Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2883/16.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRA-ORDENACIONAL
CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RP201712042883/16.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 12/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 265, FLS 309-318)
Área Temática: .
Sumário: Não podendo no domínio da responsabilidade contra ordenacional recorrer-se à presunção legal da existência de contrato de trabalho vertida no art.º 12.º do CT/09, quando seja controvertida a questão de saber se há, ou não, um contrato de trabalho, tal afere-se por recurso ao denominado método indiciário, cabendo à acusação a alegação e prova dos factos que permitam chegar a essa conclusão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2883/16.3T8VFR.P1
Recurso de Contra-ordenação
4.ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO
I.1 A sociedade “B..., Ldª”, notificada da decisão administrativa da Autoridade Para as Condições do Trabalho, aplicando-lhe uma coima única no valor de € 6.000,00, pela prática das contraordenações imputadas nos processos 211600156, 211600157, 211600158, e no pagamento à Segurança Social de €1.052,93 relativos à C... e €3.275,54 relativos ao D..., dela discordando, veio deduzir impugnação judicial.
Alegou, no essencial, que a decisão que lhe foi notificada apenas corresponde ao processo 211600156, além de que a decisão administrativa padece de uma nulidade insanável, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 15º-A da Lei nº107/2009.
Mais alegou não se verificarem os ilícitos apontados, pois que, os referidos C... e D..., encontravam-se na empresa como prestadores de serviços de angariação e de vendas de veículos automóveis, à comissão, nunca tendo sido trabalhadores dependentes da arguida, inexistindo qualquer dever de comunicação de admissão dos mesmos ao ISS.
Durante a ação inspetiva, a arguida erradamente entendeu que não podia ter ao seu serviço vendedores comissionistas e por isso no dia seguinte ao daquela fiscalização celebrou um contrato de trabalho com aqueles e comunicou a sua admissão ao ISS.
Quanto ao processo 211600158, a arguida alega que o auto de notícia incorre num vício de falta de fundamentação, já que se as pessoas visadas são prestadores de serviço e, enquanto tal, emitiram recibos verdes, nada havendo a imputar-lhe.
Mais refere dispor, como sempre dispôs, de folhas de registos dos tempos de trabalho dos trabalhadores
O recurso foi recebido, tendo sido decidida a questão prévia suscitada, no sentido da sua improcedência, ao concluir-se que a decisão administrativa respeita não só ao processo 211600156, mas também aos processos 211600157, 211600158 e 211600159, apensados àquele. Conheceram-se, ainda, as nulidades invocadas, tendo igualmente sido decididas no sentido da sua improcedência.
Foi designada data para realização do julgamento.
I.2 Realizada a audiência de julgamento, subsequentemente foi proferida sentença concluída com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, julgo improcedente o recurso interposto por “B..., Ldª”, condenando-a pela prática das seguintes contra-ordenações:
a) - no processo nº 211600156, pela falta de comunicação, aos serviços do Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP), da admissão da trabalhadora C..., no prazo previsto para o efeito, a prestar trabalho para o infrator, o que constitui violação do nºs 1 e 2 do artigo 29º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, alterado pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, numa coima de €750,00;
b)- no processo nº 211600157, pela falta de comunicação, aos serviços do Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP), da admissão do trabalhador D..., que estava a receber prestações sociais do “Fundo de Desemprego”, no prazo previsto para o efeito, a prestar trabalho para o infrator, o que constitui violação dos nºs 1 e 2 do artigo 29º e do artigo 242º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, alterado pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, numa coima de €2.500,00;
c)- no processo 211600158, pelo incumprimento por parte da arguida da obrigação de transferir a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores C... e D..., para entidade legalmente autorizada a realizar aquele seguro, o que constitui violação do disposto no artigo 79º, nº1, da Lei nº98/2009, de 04.09, numa coima de €4.080,00;
d)- no processo 211600159, pelo incumprimento por parte da arguida, da obrigação de manter no local de trabalho um registo dos tempos de trabalho, em local acessível e que permita a sua consulta imediata, o que constitui violação do artigo 202º, do CT/2009, numa coima de €816,00.
e) Em cúmulo jurídico, condeno a arguida numa coima única no valor de € 6.000 (seis mil euros), e no pagamento à Segurança Social de €1.052,93 (mil e cinquenta e dois euros e noventa e três cêntimos) relativos à C... e €3.275,54 (três mil, duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) relativos ao D....
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Custas a cargo da recorrente, na parte em que sucumbiu, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – art.94º, nº3 do RGCC e art. 8º, nº7 e tabela III do RCP.
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Comunique à ACT, nos termos do art.º 45º, nº 3 da Lei 107/2009, de 14/9.
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Proceda-se ao depósito da presente sentença na secretaria.
Notifique. (…)».
I.3 Inconformada com essa decisão a arguida interpôs recurso, nos termos do artigo 49º, nº1, do Regime Jurídico das Contraordenações Laborais e da Segurança Social (Lei nº107/2009, de 14.09), na parte em que a condenou pela prática das infrações dos processos 211600156, 211600157, 211600158, apresentando alegações e sintetizando estas com as conclusões seguintes:
I. A Recorrente vem acusada da prática de três contraordenações no âmbito dos processos n.ºs 211600156 e 211600157, pela alegada falta de comunicação, aos serviços do Instituto da Segurança Social, IP da admissão dos trabalhadores C... e D..., e do processo n.º 211600158 pelo alegado incumprimento da obrigação de transferir a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores C... e D....
II. Com efeito, a C... e o D... nunca foram trabalhadores da Recorrente, sendo na verdade prestadores de serviços.
III. Resulta da Douta sentença, nomeadamente do art. 44º da matéria provada, a Recorrente mantinha ao seu serviço dois funcionários, a E... e o F..., sendo a C... e o D... prestadores de serviços.
IV. A E... e o F... eram funcionários da Recorrente, estando obrigados à prestação de trabalho nas instalações da Recorrente, durante um determinado horário de trabalho, utilizando para tal os equipamentos e ferramentas daquela, bem como ao cumprimento das ordens e instruções dadas pela Recorrente.
V. Como contrapartida do trabalho prestado, os funcionários recebiam uma retribuição mensal fixa.
VI. Dispõe o art. 1152º do Código Civil (CC) que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.”
VII. Mais, dispõe o art. 11º do Código de Trabalho (CT) que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”
VIII. O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
IX. A subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
X. Por outro lado, resulta do art. 1154º do CC que o “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
XI. No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia e da forma que considerar mais adequada, sem subordinação à direção da outra parte.
XII. Não pode o Tribunal a quo bastar-se com a mera presunção de laboralidade, consignada no art. 12º do CT, para considerar provada a existência de uma relação de trabalho.
XIII. Resulta do art. 12º do CT a presunção da existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das características elencadas naquele normativo.
XIV. Provou-se que os prestadores de serviços (C... e D...) utilizavam as suas próprias viaturas nas deslocações de serviço (quando necessário), suportando as respetivas despesas, não estavam sujeitos a qualquer horário de trabalho, a remuneração auferida era variável e à percentagem consoante o número de veículos vendidos, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua atividade ou número de visitas ao estabelecimento da Recorrente, e à qual os trabalhadores deram quitação através da emissão dos respetivos ”atos isolados”, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato de prestação de serviços, gozo e retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal.
XV. No caso sub judice, a Recorrente ilidiu a presunção de laboralidade, apresentando factos que são reveladores da inexistência de uma relação jurídica de trabalho (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
XVI. Assim, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como provado o contrato de trabalho existente entre a Recorrente e os referidos prestadores de serviços/comissionistas.
XVII. Em face de tudo quanto acima se expôs, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser parcialmente revogada, quanto aos processos n.ºs 211600156, 211600157 e 211600158, devendo a Recorrente ser absolvida das infrações de que vem acusada.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a Sentença recorrida.
I.3.1 O Tribunal a quo proferiu decisão sobre a admissibilidade do recurso, não o tendo admitido na parte relativa aos processos 211600156 e 211600157, em virtude das coimas parcelares aplicadas à arguida/recorrente nesses processos não serem de valor superior a 25UC, estribando-se no art.º 49.º, nº1, a), da Lei nº107/2009, de 14.09.
Quanto ao processo 211600158, admitiu o recurso fixando-lhe o modo de subida e efeitos adequados.
A arguida recorrente conformou-se com esta decisão.
I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
1ª O artº 51, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, estabelece que: Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2ª Por força dessa normal legal (paralela ao regime vigente para as contra-ordenações não laborais), o Tribunal da Relação apenas conhece de matéria de Direito, com excepção das situações previstas no artº 410, nº 2, do Código de Processo Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova).
3ª Assim, não sendo invocado nem se verificando nenhum desses vícios, a matéria de facto dada como assente na douta decisão final tem que se considerar definitivamente fixada.
4ª Com base nessa matéria de facto, outra solução não restava ao Tribunal que não fosse a de julgar improcedente a impugnação judicial apresentada, porquanto dúvidas não restam que os Srs. D... e C... estavam vinculados à recorrente com um contrato de trabalho e que, apesar disso, esta não tinha transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho dos mesmos para entidade autorizada a efectuar o respectivo seguro, facto que integra a contra-ordenação pela qual veio a ser punida.
Pelo exposto, entendemos que deve o recurso interposto ser julgado improcedente e mantida a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos.
I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), acompanhando resposta do Ministério Público na 1.ª instância, para se pronunciar pela manifesta improcedência do recurso.
I.6 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e projecto de acórdão por via electrónica.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões colocadas para apreciação são as seguintes:
i) Não pode o Tribunal a quo bastar-se com a mera presunção de laboralidade, consignada no art. 12º do CT, para considerar provada a existência de uma relação de trabalho (conclusão XII).
ii) A Recorrente ilidiu a presunção de laboralidade, apresentando factos que são reveladores da inexistência de uma relação jurídica de trabalho (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O tribunal a quo, fixou o elenco factual seguinte:
1º- A arguida é a empresa B..., Ldª com NIPC ........., com sede na Avenida ..., n.º ...., ....-... Lourosa, Santa Maria da Feira e local de trabalho na Rua ..., º .., ....-... Santa Maria da Feira, com atividade de comércio de veículos automóveis ligeiros.
2º- A arguida é legalmente representada por G... (NIF .........), com domicílio na Rua ..., n.º ..., ....-... ..., ..., na qualidade de gerente.
3º- A arguida, em 2014, apresentou um volume de negócios de € 957.237,00.
4º- A arguida não tem antecedentes contraordenacionais registados.
5º- A arguida, pelo menos em 28 de Janeiro de 2015, tinha local de trabalho no stand de automóveis com a designação comercial “H...” sito na Rua ..., n.º .., em Santa Maria da Feira.
6º- No dia 28 de Janeiro de 2015, pelas 15 horas, as inspetoras do trabalho I... e J... foram ao local de trabalho supra, para uma visita inspetiva àquele local e no exercício das suas funções inspetivas.
7º- Esse local tem um parque vedado com viaturas para venda e um escritório.
8º- No momento da visita, as inspetoras do trabalho dirigiram-se ao escritório do estabelecimento.
9º- A trabalhadora C..., que se encontrava no parque das viaturas, dirigiu-se de imediato ao escritório para atender as senhoras inspetoras do trabalho.
10º- Após as inspetoras do trabalho se terem identificado, C... declarou não ser trabalhadora e que ia chamar o colega que se encontrava no parque, o “Sr. D...”, e que aquele era trabalhador.
11º- Dirigiu-se ao parque das viaturas, onde esteve a falar com o “Sr. D...”.
12º- Ambos regressaram ao escritório e C... alterou as suas declarações referindo que tinha trocado o nome dos colegas pelo que, o F... é que era trabalhador e não o Sr. D....
13º- Questionados a C... e o D... pelas senhoras inspetoras autuantes sobre o motivo da sua presença naquele local declararam que os colegas, F... e E...a se ausentaram para ir almoçar e pediram para os substituir na hora de almoço.
14º- Naquele dia, hora e local, estava afixado na porta do escritório o seguinte horário de funcionamento das 9h às 20h com período de encerramento das 12h30min às 14h.
15º- Naquele dia, hora e local, estava afixado na porta do escritório que o mesmo se encontrava aberto.
16º- Naquele dia, hora e local, e no início da visita inspetiva, apenas estavam presentes, no Stand, C..., nascida a 23/02/1976 e D..., nascido a 15/9/1967; a arguida mantinha ao seu serviço, sob a sua direção e autoridade, mediante retribuição e na execução de tarefas inerentes à sua atividade estes dois trabalhadores sem que os mesmos estivessem comunicados à segurança social.
17º- Após aproximadamente 45 minutos das senhoras inspetoras do trabalho no local chegaram às instalações os trabalhadores da arguida E... e F....
18º- Naquele dia, hora e local, as senhoras inspetoras do trabalho verificaram que estavam no stand calendários dos meses de novembro 2014, dezembro de 2014 e janeiro de 2015.
19º- Naqueles calendários consta nome da C..., do D... e do F....
20º- Na sequência da visita inspetiva, a arguida foi notificada para apresentar, entre outros documentos, a comunicação de admissão dos trabalhadores à segurança social e apólice do seguro de acidentes de trabalho, último recibo pago e declaração de remunerações à seguradora onde conste o nome e retribuição dos trabalhadores e ainda os registos dos tempos de trabalho os quais eram inexistentes no local de trabalho à data da visita inspetiva.
21º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou a comunicação de admissão à segurança social de C..., efetuada no dia 29 de janeiro de 2015, com efeitos a partir de 30 de janeiro de 2015.
22º- A arguida apresentou ainda um contrato de trabalho celebrado com a trabalhadora com início a 30 de janeiro de 2015.
23º- Em consulta ao histórico de qualificações da trabalhadora em causa, na base de dados do Instituto da Segurança Social, I.P., verifica-se que a trabalhadora foi comunicada a 29 de janeiro de 2015, às 18:21, um dia depois da visita inspetiva, e com efeitos a 30 de janeiro de 2015.
24º- Em consulta ao histórico de qualificações do trabalhador em causa, na base de dados do Instituto da Segurança Social, I.P., verifica-se que o contrato de trabalho a termo celebrado com a C... cessou por iniciativa da arguida, com fundamento em extinção do posto de trabalho, no dia 31 de janeiro de 2015, ou seja, no dia seguinte à celebração do contrato.
25º- Na sequência, a inspetora do trabalho autuante apurou o valor de € 1.052,93, a título de contribuições a pagar pela arguida à segurança social, relativamente à trabalhadora C..., referente ao período entre 28 de julho de 2014 e 28 de janeiro de 2015, por aplicação do valor da retribuição mínima mensal prevista no instrumento de regulamentação coletiva celebrado entre a ACAP – Associação de Automóveis de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, BTE N.º 37 de 8/10/2010- revisão global, portaria de extensão n.º 3/2011, publicada no DR. N.º1, 1ª série de 03/01/2011, para a categoria profissional de vendedora de automóveis (€505,00) e taxa social única (34,75%).
26º- A arguida não agiu com a diligência que lhe era exigível, descurando a obrigação legal de comunicar a admissão da trabalhadora aos serviços competentes da Segurança Social, no prazo legalmente definido.
27º- A C... emitiu o documento junto pela arguida como documento n.º 1 o qual constitui fatura-recibo-ato isolado, em 16-02-2015, pelo valor de € 470,00 mais IVA à taxa legal, à empresa B..., Lda., por serviços prestados àquela como comissionista em 28-01-2015.
28º- A C... foi admitida em 05-02-2015 como trabalhadora por conta de outrem ao serviço da empresa K..., Lda. e exerce a sua função de vendedora de automóveis no H....
29º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou a comunicação de admissão do trabalhador D... à segurança social com efeitos a partir de 30 de janeiro de 2015 e um contrato de trabalho celebrado com o trabalhador com início a 30 de janeiro de 2015.
30º- D... foi comunicado como trabalhador da arguida, a 29 de janeiro de 2015, às 18:23, com efeitos a 30 de janeiro de 2015.
31º- O contrato de trabalho a termo que a arguida celebrou com o D... cessou por iniciativa da arguida, na qualidade de entidade empregadora, com fundamento em extinção do posto de trabalho, no dia 31 de janeiro de 2015, ou seja, no dia seguinte à celebração do contrato.
32º- À data da visita inspetiva D... encontrava-se a receber prestações de desemprego.
33º- O Sr. G..., gerente da arguida, sabia que D... estava desempregado.
34º- A inspetora do trabalho apurou o valor de € 3.275,54 (três mil duzentos e setenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) a pagar pela arguida à segurança social a título de contribuições relativas ao D... e referentes ao período compreendido entre 08 de julho de 2013 e 28 de janeiro de 2015, por aplicação do valor da retribuição mínima mensal prevista no instrumento de regulamentação coletiva celebrado entre a ACAP – Associação de Automóveis de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, BTE N.º 37 de 8/10/2010- revisão global, portaria de extensão n.º 3/2011, publicada no DR. N.º1, 1ª série de 03/01/2011, para a categoria profissional de vendedora de automóveis (€505,00) e taxa social única (34,75%).
35º-A arguida não agiu com a diligência que lhe era exigível, descurando a obrigação legal de comunicar a admissão do trabalhador aos serviços competentes da Segurança Social, no prazo legalmente definido.
36º- O D... emitiu o documento junto pela arguida como documento n.º 2 o qual constitui fatura-recibo-ato isolado, em 16-02-2015, pelo valor de € 565,00 mais IVA à taxa legal, à empresa B..., Lda., por serviços prestados àquela como comissionista em 28-01-2015.
37º- O D... foi admitido em 05-02-2015 como trabalhador por conta de outrem ao serviço da empresa K..., Ldª e exerce a sua função de vendedor de automóveis no H....
38º- D... não comunicou à Segurança Social a emissão da fatura-recibo-ato isolado.
39º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou a comunicação de admissão de C... e D... à segurança social, efetuada no dia 29 de janeiro de 2015, com efeitos a partir de 30 de janeiro de 2015 e um contrato de trabalho celebrado com a trabalhadora com início a 30 de janeiro de 2015 e ainda apólice do seguro de acidentes de trabalho.
40º- À data da visita inspetiva (28 de janeiro de 2015) nem a C... nem o D... estavam comunicados ao Instituto da Segurança social.
41º- A arguida transferiu a responsabilidade civil pela reparação de acidentes de trabalho para a entidade L... – Companhia de seguros, S.A., apólice n.º.............. com efeitos a partir de 10 de outubro de 2014, na modalidade de prémio fixo.
42º- À data da visita inspetiva, a arguida não tinha apólice de seguro de acidentes de trabalho, válida para os trabalhadores C... e D... ao seu serviço no local de trabalho supracitado.
43º- Ao proceder da forma supra descrita a arguida atuou negligentemente omitindo um dever objetivo de cuidado (a que está obrigada e de que é capaz) e a diligência adequada, no sentido de evitar a produção daquele resultado (conformando-se com o mesmo).
44º- A arguida, no dia no dia 28 de janeiro de 2015, pelas 15 horas, mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direção, fiscalização e mediante retribuição, pelo menos, os seguintes trabalhadores:
1.1. E..., admitido a 27 de maio de 2013, com a categoria de assistente administrativa;
1.2. F..., admitido a 1 de julho de 2013, com a categoria de assistente comercial;
45º- Questionados estes trabalhadores, pela senhora inspetora autuante, sobre o documento onde é efetuado o registo de tempos de trabalho, que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas, por dia e por semana, com indicação da hora de início e de termo do trabalho, declararam aqueles não possuir naquele estabelecimento, para apresentação, qualquer documento onde procedessem ao referido registo.
46º- No dia da visita inspetiva foi a empresa notificada para apresentar, entre outros documentos, o mapa de horário de trabalho e o registo de tempos de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço.
47º- Na notificação para apresentação de documentos consta expressamente que os registos dos tempos de trabalho eram inexistentes no local de trabalho, à data da visita.
48º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou o registo de tempos de trabalho dos trabalhadores supra identificados.
49º- À data da visita inspetiva aqueles registos não se encontravam acessíveis de forma a permitir a sua consulta imediata.
50º- A arguida omitiu um dever objetivo de cuidado (a que está obrigada e de que é capaz) e a diligência adequada, no sentido de evitar a produção daquele resultado conformando-se com o mesmo.
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Factos não provados
Da discussão da causa não resultou provado, designadamente que:
- face à necessidade de angariar maior número de clientela, a arguida, à semelhança de outras empresas no setor, sentiu necessidade de obter serviços de angariação de clientela;
- face à natureza e características do setor é economicamente inviável a arguida ter um quadro de vendedores a título permanente e integrados na estrutura da empresa;
- por forma a adaptar a equipa comercial aos picos de venda de veículos automóveis, a arguida solicitou serviços de angariação e de vendas a pessoas com experiência na venda de automóveis e em caso de concretização de negócio, o pagamento da correspondente comissão acordada;
- foi nessas circunstâncias de angariação de clientes e de promoção de vendas que a Srª C... e o Sr. D... prestaram serviços à arguida;
- aqueles prestaram serviços para a arguida como comissionistas, angariando clientes e vendendo veículos à comissão;
- não impendia sobre a arguida qualquer dever de comunicação aos serviços do ISS da admissão da Srª C... e do Sr. D...;
- durante a ação inspetiva e face à insistente invocação do incumprimento daquele dever, a arguida erradamente entendeu que não poderia ter ao seu serviço vendedores comissionistas na qualidade de prestadores de serviços e como tal devia celebrar um contrato de trabalho com aqueles e comunicar a admissão dos mesmos aos serviços do ISS;
- posteriormente, a arguida foi informada pelo seu mandatário da desnecessidade de efetuar tal comunicação, e no seguimento de tais esclarecimentos, no dia imediatamente a seguir, 31.01.2015, cessou de imediato o referido contrato de trabalho;
- a arguida possui, como sempre possuiu, folhas de registos dos tempos de trabalho dos trabalhadores, como é sua obrigação legal.
II.2 Questões prévias
Aplica-se ao caso o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
Estabelece o art.º 51.º da Lei 107/2009:
Artigo 51.º [Âmbito e efeitos do recurso]
«1 – Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
(..)».
Esta regra acolhe o princípio já enunciado no RGCO, nomeadamente, no n.º1 do art.º 75.º, dispondo: «Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões».
Em suma, decorre da norma que em sede de contra-ordenações laborais a segunda instância, por regra, tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto.
Contudo, essa regra cede nos casos que se verifique a existência de vícios no julgamento da matéria de facto previstos no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, onde se dispõe:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova».
Em qualquer destes casos, ainda que oficiosamente, a Relação deverá deles conhecer, podendo e devendo alterar a matéria de facto, se dispuser de todos os elementos probatórios necessários para o efeito; ou não dispondo desses elementos, reenviando os autos à 1.ª instância, para sanação do vício de acordo com o art.º 426.º do CPP.
Constata-se existir erro notório na apreciação da prova quanto ao facto provado 16º- onde consta o seguinte:
Naquele dia, hora e local, e no início da visita inspetiva, apenas estavam presentes, no Stand, C..., nascida a 23/02/1976 e D..., nascido a 15/9/1967; a arguida mantinha ao seu serviço, sob a sua direção e autoridade, mediante retribuição e na execução de tarefas inerentes à sua atividade estes dois trabalhadores sem que os mesmos estivessem comunicados à segurança social.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita.
Ora, a segunda parte do facto, onde se fez constar que “a arguida mantinha ao seu serviço, sob a sua direção e autoridade, mediante retribuição e na execução de tarefas inerentes à sua atividade estes dois trabalhadores” é manifestamente conclusiva, reconduzindo-se às expressões usadas na lei para nos dar a noção de contrato de trabalho. Acresce, que saber se os trabalhadores C... e D... estavam vinculados à arguida por um contrato de trabalho subordinado é uma das questões fulcrais para então se preencherem os elementos típicos do ilícito contra ordenacional em causa, isto é, o incumprimento da obrigação legal que recai sobre as entidades empregadoras de transferirem a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho para entidades seguradoras.
Por conseguinte, impõe-se eliminar essa segunda parte do facto 16.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente, numa primeira linha de argumentação, insurge-se contra a sentença defendendo que o Tribunal a quo não podia bastar-se com a mera presunção de laboralidade, consignada no art.º 12º do CT, para considerar provada a existência de uma relação de trabalho (conclusão XII).
Na fundamentação da sentença consta, na parte aqui relevante, o seguinte:
No caso, a factualidade apurada é suficiente no sentido da demonstração da existência de um contrato de trabalho, com subordinação jurídica, este fundamental à verificação desse tipo contratual.
De facto, foi produzida prova cabal de que os identificados C... e D... à data da visita inspetiva eram trabalhadores da recorrente, estando a realizar atividade em local pertencente ao beneficiário da atividade, utilizar os equipamentos de trabalho a este pertencentes, sob as suas ordens e fiscalização, elementos que integram a presunção legal de que estamos perante contrato de trabalho, previstos no artigo 12º do Código do Trabalho.
Dispõe o art. 11º do CT 2009 que “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”
Por sua vez, o art. 1154º do Código Civil estatui que "contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição".
No quadro do contrato de trabalho a prestação funcional é a actividade do trabalhador, a disponibilidade da sua força de trabalho, que o empregador organiza e dirige.
Já no contrato de prestação de serviço, uma das partes, o prestador, obriga-se a proporcionar à outra, não a actividade, em si, mas certo resultado do seu trabalho.
A distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço reflecte-se em dois elementos essenciais: no objecto (prestação da actividade, no primeiro; obtenção de um resultado, no segundo) e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica, no primeiro; autonomia, no segundo).- cfr. Ac. do STJ de 15.09.2010, in www.dgsi.pt.
Face ao que resultou apurado, cremos ser possível concluir estarmos perante um contrato de trabalho, com aquela característica de subordinação jurídica pressuposta.
A este propósito, pode ainda ver-se o Ac. TRP de 08.04.2013, publicado in www.dgsi.pt, onde se considerou que compete à acusação que a prova de todos os factos que permitam a conclusão da existência de um contrato de trabalho, não bastando a invocação da existência da presunção do artigo 12º do Código do Trabalho, e onde se lê que, “…O ilícito de mera ordenação social tem natureza sancionatória que, embora de diferente natureza e tutelando interesses de menor gravidade do que os salvaguardados no direito penal, não deixa de, com este, ter um certo paralelismo (o direito penal é aliás subsidiarimaente aplicável – cfr. art. 32º do DL 433/82, de 27.10,), a ele, direito penal, indo buscar alguns dos princípios fundamentais deste, entre os quais o princípio da presunção da inocência (art. 32º, nº 1, da CRP), do in dúbio pro reo, do acusatório (art. 32º, nº 5, da CRP) e da tipicidade (art. 1º da do DL 433/82, alterado pelo DL 244/95, de 14.09), com os quais se nos afigura ser incompatível a verificação da contra-ordenação, e a respetiva punição, com base na utilização de presunções de natureza cível. Veja-se que no DL 244/95, de 14.09, se teve em conta, como decorre do respectivo preâmbulo, “um alargamento notável das áreas de actividade que são objecto de ilícito de mera ordenação social e, do mesmo passo, com a fixação de coimas de montantes muito elevados e a cominação de sanções acessórias especialmente severas”, mais se referindo não poder o direito de mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de “bagatelas penais” e realçando-se a necessidade de “reforço dos direitos e garantias dos arguidos”, sendo que a CRP, no nº 10 do seu art.º 32º, determina que nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa (tal reconhecimento teve lugar com a 2ª Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional 1/89, de 08.07). O princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº 2, da CRP postula que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 203, “[c]omo conteúdo adequado ao princípio apontar-se-á: (a) probição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; (...)”. No referido princípio entronca, também, o do in dubio pro reo, nos termos do qual deverá o juiz pronunciar-se de “forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” – cfr. ob. citada, págs. 203/204. Quanto ao princípio do acusatório, de uma das suas vertentes, decorre que a dedução da acusação é o pressuposto de toda a actividade judicial de investigação, conhecimento e decisão, sendo ela, acusação, que define e fixa o objecto do processo – cfr. Ana Prata e outros, in Dicionário Jurídico, Volume II, Direito Penal e Direito Processual Penal, Almedina, pág. 383. De tais princípios, mormente do princípio da presunção de inocência e do acusatório, decorre que é à acusação (em matéria contraordenacional, à autoridade administrativa, na fase administrativa, e ao Ministério Público, na fase judicial), que compete não apenas acusar, imputando os factos pertinentes à verificação do ilícito contra-ordenacional, como a prova dos mesmos, e não já ao arguido, com fundamento numa presunção legal de natureza cível e na inversão do ónus da prova decorrente do art. 350º, nº 1, do Cód. Civil, a prova de que não cometeu os factos, mormente a prova de que não cometeu os factos que integram o tipo do ilicito contraordenacional de que é acusado e/ou que constituam pressupostos da infracção imputada, cabendo referir que, no caso em apreço – presunção de laboralidade do art. 12º, nº 1, do CT/2009 – não estamos perante presunção que assente na culpa in vigilando do empregador, a qual pressupõe a prévia prova da existência de um contrato de trabalho. Dispõe o citado art. 350º, nº 1, do CC que “[q]uem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (nº 1). Ora, e como referido, os citados princípios, transponíveis que são, a nosso ver, para o ilícito de mera ordenação social, que tem natureza sancionatória, obstam à responsabilidade contraordenacional do arguida com base na mera verificação da presunção legal de existência de contrato de trabalho prevista no art. 12, nº 1, do CT/2009, para além de que esta não tem, nem pode ter, como beneficária a autoridade administrativa, entidade acusatória em sede de ilícito contraordenacional; tem, sim, como beneficiário o trabalhador, em processo de natureza cível. Acrescente-se que mal se compreenderia que em processo de natureza meramente disciplinar competisse, como compete, ao empregador a prova dos factos que imputa ao trabalhador, mas tal já não sucedesse no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, imputando-se ao empregador o ónus da prova de que não cometeu os factos de que foi acusado pela autoridade administrativa. Ou seja, no caso, era à acusação que competia a prova de todos os factos que permitiriam a conclusão da existência de um contrato de trabalho, …”
No caso, face à factualidade apurada, considero estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos das infracções imputadas».
Adianta-se já não poder acompanhar-se esta fundamentação que, ademais, faz manifestamente uma incorrecta aplicação da doutrina vertida no Acórdão desta Relação de 08.04.2013, que cita em abono da solução prosseguida.
Passamos a justificar esta asserção.
No referido acórdão [Proc.º n.º 40/12.7TTOAZ.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt] afirma-se com toda a clareza, como foi levado ao respectivo sumário, que “[A] presunção de laboralidade a que se reporta o art. 12º, nº 1, do CT/2009 não tem aplicação em matéria de responsabilidade contraordenacional». As razões que sustentam essa posição, que assinalamos merecer a nossa inteira concordância, são as que constam do extracto da fundamentação transcrita pelo tribunal a quo.
De resto, crê-se que o Tribunal a quo interpretou correctamente a posição defendida no acórdão, pois antes de proceder à transcrição, começa por dizer que nele “se considerou que compete à acusação que a prova de todos os factos que permitam a conclusão da existência de um contrato de trabalho, não bastando a invocação da existência da presunção do artigo 12º do Código do Trabalho”.
Mas retomando a doutrina daquele acórdão, após se afirmar que “no caso, era à acusação que competia a prova de todos os factos que permitiriam a conclusão da existência de um contrato de trabalho, e não já à arguida a prova de que tal contrato não existia, não bastando, por consequência, a prova, pela acusação, de factos (no caso, apenas dois) que constituem, nos termos do art. 12º, nº 1, do CT/2009, base da presunção de laboralidade”, prossegue-se, explicando o seguinte:
-«(..)
Contrato de trabalho é, na definição do art. 11º do Código do Trabalho, “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
Constitui, pois, elemento fundamental da existência do contrato de trabalho a sujeição da pessoa contratada à autoridade e direção do contratante (subordinação jurídica), a qual se traduz na prerrogativa deste dar ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da atividade (e na obrigação, por parte daquele, de as receber), bem como a existência de uma retribuição, a qual constitui a contrapartida, a que o empregador se obrigou, da prestação do trabalho, a que o trabalhador se vinculou. Também o exercício da atividade ou a disponibilidade do trabalhador para essa atividade e não, apenas ou essencialmente, a obtenção de um resultado, constitui característica do contrato de trabalho.
Como é sabido, a determinação da existência de um contrato de trabalho constitui, frequentemente, umas das questões de maior melindre e que mais dúvidas suscita na sua aplicação prática e, daí, que tenham sido, pela doutrina e jurisprudência, apontados diversos elementos adjuvantes e indiciários – internos e externos - da caracterização do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica.
Assim, como indícios internos, apontam-se usualmente: a natureza da atividade concretamente desenvolvida; o carácter duradouro da prestação; o local da prestação da atividade (em estabelecimento do empregador ou em local por este indicado); a propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador); a existência de horário de trabalho; a necessidade de justificação de faltas; a remuneração determinada pelo tempo de trabalho; o exercício da atividade por si e não por intermédio de outras pessoas; o risco do exercício da atividade por conta do empregador; a inserção do trabalhador na organização produtiva do dador de trabalho; o exercício do poder disciplinar; o gozo de férias e inserção no correspondente mapa; o pagamento de subsídios de férias e de Natal; o nomen juris atribuído pelas partes.
Como indícios externos, são designadamente apontados: a exclusividade da prestação da atividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga (subordinação económica); a inscrição nas Finanças e na Segurança Social como trabalhador dependente; a filiação sindical.
Importa, no entanto, ter presente que sendo a subordinação jurídica elemento essencial do contrato de trabalho e da sua distinção de outras figuras afins, os referidos fatores indiciários, individualmente considerados, assumem peso relativo, devendo, perante o concreto circunstancialismo de cada caso, serem apreciados e sopesados de forma global».
Por conseguinte, o que se afirma com clareza no acórdão citado pelo tribunal a quo é que, não podendo no domínio da responsabilidade contra ordenacional recorrer-se à presunção legal da existência de contrato de trabalho vertida no art.º 12.º do CT/09, quando seja controvertida a questão de saber se há, ou não, um contrato de trabalho, tal afere-se por recurso ao denominado método indiciário, cabendo à acusação a alegação e prova dos factos que permitam chegar a essa conclusão.
Ora, se bem atentarmos no percurso seguido pelo Tribunal a quo, começa-se por afirmar que a prova produzida “é suficiente no sentido da demonstração da existência de um contrato de trabalho, com subordinação jurídica, este fundamental à verificação desse tipo contratual”, para depois se acabar por fazer invocação da presunção legal do art.º 12.º, como consta da parte final do parágrafo imediatamente seguinte, onde se diz ter-se provado que “os identificados C... e D... à data da visita inspetiva eram trabalhadores da recorrente, estando a realizar atividade em local pertencente ao beneficiário da atividade, utilizar os equipamentos de trabalho a este pertencentes, sob as suas ordens e fiscalização, elementos que integram a presunção legal de que estamos perante contrato de trabalho, previstos no artigo 12º do Código do Trabalho”.
Parece, pois, como defende a arguida /recorrente, que o Tribunal a quo considerou estar demonstrada a existência de relações de trabalho subordinado relativamente a C... e D..., por estarem demonstrados elementos que integram a presunção legal do art.º 12.º, do CT, designadamente, estarem aqueles, a “utilizar os equipamentos de trabalho a este pertencentes, sob as suas ordens e fiscalização”.
Na verdade, outra coisa não poderá concluir-se, visto que não consta da sentença uma apreciação e valoração dos factos à luz do denominado método indiciário, ou seja, procurando evidenciar os indícios presentes, quer no sentido da existência de subordinação jurídica quer em sentido contrário, apreciando-os e valorizando-os globalmente.
Acresce, ainda, para que fique tudo devidamente esclarecido, que nem tão pouco existem factos que permitissem a afirmação constante daquele extracto, quando se diz estar demonstrado que os aludido C... e D..., prestavam a sua actividade “sob as suas ordens e fiscalização” da arguida/recorrente. Com efeito, não há facto algum provado, nem tão pouco foi imputado na acusação, que demonstre a existência de ordens ou de actuação com propósito de fiscalização por parte da recorrida. Note-se, não se está a negar a possibilidade de assim acontecer, mas antes a afirmar que não foram imputados, nem se demonstraram, factos concretos que permitam extrair essa conclusão. O que foi imputado é o que o tribunal a quo, incorrectamente, fez constar do facto 16, na parte que começámos por eliminar na consideração de se estar perante uma conclusão de direito que se reconduz ao thema decidendum.
Mas será que existem indícios suficientes para se concluir pela existência de relações de trabalho subordinado entre a arguida / recorrente e C... e D...?
Percorrendo o elenco dos factos provados, relevam os seguintes:
6º- No dia 28 de Janeiro de 2015, pelas 15 horas, as inspetoras do trabalho I... e J... foram ao local de trabalho supra, para uma visita inspetiva àquele local e no exercício das suas funções inspetivas.
7º- Esse local tem um parque vedado com viaturas para venda e um escritório.
8º- No momento da visita, as inspetoras do trabalho dirigiram-se ao escritório do estabelecimento.
9º- A trabalhadora C..., que se encontrava no parque das viaturas, dirigiu-se de imediato ao escritório para atender as senhoras inspetoras do trabalho.
10º- Após as inspetoras do trabalho se terem identificado, C... declarou não ser trabalhadora e que ia chamar o colega que se encontrava no parque, o “Sr. D...”, e que aquele era trabalhador.
11º- Dirigiu-se ao parque das viaturas, onde esteve a falar com o “Sr. D...”.
12º- Ambos regressaram ao escritório e C... alterou as suas declarações referindo que tinha trocado o nome dos colegas pelo que, o F... é que era trabalhador e não o Sr. D....
13º- Questionados a C... e o D... pelas senhoras inspetoras autuantes sobre o motivo da sua presença naquele local declararam que os colegas, F... e E... se ausentaram para ir almoçar e pediram para os substituir na hora de almoço.
14º- Naquele dia, hora e local, estava afixado na porta do escritório o seguinte horário de funcionamento das 9h às 20h com período de encerramento das 12h30min às 14h.
15º- Naquele dia, hora e local, estava afixado na porta do escritório que o mesmo se encontrava aberto.
16º- Naquele dia, hora e local, e no início da visita inspetiva, apenas estavam presentes, no Stand, C..., nascida a 23/02/1976 e D..., nascido a 15/9/1967;
17º- Após aproximadamente 45 minutos das senhoras inspetoras do trabalho no local chegaram às instalações os trabalhadores da arguida E... e F....
18º- Naquele dia, hora e local, as senhoras inspetoras do trabalho verificaram que estavam no stand calendários dos meses de novembro 2014, dezembro de 2014 e janeiro de 2015.
19º- Naqueles calendários consta nome da C..., do D... e do F....
20º- Na sequência da visita inspetiva, a arguida foi notificada para apresentar, entre outros documentos, a comunicação de admissão dos trabalhadores à segurança social e apólice do seguro de acidentes de trabalho, último recibo pago e declaração de remunerações à seguradora onde conste o nome e retribuição dos trabalhadores e ainda os registos dos tempos de trabalho os quais eram inexistentes no local de trabalho à data da visita inspetiva.
21º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou a comunicação de admissão à segurança social de C..., efetuada no dia 29 de janeiro de 2015, com efeitos a partir de 30 de janeiro de 2015.
22º- A arguida apresentou ainda um contrato de trabalho celebrado com a trabalhadora com início a 30 de janeiro de 2015.
23º- Em consulta ao histórico de qualificações da trabalhadora em causa, na base de dados do Instituto da Segurança Social, I.P., verifica-se que a trabalhadora foi comunicada a 29 de janeiro de 2015, às 18:21, um dia depois da visita inspetiva, e com efeitos a 30 de janeiro de 2015.
24º- Em consulta ao histórico de qualificações do trabalhador em causa, na base de dados do Instituto da Segurança Social, I.P., verifica-se que o contrato de trabalho a termo celebrado com a C... cessou por iniciativa da arguida, com fundamento em extinção do posto de trabalho, no dia 31 de janeiro de 2015, ou seja, no dia seguinte à celebração do contrato.
27º- A C... emitiu o documento junto pela arguida como documento n.º 1 o qual constitui fatura-recibo-ato isolado, em 16-02-2015, pelo valor de € 470,00 mais IVA à taxa legal, à empresa B..., Lda., por serviços prestados àquela como comissionista em 28-01-2015.
29º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou a comunicação de admissão do trabalhador D... à segurança social com efeitos a partir de 30 de janeiro de 2015 e um contrato de trabalho celebrado com o trabalhador com início a 30 de janeiro de 2015.
30º- D... foi comunicado como trabalhador da arguida, a 29 de janeiro de 2015, às 18:23, com efeitos a 30 de janeiro de 2015.
31º- O contrato de trabalho a termo que a arguida celebrou com o D... cessou por iniciativa da arguida, na qualidade de entidade empregadora, com fundamento em extinção do posto de trabalho, no dia 31 de janeiro de 2015, ou seja, no dia seguinte à celebração do contrato.
36º- O D... emitiu o documento junto pela arguida como documento n.º 2 o qual constitui fatura-recibo-ato isolado, em 16-02-2015, pelo valor de € 565,00 mais IVA à taxa legal, à empresa B..., Lda., por serviços prestados àquela como comissionista em 28-01-2015.
39º- Na data prevista para entrega de documentos, a arguida apresentou a comunicação de admissão de C... e D... à segurança social, efetuada no dia 29 de janeiro de 2015, com efeitos a partir de 30 de janeiro de 2015 e um contrato de trabalho celebrado com a trabalhadora com início a 30 de janeiro de 2015 e ainda apólice do seguro de acidentes de trabalho.
40º- À data da visita inspetiva (28 de janeiro de 2015) nem a C... nem o D... estavam comunicados ao Instituto da Segurança social.
42º- À data da visita inspetiva, a arguida não tinha apólice de seguro de acidentes de trabalho, válida para os trabalhadores C... e D... ao seu serviço no local de trabalho supracitado.
Extrai-se destes factos que C... e D..., no dia em que foi realizada a acção inspectiva e perante as senhoras inspectoras, actuaram como prestadores da actividade de vendedores de automóveis, fazendo-o no estabelecimento onde a Ré prosseguia a actividade de vendas de automóveis e dentro do horário de abertura ao público [factos 6, 7, 8, 9, 14, 15 e 16]. Em suma, os indícios presentes consistem na prestação de uma actividade em benefício da arguida, em local pertencente a esta, fazendo uso dos instrumentos de trabalho daquela e no horário de funcionamento do estabelecimento.
São indícios relevantes, mas só por si insuficientes para que se possa concluir com segurança, como é devido, pela existência de uma relação de trabalho subordinado.
Não está indiciado o cumprimento de um horário de trabalho definido pela Ré, não bastando para isso estarem naquele dia e hora no estabelecimento, nem tão pouco constarem nos “calendários dos meses de novembro 2014, dezembro de 2014 e janeiro de 2015” [factos 18 e 19.º].
Não há qualquer indício concreto de cumprirem ordens da Ré, nem tão pouco de estarem sujeitos a fiscalização por parte da mesma.
Não há igualmente, sendo essa uma condição essencial para a existência do contrato de trabalho, indícios suficientes para se concluir que auferiam uma retribuição em contrapartida da prestação da sua actividade, designadamente, nos meses de Novembro de 2014 a Janeiro de 2015, período em que constam dos aludidos calendários, dado apenas ter resultado provado a C... e o D... emitiram “fatura-recibo-ato isolado”, ambos em 16-02-2015, respectivamente, no valor de € 470,00 mais IVA e € 556,00 mais IVA (factos 27 e 36), factos que apontam em sentido oposto (factos 27 e 36).
E, também não podem assumir relevância determinante os factos 22 e 29, de onde resulta que a arguida apresentou junto da autoridade administrativa, após ter sido notificada para a apresentação de documentos, contratos de trabalho celebrados com C... e D.... Com efeito, os contratos foram celebrados para produzirem efeitos apenas a partir do dia 30 de Janeiro de 2015, ou seja, dois dias aós a visita inspectiva. Não há, pois, qualquer reconhecimento por parte da Ré no sentido de que mantinha uma relação de trabalho subordinado com aqueles em data anterior à da visita inspectiva, designadamente, desde Novembro de 2014.
Portanto, não existem factos que evidenciem, com segurança, quer a existência de subordinação jurídica quer do pagamento de retribuição em contrapartida da prestação da actividade, elementos essenciais para se poder concluir estar-se perante relações de trabalho subordinado.
Por último, importa também deixar devidamente esclarecido, percorrida a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, na parte em que se refere aprova produzida pelas testemunhas de acusação, constata-se que também não podia ter ido o tribunal a quo mais além na fixação de factos provados. Para ilustrar o afirmado, deixam-se os extractos relevantes:
-« (..) a testemunha de acusação, Inspectora da ACT, I..., confirmou, em geral, o teor do auto de notícia e atestou que aquando da visita inspetiva ao stand apenas se encontravam presentes a D. C... e o Sr. D... (estando este a conduzir um veículo do stand para a rua). A D. C... (que a veio atender, a ela e à colega, pensando tratarem-se de clientes) foi ter consigo ao escritório, e quando instada a esclarecer a razão pela qual ali se encontrava e o seu vínculo, afirmou logo que não era trabalhadora e que ia chamar o Sr. D..., que estava cá fora, e que esse sim era trabalhador (..)
Quando regressaram ao escritório, a D. C... e o Sr. D..., aquela D. C... afirmou logo que se tinha enganado quando referira, momentos antes, que o Sr. D... era trabalhador, afirmando que quem era trabalhador era o Sr. F..., que não se encontrava presente, tendo então referido que estavam a substituir os colegas que tinham ido almoçar. A partir daí, estiveram à espera cerca de 45 minutos pela chegada ao stand daquele Sr. F... e da D. E.... (..)
(..)
A inspetora da ACT que realizou a visita inspectiva ao local de trabalho, e explicou as diligências que fez, afirmou que aqueles C... e D... se encontravam sozinhos no local de trabalho, em momento algum lhes tendo dito que eram prestadores de serviço, e muito menos exibido qualquer contrato de prestação de serviços que confirmasse que assim era.
Como a inspetora referiu, deslocou-se ao H..., juntamente com a colega, num dia útil, às 15h. Segundo o horário de funcionamento afixado à porta do Stand, havia um intervalo para almoço das 12h30 às 14h00. Quando chegaram ao stand, o mesmo estava aberto ao público, mas nenhum dos dois trabalhadores da arguida declarados à segurança social, estavam no local. Na verdade, para atendimento ao público, apenas estavam a C... e o D..., sendo que a C..., quando viu as inspetoras do trabalho, dirigiu-se a elas como se estas fossem potenciais clientes do stand. Deste circunstancialismo fáctico referido, conclui-se que a C... estava ali no exercício de funções de vendedora. O D... estava a manobrar um carro, função também habitual de um vendedor de automóveis num stand automóvel. (..).
(..).
E, por essa razão, também não está perante uma situação em que se justifique o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no art.º 426.º n.º1, em conjugação com o art.º 410.º do CPP.
Por conseguinte, não podendo concluir-se que a arguida /recorrente, desde data anterior à da visita inspectiva, mantinha ao seu serviço mediante relações de contrato de trabalho subordinado C... e D..., não tem sustento a imputação do ilícito contra-ordenacional em causa, isto é, o incumprimento da obrigação de transferir a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, relativamente àqueles, para entidade legalmente autorizada a realizar aquele seguro, em violação do disposto no artigo 79º, nº1, da Lei nº98/2009, de 04.09.
Concluindo, procede o recurso (na parte admitida), revogando-se a sentença na parte em que condenou a arguida no pagamento da coima de €4.080,00.
II.3.1 Embora quanto às condenações que constam no dispositivo sob as alíneas a), b) e d), a sentença deva manter-se inalterada, por nessa parte ter transitado em julgado, a procedência do recurso nos termos acima referidos tem necessariamente implicações no cúmulo jurídico a que o Tribunal a quo procedeu, para condenar a arguida na coima única no valor de € 6.000 (seis mil euros) [alínea e), do dispositivo].
Com efeito, sendo certo que o cúmulo jurídico foi fixado tendo em consideração também essa coima, sendo a R. absolvida dessa infracção, a mesma deixa de relevar para a determinação da coima única e, logo, necessariamente haverá que proceder a novo cúmulo jurídico, nos termos estabelecidos pelo artigo 19.º do RGCOC, com a epígrafe “Concurso de contra-ordenações”, aplicável subsidiariamente, ex vi art.º 60.º da Lei 107/2009.
Dito em poucas palavras, impõe-se retirar todas as consequências do efeito do recurso.
Acontece, neste caso em concreto, que o novo cúmulo a realizar integrará apenas as coimas das contra-ordenações relativamente às quais não foi admitido o recurso, por essa razão, quanto a elas não se tendo este Tribunal ad quem pronunciado.
Por essa razão, entende-se estar para além da competência deste Tribunal proceder ao cúmulo jurídico, antes cumprido ao Tribunal a quo fixar o novo cúmulo jurídico, agora atendendo exclusivamente às contra-ordenações e coimas relativamente às quais, por não ser admissível, não foi admitido o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, alterando-se a sentença, revogando-a na parte em que condenou a recorrente pela prática da contra-ordenação imputada no processo 211600158, por violação do disposto no artigo 79º, nº1, da Lei nº98/2009, de 04.09, numa coima de €4.080,00 [al. c), do dispositivo], absolvendo-a desta imputação, cumprido ao Tribunal a quo fixar o novo cúmulo jurídico, agora atendendo exclusivamente às contra-ordenações e coimas relativamente às quais, por não ser admissível, não foi admitido o recurso.

Sem custas.

Porto, 4 de Dezembro de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
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SUMÁRIO
Não podendo no domínio da responsabilidade contra ordenacional recorrer-se à presunção legal da existência de contrato de trabalho vertida no art.º 12.º do CT/09, quando seja controvertida a questão de saber se há, ou não, um contrato de trabalho, tal afere-se por recurso ao denominado método indiciário, cabendo à acusação a alegação e prova dos factos que permitam chegar a essa conclusão.

Jerónimo Freitas