patronal e foi pelo gerente CC que tiveram disso conhecimento. Confirmaram a forma como trabalhavam, designadamente, que todas tinham acesso aos ficheiros de todas, para poderem concluir algum processo, com prazo, na ausência de alguma colega ou dar informações por telefone aos clientes.
Os depoimentos destas testemunhas foram serenos e credíveis e dos autos não resulta qualquer meio de prova que nos leve a concluir que os factos não se passaram como foi descrito quer pela arguida quer, de forma coincidente e coerente, com as demais colaboradoras da empresa.
Na verdade, a prova da defesa logrou, cabalmente infirmar o depoimento da única testemunha de acusação, o gerente já acima referenciado, CC. Esta testemunha prestou um depoimento pouco sólido, titubeante, ansioso. Note-se que as declarações que foi prestando foram sendo contraditórias entre si em alguns pontos fulcrais e que, em nosso entender, na avaliação global do que disse, não mereceu a credibilidade do tribunal. Falamos, pois, em concreto, do facto de surpreendentemente, ter feito afirmações que sabia não corresponderem à verdade porque foram documentalmente contrariadas, designadamente, a data em que a arguida deixou de trabalhar na empresa (disse que foi 2 ou 3 dias depois de a mesma ter ido à PJ entregar o disco, quando na verdade a arguida trabalhou, conforme a mesma o disse e a testemunha BB confirmou, pois ainda lá trabalhava também, sendo certo que a arguida foi à PJ no dia 07/06/2017 e o seu trabalho na empresa terminou no dia 19/06/2017, período durante o qual, atenta a natureza das funções da arguida e também do que disse a testemunha BB, manteve, durante aquele período de tempo, o acesso a todos os ficheiros).
Outro facto que fez duvidar das declarações do gerente foi o ter referido num primeiro momento que toda a informação tinha password e, mais tarde, acabou por dizer que afinal todas tinham acesso a todos os ficheiros e sem password, tendo este facto sido confirmado por todas as testemunhas; mais disse, a dado momento, que a arguida deixou de trabalhar na empresa no dia em que foi à PJ, entrando em contradição com o que havia dias momentos antes; também disse que as colaboradoras nunca levavam ficheiros em suporte informático para casa, mas somente em papel, o que foi contrariado por todas as colaboradoras que aqui prestaram depoimento e que nos afiguraram terem dito a verdade (sublinha-se que nenhuma delas saiu de mal com a empresa); disse também que as colaboradoras tiveram conhecimento da carta enviada pela arguida à Direcção da empresa através da arguida, quando, na verdade, a mesma foi difundida por todos os funcionários conforme decorre do documento de fls. 278.
O gerente entrou em outras contradições e revelou ter procurado em julgamento fazer da imagem da arguida algo que não correspondia à realidade.
Analisando todos os depoimentos em conjugação com os documentos dos autos, tudo nos conduz à conclusão sobre a matéria de facto que os factos ocorreram como consta dos primeiros três parágrafos e que o contexto em que os mesmos foram cometidos foram os que foram revelados pela arguida em julgamento e não aquele que foi afirmado pelo gerente da empresa. Veja.se que a arguida concluiu o seu depoimento de forma clara e sem nunca deixar de reconhecer que provavelmente agiu mal, mas que o fez para se poder defender dos ataques e pressão que afirmou ter sofrido enquanto trabalhou na empresa e ser essa a única forma que tinha para o fazer. Donde termos dado como provados os factos descritos em 6.º a 17.º dos factos provados.
Na verdade, a arguida apresentou uma causa de justificação que foi verosímil e adequada a afastar a culpa que lhe vinha imputada e, bem assim, a considerar justificada a sua actuação, na devida ponderação de interesses a proteger. Salienta-se que a arguida demonstrou que efectivamente não tem conhecimentos informáticos profundos e que vive de forma mais espartana. Exibiu o seu telemóvel, que, apesar de ser ainda jovem, nem sequer é um smartphone e em sua casa, que é própria, não tem internet, a não ser internet móvel. Vive de forma pouco padronizada e revela não fazer muito uso de ferramentas informáticas, donde também nessa parte termos dado credibilidade ao seu depoimento.
Pelas razões expostas, inserimos os factos constantes dos parágrafos 4.º a 6.º da acusação nos factos não provados.
Foi ainda ouvida uma testemunha abonatória, FF, amigo do 6.º ano de escola da arguida, que a descreveu como sendo uma pessoa de confiança, pessoa de família, humilde e trabalhadora, características que foram confirmadas pela forma como a arguida se apresentou perante os factos (veja-se que a mesma disse no final “Eu sei que tentei proteger-me da maneira errada, mas tenho a consciência que aquilo que eu copiei era o que eu copiava todos os dias para levar para casa.”).
Quanto às condições sócio-económicas da arguida, o tribunal ancorou-se no seu depoimento que também nessa parte se revelou credível.
Por último, a ausência de antecedentes criminais da arguida decorre do certificado de registo criminal atualizado junto aos autos.»
*
Vejamos.
Não houve impugnação da matéria de facto.
É pacífico o entendimento de que quanto à impugnação da matéria de facto pode o recorrente seguir um de dois caminhos: ou invoca os vícios de lógica da sentença previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, devendo, neste caso, ater-se apenas ao texto da decisão e às incoerências que aí possam ser encontradas, ou apresenta uma impugnação alargada, que lhe permite analisar a prova produzida em julgamento, extrapolando o espaço limitado do texto da decisão recorrida.
Em qualquer das opções impõe-se ao recorrente o cumprimento de regras para que o recurso possa ser apreciado e tenha viabilidade de sucesso em termos formais.
Da nossa parte e porque de conhecimento oficioso não vislumbramos quaisquer vícios de lógica na sentença.
Posto isto.
Questão prévia.
Importa ainda considerar o seguinte, a assistente demandante veio a fls. 246 apresentar requerimento manifestando pretender desistir da queixa e do pedido de indemnização civil: “Exmo. Senhor
Juiz de Direito Juízo Local Criminal do Porto
A..., Lda, ...

Assistente/Demandante no âmbito do processo acima mencionado e ai melhor identificados a fis...vem expor e requerer o seguinte

Da Desistência da Queixa:

1. A Assistente desiste da queixa apresentada contra a Arguida

Do Pedido de Indemnização Civil

3. A Demandante desiste do pedido formulado contra a demandada.

Dos Bens Apreendidos.

4. Atendendo a que o disco externo apreendido à arguida/demandada contém dados informatizados sigilosos propriedade da Assistente tendo servido desde logo para a imputação da prática do crime bem como contém dados pertencentes à Arguida Requer-se que o mesmo seja entregue aos respetivos mandatários.

Atendendo à natureza semi pública do crime em causa ser homologada a presente desistência, após deverá manifestada a não oposição por parte da Arguida, e tendo em conta a desistência do pedido deverá declarar-se extinta a instância civil.”

Subsequentemente a fls. 249 a arguida veio aceitar a desistência nos seus exatos termos: “AA, Arguida e melhor identificada nos autos de processo à margem referenciados,
Notificada da desistência de queixa e bem assim do pedido de indemnização cível, por parte do ofendido/assistente,
Vem a Arguida informar os autos que aceita aquela desistência nos exatos termos em que foi apresentada.
Mais informa que em sede de declarações prestadas pela Arguida na 9ª secção do Diap do Porto (fls. 85 dos presentes autos), a Arguida já declarou aceitar uma eventual desistência de queixa.
Pede a V. Ex.ª deferimento.”
Ocorre que a Srª juíza a quo, na sequência de promoção determinou não ser possível a desistência de queixa, por se estar presente um crime de natureza pública na versão apresentada pela acusação, nada dizendo sobre a desistência do pedido cível.
Uma e outra realidade são coisas distintas.
Posteriormente em sede de sentença, entendendo não estar preenchida a ilicitude da conduta, entendeu absolver a arguida da condenação no pedido cível.
Constata-se desta dinâmica processual que o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre o requerimento em que se invocava a desistência do pedido. Pronúncia que devia ter ocorrido, quando muito em sede de sentença.
Não o tendo feito e não tendo conhecido tal pedido, ao pronunciar-se sobre os pressupostos legais da indemnização cível excedeu-se.
A nulidade resultante de excesso de pronúncia está prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, verifica-se quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como decorre do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Tal excesso de pronúncia no âmbito penal configura uma nulidade insanável passível de conhecimento oficioso, art. 379º, n º 1, al. c) do CPP.
Tal nulidade tem imediatos reflexos nos atos posteriores ao pedido de desistência do pedido cível e nomeadamente na sentença a quo que se pronunciou sobre o pedido cível, pois que não podia dele conhecer sendo nula nessa parte, art. 379º, n º 1 al. c) do CPP, o que se decreta.
Tendo presente o pedido de desistência da indemnização cível, os efeitos de tal pedido resultam diretamente dos preceitos legais que regem a matéria, pelo que, desde que não verse sobre direitos indisponíveis, como é o caso, tal desistência do pedido é livre e extingue o direito material que através da ação o autor pretendia fazer valer, implicando, portanto, a absolvição do Réu do pedido, nos termos dos artigos 285.º, nº 1, 286.º, nº 2, e 289.º, nº 1, do CPC.
Assim, perante a expressa vontade de desistência do pedido cível manifestada nos autos pelo assistente, que para o efeito tem a necessária legitimidade, e sendo a mesma formalmente válida (artigo 290.º n.ºs 1 e 3, do CPC), em face do sobredito regime legal, tal declaração produz diretamente efeitos, e que o tribunal a quo deveria ter homologado por ser válida e legítima, homologa-se agora tal desistência, suprindo-se tal omissão.
Como já afirmava Alberto dos Reis In Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra Editora, 1946, págs. 550 a 552. “Quem confessa, desiste, ou transige deve saber o que faz, qual o alcance e as consequências jurídicas do seu acto.”
Exemplo prático desta tomada de posição é, a nosso ver, o que está preceituado no artigo 46.º do CPC:
As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente”.
Ora, a arguida aceitou expressamente tal desistência.
No nosso sistema processual é caraterizado como sendo de eventualidade, o que equivale a dizer que “cada acto processual cria uma situação de irreversibilidade tendencial”, conclui Paula Costa e Silva In ACTO E PROCESSO O DOGMA DA VONTADE NA INTERPRETAÇÃO E NOS VÍCIOS DO ACTO POSTULATIVO, Coimbra Editora, 2003, página 271 a 306, que “estando cada ato afeto a uma função específica”, “deve ser esgotada no momento destinado à prática de cada um dos atos previstos pelo legislador”. Ou seja: vigora, no nosso sistema processual, a regra da preclusão.
E, em conclusão, sublinha que “o acto postulativo só pode ser revogado a todo o tempo se for acompanhado de um acto de renúncia, quer quanto ao pedido, quer quanto aos fundamentos desse mesmo pedido”, sendo que “a revogação por substituição só é possível dentro dos limites previstos nos artigos 272º e 273º” (artigos estes do revogado CPC e a que tem a sua correspondência nos artigos 264.º e 265.º do atual CPC.
A desistência do pedido - que pode ser total ou parcial (artigo 283.º, n.º 1, do CC) -, é um “acto jurídico unilateral” que pode ter lugar em qualquer fase do processo, sendo, por isso mesmo, “inteiramente livre”, e não dependendo da concordância da contraparte, constituindo, no ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado.
Assim, no caso vertente, perante a expressa vontade de desistência do pedido manifestada nos autos pelo próprio assistente e sendo a declaração de vontade formalmente válida (artigo 290.º n.ºs 1 e 3, do CPC), em face do sobredito regime legal, a mesma produz diretamente os referidos efeitos no âmbito do processo, tanto mais que, como já dito, a desistência requerida, por ser do pedido, não carecia de aceitação do réu, embora tenha tal ocorrido.
Por isso que, não pode tal manifestação de vontade validamente efetuada ser sequer revogada pelo autor mesmo antes da prolação da sentença homologatória, e, igualmente, não o pode ser por via de recurso interposto da sentença.
Com profundidade, Paula Costa e Silva lembra que o ato postulativo é o ato no qual a parte formula pedidos, cuja apreciação requer ao tribunal. Daqui retira, desde logo, uma consequência: “é no acto postulativo que a parte procede à delimitação do pedido e da causa de pedir. O mesmo é dizer que o objeto do processo coincide com o conteúdo do ato postulativo”.
A mesma processualista não deixa de questionar sobre a possibilidade de revogação do ato postulativo, informando-nos, desde logo, que “Teixeira de Sousa afirma que o acto postulativo é revogável enquanto não se tiver constituído uma situação favorável para a contraparte.
Caracterizando o nosso sistema processual como sendo de eventualidade, o que equivale a dizer que “cada acto processual cria uma situação de irreversibilidade tendencial”, conclui que “estando cada facto afeto a uma função específica”, “deve ser esgotada no momento destinado à prática de cada um dos actos previstos pelo legislador”. Ou seja: vigora, no nosso sistema processual, a regra da preclusão.
Revertendo a lição da ilustre processualista para o caso em análise, podemos agora dizer o seguinte:
Com o ato postulativo do autor de desistência do pedido, precludiu a possibilidade de apresentação de um outro de sentido contrário, assi que a arguida anuiu e se manifestou aceitando a desistência.
O ato de desistência do pedido obrigava in casu o juiz a julgar a validade ou invalidade do mesmo. Concomitantemente, não cabendo na previsão dos aludidos artigos 264.º e 265.º do CPC, forçados somos a concluir que com a apresentação de tal ato precludiu a possibilidade de apresentação de um outro ato postulativo, este de sentido contrário, como parece querer a recorrente quando recorre ao peticionar a condenação da arguida e a procedência do pedido de indemnização civil.
Posto isto, homologada a desistência do pedido cível com o suprimento da nulidade por omissão resta saber se a recorrente tem interesse legítimo em recorrer.
Temos presente que a recorrente apresentou requerimento onde dizia expressamente querer desistir da queixa e do pedido cível e que tal desistência não foi aceite por se considerar estar em sede de crime público.
A questão que se põe é, pois, a de saber se o presente recurso deve ser rejeitado por falta de interesse em agir da assistente o que passa pela consideração e análise dos seguintes dados, que apreciaremos na medida do necessário para a fundamentação da nossa decisão:
- A exclusão do direito de recorrer de quem não tenha interesse em agir, estabelecida no art. 401º nº2 do CPP, e a jurisprudência fixada no AFJ do STJ 2/11, que se pronunciou expressamente pela falta de interesse em agir do MP para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.
- E se por analogia a argumentação se aplica à assistente.

Vejamos.
O artigo 401º do CPP (“Legitimidade e interesse em agir”) que define no nº 1 quem tem legitimidade para recorrer, dispõe relativamente ao assistente que este tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas, estabelecendo no seu nº 2 que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
Sobre as noções de legitimidade e de interesse em agir no Código de Processo Penal, que aqui importa aflorar, ver acórdão do TRE de 22.01.2013, proferido no processo NUIPC 2166/08.2TDLSB.E1.
Embora se entenda que a legitimidade para recorrer radica na utilidade que, para o recorrente, resulta da procedência do recurso, considera-se que a aferição desta utilidade em processo civil pode fazer-se sobretudo a partir de dois critérios ou parâmetros distintos. Como explica, por todos, Miguel Teixeira de Sousa in cfr. Estudos sobre o Novo processo Civil, 2ª ed. Lex-1998, p. 487-8, de acordo com um critério formal, tem legitimidade para recorrer a parte que não obteve o que pediu ou requereu, pelo que não pode recorrer quem conseguiu na ação o que solicitou ou que está de acordo com a sua conduta na ação.
De acordo com o critério material, tem legitimidade para o recurso aquele para quem a decisão é desfavorável (ou não for a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal a quo. Segundo o mesmo autor - continuando a reportar-se ao processo civil - a doutrina segue maioritariamente um critério material, ou seja, na expressão de Luís Mendonça e Henrique Antunes Dos Recursos (Regime do Dec-lei nº 303/2007), p. 154., atendendo apenas à desconformidade da decisão com aquela que seria mais favorável à parte, reconhecendo, consequentemente, legitimidade ad recursum a quem a decisão desfavorável causa um prejuízo, abstraindo da conduta dessa parte no tribunal a quo.
Diferentemente, o Código de Processo Penal de 1987, seguindo o modelo já presente no Código de Processo Penal de 1929, faz depender o direito a recorrer de dois pressupostos distintos, a legitimidade e o interesse em agir (art. 401º do CPP), correspondendo o primeiro, grosso modo, à noção de legitimidade em processo civil tal como esta resultará da aplicação do chamado critério material e o interesse em agir dos pontos de que fazem depender aquela mesma legitimidade do critério formal e referido.
Conforme diz F. Dias Do princípio da «objectividade» ao princípio da «lealdade» do comportamento do ministério público no processo penal (Anotação ao Acórdão 5/94 do STJ), in RLJ Ano 128º, nº 3860 de 1.03.1996, p. 347., “Embora de algum modo originária do processo civil e tributária da respetiva doutrina, nem por isso a ideia do interesse em agir – sob esta ou outra designação – representa um corpo estranho no direito e na dogmática do processo penal.(…) De forma mais ou menos explícita e em termos mais ou menos fragmentários, a ideia e o regime do interesse em agir tinha já uma presença inequívoca no Código de 1929”, com o que se refere aos artigos 647º nº2 e parágrafos 3º e 5º, daquele diploma legal. Também Gonçalves da Costa Recursos in Jornadas de DPP-CEJ-1988 p. 412s se refere a estas normas do Código de processo penal de 1929 como afloramento da exigência do interesse agir, expressamente estabelecida no art. 401º do CPP de 1987, e Cunha Rodrigues Recursos in Lugares do Direito, Coimbra Editora 1999 p. 501entende igualmente que o Código de 1929 não ignorava o conceito “…ao prever que o réu e a parte acusadora só possam recorrer das decisões contra ela proferidas e que esta não poderá recorrer das decisões que tenham condenado o réu em pena igual ou superior àquela que tiver pedido na sua querela, queixa ou requerimento, ou em perdas e danos em quantitativo não inferir ao que houver pedido”.
O código de processo penal atribui, pois, conteúdo autónomo ao interesse em agir, rectius, à falta de interesse em agir, enquanto pressuposto ou requisito negativo do direito de recorrer que acresce à legitimidade, tal como é fortemente sugerido pela redação dos nºs 1 e 2 do CPP.
A legitimidade corresponde à utilidade que para o recorrente (à exceção do MP) resulta da procedência do recurso, aferida de acordo com um critério material, segundo o qual tem legitimidade o recorrente para quem a decisão é desfavorável (ou não é a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal a quo, tal como expressamente afirmado no AFJ 5/2011 relativamente ao assistente, considerando-se aí que a sua legitimidade e interesse em agir não depende de o assistente ter deduzido acusação autónoma ou ter aderido à acusação do MP, nem tão pouco de ter manifestado pretensão concreta no processo, nomeadamente por via oral em audiência.
Por sua vez, a falta de interesse em agir consiste no resultado da aferição da utilidade que para o recorrente resulta da procedência do recurso, de acordo com um critério formal, pelo que não pode recorrer quem conseguiu pela decisão recorrida o que solicitou ou o que está de acordo com a sua conduta no processo.
Com efeito, de acordo com o entendimento doutrinário de F. Dias exposto na RLJ Ano 128, 1996, (cfr. nota 4. Do presente acórdão) em crítica à posição assumida no AFJ 5/04, que foi agora acolhida e desenvolvida no AFJ 2/2011, “Se o ministério público assume expressamente, em qualquer momento processual, uma posição de direito donde deriva a inculpabilidade do arguido ou a sua menor culpabilidade, não pode em momento posterior modificar esta sua posição, alegando, melhor juízo, em desfavor, ainda que só eventual, da posição do arguido” –cfr. RLJ citada pp 349-350.
Também nas palavras de Damião da Cunha ao referir-se ao pressuposto do interesse em agir em matéria de recurso, “…este conceito de «interesse em agir» … aplica-se a todos os sujeitos processuais (seja ao MP, seja ao arguido). Em geral, o conceito de interesse em agir em processo penal estará diretamente ligado a um princípio de proibição de comportamento contraditório por parte dos sujeitos processuais – aquilo a que normalmente se denomina como princípio de preclusão processual – que, no caso do MP, preferíamos denominar de princípio de «auto-vinculação»”, com que o autor pretende realçar que“…a ausência de contradição (ou o exercício de direitos incompatíveis) se refere não tanto ao aspeto pessoal mas ao aspeto «institucional.”. Esta argumentação também se pode aplicar aos assistentes.
É este igualmente o entendimento de Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 2007, para quem, “ … a interposição de recurso de decisão que acolheu uma posição tomada pelo MP favorável ao arguido constitui um inadmissível venire contra factum proprium….”
Neste sentido aponta a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça após o AFJ 5/94 - analisada no citado AFJ 2/11 - que reflete um alargamento do âmbito de aplicação deste princípio de Auto vinculação institucional, boa fé ou lealdade processual, tanto no sentido de abranger o processo penal e não somente o processo civil (contrariamente ao que fora o entendimento do AFJ 5/94), como no sentido de abranger o MP e o próprio tribunal, sobrepondo-se às imposições tradicionalmente decorrentes do princípio da legalidade. Veja-se o exemplo significativo retirado do Ac STJ de 24-09-2003 (proc. n.º 243/03 - 3.ª Secção igualmente transcrito no citado AFJ 2/2011, de cujo sumário pode ler-se. - “ (…) IV - A lealdade, a boa fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.
V - O despacho do juiz da 1.ª instância, de 17-04-02, que determinou a interrupção do prazo para interpor recurso, situa-se na interpretação do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não constituindo um despacho de mero expediente, ou acto que se insira na ordenação do processo segundo a prudente discricionariedade do juiz, pelo que, não tendo sido impugnado, fixou, de modo intraprocessualmente definitivo, a questão que constituiu o seu objecto: o prazo para interpor o recurso não conta enquanto não for disponibilizada a transcrição das gravações.
VI - Sendo assim, o processo justo e leal e a confiança como elementos do princípio do processo equitativo não permitem admitir outra solução que não seja a de que os interessados, que razoavelmente confiaram na interpretação do despacho de 17-04, adquiriram o direito processual a interpor o recurso nos termos que fixou. ».

O referido entendimento doutrinário e a evolução jurisprudencial assinalada, levaram à prolação do AFJ do STJ nº 2/11 de 16.12.2010 que alterou a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 5/94, de 27 de Outubro, segundo o qual "Em face das disposições conjugadas dos artigos 48° a 52º, e 401 nº 1 ° alínea a), do Código de Processo Penal e atentas a origem, natureza e estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do Ministério Público, tem este legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisões mesmo que lhe sejam favoráveis e assim concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo".
O AFJ 2/2011, que se debruçou ex professo sobre o interesse em agir do MP para recorrer, fixou jurisprudência, nos termos do artigo 446º nº 3, do Código de Processo Penal, no sentido de que «… o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.», designadamente por decorrência do princípio da lealdade processual, nomeadamente na vertente da proibição de venire contra factum proprium.
Princípios estes que, integrando princípios estruturantes do processo penal democrático como é o caso do processo equitativo, na dimensão de «justo processo» (fair trial; due process), são aplicáveis ao MP não obstante o seu especial enquadramento constitucional e legal e sê-lo-ão igualmente aos assistentes e demais sujeitos ou participantes processuais.
Conforme se diz, por todos, no Ac STJ de 24 de Setembro de 2003 citado no AFJ 2/2011 (Colectânea de Jurisprudência, nº 171, t. III/2003), “Princípio essencial, fundador e conformador do processo penal (de todos os modelos ou soluções particulares e mais ou menos idiossincráticas dos diversos sistemas processuais democráticos), o princípio do processo equitativo, na dimensão de «justo processo» (fair trial; due process), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz
A este propósito ver Ac. RE de 27.06.17. Proc. 61/09.7T3SPC.E1.

O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire o estatuto processual em função de um interesse próprio, individual ou coletivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa ao interesse que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo-lhe, na defesa do interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal a sua perspetiva sobre a justeza da decisão, substituindo-se ao Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua atividade, sempre no respeito pelo princípio e pela natureza do carácter público do processo penal.
A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não condiciona as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência da lei como pressuposto do recurso de uma decisão é que seja proferida contra o assistente, isto é, que tenha interesse em agir - n.° 2 do artigo 401º do CPP.
O interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correção a decisão.
A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo.
O interesse em agir, que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objetiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori.
O assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça», sendo nessa «coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)» entre o «interesse da comunidade na administração da justiça penal» e o «interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada» que deve ser encontrado «o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal» (cf. Cláudia Cruz Santos, RPCC, 2008», p. 159-l60). Ver Ac. STJ de 18.01.12, proc. 1740/10.1JAPRT.P1.S1.

Concluímos, assim, em face do disposto no art. 401º nº 2 do CPP e da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 2/11 que o interesse em agir, enquanto pressuposto negativo do direito de recorrer que acresce à legitimidade, é plenamente aplicável ao assistente e obsta à interposição de recurso pelo assistente sempre que este manifeste no processo posição concordante com a decisão de que pretende recorrer ou quando tenha manifestado no processo desejo expresso de não pretender procedimento criminal contra o arguido.
Sendo este o alcance da falta de interesse em agir, enquanto pressuposto negativo do direito de recorrer, pode afirmar-se com a assistente ao pretender desistir da queixa proferida contra a arguida e do pedido cível que foi agora homologado assumiu no processo posição que lhe retira interesse em recorrer no sentido de pretender a condenação da mesma no ilícito criminal e no pedido cível.
Ora, em primeiro lugar, resulta do confronto da posição assumida pela assistente com os termos da decisão proferida pelo tribunal recorrido, que é coincidente a situação processual e substantiva da arguida pretendida pela assistente e manifestada no processo – a não condenação da arguida pela extinção do procedimento criminal expressa no pedido de desistência de queixa e de desistência do pedido cível - e a que resulta da decisão do tribunal recorrido com a sua absolvição.
O sentido da decisão a quo reconduz-se necessariamente à absolvição da arguida a que se reportam os artigos 374º nº3 b) e 376º, do CPP, com o consequente arquivamento total do processo, que, após trânsito, faz caso julgado material e torna a decisão vinculativa dentro e fora do processo com caráter definitivo.
A nosso ver mostra-se irrelevante o facto de não poder desistir da queixa atenta a natureza pública do crime em causa, porquanto no seu requerimento de desistência está expressa a vontade de não pretender procedimento criminal contra a arguida, pelo que vindo agora recorrer pugnando pela sua condenação no crime em causa e no pedido cível configura não só uma situação de venire contra factum proprium, comportamento abusivo contrário às expetativas criadas na arguida que aceitou a desistência, como sem qualquer efeito útil relativamente ao pedido cível uma vez que dele desistiu e cuja vontade foi devidamente homologada nesta sede.
São, pois, estas as razões pelas quais concluímos pela falta de interesse em agir da assistente A... para interpor o presente recurso que, assim, rejeitamos.

III. Dispositivo
Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o disposto nos artigos 401º nº2, 414º nº2 e 420º nº1 b), todos do CPP., acordam os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em rejeitar o recurso interposto pela assistente A..., Ld.ª, por falta de interesse em agir, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da assistente recorrente que fixo em 4 ucs a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 08 de março de 2023
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)

Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
___________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.