Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
230/23.7YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: AÇÃO DE ANULAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
TRIBUNAL ARBITRAL
INCOMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP20240305230/23.7YRPRT
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A convenção de arbitragem, que constitui a medida da competência do tribunal arbitral, é passível de ser modificada ou revogada por acordo das partes, uma vez que ela constitui um negócio jurídico, que tem subjacente a autonomia da vontade das partes (art. 405º do Código Civil).
II - Se o tribunal arbitral, ao apreciar em despacho interlocutório, a exceção da incompetência suscitada no processo arbitral por uma das partes, afirma que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, mandando prosseguir os autos para julgamento e decisão, sem que nenhuma das partes tenha reagido, seja pela via do recurso para o tribunal estadual (art. 18º nº 9 da LAV), seja pela via da arguição da incompetência da extensão da competência feita pelo tribunal arbitral, (art. 18º nº 6 da LAV), tal implicou a aceitação daquela “competência estendida”, por parte das partes, com a consequente alteração da convenção de arbitragem nesse sentido, por acordo (tácito).
III - Quando o tribunal estadual decide sobre um pedido de anulação, não pode exprimir o seu entendimento quanto ao modo como o litígio deveria ter sido decidido quanto aos factos ou ao direito - apreciação do mérito - como faz, quando aprecia decisões de tribunal hierarquicamente inferior.
IV - O tribunal de controlo apenas verifica (i) se o tribunal arbitral tinha poder jurisdicional para dirimir o litigio, (ii) se o processo arbitral conducente à decisão decorreu de acordo com os padrões de correção e justiça processual prescritos pela lei do foro, (iii) se a fundamentação da sentença é suficiente para a tornar inteligível, (iv) se a(s) decisão (ões) contida(s) na sentença está (ão) em conformidade com as peças escritas apresentadas pelas partes e (v) se o resultado material da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a “ordem pública” do estado a que pertence o tribunal supervisor.
V - Um dos fundamentos constante do elenco taxativo dos fundamentos de anulação da sentença arbitral pelos tribunais estaduais previsto no artigo 46.º. n.º 3, alínea b), subalínea ii) da LAV, consiste na ofensa do seu conteúdo dos princípios da ordem pública internacional do Estado português.
VI - Trata-se de uma cláusula de salvaguarda do sistema jurídico, que pressupõe que a decisão impugnada conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efetivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 230/23.7 YRPRT


Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Anabela Dias da Silva
Alberto Paiva Taveira




SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:
A..., S.A., com sede na Avenida ..., ...,..., ..., e o NIPC ...12 (“A...”), tendo sido notificada da Sentença Arbitral proferida no âmbito do processo arbitral ad hoc, em que foi Demandada, e em que foi Demandante a B..., S.A., anteriormente designada C..., S.A., com sede na Estrada ..., ..., ... Paço de Arcos, e o NIPC ...53 (“C...”), veio, propor, contra esta, AÇÃO DE ANULAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL, pedindo que seja integralmente anulada a Sentença Arbitral, por incompetência do Tribunal Arbitral e/ou falta de fundamentação quanto à decisão sobre a sua incompetência.
Subsidiariamente, deverá a Sentença Arbitral ser anulada na parte em que condenou a A... no pagamento de uma indemnização à C... e procedeu à compensação de créditos daquela com o pagamento devido à A..., por falta de fundamentação e/ou por violação dos princípios da ordem pública internacional.

Para tanto e em suma, alega que a sentença arbitral incorre nos seguintes vícios, determinantes da sua anulação:
Primeiro, a sentença arbitral extravasou manifestamente os limites da convenção de arbitragem atribuidora e delimitadora do poder jurisdicional do Tribunal Arbitral (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii)).
Tal sucede porque, ela se pronunciou principalmente, não sobre a matéria que diz respeito ao contrato de consórcio que contém a convenção de arbitragem, mas sim sobre um outro litígio: o relativo à relação jurídica assente num contrato de empreitada celebrado entre as Partes e um terceiro, que não só extravasa os limites da convenção de arbitragem como também inclui um pacto de jurisdição estadual autónomo.
Segundo, a Sentença Arbitral não cumpriu o dever de fundamentação constitucionalmente imposto e previsto no n.º 3 do artigo 42.º da LAV (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea vi)).
Esse incumprimento revela-se a dois planos:
Por um lado, a sentença apresentou fundamentos contraditórios com a decisão e entre si, na medida em que o Tribunal Arbitral admitiu ser incompetente para apreciar um litígio para, logo depois, apreciá-lo principalmente – o que contamina a decisão no seu todo.
Por outro lado, a sentença simplesmente omitiu a fundamentação relativa à questão decidenda fundamental – a relativa aos pressupostos da existência de responsabilidade das Partes no âmbito do contrato de consórcio – no âmbito da relação material controvertida que devia ser o objeto do litígio levado perante o Tribunal Arbitral.
Terceiro, a sentença arbitral ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artigo 46.º. n.º 3, alínea b), subalínea ii)).
Isto porque a sentença, em parte, condenou a A... numa indemnização relativa a “custos de estrutura” alegados pela C..., mas sem ter dado como provado um único facto que permitisse sustentar que a C... sofreu esses prejuízos.
Ao fazê-lo, a sentença condenou a A... numa indemnização sem danos comprovadamente reais, assente em critérios aleatórios, desproporcionada, permitindo à parte vencedora um locupletamento injustificado e levando, enfim, a um resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português.
É por estes fundamentos que a Sentença deve ser anulada, ou parcialmente – nas partes em que omite fundamentação sobre a questão decidenda fundamental e em que viola os princípios da ordem pública internacional – ou, no seu todo, – quer por força da ultrapassagem dos limites da convenção de arbitragem, quer por força da fundamentação contraditória em relação à decisão sobre a competência.
Notificada a Ré B..., S.A. veio contestar, defendendo-se, invocando a exceção da caducidade, nas seguintes vertentes:
-caducidade do direito de ação resultante da inobservância do prazo de impugnação da decisão interlocutória pela qual o Tribunal Arbitral declarou a sua competência, estabelecido no nº 9 do artigo 18º da LAV (que é de 30 dias).
-caducidade do direito de ação resultante da inobservância do prazo estabelecido para a apresentação em Tribunal Estadual do pedido de anulação da Sentença Arbitral, estabelecido no nº 6 do artigo 46º da LAV (que é de 60 dias).
Defende-se ainda impugnando os fundamentos invocados para  sustentar o pedido de anulação da Sentença Arbitral.
Conclui pedindo que seja julgada procedente a exceção de caducidade do direito de impugnar a decisão interlocutória sobre a competência do Tribunal Arbitral (por não ter sido exercido no prazo estabelecido no artigo 18º, n.º 9 da LAV); seja julgada procedente a exceção de caducidade do direito de acção para anulação da decisão arbitral (por não ter sido exercido no prazo estabelecido no art.º 46º, n.º 6 da LAV); caso assim não se entenda, deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, designadamente por (i) a decisão arbitral ter sido proferida com observância do âmbito e dos limites do objeto do litígio emergente da Convenção de Arbitragem, por (ii) a decisão arbitral encontrar-se devidamente fundamentada e por (iii) não terem sido violados quaisquer princípios da ordem pública internacional.
Notificada a Autora veio responder às exceções, pugnando pelo seu indeferimento.
A Autora A..., S.A., veio ainda requerer que fosse atribuído efeito suspensivo à presente ação, oferecendo-se para prestar caução por meio de uma garantia bancária à primeira solicitação, no valor que foi condenada a pagar nos termos da sentença arbitral, ou seja, € 554.010,66 euros.
Cumprido o contraditório, o incidente de prestação de caução veio a ser julgado extinto por inutilidade superveniente, por despacho de 2.11.2023.
Foi proferido despacho que fixou o valor de €554.010,66euros, acrescido dos juros de mora vencidos na data da sua interposição, à presente ação de anulação de decisão arbitral.
Não há prova a produzir.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - OBJETO DA AÇÃO:

A presente ação de anulação de sentença arbitral é intentada ao abrigo da Lei da Arbitragem Voluntária (a seguir LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro.
A acção de anulação de sentença arbitral, que segue a forma de processo especial previsto no art.º 46º da Lei da Arbitragem Voluntária, não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito.
Esta acção não se pronuncia sobre o mérito da decisão, mas apenas sobre as eventuais nulidades da sentença, contempladas no n.º 3 do citado art.º 46º da Lei da Arbitragem Voluntária, anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro.
Tendo isto presente, atenta a causa de pedir e pedido formulados, o objeto da ação consiste em saber se a sentença arbitral deve ser anulada, por padecer dos seguintes vícios:
- extravasou os limites da convenção de arbitragem atribuidora e delimitadora do poder jurisdicional do Tribunal Arbitral (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii)).
- não cumpriu o dever de fundamentação constitucionalmente imposto e previsto no n.º 3 do artigo 42.º da LAV (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea vi)).
- ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artigo 46.º. n.º 3, alínea b), subalínea ii)).
A título de questões prévias impõe-se a apreciação das seguintes exceções invocadas na contestação:
- caducidade do direito de impugnar decisão interlocutória sobre competência e,
- caducidade do direito de interposição da presente ação de anulação.


III - FUNDAMENTAÇÃO:

1- Foi proferida decisão arbitral, com data de 12 de maio de 2023, com o seguinte dispositivo:
Termos em que se condena a Demandada (A...) a pagar à Demandante (C...) o valor final, operada a compensação de créditos, de €554.010,66.
Esta quantia (€554.010,66) vence juros legais a partir da data desta sentença.
Absolve-se a A... dos demais pedidos formulados pela Demandante na petição inicial.
Absolve-se a C... dos demais pedidos formulados pela Demandada na reconvenção.
Os encargos da arbitragem são repartidos entre as Partes, na proporção de 1/3 por conta da Demandante e 2/3 a cargo da Demandada.”
2-A sentença mostra-se subscrita pelo Exmª Sr. Árbitro Presidente com votos de vencido dos dois Exmºs. Sr.s Árbitros indicados pelas Partes.
3-Relativamente a litígios, prescreve o n.° 1 da cláusula 12. do Contrato de Consórcio, ajustado pelas partes a 10 de abril de 2019, que: «As divergências que se suscitarem sobre a interpretação, validade e execução do presente contrato que não sejam amigavelmente resolvidas pelas partes, serão obrigatoriamente objeto de tentativa de conciliação a realizar pelas administrações das consorciadas».
E para a eventualidade de se frustrar a conciliação, dispõe a cláusula 12.a, n.° 2, do Contrato de Consórcio, que: «Se ainda assim o diferendo não for resolvido, será dirimido definitivamente por um Tribunal Arbitral, cuja constituição e regras de funcionamento obedecerão à lei portuguesa».
Ao abrigo desta última disposição foi desencadeada a presente arbitragem e constituído o Tribunal arbitral.”
4- E quanto ao Objeto do litígio, ficou consignado o seguinte na sentença arbitral:
4. Objeto do litígio
O objeto do litígio foi fixado pelas Partes, mormente nos seus articulados, podendo resumir-se do seguinte modo, nos parágrafos subsequentes.
Tendo em vista o concurso para realização da obra da ETAR..., que lhes foi adjudicada a 12 de março de 2019 (com base em proposta de 10 de maio de 2018), as Partes celebraram um Contrato de consórcio, a 10 de abril de 2019.
Em razão de vicissitudes várias, apesar de adjudicada a obra às Consorciadas (12/3/2019), de ter sido celebrado o Contrato de empreitada, a 11 de julho de 2019, com a D..., SA, e de ter sido consignada a obra a 14 de maio de 2020, com uma reserva por parte da A..., esta consorciada desvinculou-se do Contrato de empreitada, por carta de 5 de junho de 2020; não se tendo, assim, iniciado os trabalhos de execução da ETAR....
A Demandante imputa à Demandada a responsabilidade pela inexecução da empreitada, reclamando os correspondentes danos; a Demandada contesta, imputando à Demandante a responsabilidade pela situação criada no iter negocial, desde a apresentação da proposta (10/5/2018) até à consignação da obra (14/5/2020), reclamando os consequentes danos.”
5-Naquela sentença, quanto ao Saneador e Guião de prova, escreveu-se:
Na contestação, a Demandada apresentou defesa por exceção, invocando a incompetência do Tribunal arbitral, que este Tribunal ponderou e respondeu, transcrevendo-se a deliberação.
Na medida em que a Demandante funda o seu pedido tanto no incumprimento do contrato de consórcio - ajustado entre C... e A... - como no contrato de empreitada, em que era Dono da obra D..., SA, e esta última relação jurídica vai ser apreciada pelo competente Tribunal administrativo, a Demandada entende que o Tribunal arbitral não se pode pronunciar relativamente ao valor peticionado pela C... no que respeita aos prejuízos incorridos pelo incumprimento do contrato de empreitada, de que considera a A... responsável; ou seja, o Tribunal arbitral seria materialmente incompetente para se pronunciar sobre a designada segunda causa de pedir (resolução do contrato de empreitada e correspondentes danos).
Sem prejuízo de a apreciação a fazer pelo Tribunal administrativo, no que respeita à responsabilidade e consequências do não cumprimento do contrato de empreitada, poder não coincidir com a que vier a ser feita pelo Tribunal arbitral, não há litispendência, por faltar a coincidência entre as partes, a causa de pedir e o objeto dos pedidos. Por outro lado, se o Tribunal arbitral decidisse suspender o processo arbitral aguardando pela decisão, com trânsito em julgado, do Tribunal administrativo, ficaria precludida uma das finalidades da arbitragem, a celeridade, obstando inclusive ao acordo das partes, transposto para a ata de instalação, de o processo arbitral terminar no prazo de um ano.
Neste contexto, a Demandada, quanto à apreciação da extinção do contrato de empreitada, a decidir pelo Tribunal administrativo, considera tratar-se de uma questão prejudicial quanto à apreciação de parte do pedido da Demandante. Contudo, a situação indicada não consubstancia uma questão prejudicial, pois, independentemente da decisão que vier a ser tomada no Tribunal administrativo, a ponderação a fazer em sede arbitral quanto ao prejuízo e aos fundamentos invocados pela C... assenta em parâmetros diversos.
Acresce que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.
Tendo em vista facilitar a audiência preliminar, prevista no ponto 7) da ata de instalação, o Tribunal arbitral apresentou antecipadamente um projeto de Guião de prova, nos termos do disposto no ponto 8) da ata de instalação. O referido Guião de prova, discutido com as partes encontra-se dividido em factos assentes e factos controvertidos, constando do ponto II (Matéria de facto) o rol de factos assentes, assim como as respostas aos factos controvertidos. Atendendo às sugestões das Partes, o referido Guião de prova foi reformulado, ficando consolidado a 26 de abril de 2022.”
6-Na sentença arbitral foi julgada provada a seguinte factualidade:
1. Factos assentes
I. A C... (Demandante) e a A... (Demandada) acordaram colaborar tendo em vista a adjudicação e subsequente execução da empreitada de conceção e construção da ETAR... (doravante contrato de empreitada ou empreitada);
II. O valor base do concurso era de € 12.500.000,00;
III. Do acordo preliminar, celebrado em 5 de janeiro de 2018, prévio ao contrato de consórcio, decorria que as consorciadas realizariam as tarefas em função das suas especialidades, cabendo primordialmente à C... o fornecimento e montagem de equipamentos e à A... a execução dos trabalhos de construção civil, tendo em conta um mapa de repartição de trabalhos que constituía um anexo ao referido acordo preliminar;
IV. Nos termos da referida repartição de trabalhos, o valor da obra a realizar pela C... orçava em €7.450.000,00, ficando a cargo da A... trabalhos no valor de €4.900.000,00;
V. A proposta das Empresas foi apresentada a concurso na empreitada em questão no dia 10 de maio de 2018;
VI. A empreitada veio a ser adjudicada às consorciadas, no dia 12 de março de 2019, com base na mencionada proposta;
VII. No dia 27 de março de 2019, a A... comunicou à C... o seu desconforto em assinar o contrato de empreitada tendo em conta o aumento significativo do custo da mão-de-obra, que implicava um desvio de orçamentação dos preços por si calculados no montante de €500.000,00;
VIII. O contrato de consórcio foi celebrado em 10 de abril de 2019;
IX. No dia 28 de junho de 2019, a A... invocou um prejuízo de 1,6 Milhões de Euros relativo aos trabalhos de construção civil;
X. A 9 de julho de 2019, face à aproximação da data de assinatura do contrato, a A... solicitou à D..., SA um adiamento de 30 dias, e não sendo possível, que a assinatura do contrato pressuporia, mutuamente, a disponibilidade para encontrar as soluções que permitiriam repor o equilíbrio, ou, nessa impossibilidade, uma alternativa de cessão ou resolução convencional;
XI. O contrato de empreitada foi celebrado ali de julho de 2019, sendo dono da obra a D..., SA e empreiteiro o consórcio C... / A...;
XII. O Consórcio manifestou a sua intenção de reequilibrar o valor da sua proposta por via da otimização do projeto e de algumas poupanças;
XIII. A pretendida otimização do projeto e a introdução de algumas poupanças não foram aceites pelo dono da obra;
XIV. Para alcançar os objetivos de executar a empreitada e minimizar os prejuízos da A... houve abundante troca de correspondência e tiveram lugar várias reuniões entre as consorciadas, assim como com o dono da obra;
XV. No dia 2 de dezembro de 2019, as consorciadas entregaram ao dono da obra a revisão do projeto base, incluindo alterações ao projeto, nos termos do memorando técnico apresentado a 4 de novembro de 2019;
XVI. As Consorciadas consideraram que a Revisão do Projeto Base tinha sido tacitamente aprovada, e começaram a trabalhar no desenvolvimento do Projeto de Execução, tendo aquela Revisão ao Projeto Base como referência, conforme determinava a alínea c) da cláusula 55.1.1. do Caderno de Encargos;
XVII. O dono da obra rejeitou a referida revisão do projeto base, por comunicação de 17 de janeiro de 2020;
XVIII. No dia 20 de janeiro de 2020, o Consórcio invocou a aprovação tácita do projeto revisto perante a D..., SA;
XIX. As consorciadas elaboraram e entregaram ao dono da obra, a 20 de janeiro de 2020, o projeto de execução da empreitada, que refletia as alterações propostas a 2 de dezembro de 2019;
XX. O dono da obra respondeu, a 23 de janeiro de 2020, mencionando que o projeto de execução, tal como elaborado, violava a proposta adjudicada e o caderno de encargos;
XXI. O dono da obra aceitou depois o pagamento de prejuízos do consórcio, assim como de sobrecustos da obra, que se viessem a demonstrar;
XXIL A 3 de fevereiro de 2020, a A... comunicou que não podia executar o contrato de empreitada de acordo com o projeto patenteado a concurso, em razão dos prejuízos já identificados;
XXIII. Neste contexto, a A... pretendia desvincular-se do contrato de empreitada ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 406.° do CCP;
XXIV. Houve discussão no seio do Consórcio relativamente a esta matéria, acabando a C..., após insistência da A..., por apresentar proposta para a resolução do contrato em determinadas condições, que não foram aceites pela A...;
XXV. Essa proposta, formulada por carta em 13 de maio de 2020, foi a seguinte: a) A A... assumiria todos os eventuais prejuízos para a C... decorrentes do contingencial insucesso da ação judicial de resolução do contrato; b) A eventual indemnização a pagar pelo dono da obra seria integralmente atribuída à C..., que poderia negociar e dispor da mesma conforme entendesse; c) A ação judicial teria de dar entrada durante o dia 13 de maio de 2020, sendo muito importante que fosse tomada uma decisão no mais curto prazo possível; d) O Consórcio deveria, ainda no dia 13 de maio de 2020, informar o dono da obra por escrito da decisão tomada quanto à resolução do contrato. Sem prejuízo, o Consórcio teria de comparecer no ato de consignação registando no respetivo auto a decisão tomada e a entrada da ação judicial;
XXVI. Mas, no consórcio, não havia unanimidade quanto à desvinculação do contrato de empreitada;
XXVII. A14 de maio de 2020 foi assinado o auto de consignação da obra, tendo a A... emitido uma reserva;
XXVIII. Nesse dia (14/5/2020), a A... manifestou a posição de que o consórcio deveria promover a resolução unilateral do contrato de empreitada;
XXIX. A 18 de maio de 2020, a C... manifestou ao dono da obra que não tinha intenção de resolver o contrato de empreitada;
XXX. O dono da obra, a 25 de maio de 2020, comunicou que considerava ilícita a reserva aposta pela A... no auto de consignação e que o comportamento desta consorciada criou a convicção, por parte das D..., de que a A... não pretendia realizar a obra;
XXXI. A 5 de junho de 2020, a A... enviou carta à C... tendo em vista a extinção do contrato de consórcio e enviou carta ao dono da obra invocando a resolução do contrato de empreitada;
XXXII. A A... invocou a resolução do contrato de empreitada alegando o incumprimento do decurso do prazo de seis meses para a consignação da obra, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 406.° do CCP e ainda outros fundamentos constantes da carta em que invocou tal direito;
XXXIII. Por comunicação de 26 de junho de 2020, o dono da obra opôs-se à resolução invocada pela A...;
XXXIV. Tendo seguidamente a A... intentado uma ação contra o dono da obra no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra;
XXXV. Na sequência da comunicação de 5 de Junho de 2020, a C... tentou encontrar outra empresa que assumisse as obrigações da A... no contrato de empreitada;
XXXVI. Tendo o dono da obra concedido prazo até 7 de agosto de 2020 para a C... encontrar meio para viabilizar a realização da empreitada;
XXXVII. Mas as tentativas da C... manifestaram-se infrutíferas;
XXXVIII. O dono da obra, por comunicação de 1 de setembro de 2020, manifestou a ambas as consorciadas a intenção de proceder à resolução sancionatória do contrato de empreitada;
XXXIX. A C... não se opôs à resolução sancionatória do contrato de empreitada invocada pelo dono da obra, e admitiu pagar diretamente o vedor da caução de boa execução;
XL. O contrato de empreitada veio a ser resolvido pelo dono da obra (D...) por carta de 21 de outubro de 2020, invocando incumprimento definitivo imputável ao consórcio empreiteiro, de acordo com os fundamentos constantes das cartas de 1 de setembro de 2020;
XLI. A A... impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a resolução sancionatória do contrato de empreitada;
XLIL O dono da obra integra o grupo empresarial Águas de Portugal, que é um dos principais clientes da C...;
XLIII. A C... tinha muito interesse na execução do contrato de empreitada.
XLIV. Em 2 de Agosto de 2020, a C... informou o dono da obra que as propostas de preço por si obtidas para a realização dos trabalhos de construção civil excediam significativamente o preço contratual, no caso da Empresa E... em cerca de €3.100.000,00, tendo esse valor sido invocado pela A... na sua Contestação;
XLV. A C... invocou perante a D... que essa situação poderia comprometer a sua própria solvência, a sustentabilidade da Empresa e garantias dos postos de trabalho dos seus trabalhadores.
2. Resposta dada aos factos controversos:[1]
1) No consórcio resultava que ambas as empresas iriam apresentar uma proposta comum para realização da obra, cabendo, basicamente, à C... a conceção e fornecimento de equipamentos e à A... os trabalhos de construção civil? Provado.
2) À A... cabia a responsabilidade inerente à conceção e ao projeto dos trabalhos de construção civil integrados no objeto da Empreitada? Provado nos termos da resposta à questão anterior.
3) A Demandada acedeu numa redução do valor da componente de construção civil na ordem de € 190.000,00? Provado nos termos da explicação subsequente. Da prova produzida resultou que, ao tentarem encontrar um "remédio" para se colocarem de acordo, tendo em vista conseguir viabilizar a proposta comum do consórcio de modo que a mesma não ultrapassasse o valor base do concurso, as Consorciadas começaram por acordar que o valor dos trabalhos da A..., que constavam do acordo preliminar referido em IV dos factos assentes, fosse majorado, primeiro em € 190.000 e, seguidamente, em € 300.000. Com efeito, nas vésperas da apresentação da proposta, e para respeitar o limite do preço-base, a A... aceitou reduzir o valor relativo à parte da construção civil da sua responsabilidade - e, mais concretamente, do preço dos revestimentos dos betões. Não ficou, porém, provado que a redução em causa tenha sido solicitada pela C.... Perante a verificação de que o valor da proposta com as componentes da C... e da A... ultrapassava o preço-base, foi discutido se haveria alguma forma de reduzir o valor da proposta e, tendo a C... dito que não tinha margem para qualquer redução, a A... apresentou uma solução que passava pela redução do preço dos revestimentos dos betões da responsabilidade da A..., tendo ambas as partes concordado com essa opção. Ambas as partes tinham clara perceção de que havia o risco jurídico de, com essa redução de preço e a consequente alteração de revestimentos, a proposta vir a ser excluída caso as D... entendessem que os materiais de revestimento considerados na proposta não correspondiam ao especificado, mas, ainda assim, aceitaram ambas suportar esse risco.
Quanto ao risco económico, seria por elas partilhado, estando em causa uma redução que era vantajosa para ambas as partes, ao evitar a exclusão liminar da proposta por violação do preço-base. E estava subjacente à solução encontrada a assunção de o risco económico, caso não fosse possível recuperar o valor na fase da execução da empreitada, que seria suportado por ambos as Consorciadas.
4) A redução mencionada foi solicitada pela Demandante? Não provado, nos termos da resposta à questão anterior.
5) O dono da obra introduziu alterações às soluções do projeto base, que implicaram prejuízos na componente de construção civil? Não Provado.
6) Que acordos foram estabelecidos entre as consorciadas para minimizar os prejuízos da A... na empreitada que lhes tinha sido adjudicada? Provado que foram estabelecidos dois acordos entre as Consorciadas para minimizar os prejuízos da A.... que se passam a reproduzir: 1Acordo - após a adjudicação da empreitada, conforme decorre da troca de emails de 27 e 28 de março de 2019 que constitui o documento n.° 16 junto com a petição inicial através do qual a A... solicitou à C... o seguinte: 1) Apresentamos ontem já uma solução de pintura dos tanques na qual pouparíamos 190 000€. Nada como é obvio ficou assumido pelo nosso interlocutor para alem da promessa de o tentar viabilizar mas esse risco ficaria connosco. 2) Ficou combinado dia 8 ou 10 voltarmos a ter uma reunião com quem o DO entenda necessário na qual apresentaríamos outras alternativas de projeto com poupanças. Dessas outras poupanças os primeiros 300 000€ reverteriam a nosso favor. O risco destas poupanças seria da C..., ou seja no caso de nada se conseguir a C... compensaria a A... com 300 000€. Como exemplo se se conseguisse 200 000€ a C... compensava-nos com 100 000€ ou se alcançados os 300 000€ nenhuma compensação entre empresas existiria. 3) As verbas necessárias para os custos de energia seriam obtidas a partir dos valores alcançados de poupança a partir destes valores de 1) e 2). Ou seja, a A... não assume nenhum custo com energia, a não ser de verbas que se alcancem a partir dos 300 000€. Tudo portanto que eventualmente possa ser necessário gastar com energia virá daí ou a C... assumirá.4) A C... compromete-se desenvolver todos os esforços no sentido de vir a subempreitar 2 Milhões de euros de trabalhos à F... com preços que permeiem com uma margem razoável o seu trabalho como um subempreiteiro diferenciado. Da avaliação feita pela F... consideramos razoável propor os seus preços serem 90% dos preços de venda da C.... Por sua vez a F... compromete-se a participar no estudo do projeto no sentido de se tentar conseguir o maior número de otimizações possíveis. A C... aceitou a proposta da A..., mas, quanto ao ponto 4, referiu o seguinte: "Não podemos nesta fase fixar os preços das subempreitadas em 90% dos nossos preços de venda, dado que, tal como já expliquei, estes preços não foram calculados uniformemente e incluem outros custos indiretos gerais da empreitada. Só após uma análise mais fina das subempreitadas que podem ser realizadas poderemos definir e negociar este valor, que poderá inclusive ser superior ao valor de 2 M€ propostos se for benéfico para ambas as partes.”
2.° Acordo - antes de o contrato de empreitada ter sido assinado, consoante resulta da troca de emails de 28 de junho e 5 de julho de 2019, que constitui o documento n.° 16 junto com a petição inicial e que se traduzia no seguinte: "a. A C... assume e mantém o valor de 300.000,00 € de ajuda assumido anteriormente e que agora, por maioria de razões, se agravou substancialmente e se torna crucial para a A... poder avançar para a obra. Nesse caso, a A... assume que, caso consiga abater o valor de 1.300.000,00€ dos 1.600.000,00€ determinados, a partir desse valor todo o ganho será a descontar do valor dos 300.000,00€ assumido pela C... até zero, se se atingir os 1.600.000,00€.
b. Em tudo o restante mantínhamos o acordo de 27 de Março. "
7) Em que medida e por que meios a C... pressionou a A... para esta se vincular à realização da empreitada? Provado apenas que a C..., atentas as relações que tinha com as Águas de Portugal, visto ser, desde há muitos anos, um dos seus principais clientes, a pedido da A... e antes da assinatura do contrato de empreitada, em 11 de julho de 2019, contactou os responsáveis das D..., S.A., tendo em vista a flexibilização do Dono da obra em relação às soluções propostas pela A... para minimizar os custos da parte relativa à construção civil e também criar instrumentos que permitissem compensar o agravamento dos custos de mão de obra. A questão 7) respeita à fase que precedeu a assinatura do contrato de empreitada (11 de julho de 2019).
Resultou provado que, concretamente após a adjudicação da proposta, em 12 de março de 2019, a A... manifestou de forma clara em diversas ocasiões, quer perante a C... quer perante as D..., a sua preocupação fundamental com a reposição do equilíbrio económico-financeiro da empreitada, "fruto da subida inopinada dos custos da mão-de-obra" (cf., por exemplo, nas vésperas da assinatura do contrato de empreitada, Doe. n.° 17 junto com a petição inicial, de 9 de julho de 2019).
Quanto à C..., assumiu desde o início o seu interesse em se apresentar a concurso e em obter a adjudicação, quer tendo em conta a relevância do concreto projeto submetido a concurso, quer atendendo à importância que o Grupo Águas de Portugal, que integra às D..., tinha no quadro das atividades prosseguidas por essa empresa em Portugal. Nesse sentido, a ideia inicial do consórcio partiu da C.... Em coerência, e tendo o Consórcio apresentado uma proposta no concurso no dia 10 de maio de 2018 e tendo a proposta sido adjudicada, a C..., perante a relutância da A... em assinar o contrato, exprimiu inequivocamente perante a A... que a empreitada devia ser executada e que a não celebração do contrato de empreitada causaria "elevadíssimos prejuízos à C..., patrimoniais (associados aos encargos com a elaboração da proposta e com lucros cessantes) e não patrimoniais (relacionados com a imagem da empresa e futuras dificuldades de relacionamento com o seu principal Cliente - as empresas do grupo Águas de Portugal)" (cf. Doc. n.° 18 junto com a petição inicial, de 10 de Julho de 2019).
Provado ainda que, conforme reconheceu o administrador da C..., AA, foram criadas expectativas quer à C..., quer à A..., que tudo se iria resolver a contento de todas as partes e que seria até possível reunir, com o Dono da obra e com a tutela, para alcançar esse desiderato.
8) As soluções alvo do memorando técnico apresentado em 31 de outubro de 2019 e enviado por email em 4 de novembro de 2019 eram tecnicamente suportáveis? Provado apenas que as soluções eram tecnicamente suportáveis, ainda que não estivessem de acordo com o caderno de encargos e com os esclarecimentos posteriores, dados pelo Dono da obra, uma vez que este pretendia:    que o tanque (órgão de construção civil) suportasse cheias com uma cota até 17,80 metros e a solução de fundações em betão apresentada pelo consórcio apenas permitia que o órgão resistisse a cheias até 15,20 metros, dado que a soleira estava implantada a esta profundidade; que o revestimento interior dos órgãos de construção civil fosse em chapa termoplástica em todos os locais recomendados no caderno de encargos e o consórcio privilegiava a solução do revestimento ser feito através de uma pintura epoxy do tipo Poxitar N da Sika, ou equivalente, ainda que propusesse a aplicação de chapa termoplástica noutras zonas não previstas no caderno de encargos.
 Todavia, e independentemente da questão de saber se o entendimento do Dono da obra era ou não correto, as D... acabaram por recusar as soluções alternativas propostas pelo Consórcio, com as respetivas justificações técnicas, por considerarem que elas violavam os parâmetros vinculativos do caderno de encargos e os termos da proposta adjudicada
9) A A... não colaborou com a C..., nomeadamente não respondendo a propostas para minimizar os prejuízos daquela? Tendo em conta, por um lado, a configuração processual estabelecida pelas Partes nos seus articulados, nomeadamente no plano do cumprimento dos deveres de lealdade e solidariedade a que se vincularam por força do Acordo Preliminar celebrado em 05 de janeiro de 2018 e do Contrato de Consórcio celebrado em 10 de abril de 2019, e considerando, por outro, os Temas da Prova definidos por este Tribunal, a formulação da questão subjacente ao facto controverso 9) deve ser corrigida e revista, adotando-se a seguinte redação: "A C... não colaborou com a A..., nomeadamente não respondendo a propostas para minimizar os prejuízos daquela? Assim, e em resposta à questão reformulada, deve ter-se presente que a mesma respeita à fase que precedeu à declaração da A... de que era sua intenção que o Consórcio resolvesse o Contrato de Empreitada, datada de dia 14 de maio de 2020, através da aposição de reserva ao Auto de Consignação.
Provado unicamente que a C... e a A... tentaram, em conjunto, encontrar soluções que permitissem minimizar os prejuízos da segunda e não ser o Consórcio excluído do concurso, soluções que o Dono da obra não aceitou, apesar de ter criado expectativas de que o iria fazer (conforme resposta à questão 7)). A C... colaborou com a A..., até ao dia 14 de maio de 2020, procurando viabilizar a celebração e consequente execução do Contrato de empreitada, sem comprometer a viabilidade do projeto para a A..., procurando encontrar, para esse efeito, soluções que contribuíssem para minimizar os prejuízos que a A... estimava incorrer com a execução da obra.
Para esse efeito, e tal como resulta da resposta ao facto controverso 6 (com relevância para o presente facto controverso), a C... aceitou celebrar dois acordos com a A... para (tentar) minimizar os prejuízos da A....
Ficou também provado que, até ao dia 14 de maio de 2020, a C... diligenciou junto da A... para que esta formulasse reclamações fundamentadas, especificando e demonstrando junto da D..., os prejuízos que estimava vir a incorrer. Ainda quanto aos prejuízos alegados pela A..., não ficou provado que a A... tenha concretizado, valorizado ou demonstrado, de modo específico e sustentado, os prejuízos que estimava vir a incorrer com a execução do Contrato de empreitada, tendo-se limitado, perante a C... e perante a D..., a apresentar a ordem de grandeza de valores, que inicialmente era de €500.000 (quinhentos mil euros) e que no final se estimava corresponder a cerca de €2.000.000,00 (dois milhões de euros).
Quanto à apresentação de uma reclamação junto do Dono da obra, em maio de 2020, a C... não impediu que a A... apresentasse a sobredita reclamação, tendo ficado provado, que:
(i) Em resposta à carta das D... de 3 de abril, na qual se recusaram as pretensões da A..., e passados 33 dias, a A... preparou uma carta, com 14 páginas, para enviar ao Dono da Obra que partilhou com a C... em 6 de maio de 2020, quarta-feira (cf. Doe. n.° 12 junto com a Contestação);
(ii) Nessa data foi realizada uma reunião entre as Consorciadas onde essa carta foi discutida;
(iii)    Passados 5 dias, na segunda-feira dia 11 de maio de 2020, data em que o Dono da obra enviou a convocatória para a consignação agendada para dia 14 de maio de 2020, o Eng. BB enviou um e-mail à C... solicitando "ponto de situação da análise" à minuta da carta que a A... pretendia enviar ao Dono da obra (cf. Doe. n.° 1 junto com a Réplica);
(iv) No dia seguinte, 12 de maio de 2020, a C... respondeu referindo que precisava de tempo para analisar a minuta da carta (cfr. Doe. n.° 14 junto com a Contestação), resposta essa que mereceu a insistência da A... pois não podia "deixar de registar, no imediato, a nossa posição junto do Dono da Obra " (cf. Doe. n.° 15 junto com a Contestação);
(v) No mesmo dia, terça-feira - dois dias antes da consignação -, a C... foi confrontada com o pedido da A... para se informar o Dono da obra da resolução do Contrato de Empreitada pelo Consórcio Empreiteiro e com a informação de que não se realizaria o ato de consignação (cf. Doe. n.° 46 junto com a petição inicial);
(vi) Em 15 de maio de 2020, a C... enviou à A... a minuta da ata da reunião de 6 de maio de 2020, com a qual a A... não concordou (cf. Docs. 44 junto com a petição inicial e 17 junto com a Contestação);
(vii) Em 22 de Maio de 2020, a C... enviou um email à A... a perguntar se ainda tinha interesse no envio da carta ao Dono da Obra (cf. Doc. n.° 1 junto com a Réplica).
10) A A..., depois de se comprometer a executar a empreitada com as eventuais minimizações de prejuízos, acabou por não se disponibilizar a realizar as tarefas que lhe incumbiam? Provado tão-só que a A... acabou por não se disponibilizar a realizar as tarefas que lhe incumbiam, porquanto o Dono da obra não aceitou as soluções que permitiriam minimizar os prejuízos que iria sofrer. Ficou ainda provado que, tendo a Proposta sido apresentada em 10 de maio de 2018 (cf. facto assente V), as Partes apenas estavam obrigadas a manter a Proposta até ao dia 10 de agosto de 2018.
Em coerência, quando a 27 de março de 2019, a A... solicitou a comparticipação da C... nos seus prejuízos (até €300.000), e uma vez que, nessa data, o Contrato de empreitada ainda não tinha sido assinado (só o tendo sido em 11 de julho de 2019 [cf. facto assente XI]), a A... poderia retirar a sua Proposta, por já ter decorrido o prazo de manutenção obrigatória da proposta.
Ainda assim, e tal como resulta da resposta ao facto controverso n.° 6, ficou provado que as Partes acordaram, expressamente e por escrito, as condições para que a A... mantivesse a sua Proposta, assumindo o compromisso de executar o contrato, através da celebração de dois acordos. De ambos os acordos, resulta claro o compromisso da A... em executar o contrato, mediante a comparticipação da C... nos seus prejuízos, até ao montante global de €300.000 (trezentos mil euros).
Ficou provado, e as partes não o disputam, que ao longo de toda a execução do contrato, e até à data em que propôs a sua resolução, a A... foi agindo e praticando atos relativos à execução do contrato, tais como a elaboração da sua parte da revisão do Projeto Base, entrega da primeira versão do Projeto de Execução e do Plano de Segurança e Saúde, elaboração das respostas ao Parecer da análise do Projeto de Execução, entrega da segunda versão do Projeto de Execução, participação em reuniões, elaboração de diversa correspondência, etc.
No entanto, tudo muda partir do dia 14 de maio de 2020. Com efeito, ficou também provado que a A... acabou por não se disponibilizar para realizar as tarefas que lhe incumbiam ao abrigo do Contrato de empreitada, não executando os trabalhos de construção civil nem qualquer outra prestação contratual a partir do dia 14 de maio de 2020, data da consignação, com a declaração da A... da sua intenção de resolução do Contrato de empreitada, culminando com o envio à D... e à C..., nos dias 2 e 5 de junho de 2020, de cartas de desvinculação: por um lado, comunicando a sua exoneração do Consórcio e, por outro, reiterando o seu entendimento a respeito da resolução do Contrato de empreitada.
11) A A... só se dispôs a celebrar o contrato de empreitada no pressuposto de que seria encontrada uma forma de repor o equilíbrio financeiro? Provado apenas o que consta da alínea X dos factos assentes e ainda as expectativas que tinham sido criadas a ambos os Consorciados, nos precisos termos que constam da resposta ao facto controverso n.° 7.
Ficou ainda provado que, concretamente após a adjudicação da proposta em 12 de março de 2019, a A... manifestou de forma clara em diversas ocasiões, quer perante a C... quer perante as D..., a sua preocupação fundamental com a reposição do equilíbrio económico-financeiro da empreitada, tendo deixado claro dois dias antes da assinatura do contrato de empreitada (9 de julho de 2019) que, não sendo prorrogado o prazo para assinatura do contrato como pretendia, no seu entendimento "a assinatura pressupõe, mutuamente, a disponibilidade para encontrar as soluções que permitam repor o equilíbrio, ou, na impossibilidade, uma alternativa de cessão ou resolução convencional".
Contudo, como resulta da resposta ao facto controverso 5), o Dono da obra não se comprometeu a encontrar soluções que permitissem reduzir os custos da empreitada, através da otimização do projeto e poupanças, sem prejuízo de estar empenhado nessa via para viabilizar a realização da obra, no cumprimento do regime legal.
12) Os preços dos trabalhos de construção civil foram calculados exclusivamente pela A...? Provado.
13) Da proposta constavam erros de orçamentação da A...? Provado.
14) A 23 de março de 2020, o Consórcio reclamou junto do Dono da obra a reposição do equilíbrio financeiro do contrato? Provado unicamente que a A... enviou às D..., no dia 23 de março de 2020, em papel timbrado da A... mas em nome do Consórcio, uma carta na qual se invoca que, "após a apresentação proposta no concurso se verificou uma alteração anormal das circunstâncias, motivada pela subida anormal dos custos de mão-de-obra, ocorrida no período que mediou entre a apresentação da proposta e a adjudicação", mas onde também se assume que não era ainda "possível conhecer a rigorosa extensão dos prejuízos sofridos.
15) Tendo o Dono da obra, por comunicação de 3 de abril de 2020, rejeitado a pretensão do Consórcio de reequilíbrio financeiro? Provado.
16) O Projeto de Execução desenvolvido pela Demandante apresentava trabalhos novos de Construção Civil que não se encontravam previstos no Projeto entregue a Concurso, também da autoria da Demandante? Provado apenas que o Projeto desenvolvido pelas Consorciadas era mais detalhado do que o Projeto entregue a concurso. Como resulta da resposta aos factos controversos 1), 2) e 12), na fase de preparação da proposta, a C... foi responsável pela conceção do processo de tratamento e o fornecimento de equipamentos, bem como da correspondente orçamentação e a A... foi responsável pelos trabalhos de conceção, de execução da parte da construção civil e respetiva orçamentação.
"Numa primeira fase, a C... concebeu o sistema global e escolheu os equipamentos com determinados volumes e formas" cabendo à "A... os cálculos e os dimensionamentos dos trabalhos de construção civil para construção do sistema ", tendo a A... contratado uma empresa para elaborar o seu projeto para os trabalhos de construção civil (G...).
Face a esta divisão de tarefas, e atentas as características deste contrato de empreitada - nomeadamente, atento o facto de se tratar de uma empreita de conceção-construção - ficou provado que a A... e a C... estavam ambas cientes de que as soluções que contemplassem no projeto base, relativamente à sua especialidade, teriam de ser revistas e desenvolvidas na fase de execução do Contrato, aquando da elaboração conjunta do Projeto de Execução.
Também foi provado que o Projeto de Execução desenvolvido em conjunto pela A... e pela C... era mais detalhado do que o projeto base e que, com o desenvolvimento dos projetos das especialidades aquando da elaboração conjunta do Projeto de Execução, podia surgir a necessidade de se realizarem trabalhos acrescidos, na esfera da outra especialidade, sem que se pudesse obter a correspondente remuneração do Dono da Obra, por se tratar de uma empreitada conceção-construção Execução.
 O Projeto de Execução não foi desenvolvido exclusivamente pela Demandante (mas em colaboração entre Consorciadas), nem apresentava "trabalhos novos de Construção Civil" que não se encontravam previstos no Projeto entregue a concurso. Ficou, contudo, provado que, aquando da elaboração conjunta do Projeto de Execução, e no âmbito da coordenação e negociação conjunta das Partes, se verificaram, em relação ao projeto base, alterações de quantidades com impacto no volume de trabalhos (designadamente, de escavação, de betão armado, de áreas de revestimentos), tendo também sido discutida a realização de trabalhos não previstos no MQT da Construção Civil, de trabalhos de apoio de Construção Civil, assim como tendo sido debatido pelas Consorciadas, quanto aos Circuitos Hidráulicos, as quantidades previstas de tubagens enterradas e "as respetivas cx representadas no Projeto da fase de Concurso e quanto às Coberturas, nomeadamente quanto à cobertura do espessador de lamas e do tanque de lamas digeridas, tendo sido discutida a sua quantificação e orçamentação. Sem prejuízo dos valores mencionados na resposta ao facto 6), não foram quantificados nem demonstrados nos autos, quaisquer prejuízos que a A... pudesse vir a sofrer em função do desenvolvimento do Projeto base e da sua conversão em Projeto de Execução por parte da C..., em face da eventual necessidade de se realizarem trabalhos acrescidos da especialidade de Construção Civil.
17) O orçamento apresentado pela Demandada em fase de concurso não incorporava estes novos trabalhos, que o encareciam, o que, tratando-se de uma empreitada de conceção construção, representaria um novo prejuízo a acrescer aos demais alegados pela Demandada? Provado nos termos da resposta à questão anterior.
18)A A... não previu trabalhos de construção civil (que eram necessários à execução da obra) porque não desenvolveu o Projeto Base posto a concurso com suficiente detalhe e rigor (na fase de elaboração da proposta)? Não ficou provado mais nada quanto a este aspeto para além daquilo que já resulta da resposta aos factos controversos 1), 2), 16) e 17).
19)Foram introduzidas alterações pelo Dono da obra que implicaram uma reformulação do projeto, resultante da introdução de fundações indiretas, não previstas no Projeto Base, com um agravamento dos prejuízos para a A... no montante de € 500.000,00? Não provado com os esclarecimentos subsequentes. A propósito desta questão houve depoimentos contraditórios por parte das testemunhas indicadas por cada uma das partes e, por isso, na resposta a este facto controverso, atende- se sobretudo a outros elementos probatórios que constam do processo arbitral. Há, ainda assim, alguns pontos que ficaram relativamente claros:
a) As D..., nas peças submetidas a concurso desta empreitada de conceção-construção, não tomaram posição quanto à necessidade de fundações diretas ou indiretas, pelo que a opção por fundações diretas era admissível, desde que respeitasse os parâmetros vinculativos do caderno de encargos. Isso mesmo resulta de forma inequívoca do Relatório Final de Apreciação das Propostas de março de 2019;
b) A opção da A... por fundações diretas foi, em larga medida, adotada por razões económicas, pois, à primeira vista, é uma solução mais económica.
Da mesma forma, não é controverso que, para efeitos de dimensionamento das fundações, em esclarecimentos prestados pelo Dono da obra, a cota máxima de cheia estabelecida foi de 17.8. Isso mesmo resulta expressamente da resposta ao esclarecimento n.° 23 solicitado por outro concorrente na fase anterior à apresentação das propostas. Para este efeito, não releva o facto de ser uma cota muito exigente, muito superior à prevista no PDM de Coimbra, não atingida há muito (uma "cota milenar"), pois o Dono da obra é livre de estabelecer, nas peças do procedimento, parâmetros particularmente exigentes.
 Questão diversa é a de saber se, para este efeito, o empreiteiro teria de projetar uma solução capaz de resistir a uma situação em que o tanque estivesse vazio. Seguramente, esse foi o entendimento acolhido mais tarde pelos Revisores do Projeto de Execução da Empreitada de Remodelação da ETAR..., quando escrevem que, "sendo uma ação acidental entende-se que pode ocorrer em qualquer situação, ou seja com os órgãos em funcionamento normal ou em manutenção, sendo que não se pode prever a sua ocorrência em Manual de Manutenção. Solicita-se que o projetista apresente o dimensionamento para o estado limite de nível máximo de cheia (cota 17.80, conforme confirmado em sede de resposta a Erros e Omissões) e órgãos vazios". Mas, mesmo na fase de apresentação do projeto, deve entender-se que esse era o entendimento correto. Por um lado, não sendo antecipável em que momento ocorrerá a cheia, e podendo a ETAR estar em manutenção, não pode ser excluído que, num worst cenário, a cheia ocorra num momento em que os órgãos estejam vazios. Por outro lado, numa situação em que os órgãos estejam vazios, há um risco agravado, de acordo com o Princípio de Arquimedes, de a força de impulsão resultante das águas das cheias arraste os órgãos da ETAR. Controvertida, por último, foi a questão de saber como se deve interpretar a resposta ao esclarecimento 24 prestada ainda em fase prévia à apresentação das propostas.
a) Recorde-se, antes de mais, o que foi escrito: Pergunta: "Caso a cota máxima de cheia seja efetivamente 17.8, está omisso o que deve ser considerado em termos de projeto para esta situação, nomeadamente: a ETAR terá de garantir o normal funcionamento? a ETAR não tem que estar em normal funcionamento mas os motores e QE devem estar implantados a uma cota que garanta a sua proteção nesta situação de cota máxima? a ETAR estará em by-pass total e a descarga será feita obrigatoriamente com recurso à EE de emergência? D...: Omissão ACEITE. Assim: Em caso de observância de cota máxima cheia, a ETAR não necessitará de garantir o normal funcionamento; A referida cota não condicionará as cotas de implantação de motores, quadros elétricos ou quaisquer outros equipamentos ou órgãos; A resposta à primeira questão responde igualmente à terceira".
 b) A questão fundamental que importa esclarecer é a de saber se, quando se diz que a cota 17.8 "não condicionará as cotas de implantação de motores, quadros elétricos ou quaisquer outros equipamentos ou órgãos se está a incluir, com a referência a órgãos o próprio órgão em betão armado com 30m de diâmetro. Dúvida, que não permite uma resposta concludente por parte deste Tribunal. Em conformidade com esta dúvida, na resposta ao facto controverso 19), não se pode concluir que, no dia 11 de maio de 2020, o Dono da obra comunicou uma alteração que implicasse uma reformulação do projeto. Sem prejuízo de a exigência da cota nos 17,80 metros, em vez de 15,20 metros, implicar um aumento de custos das fundações, não ficou claro que esse esclarecimento correspondesse a uma alteração do Projeto.
20) Tais alterações foram comunicadas ao Consórcio em 11 de maio de 2020, com a notificação para a Consignação da obra? Provado o que consta da resposta à questão anterior.
21) Em reunião realizada em 28 de Maio de 2020, a A... transmitiu à C... que nessa altura estimava prejuízos na realização de trabalhos de construção civil de cerca de 2 Milhões de Euros? Provado apenas que, antes da assinatura do Contrato de empreitada, na correspondência para as D..., a A... alertava para a necessidade de repor o equilíbrio económico da empreitada de construção civil em cerca de 2 milhões de euros. Na relação com a C..., o valor referido pela A... era de 500 mil euros no dia 27 de março de 2019, de 1,6 milhões de euros no dia 28 de junho de 2019 e, finalmente, de 2 milhões de euros a partir de 9 de julho de 2019.
22) Os prejuízos alegados pela A... resultavam de erros de orçamentação, da variação de custos de produção, ou da modificação do objeto contratado? Provado o que consta da resposta ao facto controverso n.° 13) e ainda que a A... sustenta que a causa dos prejuízos resultava do aumento do custo da mão-de-obra, associado às soluções construtivas impostas pelo Dono da obra, quer quanto à profundidade a que teriam de chegar as fundações diretas, como à imposição de os revestimentos serem em chapa termoplástica.
Atenta a prova coligida nos autos, ficou provado que:
a) O preço estipulado no Contrato de empreitada (para as duas especialidades) foi de € 12.350.000,00;
b) A percentagem da A... no Consórcio era de 39,68%;
c) A parcela do preço da empreitada referente aos trabalhos de construção civil era de cerca de cinco milhões de euros (€4.888.130,00), correspondente a 39,68% de €12.350.000,00;
d) Os custos de mão-de-obra representavam 40% do preço dos trabalhos de construção civil, uma vez que:
(i) 40% é a percentagem correspondente aos custos de mão-de-obra assumida na fórmula de revisão de preços dos trabalhos de construção civil constante do Caderno de Encargos;
(ii) A A... e a C... confirmaram, na sua proposta conjunta, que a mão-de-obra representava 40% do preço dos trabalhos de construção civil;
(iii) O Eng.° CC confirmou a percentagem desta ordem de grandeza no seu depoimento (cf. pág. 759 das transcrições).
e) O valor da mão-de-obra considerado na proposta da A... de maio de 2018 foi cerca de 2 milhões de euros, correspondente a 40% (peso da mão-de-obra) de cinco milhões de euros (preço dos trabalhos de construção civil). Também ficou provado que a A... invocou os seguintes valores emergentes do aumento exponencial e inesperado dos custos da mão-de-obra:
a) Em 27 de março de 2019-500 mil euros;
b) Em 28 de junho de 2019 - 1,6 milhões de euros;
c) Em 9 de julho de 2019 - 2 milhões de euros. Apesar de os depoimentos prestados por CC, BB e DD, convergirem no sentido de se ter verificado um aumento muito significativo do custo da mão-de-obra entre a data da apresentação da proposta e a data da celebração do contrato, o documento junto pela A... com vista a demonstrar o "aumento exponencial dos custos de construção civil" (artigo 103° da Contestação) - o Relatório designado por "O Setor da Construção em Portugal -2019", emitido pelo IMPIC - Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção - não indicia a mesma realidade. Com efeito, deste Relatório deduz-se que o aumento médio da mão-de-obra no período em questão terá rondado os 0,8%, podendo ser superior no caso de trabalhadores especializados.
Deste modo, pode dar-se como provado que, desde a data da apresentação da proposta (em 10 de maio de 2018 [cf. facto assente V]) até à data da celebração do contrato (em 11 de julho de 2019 [cfr. facto assente XI]), parcialmente, os prejuízos invocados pela A... devem-se a um aumento e inesperado dos custos da mão-de-obra. Ainda que, como referido, o aumento em questão não tenha sido significativo.
Não ficou provado que os prejuízos alegados pela A... resultavam da modificação do objeto contratado, por não se ter provado que o Dono da obra tivesse introduzido modificações na obra, conforme resposta aos factos 5) e 19).
23) Em que medida cada um dos fatores referidos determinou os prejuízos invocados pela A...? Provado o que consta da resposta à questão anterior.
24) As duas consorciadas, pese embora as rejeitadas pretensões de reequilíbrio financeiro da A..., continuavam a negociar tendo em vista a realização da empreitada, nomeadamente realizando reuniões de produção de obra? Provado por acordo. Ficou provado que as duas Consorciadas continuaram a negociar tendo em vista a realização da empreitada até, pelo menos, ao indeferimento pelo Dono da obra, no dia 3 de abril de 2020, da pretensão de reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de empreitada.
Resulta também que, depois dessa data:
a) em 13 de abril, teve lugar uma reunião de produção;
b) em 24 de abril, as Consorciadas entregaram o Plano de Segurança e Saúde;
c) em 27 de abril, o Consórcio apresentou o pedido de aprovação de equipamentos, bem como o novo Projeto de Execução, tendo ainda respondido ao parecer de Análise do Projeto de Execução;
d) em 6 de maio de 2020 houve uma nova reunião de produção.
Como reconheceu a Demandada, as partes continuaram a negociar "até ao momento em que a A... percebeu que a C... não iria apoiá-la na reclamação dos sobrecustos, designadamente através da inviabilização do envio da carta de resposta à comunicação de 03/04/2020, que negava a pretensão do reequilíbrio financeiro, tal como já evidenciado na resposta ao FC15), e depois ao não acompanhá-la na reserva ao auto de consignação face à alteração introduzida na comunicação por aquele ".
25) O auto de consignação da empreitada tinha um teor diferente do da minuta que acompanhou a convocatória do ato? Qual a relevância dessa diferença? Provado que a minuta do auto que acompanhou a convocatória do ato tinha uma redação diferente da que tinha sido enviada por email de 11 de maio de 2020 e bem ainda que a minuta que foi assinada tinha um teor igual a esta última. Provado ainda que tal diferença não teve qualquer relevância. No artigo 357.° da Contestação, a A... reconheceu que "Face à não aceitação de tal minuta por parte do Consórcio, a, D... retirou esse documento.”
26) A C... tentou impedir que a A... se desvinculasse do compromisso de realizar a empreitada e, concomitantemente, honrasse o acordo assumido no âmbito do consórcio? Provado apenas que a C... tentou impedir que a A... se desvinculasse do compromisso de realizar a empreitada. Mas importa esclarecer que: Quanto ao período anterior ao indeferimento pelo Dono da obra, no dia 3 de abril de 2020, da pretensão da A... à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de empreitada, remete-se para as respostas aos factos controversos 6) e 7); Depois de 3 de abril de 2020, as duas Consorciadas continuaram a negociar tendo em vista a realização da empreitada, como resulta da resposta ao facto controverso 24);
Depois de 14 de maio de 2020, através da aposição de reserva ao Auto de Consignação, à questão foi dada na resposta ao facto controverso 9).
27) A A... pretendia desvincular-se do compromisso assumido de realização da empreitada sem pagamento de qualquer compensação ao Dono da obra e à outra Consorciada? Provado. A A... pretendia desvincular-se do compromisso assumido de realização da empreitada sem pagamento de qualquer compensação ao Dono da obra e à C..., como resulta da carta da A... à C... de 29 de maio de 2020, em que a A... admitia sair do Consórcio "sem pagar qualquer quantia à C...", pretendendo exonerar-se "sem qualquer pagamento", sob pena de ser ver forçada "a resolver o Contrato de Consórcio (...) com justa causa - tudo sem prejuízo da indemnização que oportunamente" será exigida à C....
Importa esclarecer que a A... pretendia desvincular-se do compromisso assumido de realização da empreitada mediante uma de três propostas (reposição do equilíbrio financeiro, cessão da posição contratual ou constituição de um ACE), conforme resposta ao facto controverso n.° 30.
28) O dono da obra admitiu a possibilidade de resolução amigável do contrato de empreitada? Provado. Numa reunião realizada no dia 3 de fevereiro de 2020, entre representantes das D... (Dre, EE, FF e Dr.a GG, Eng. HH e Eng. II), representantes da A... (Eng. CC e Eng. DD) e representantes da C... (Eng. AA e Dr. JJ), a advogada das D... colocou a hipótese de resolução amigável do Contrato de empreitada.
Sem que o Dono da obra tenha equacionado uma resolução do Contrato de empreitada isenta do pagamento de quaisquer contrapartidas pelo Consórcio. Na referida reunião de 3 de fevereiro, os representantes das D... alertaram para o facto de o projeto beneficiar de financiamento comunitário e também para os custos com a execução incorridos pelo Dono da obra. Ficou ainda provado que, nessa mesma reunião de 3 de fevereiro, como esclareceu o Professor EE - à data, Presidente do Conselho de Administração das D... foi realçada a importância para o Dono da obra de se manter o Contrato de empreitada, por forma a se realizar a obra de requalificação da ETAR....
Nessa mesma reunião do dia 3 de fevereiro de 2020, foram igualmente ponderadas, a par da resolução amigável do Contrato de Empreitada, as seguintes opções: (/) a execução da obra pelo Consórcio tal como configurada inicialmente pelo Dono da obra; (ií) a cessão da posição contratual da A... para outro empreiteiro que assumisse os trabalhos de construção civil.
A C... manifestou imediatamente oposição, na reunião de 3 de fevereiro, quanto à hipótese de resolução amigável do Contrato de empreitada, pois a C... não queria perder todos os investimentos que já fizera no projeto e na obra, bem como os valores destinados ao pagamento da estrutura e os lucros esperados.
Na sequência dessa reunião, a C... transmitiu à A..., através de e-mail enviado em 7 de fevereiro de 2020, a sua intenção de estabelecer contactos com outras empresas que pudessem estar interessadas em substituir a A... nas atividades da sua especialidade, solicitando para esse efeito a autorização da A....
Por sua vez, a A... transmitiu, através de e-mail dirigido à C..., em 11 de fevereiro de 2020, que, caso fosse reposto o equilíbrio económico-financeiro do contrato pela D..., "a A... [estava] na disposição de executar a empreitada fazendo alusão a uma anterior proposta sua de se constituir um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE C.../A...), para a execução da obra, apenas admitindo, subsidiariamente, a possibilidade de se proceder à resolução do Contrato de Empreitada - e, ainda assim, só se fosse compensada pelos custos de projeto já despendidos - se não fosse resposto o equilíbrio económico-financeiro do contrato pela D... ou se não fosse possível constituir o ACE com a C....
Posteriormente, a C... transmitiu à A..., no dia 19 de fevereiro de 2020, que não estava disponível para constituir um ACE nem para executar a empreitada em termos e condições diferentes daquelas que já haviam sido previamente assumidas pelas Partes. Na ausência de resposta da A..., a C... enviou-lhe nova comunicação no dia 28 de fevereiro de 2020, através da qual registou que entendia o silêncio da A... como revelando a sua intenção de manter e executar o contrato de empreitada, nos termos celebrados e em conformidade com os compromissos assumidos. Nesse mesmo dia 28 de fevereiro de 2020, a A... respondeu por carta, através da qual manifestou, entre outros aspetos e considerações tecidas a respeito dos factos ocorridos, a sua intenção de cumprir o prazo contratual para a entrega do novo Projeto de Execução, corrigido conforme instruções do Dono da Obra, e de reclamar todos os prejuízos decorrentes dessa situação.
A C... respondeu no dia 5 de março de 2020, registando, entre outros aspetos, que admitia que o Contrato de empreitada fosse resolvido, desde que a sua posição fosse salvaguardada no plano indemnizatório, tendo sublinhado que a A... ainda não havia formulado qualquer proposta nesse sentido, e manifestando também a sua satisfação da intenção transmitida pela A... de cumprir os compromissos assumidos com a C... e de honrar as obrigações que resultavam do Contrato de empreitada. Daí em diante, as Partes foram trocando vária correspondência, entre si e também com as D..., sobre os prejuízos alegados pela A... e a propósito da pretensão desta em obter a reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato, até ao dia 11 de maio de 2020, data em que a D... remeteu à C... e à A... um e-mail contendo vários anexos, entre os quais constava a carta com a referência ...20, através da qual o Dono da obra convocou as Consorciadas para o ato de Consignação da empreitada, a realizar no dia 14 de maio de 2020, que a A... assinou com reserva.
29) Por que vias a C... transmitiu à AC A o seu especial interesse em executar o contrato de empreitada? Provado, como resulta das respostas aos factos controversos 6), 7) e 26), que a C... sempre revelou perante a A..., desde os primeiros contactos com esta empresa, a importância estratégica da empreitada e a importância de a executar. A C... transmitiu à A... o seu especial interesse em executar o contrato de empreitada através das seguintes comunicações:
Carta de 10 de julho de 2019 que constitui o documento n.° 18 junto com a petição inicial;
Carta de 19 de fevereiro de 2020 que constitui o documento n.° 34 junto com a petição inicial;
Carta de 5 de março de 2020 que constitui o documento n.° 37 junto com a petição inicial;
Carta de 13 de maio de 2020 que constitui o documento n.° 48 junto com a petição inicial;
Carta de 13 de março de 2020 que constitui o documento n.° 50 junto com a petição inicial
30) Que propostas foram apresentadas pela A... à C..., tendo em vista a execução do contrato? Provado que a AC A fez à C..., com vista à execução do contrato, as seguintes propostas: Reposição do equilíbrio do contrato; Cessão da posição contratual; Constituição de um ACE.
31) Na comunicação do Dono da obra de 1 de setembro de 2020, em que manifestou a ambas as Consorciadas a intenção de proceder à resolução sancionatória do contrato de empreitada, foi referido que essa intenção era fundada em factos da responsabilidade da A..., que face ao regime de responsabilidade solidária se traduziu em incumprimento definitivo imputável ao consórcio empreiteiro? Provado. Da comunicação do Dono da obra, de 1 de setembro de 2020 consta: "o caráter abusivo da reserva exarada pela A..." no auto de consignação e que, "não obstante a vontade de prossecução contratual expressa pela C... na sua comunicação de 18/05/2020, a conduta da A... consubstancia um grave incumprimento contratual que se reflete no consórcio, pois os direitos e as obrigações contratuais radicam em ambas as Consorciadas, exigindo a intervenção e a prestação concertada das duas, e traduzindo- se assim a recusa em cumprir por parte da A... numa impossibilidade de execução contratual, logo, num grave incumprimento global do contrato de empreitada.
32) A C... admitiu pagar diretamente o valor da caução de boa execução para evitar os danos de imagem e as repercussões no mercado que o seu acionamento pelo Dono da obra causaria? Provado. Da carta de 16 de setembro de 2020, dirigida pela C... às D..., depois de afirmar que, "no que respeita à execução das cauções prestadas em garantia da boa execução contratual, a C... reitera o entendimento de que apenas a garantia bancária prestada pela A... deverá ser acionada, face à evidente responsabilidade dessa Empresa pelos factos ocorridos, que determinaram a intenção de resolução sancionatória do contrato", consta que, "na eventualidade de (D...) manterem o entendimento de que as garantias bancárias devem ser executadas na proporção de 50% dos prejuízos apurados relativamente a cada uma das garantias, a C..., exclusivamente para evitar os encargos acrescidos associados ao acionamento da garantia bancária, a correspondente comunicação ao Banco de Portugal, e os danos de imagem e as repercussões no mercado que decorrem desse acionamento, e sem que desse ato se possa inferir qualquer assunção de responsabilidade, desde já se manifesta disponível para efetuar o pagamento espontâneo da quantia de 95.000 €.
33) Quais os prejuízos suportados pela Demandante (C...) em consequência da resolução do contrato de empreitada invocada pelo dono da obra? A questão de saber se os custos e despesas incorridas e invocadas pela C... constituem prejuízos ou danos indemnizáveis, imputáveis (ou não) à conduta da A..., consubstancia uma questão de Direito, que será devidamente apreciada e decidida infra. Não obstante, foi produzida nos autos prova, a que importa atender, quanto à tipologia desses custos e despesas e quanto à sua expressão económica.
A C... suportou o custo de € 7.449,54, correspondente à parcela que lhe incumbia suportar (de 60,32%) do encargo de € 12.350,00, inerente ao visto do Tribunal de Contas. A C... prestou uma garantia bancária on first demand à D..., para caucionar a boa execução das obrigações emergentes do Contrato de Empreitada, no valor de € 372.500,00 e que a C... suportou encargos com a emissão e manutenção dessa garantia bancária, que, até à data de entrada da Petição inicial, correspondiam a € 5.062,27. A D... comunicou às Consorciadas, através de carta datada de 21 de outubro de 2020, que "se enviou carta ao Banco 1..., S.A. solicitando a execução da garantia bancária prestada pela A..., S.A., pelo montante de 95.000,00 €, mantendo-se a mesma em vigor pelo valor remanescente incorrendo, pois, as Partes em encargos com a manutenção dessa garantia bancária, até à sua integral liberação pela D....
Consta do item DOl da Lista de Preços Unitários - Fornecimentos Diversos proposta pelo Consórcio que o preço unitário e global devido ao Consórcio pela "Revisão da Solução Base e elaboração do Projeto de Execução" era de €325.000,00 e, por outro, que o Consórcio efetuou a revisão do Projeto Base, nos termos previstos na Cláusula 55.1.1., alínea a) do Caderno de Encargos.
A A... propôs o valor de € 90.000,00 para a realização da "Revisão da Solução Base e elaboração do Projeto Base" e que caberia à C... despender o montante de € 235.000,00 pela realização dessa prestação. Resulta ainda dos autos, que:
(i) Com a elaboração da revisão do Projeto Base e elaboração do Projeto de Execução (até 20 de janeiro de 2020), foram consumidos pela C... 266 dias de trabalho, tendo sido imputados pelos seus trabalhadores 153 dias de trabalho de engenharia e 113 dias de trabalho de desenhos;
(ii) Devido à rejeição dos projetos pela D..., a C... teve de reformular o Projeto de Execução, tendo despendido (entre 20 de janeiro de 2020 e 17 de março de 2020) 79 dias de trabalho;
(iii) O tempo de trabalho despendido com a reformulação do Projeto de Execução correspondeu a cerca de 30% (79 dias/266 dias) do tempo despendido com a revisão do Projeto Base e elaboração do primeiro Projeto de Execução;
(iv) A C... considerou apenas uma afetação correspondente a 20% do trabalho despendido com a revisão do Projeto Base e com a elaboração do primeiro Projeto de Execução;
(v) A C... suportou encargos acrescidos com a elaboração do Projeto de Execução, após a D... ter exigido a respetiva reformulação, no valor de €47.000,00, correspondente a 20% do preço contratual - isto é, 20% do preço unitário (€235.000,00) previsto pela revisão do Projeto Base e pela elaboração do primeiro Projeto de Execução.
O Consórcio Empreiteiro elaborou e apresentou o Plano de Segurança e Saúde, nos termos previstos na cláusula 53.1.3 alínea a) e 55.1.1, alínea e) das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos e que, devido à resolução do Contrato de Empreitada por parte da D..., as Consorciadas não puderam faturar e receber o preço correspondente à elaboração do Plano de Segurança e Saúde, no valor total de € 12.500,00, correspondente ao item D05 da Lista de Preços Unitários - Fornecimentos Diversos. A A... tinha proposto à C... o valor de € 7.500,00 pela realização das prestações inerentes ao item D05 da Lista de Preços Unitários proposta pelo Consórcio - elaboração do Plano de Segurança e Saúde e Plano de Gestão Ambiental em Obra. Assim, o valor que cabia à C... neste âmbito, pela realização dessa prestação contratual, resultava da diferença entre o preço unitário constante da proposta do Consórcio (€ 12.500,00) e o valor proposto pela A... (€ 7.500,00), o que correspondia a € 5000,00. A C... pagou à D... o montante de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), em consequência da resolução do Contrato de empreitada pelo Dono da obra, para evitar o acionamento da Garantia Bancária.
 A C... diluiu, no preço proposto para os trabalhos da sua responsabilidade (€ 7.450.000,00), um valor equivalente a uma percentagem de 9,21% dos seus custos com a estrutura, e, portanto, diluiu o montante de € 663.320,00.
A margem de lucro considerada pela C... para esta empreitada de conceção- construção foi de 5%, sendo que a Margem Industrial Bruta (conjugação dos encargos de estrutura com os lucros cessantes ou margem) incorporada no preço proposto para os trabalhos de responsabilidade da C... foi de 14,2% (9,2% de estrutura e 5% de lucros cessantes).

Encargo inerente ao visto do Tribunal de Contas7.449,54 6
Custos financeiros associados às garantias bancárias5.062,27 €

Remuneração da revisão do projeto base e elaboração do projeto de execução (parcela que cabe à C...)235.000,00 €
Revisão do projeto de execução devido à aprovação tácita da Revisão do Projeto Base47.000,00 €
Remuneração do Plano de Segurança e Saúde e do Plano de Gestão Ambiental da Obra (parcela que cabe à C...)5.000,00€
Indemnização paga à D... em consequência da resolução do Contrato de Empreitada95.000,00 €
Custos de Estrutura (correspondente a 9,2% dos custos apurados)663.320,00 €
Lucros Cessantes (correspondente a 5% dos custos Apurados)360.500,00 €
TOTAL1.418.331,81€


Importa ressalvar que, em relação aos custos incorridos, como resulta da resposta ao facto 3), assim como aos factos 6) e 10), houve um risco parcial assumido, o que permite retirar a ilação de que a Demandante estava consciente de que poderia estar a incorrer num custo sem qualquer retorno (até € 300.000), ou, pelo menos, com um retorno apenas parcial, o que iria suceder ainda que a A... se não tivesse recusado a cumprir o contrato.
34) Que valores a C... pagou ao Dono da obra em consequência da resolução do contrato de empreitada? Provado que a C... pagou ao Dono da obra a quantia de € 95.000 em virtude do acionamento da garantia bancária subsequentemente à resolução do contrato.
35) Quais os prejuízos suportados pela Demandada (A...) em consequência das negociações para a execução da empreitada e da extinção do contrato de empreitada? A questão de saber se os custos e despesas incorridas e invocadas pela A... constituem prejuízos ou danos indemnizáveis, imputáveis (ou não) à conduta da C..., consubstancia uma questão de Direito, que será devidamente apreciada e decidida infra. Não obstante, foi produzida nos autos prova, a que importa atender, quanto à tipologia dos custos e despesas incorridos pela A... e quanto à sua expressão económica.
A A... estimou ter tido um custo de €33.000,00 com o desenvolvimento do projeto base, "em formato de risco e a ser pago em caso de sucesso" e de € 14.549,24 com os vencimentos dos técnicos de orçamentação, de apoio administrativo, de coordenação e de apoio comercial, considerando uma afetação de 75%, 5%, 10% e 25%, respetivamente. A A... incorreu em custos com a emissão e manutenção da garantia bancária. No entanto, atento, por um lado, o valor pedido feito pela A..., inserto na tabela inscrita no artigo 741da Contestação (€ 5.542,22) e, por outro, o valor global inscrito na página 1 do Doe. n.° 27 junto com a contestação (€ 7.940,41) e os valores desagregados referentes à garantia bancária prestada, não foi possível esclarecer a concreta expressão dos custos incorridos pela A... com a emissão e manutenção da garantia bancária. A A... incorreu no custo de €95.000,00 com a execução da garantia bancária n.° ...19... pela D..., em 21.10.2020.
Como consequência do acionamento da garantia bancária por parte da D..., a A... invoca que sofreu danos reputacionais e de imagem, que afetaram a credibilidade e a imagem da empresa, junto da Banca e do ..., e junto da D... e do Grupo Águas de Portugal, que estima no montante de € 100.000,00. Em relação à quantia reclamada a título de danos não patrimoniais, nenhuma prova foi feita. A A... poderá ter incorrido em custos com a revisão e reformulação do Projeto Base, pela afetação dos seus técnicos à obra e pelo apoio jurídico, que estima no montante de €175.500,00, segundo quadro:

CUSTO
A...mesesvalor mensalcusto
Director de Obra76 500,00 €45 500,00 €
Tec. Segurança14 000,00 €4 000,00 €
Prepa rador23 000,00 €6 000,00 €
Tec. Qualidade14 000,00 €4 000,00 €
Total A...59 500,00 €
G... - Desenvolvimento de Projetos 96 000,00 €
Apoio Jurídico 20 000,00 €
TOTAL175 500,00 €


Há uma discrepância - que não foi esclarecida nos autos - evidenciada entre o montante total geral especificado no quadro ínsito ao Doe. n.° 28 junto com a contestação (€61.685) e o total invocado pela A... no quadro supra, inscrito no artigo 743.° da contestação (€ 59.500), quanto aos custos em que a A... terá incorrido com o Diretor de Obra, o Técnico de Segurança, o Preparador e o Técnico de Qualidade. Existe também uma discrepância (que também não foi esclarecida nos autos) entre o valor do pagamento da fatura da G..., junta como Doe. n.° 29 com a contestação (cujo total ilíquido corresponde a €27.300,00 e o total líquido corresponde a €33.579,00) e o valor discriminado pela A... no quadro atrás referido (€ 96.000,00). Em terceiro lugar, assinala-se ainda uma discrepância verificada entre o valor invocado pela A..., nesse quadro, como despesas tidas com apoio jurídico (€20.000,00) e as faturas juntas sob Doe. n.° 30 com a contestação, que perfazem o montante total de € 24.421,88.
A A... suportou o custo com os serviços prestados pela empresa "G..., Lda., relativos à elaboração do projeto de construção civil, no valor de €27.300,00 quadro, como despesas tidas com apoio jurídico (€20.000,00) e as faturas juntas sob Doe. n.° 30 com a contestação, que perfazem o montante total de € 24.421,88.
A A... suportou o custo com os serviços prestados pela empresa "G..., Lda., relativos à elaboração do projeto de construção civil, no valor de € 27.300,00.
36) Qual o montante do prejuízo em que incorreria a A... se viesse a executar a empreitada, nos termos do projeto? Provado que a A... invocou que os prejuízos na eventualidade de vir a executar a obra poderiam rondar os € 2.000.000.
Tal como referido em resposta ao facto controverso n.° 22), a A... invocou os seguintes prejuízos:
a) Em 27 de março de 2019 - 500 mil euros;
b) Em 28 de junho de 2019 - 1,6 milhões de euros;
c) Em 9 de julho de 2019 - 2 milhões de euros;
d) Em 2 de agosto de 2020 - € 3,1 milhões de euros (cf. Facto assente XLIV). Como já se antecipou nas respostas aos factos controversos n.os 13) e 22), não ficou provado que se tenha verificado um aumento exponencial do custo da mão-de-obra, durante o período que mediou entre a apresentação da proposta e celebração do contrato. De igual forma, também não ficou provado que os prejuízos alegados pela A... resultaram da modificação do objeto contratado, uma vez que não ficou provado que o Dono da obra tivesse introduzido tais modificações. Desde logo, porque, como indicado em resposta aos factos controversos n.os 5) e 22), não ficou provado que as D... tenham formalmente introduzido alterações às soluções do projeto base, que tenham implicado prejuízos na componente de construção civil. Com efeito, quanto à exigência relativa à quota de cheia e aos seus efeitos nos custos da execução do projeto pela necessidade de adoção de fundações indiretas - que, segundo a A..., representariam um custo (rectius: um prejuízo) entre € 500.000,00 a € 1.000.000,00 já se concluiu, na resposta aos factos controversos n.os 19) e 22), que o Dono da obra não comunicou verdadeiramente uma alteração, tendo feito unicamente um esclarecimento com um potencial impacto na obra.
E, por último, como decorre da resposta ao facto controverso n.° 8), as D... acabaram por recusar as soluções de projeto alternativas propostas pelo Consórcio, com as respetivas justificações técnicas, por considerarem que elas violavam os parâmetros vinculativos do caderno de encargos e os termos da proposta adjudicada. Ainda assim, admite-se que a A... pudesse incorrer em custos acrescidos resultantes das três situações mencionadas, razão pela qual a C..., por um lado, não conseguiu encontrar uma empresa de construção civil que substituísse a A..., pelos preços da proposta, tal como resulta do facto provado XLIV e, por outro, prontificou-se a suportar prejuízos da A... até € 300.000.

IV-DA CADUCIDADE
A Ré, na contestação veio invocar a exceção da caducidade, numa dupla veste:
- a caducidade do direito de ação resultante da inobservância do prazo de impugnação da decisão interlocutória pela qual o Tribunal Arbitral declarou a sua competência, estabelecido no nº 9 do artigo 18º da LAV (que é de 30 dias) e,
-a caducidade do direito de ação resultante da inobservância do prazo estabelecido para a apresentação em Tribunal Estadual do pedido de anulação da Sentença Arbitral, estabelecido no nº 6 do artigo 46º da LAV (que é de 60 dias).
Comecemos pela análise da segunda, considerando a ordem de precedência lógica da apreciação de questões, estabelecida no art. 608º nº 1 do CPC:


4.1 Tempestividade/caducidade do direito de ação de anulação de sentença arbitral.
A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade[2], “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo”.
A caducidade tem assim  por objetivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado.
A caducidade, cujo fundamento, de interesse público, é a necessidade de certeza jurídica, permite que a situação jurídica das partes fique definida após o decurso de certo prazo [3], pelo que se pode afirmar que prevalecem na caducidade considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis, estando em causa prazos perentórios de exercício do direito.
Nesta matéria, em sede de processo arbitral, o nº 6 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei 63/2011 de 14 de Dezembro,  dispõe que:
O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento no termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.”
Alega a Ré que a sentença arbitral configura o ato final de um processo sem recurso.  A regra relativa à propositura de ação de anulação reporta-se a um processo distinto (e novo) a intentar junto dos Tribunais do Estado. Ou seja, não há qualquer continuidade ou sequência entre os dois processos – são separados, distintos, e correm em Tribunais diferentes (Arbitral X Estadual). Nesta conformidade, não existem quaisquer fundamentos válidos que sustentem a tese de que o prazo estabelecido no artigo 46º/6 da LAV é de natureza processual. O prazo de 60 dias a contar do dia 12 de Maio de 2023 (data de notificação às Partes da Sentença Arbitral) expirou no dia 11 de Julho de 2023. A Petição Inicial foi apresentada no dia 14 de Julho de 2023.
Daí que, conclui a Ré, a impugnação de decisões arbitrais não possa ser praticada nos três dias úteis subsequentes, mediante o pagamento da multa processual prevista no art.º 139º, n.º 5 do CPC.
Já a Autora defende que se trata de um prazo processual, podendo por isso ser praticado no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, contra o pagamento de multa.
Vejamos.
O nº 2 do artigo 298º (Prescrição, caducidade e não uso do direito) do Código Civil estipula o seguinte: “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”
A questão a dirimir consiste em saber se o prazo de prazo de caducidade de 60 dias imposto às partes que pretendam impugnar a decisão de tribunal arbitral junto dos tribunais estaduais, tem natureza de prazo processual (ou judicial), ou de prazo substantivo.
Os prazos judiciais destinam-se a determinar o período de tempo “para se produzir um determinado efeito processual”, ou seja, a “regular a distância entre os atos do processo”, e, dada essa sua função específica, pressupõem, necessariamente, a prévia propositura de uma ação, a existência de um processo.[4]
Os prazos substantivos, por seu turno, respeitam ao período de tempo exigido para exercício de direitos materiais, sendo-lhes “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, de acordo com o preceituado pelo artigo 298º, nº 2, do Código Civil, tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência da extinção do respetivo direito.
Esta questão tem sido objeto de alguma controvérsia, nomeadamente na doutrina.[5][6]
Tal como ensina Alberto dos Reis, a natureza de um prazo, designadamente, para a propositura de uma ação, deve resultar da análise da correspondente norma jurídica e não, simplesmente, da sua inclusão física em determinado diploma, sendo que, se a caducidade é, em regra, prevista na lei substantiva, admite-se que o possa ser, igualmente, na lei processual.[7]
Pese embora a controvérsia existente relativamente a esta questão, seguimos o entendimento de que os prazos de propositura de ação, habitualmente qualificados como prazos substantivos de caducidade, podem constituir prazos judiciais, o que ocorrerá sempre que o prazo esteja relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material, tal como decidiu o STJ no seu acórdão de 06.09.2016[8], que vem sendo seguido nesta matéria.
Assim sendo, tendo as partes, mediante negócio jurídico (convenção de arbitragem) acordado que o litígio fosse decidido por um tribunal arbitral, decorrido tal processo perante o tribunal arbitral e proferida sentença, dispõem do prazo processual de 60 dias para instaurar ação de anulação dessa decisão, perante os tribunais estaduais, nos termos do nº 6 do artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Tratando-se de prazo processual, é-lhe aplicável o disposto no nº 5 do  art.º 139º, do CPC.
Desta forma mostra-se tempestivamente interposta presente ação de anulação, pelo que em consequência julga-se improcedente a exceção da caducidade arguida pela Ré, com tal fundamento.

 4.2 A caducidade do direito de impugnar a decisão interlocutória sobre competência.
Alega ainda a Ré que, na Contestação apresentada no processo arbitral, a Autora deduziu duas exceções: “A Incompetência do Tribunal” e “A Causa Prejudicial” (Doc. n.º 1, artigos 25º a 63º).  A C... respondeu às referidas exceções na Réplica, nos artigos 1º a 63º (Doc. n.º 2).
No designado “guião de prova”, o tribunal arbitral apreciou essas exceções, julgou-as improcedentes, e declarou ter competência para apreciar os pedidos que a C... formulara na sua Petição Inicial (Doc. n.º 3).
O referido guião de prova foi notificado às Partes no dia 26 de Abril de 2022 (Doc. n.º 4).
De acordo com o nº 9 do artigo 18º da LAV, “A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do nº 3 do artigo 46º, da alínea f) do nº 1 do artigo 59º.”
Portanto, se a Autora pretendesse exercer o direito de ação em tempo útil – no caso, com a finalidade de anular uma decisão interlocutória do Tribunal Arbitral no sentido de que lhe cabe competência para dirimir o litígio nos termos que foram delimitados pelas Partes – teria de o fazer no prazo legal de 30 dias após a notificação da referida decisão interlocutória às Partes, sob pena de caducidade desse direito.
Para sustentar a sua posição, cita doutrina e invoca a jurisprudência resultante do Acórdão desta Relação do Porto, proferido em 14 de Novembro de 2022, proferido no âmbito do Processo n.º 164/22.2YRPRT,[9] no seguinte sentido: “Ciente dessa discrepância interpretativa, afigura-se-nos que a atual LAV quis tomar posição sobre a enunciada questão no nº 9 do seu art. 18º, aí estabelecendo que, no caso de ser proferida decisão interlocutória em que os árbitros afirmem a sua competência para conhecer do litígio que lhes foi submetido, a parte interessada deve impugná-la, perante o tribunal estadual competente, no prazo de trinta dias após a sua notificação. Esse prazo é, assim, preclusivo, havendo um verdadeiro ónus de impugnação, nesse prazo, da decisão interlocutória dos árbitros sobre a sua competência. Uma vez transitada, essa decisão tem força de caso julgado, com efeitos dentro e fora do processo arbitral, vinculando, portanto, os tribunais estaduais.”
Face ao exposto, entende a Ré que, tendo decorrido o prazo para o exercício do direito de impugnar a decisão interlocutória proferida pelo tribunal arbitral sobre a sua competência sem que a Requerente tenha intentado essa acção, deve este Tribunal decidir no sentido da procedência desta exceção.
Já a Autora, na resposta à exceção, veio defender que não assiste razão à Ré, pelas seguintes razões, sendo a primeira e decisiva a de que, no guião da prova, o Tribunal Arbitral não ter decido sobre a sua (in)competência – questão que só veio a decidir em sede de sentença arbitral. Ao não ter decidido sobre esta questão, o Tribunal relegou para final a sua decisão.
Afirma que, em primeiro lugar, o “guião da prova” não pode ser qualificado como uma decisão interlocutória sobre a competência – é uma decisão interlocutória, mas sobre a prejudicialidade, da qual constam considerações sobre outros temas, incluindo sobre o objeto que poderia ter de apreciar, mas não uma declaração da sua competência ou uma decisão de improcedência da exceção deduzida pela ora Autora A....
Em segundo lugar, a decisão sobre a incompetência do Tribunal Arbitral consta da Sentença, pelo que a Autora sempre estaria em prazo para a impugnar.
Em terceiro lugar, a presente impugnação não se refere à decisão do Tribunal sobre a sua (in)competência – que foi de sentido favorável ao defendido pela Autora – mas sim sobre o facto de, não obstante (e em contradição com) essa decisão, a sentença ter ultrapassado os limites da convenção de arbitragem.
Vejamos.

Resulta dos autos que, no dia 11.07.2019, as Partes celebraram entre si um contrato de consórcio externo, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de julho (regime jurídico dos contratos de consórcio ou “RLC”), o qual define no seu artigo primeiro contrato de consórcio como o “contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou coletivas, que exercem uma atividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa atividade ou efetuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objetos referidos no artigo seguinte.”
O artigo 2.º por sua vez dispõe que o consórcio terá um dos seguintes objetos:
a) Realização de atos, materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento, quer de uma atividade contínua;
b) Execução de determinado empreendimento;
c) Fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio;
d) Pesquisa ou exploração de recursos naturais;
e) Produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio.”.
O contrato de consórcio celebrado entre as partes teve  por objeto a execução concertada de uma empreitada pelas consorciadas para o dono da obra, de acordo com os termos e condições constantes do respetivo contrato de empreitada entre elas celebrado (cf. as cláusulas 1.ª e 2.ª do contrato designado como “Contrato de Consórcio”, que se encontra junto aos autos, na p.i,  como documento n.º 3.
Em concreto, o contrato de consórcio tinha em vista a adjudicação e subsequente execução da empreitada de conceção e construção da ETAR... - contrato de empreitada – que veio a ser celebrado, entre as consorciadas e o  Dono da obra D..., SA, a seguir designado D....
A convenção de arbitragem que deu origem ao processo arbitral e à sentença arbitral impugnada consta da cláusula 12.ª do Contrato de Consórcio, que dispõe o seguinte:
“1 - As divergências que se suscitarem sobre a interpretação, validade e execução do presente contrato que não sejam amigavelmente resolvidas pelas partes, serão obrigatoriamente objeto de tentativa de conciliação a realizar pelas administrações das consorciadas.
2 - Se ainda assim o diferendo não for resolvido, será dirimido definitivamente por um Tribunal Arbitral, cuja constituição e regras de funcionamento obedecerão à lei portuguesa.”
A competência do tribunal arbitral resulta da celebração de uma convenção de arbitragem e o seu âmbito é definido pelo litígio e em função dele são-lhe atribuídos os poderes necessários para a sua resolução.[10]
A convenção de arbitragem pode ser definida como o negócio jurídico mediante o qual as partes acordam que um litígio atual ou futuro, determinado ou determinável será decidido por um tribunal arbitral.[11]
Subjacente à convenção de arbitragem está pois a autonomia da vontade, que se manifesta no facto de as partes acordarem que um litígio determinado seja decidido por um tribunal arbitral.
É pois em face do objeto da convenção de arbitragem, que o tribunal arbitral vai aferir e decidir a sua própria competência para dirimir o litígio que lhe foi apresentado pelas partes.
Trata-se do princípio da “competência-competência[12], que se traduz na possibilidade de o tribunal arbitral decidir sobre a sua própria competência.
Ora, a oportunidade da decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência pode ocorrer em dois momentos: antes da decisão sobre o fundo da causa (decisão interlocutória), ou na decisão final (artigo 18º nº 8 da LAV).
As partes nesta ação, não estão sequer de acordo quanto ao momento em que o tribunal arbitral apreciou/decidiu a sua competência, face à exceção da incompetência arguida no processo arbitral pela ora Autora.
Em face da discordância das partes, a primeira questão que urge aferir,  é a de saber se o tribunal arbitral se pronunciou pela sua competência e quando é que o fez – se em decisão interlocutória – no guião de prova, como defende a aqui Ré, se na decisão final, como defende a Autora.
Temos assim que apurar se, previamente à sentença, existe ou não uma decisão interlocutória do tribunal arbitral a julgar-se competente.
Caso exista uma decisão interlocutória sobre a competência do tribunal arbitral, adiantamos desde já, que aderimos à posição subscrita no citado Acórdão desta Relação do Porto, 14 de Novembro de 2022, no sentido que, no caso de ser proferida decisão interlocutória em que os árbitros afirmem a sua competência para conhecer do litígio que lhes foi submetido, a parte interessada deve impugná-la, perante o tribunal estadual competente, no prazo de trinta dias após a sua notificação, nos termos do disposto no nº 9 do  art. 18º da LAV., tratando-se de um prazo preclusivo.
Isto posto, tendo no âmbito do processo arbitral, a aí Ré deduzido a exceção da Incompetência do Tribunal, após o contraditório da Autora na réplica, impunha-se que o Tribunal Arbitral dela conhecesse, de seguida.
Com efeito, dispõe o artigo 18º nº 8 da LAV o seguinte:
“O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua competência quer mediante uma decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa”.
Para logo de seguida dispor no seu nº 9 que “A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do nº 3 do artigo 46º, da alínea f) do nº 1 do artigo 59º.”
A intenção do legislador é a de que a questão da competência do tribunal arbitral fique prontamente decidida, para evitar a prática de atos inúteis que redundariam no prosseguimento do processo perante tribunal incompetente.
Vejamos então se existe uma decisão interlocutória proferida pelo tribunal arbitral, a apreciar/decidir a exceção suscitada pela Ré da incompetência do tribunal, nomeadamente no guião de prova:
O “guião de prova” do processo arbitral mostra-se junto a estes autos, como Doc. nº 3 junto com a contestação.
Nele, após ter sido feita uma pequena súmula do processado, mencionando-se quanto à contestação que, “(…)Na contestação, com 876 artigos, a Demandada considera improcedente o pedido apresentado pela Demandante, parcialmente por incompetência do Tribunal arbitral e na totalidade por infundado, reclamando, como pedido reconvencional, o pagamento de € 423.591,46.(…)” e “(…)Seguiu-se a resposta às exceções e ao pedido reconvencional, apresentada a 17 de dezembro de 2021, em que a Demandante contesta eventuais exceções constantes da contestação e impugna os termos do peticionado pedido reconvencional, juntando um documento. (…)”, o tribunal arbitral profere a seguinte decisão, que passamos a transcrever:
“A. Exceções
Incompetência do Tribunal arbitral
Na medida em que a Demandante funda o seu pedido tanto no incumprimento do contrato de consórcio – ajustado entre C... e A... – como no contrato de empreitada, em que era dono da obra D..., SA, e esta última relação jurídica vai ser apreciada pelo competente Tribunal administrativo, a Demandada entende que o Tribunal arbitral não se pode pronunciar relativamente ao valor peticionado pela C... no que respeita aos prejuízos incorridos pelo incumprimento do contrato de empreitada, de que considera a A... responsável; ou seja, o Tribunal arbitral seria materialmente incompetente para se pronunciar sobre a designada segunda causa de pedir (resolução do contrato de empreitada e correspondentes danos).
Sem prejuízo de a apreciação a fazer pelo Tribunal administrativo, no que respeita à responsabilidade e consequências do não cumprimento do contrato de empreitada, poder não coincidir com a que vier a ser feita pelo Tribunal arbitral, não há litispendência, por faltar a coincidência entre as partes, a causa de pedir e o objeto dos pedidos. Por outro lado, se o Tribunal arbitral decidisse suspender o processo arbitral aguardando pela decisão, com trânsito em julgado, do Tribunal administrativo, ficaria precludida uma das finalidades da arbitragem, a celeridade, obstando inclusive ao acordo das partes, transposto para a ata de instalação, de o processo arbitral terminar no prazo de um ano.
Neste contexto, a Demandada, quanto à apreciação da extinção do contrato de empreitada, a decidir pelo Tribunal administrativo, considera tratar-se de uma questão prejudicial quanto à apreciação de parte do pedido da Demandante. Contudo, a situação indicada não consubstancia uma questão prejudicial, pois, independentemente da decisão que vier a ser tomada no Tribunal administrativo, a ponderação a fazer em sede arbitral quanto ao prejuízo e aos fundamentos invocados pela C... assenta em parâmetros diversos.
Acresce que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, Arbitragem C... vs. A... Consórcio ETAR... constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.”
Nesse despacho, segue-se no ponto B. a indicação feita pelo Tribunal dos “Factos assentes” e no ponto C., a indicação dos “Factos controversos”, tendo o processo prosseguido para julgamento, vindo a, findo este, ser proferida a sentença arbitral, ora apresentada sob o “jugo” da sua anulação.
Procedendo-se à interpretação deste despacho, - despacho do guião de prova – relativamente ao qual, as partes não estão de acordo, parece-nos que efetivamente o tribunal proferiu uma decisão sobre a competência.
Com efeito, no título e sub-título que é aí indicado: “Exceções” e “Incompetência do Tribunal”, o tribunal arbitral propôs-se a, na fase de prévia e de preparação do julgamento – guião de prova  - apreciar a exceção arguida pela aí Ré da incompetência do tribunal, aliás como se impunha.
Assim, não obstante  não terem sido usado as fórmulas lapidares usadas pelos tribunais estaduais, como “julgo a exceção procedente/improcedente” e/ou e “declaro este tribunal competente/incompetente”, considerando-se que o processo arbitral, movido pela celeridade e simplificação, dispensa muitos dos formalismos processuais exigidos no processo civil, parece-nos que o tribunal arbitral emitiu, naquele despacho a sua posição, relativamente à questão da incompetência suscitada.
É que como vimos já, a competência do tribunal arbitral resulta da celebração de uma convenção de arbitragem e o seu âmbito é definido pelo litígio e em função dele são-lhe atribuídos os poderes necessários para a sua resolução.
A convenção de arbitragem constitui assim a medida da competência do tribunal arbitral, ou seja, a incompetência do tribunal arbitral mede-se pelo objeto da convenção de arbitragem e consiste em saber se o tribunal está a conhecer de matéria que vai para além do objeto abrangido pela convenção de arbitragem.
Como vimos a convenção de arbitragem celebrada entre as partes encontra-se inserida num contrato de consórcio (cláusula 12ª nº 1 e 2), e através dela as partes convencionaram que as divergências que se suscitarem sobre a interpretação, validade e execução desse contrato fossem dirimidas  definitivamente por um Tribunal Arbitral.
As partes atribuíram competência ao tribunal arbitral para decidir as divergências que se suscitarem sobre a interpretação, validade e execução do contrato de consórcio que celebraram entre si.
Já o objeto da processo arbitral, foi desta forma identificado na sentença: “O objeto do litígio foi fixado pelas Partes, mormente nos seus articulados, podendo resumir-se do seguinte modo, nos parágrafos subsequentes.
Tendo em vista o concurso para realização da obra da ETAR..., que lhes foi adjudicada a 12 de março de 2019 (com base em proposta de 10 de maio de 2018), as Partes celebraram um Contrato de consórcio, a 10 de abril de 2019.
Em razão de vicissitudes várias, apesar de adjudicada a obra às Consorciadas (12/3/2019), de ter sido celebrado o Contrato de empreitada, a 11 de julho de 2019, com a D..., SA, e de ter sido consignada a obra a 14 de maio de 2020, com uma reserva por parte da A..., esta consorciada desvinculou-se do Contrato de empreitada, por carta de 5 de junho de 2020; não se tendo, assim, iniciado os trabalhos de execução da ETAR....
A Demandante imputa à Demandada a responsabilidade pela inexecução da empreitada, reclamando os correspondentes danos; a Demandada contesta, imputando à Demandante a responsabilidade pela situação criada no iter negocial, desde a apresentação da proposta (10/5/2018) até à consignação da obra (14/5/2020), reclamando os consequentes danos.”
No guião de prova, tendo presente que corria termos uma ação no Tribunal Administrativo, em que se discutia o incumprimento do contrato de empreitada, ação movida pela D..., SA, contra as aqui Autora e Ré, o tribunal arbitral, depois de afastar a litispendência,  e a existência de questão prejudicial, afirma o seguinte: “Acresce que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, Arbitragem C... vs. A... Consórcio ETAR... constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.” (sublinhado nosso).
Feita esta afirmação pelo Tribunal  – impossibilidade de dirimir o litígio (o eventual incumprimento do contrato de consórcio) sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada  – o tribunal logo de seguida, pratica os atos necessários ao prosseguimento do processo, selecionando os factos assentes e em instrução, vindo de seguida a realizar o julgamento e a proferir a sentença.
Do exposto podemos concluir que, o tribunal arbitral, em face da exteriorizada impossibilidade de julgamento, nos termos propostos, aceitou a sua competência, no específico condicionalismo que expressou – tendo de analisar a invocada violação do contrato de empreitada (que consubstancia o invocado incumprimento do contrato de consórcio).
Ou seja, tendo sido suscitada a questão da incompetência do Tribunal pela A... (ora autora), o Tribunal arbitral dá-se conta que, o litígio que lhe é apresentado para dirimir,  –  incumprimento do contrato de consórcio – não pode ser dirimido sem a análise da invocada violação do contrato de empreitada, que as partes celebraram com a D... (dona da obra).
Isto porque, tendo o contrato de consórcio sido celebrado tendo por objetivo a celebração pelas consorciadas do contrato de empreitada, com o dono da obra (D...), o alegado incumprimento do contrato de consórcio, gerador de responsabilidade contratual, consistiu precisamente na alegação de factos consubstanciadores da violação (culposa) do contrato de empreitada.
Face ao objeto do litígio que lhe é apresentado a dirimir e ao objeto da convenção de arbitragem, o Tribunal arbitral expressa, (a nosso ver ) de forma clara e perfeitamente compreensível que não lhe é possível apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.
E em face desta postura, oportunamente transmitida às partes, através deste despacho, o tribunal arbitral prosseguiu com o processo arbitral, aceitando pois indiscutivelmente a sua competência, para dirimir o litígio, mas naqueles “particulares” moldes, que implicavam a análise conjunta do contrato de empreitada, para o qual, não desconhecia, não lhe tinha sido atribuída competência para conhecer.
Concluímos assim que, no despacho interpretando, o tribunal arbitral mandando prosseguir o processo, aceitou ser competente, alertando que tal competência implicava necessariamente analisar em simultâneo a invocada violação do contrato de empreitada, por constituírem  duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual, porque doutra forma era impossível dirimir aquele concreto litígio.
Em face deste despacho interlocutório, que desta forma não deixou de fixar a sua competência, parece-nos que a ora Autora (não concordando, como não concorda) poderia ter tomado uma de duas posições:
Uma, a de recorrer daquele despacho interlocutório, que não acolheu a sua pretensão de ver declarada a incompetência do tribunal arbitral, para os tribunais estaduais. Dispunha para tanto do prazo perentório de 30 dias, nos termos do art. 18º nº 9 da LAV.
Outra possibilidade que dispunha era a de reagir contra aquele despacho que estendeu a competência que lhe havia sido atribuída através da convenção de arbitragem à invocada violação do contrato de empreitada, dessa forma excedendo  a competência que lhe fora atribuída pela partes na Convenção de Arbitragem, arguindo a incompetência do Tribunal com fundamento em que, como essa posição excedia a competência que lhe havia sido atribuída.
É que o nº 4 do art. 18º da LAV dispõe que:
4 - A incompetência do tribunal arbitral para conhecer da totalidade ou de parte do litígio que lhe foi submetido só pode ser arguida até à apresentação da defesa quanto ao fundo da causa, ou juntamente com esta.
Porém, o nº 6, expressamente contempla a possibilidade de no decurso do processo, o tribunal vir a exceder a sua competência, ao estabelecer que:
6 - A arguição de que, no decurso do processo arbitral, o tribunal arbitral excedeu ou pode exceder a sua competência deve ser deduzida imediatamente após se suscitar a questão que alegadamente exceda essa competência. (sublinhado nosso).
Ao não interpor recurso daquela decisão interlocutória, como já deixamos dito, a aqui Autora deixou passar um prazo de natureza preclusiva (nº 9 do art. 18 da LAV).Uma vez transitada, essa decisão tem força de caso julgado, com efeitos dentro e fora do processo arbitral, vinculando, portanto, os tribunais estaduais, ficando impedida de, em ação posterior de anulação vir a discutir a mesma questão,
E ao não reagir de imediato, ao abrigo do nº 6 do art. 18º da LAV  àquela decisão que implicava que o tribunal arbitral necessariamente (porque doutra forma julgou-se impossibilitado de dirimir o conflito) excedesse a sua competência, a aqui Autora aceitou aquela extensão de competência do tribunal arbitral. Aceitou a Autora e aceitou a Ré, já que nenhuma das partes reagiu imediatamente àquele despacho.
A convenção de arbitragem, que constitui a medida da competência do tribunal arbitral é passível de ser modificada ou revogada. Como já dissemos, a mesma tem subjacente a autonomia da vontade das partes (art. 405º do Código Civil). Ela constitui um negócio jurídico. Não cabendo aqui a discussão se se trata de um negócio jurídico substantivo ou processual,[13] há consenso na doutrina quanto à natureza contratual da convenção.
Dessa forma, o contrato pode ser modicado, desde que haja o necessário acordo das partes.
Ora o nº 4 do art. 18º da LAV estabelece que incompetência do tribunal arbitral para conhecer da totalidade ou de parte do litígio que lhe foi submetido só pode ser arguida até à apresentação da defesa quanto ao fundo da causa, ou juntamente com esta.
Se o Tribunal arbitral diz (e di-lo de forma clara) que não é possível dirimir o conflito – incumprimento do contrato de consórcio - sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual, está a estender a sua competência.
O tribunal arbitral, como que estendeu os seus poderes de cognição para poder apreciar o litígio que lhe foi apresentado pelas partes.
Nenhuma das partes, onde se inclui a ora Autora reagiram, (reação que teria de ser de imediato) arguindo a incompetência do tribunal arbitral quando este afirma não poder conhecer do litígio, sem conhecer do alegado incumprimento do contrato de empreitada.
Como refere Elsa Dias Oliveira,[14]  “Atenta a ideia de celeridade, bem como os princípios da boa-fé, da cooperação e da autonomia privada, que estão subjacentes à arbitragem voluntária, se as partes, perante uma situação que pode consubstanciar uma incompetência do tribunal arbitral, não reagirem, assume-se que aceitam a competência do tribunal para apreciar essa situação. Ou seja, aceita-se uma modificação tácita da convenção da arbitragem. Outra não pode ser a conclusão se atendermos ao previsto nas referidas disposições – art. 18º nºs 4 e 6, LAV – conjugado com o disposto no art. 46º nº 4 LAV que determina que a omissão de oposição ao desrespeito por disposições da LAV que as partes podem derrogar deve entender-se como renuncia ao direito de impugnar a decisão arbitral
Ou seja, a não reação da ora Autora (e da Ré) a este despacho, ao declarara a impossibilidade de julgar a causa, sem apreciar o alegado incumprimento do contrato de empreitada, isto é ao afirmar que não lhe é possível decidir a questão do incumprimento do contrato de consórcio dissociada da questão do incumprimento do contrato de empreitada, implicou a sua aceitação a uma alteração da convenção da arbitragem no sentido preconizado pelo tribunal arbitral.

Na verdade a autora não só não reage ao despacho, como aceita o prosseguimento do processo, com a realização do julgamento e da prolação da sentença, naquele condicionalismo anunciado pelo tribunal arbitral.

Atento o exposto, não podemos acolher o primeiro argumento da Autora, que aquela reputou de decisivo, na resposta á caducidade..
A Autora argumenta ainda para reforçar a sua posição (inexistência de despacho interlocutório a apreciar a competência) dizendo ainda que, da sentença arbitral  resulta que a apreciação da competência foi feita na sentença.
Vejamos.
É verdade que, na sentença, o tribunal arbitral, no ponto 5, denominado  “resumo do processado”, no ponto relativo à alínea “e) Saneador-Guião de Prova”, o seguinte:
“ Na medida em que a Demandante funda o seu pedido tanto no incumprimento do contrato de consórcio - ajustado entre C... e A... - como no contrato de empreitada, em que era Dono da obra D..., SA, e esta última relação jurídica vai ser apreciada pelo competente Tribunal administrativo, a Demandada entende que o Tribunal arbitral não se pode pronunciar relativamente ao valor peticionado pela C... no que respeita aos prejuízos incorridos pelo incumprimento do contrato de empreitada, de que considera a A... responsável; ou seja, o Tribunal arbitral seria materialmente incompetente para se pronunciar sobre a designada segunda causa de pedir (resolução do contrato de empreitada e correspondentes danos).
Sem prejuízo de a apreciação a fazer pelo Tribunal administrativo, no que respeita à responsabilidade e consequências do não cumprimento do contrato de empreitada, poder não coincidir com a que vier a ser feita pelo Tribunal arbitral, não há litispendência, por faltar a coincidência entre as partes, a causa de pedir e o objeto dos pedidos. Por outro lado, se o Tribunal arbitral decidisse suspender o processo arbitral aguardando pela decisão, com trânsito em julgado, do Tribunal administrativo, ficaria precludida uma das finalidades da arbitragem, a celeridade, obstando inclusive ao acordo das partes, transposto para a ata de instalação, de o processo arbitral terminar no prazo de um ano.
Neste contexto, a Demandada, quanto à apreciação da extinção do contrato de empreitada, a decidir pelo Tribunal administrativo, considera tratar-se de uma questão prejudicial quanto à apreciação de parte do pedido da Demandante. Contudo, a situação indicada não consubstancia uma questão prejudicial, pois, independentemente da decisão que vier a ser tomada no Tribunal administrativo, a ponderação a fazer em sede arbitral quanto ao prejuízo e aos fundamentos invocados pela C... assenta em parâmetros diversos.
Acresce que o Tribunal arbitral não pode apreciar o eventual incumprimento do contrato de consórcio sem analisar a invocada violação do contrato de empreitada, constituindo duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual.
Desta forma, não poderá discutir no presente recurso, a questão que suscitou de ter sido extravasado na sentença a convenção de arbitragem, por ter sido considerado matéria relativa à relação jurídica assente no contrato de empreitada celebrado entre as Partes e um terceiro, que quele consórcio visou celebrar.”
Trata-se, como é bom de ver de um “resumo do processado” , isto é dos atos processuais anteriores, constantes do resumo do processo feito  na parte inicial da sentença. Nada mais do que isso, na medida em que nada é acrescentado ou alterado relativamente à anterior decisão que acabamos de analisar.
Como último argumento, defende ainda a Autora que, a presente impugnação não se refere à decisão do Tribunal sobre a sua (in)competência – que foi de sentido favorável ao defendido pela A... – mas sim sobre o facto de, não obstante (e em contradição com) essa decisão, a Sentença ter ultrapassado os limites da convenção de arbitragem.
A Autora alega que ocorre uma contradição, “na medida em que o Tribunal Arbitral admitiu ser incompetente para apreciar um litígio para, logo depois, apreciá-lo principalmente – o que contamina a decisão no seu todo”.
Esta afirmação parte do pressuposto erróneo que o tribunal arbitral se julgou incompetente. Ora como vimos, o tribunal arbitral declarou estender a sua competência, que poderia ter redundado numa situação de incompetência, não tivesse a mesma sido sanada, como vimos pelo acordo tácito das partes, que não reagiram, de modo atempado a essa situação, aceitando dessa forma, uma alteração da convenção de arbitragem.
Concluindo, uma vez que a convenção de arbitragem, que constitui a medida da competência do tribunal arbitral é passível de ser modificada ou revogada, a não reação da autora àquele despacho interlocutório do tribunal arbitral, pela via do recurso, ou pela via da arguição da incompetência da extensão da competência feita pelo tribunal arbitral, nos termos do citado art. 18º da LAV, implicou a sua aceitação, com a consequente alteração da convenção de arbitragem no sentido que a mesma passou a abranger nas divergências que se suscitarem sobre a interpretação, validade e execução do contrato de consórcio, a invocada violação do contrato de empreitada, para o qual aquele consorcio foi constituído,( por constituírem  duas questões cuja análise tem de ser feita em conjunto, atenta a reciprocidade que resulta desta dualidade e interseção contratual).
Pelo exposto e em conclusão, entendemos que a Autora encontra-se abrangida pelo caso formal daquela decisão, não podendo por isso discutir a mesma nesta ação de anulação.

VI- APLICAÇÃO DO DIREITO:
Antes de procedermos à análise de cada um dos fundamentos invocados pela Autora para a anulação da sentença arbitral, impõe-se, a nosso ver, proceder a uma delimitação dos concretos poderes deste tribunal estadual na decisão a proferir.
Para tanto, socorremo-nos das esclarecedoras palavras, de António Sampaio Caramelo[15], a este respeito: “quando decide sobre uma apelação, o tribunal de recurso tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega aos mesmo resultado que foi atingido pela decisão recorrida. Por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se fosse o julgador do litígio submetido ao tribunal inferior – o objeto da apreciação do tribunal de recurso, constitui o que se pode chamar por “litigio primário”. Ao fazer isto, o tribunal de recurso substitui pela sua decisão a decisão proferida pelo tribunal inferior, que é revogada ou anulada. (…)Bem diferente é a tarefa a efetuar pelo tribunal que tem de decidir se anula ou não a sentença arbitral perante ele impugnada. Quando decide sobre um pedido de anulação, o tribunal estadual de controlo não decide sobre o “litigio primário” definido como indicou acima) e não exprime a sua opinião sobre o modo como o litígio foi decidido quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral. O tribunal de controlo apenas verifica (i)se o tribunal arbitral tinha poder jurisdicional para dirimir o litigio, (ii) se o processo arbitral conducente à decisão decorreu de acordo com os padrões de correção e justiça processual prescritos pela lei do foro (i.e, a lei da sede da arbitragem ou do lugar de execução da sentença), (iii) se a fundamentação da sentença é suficiente para a tornar inteligível, (iv) se a(s) decisão (ões) contida(s) na sentença está (ão9 em conformidade com as peças escritas apresentadas pelas partes e (v) se o resultado material da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a “ordem pública” do estado a que pertence o tribunal supervisor.
Portando, em vez de verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente a factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao “litigio primário”, como acima se referiu), o tribunal estadual de controlo verificará se a sentença arbitral, atendendo á sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. É a verificação da existência destas condições que constitui o que alguns autores designam por “litigio secundário”, que é o exclusivo objeto de análise do tribunal de controlo.”
Para concluir, que, ao decidirem sobre pedidos de anulação de sentenças arbitrais, “os tribunais estaduais de controlo não podem proceder à revisão do mérito decidido por tais sentenças, mas têm de examinar o mérito por elas decidido, na sua totalidade”.
Isto, posto, analisemos agora os concretos fundamentos invocados ela Autora para a anulação da sentença arbitral.

6.1-Saber se a decisão arbitral extravasou os limites da convenção de arbitragem atribuidora e delimitadora do poder jurisdicional do Tribunal Arbitral (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iii)).
Dispõe esta norma que a “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente  se:
(…)
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
b) (…)
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; “
Alega a Autora que ocorre este vício porque a sentença se pronunciou principalmente, não sobre a matéria que diz respeito ao contrato de consórcio que contém a convenção de arbitragem, mas sim sobre um outro litígio: o relativo à relação jurídica assente num contrato de empreitada celebrado entre as Partes e um terceiro, que não só extravasa os limites da convenção de arbitragem como também inclui um pacto de jurisdição estadual autónomo.
Tal sucede porque, ela se pronunciou principalmente, não sobre a matéria que diz respeito ao contrato de consórcio que contém a convenção de arbitragem, mas sim sobre um outro litígio: o relativo à relação jurídica assente num contrato de empreitada celebrado entre as Partes e um terceiro, que não só extravasa os limites da convenção de arbitragem como também inclui um pacto de jurisdição estadual autónomo.
Vejamos.
Como também este Tribunal não pode deixar de reconhecer, face à evidência da situação apresentada – não era possível apreciar o litígio que foi apresentado ao tribunal arbitral, contido nos limites da convenção arbitral. O tribunal arbitral em despacho proferido no “guião de prova” estendeu a sua competência, nos precisos limites necessários a tal, o que redundou numa alteração da convenção de arbitragem aceite pelas partes, como vimos.
Desta forma, pelas razões acabadas de analisar, que nos dispensamos de repetir, inexiste o vício invocado, porquanto a apreciação do litígio se conteve dentro daqueles limites fixados pelo tribunal arbitral ao estender a sua competência, extensão essa que foi aceite pelas partes.
Acrescenta-se apenas que tal não contende com “pacto de jurisdição estadual autónomo”, que figura no contrato de empreitada.
Com efeito, tal como resulta da sentença, o tribunal arbitral limitou-se a apreciar o incumprimento do contrato de consórcio, deixando de fora as considerações de responsabilidade pelo incumprimento do contrato de empreitada, por não constituir objeto da arbitragem.
É significativo que a sentença se inicie, na aplicação do direito aos factos com a seguinte frase, reveladora do cuidado posto pelo Tribunal arbitral em não exceder o objeto da arbitragem, na parte em que implicou a apreciação de algumas questões conexas e indissociáveis do contrato de empreitada: “Tendo por base a petição inicial e o objeto do litígio, importa analisar a invocada responsabilidade da A... no incumprimento dos compromissos assumidos no contrato de consórcio - com a C... - e de execução da obra de construção da ETAR... em relação às D.... Ainda que, quanto a esta última relação jurídica, não se teçam considerações de responsabilidade pelo incumprimento, por não constituir objeto desta arbitragem.”

6.2-Saber se sentença arbitral não cumpriu o dever de fundamentação constitucionalmente imposto e previsto no n.º 3 do artigo 42.º da LAV (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea vi)).
Diz a Autora que esse incumprimento se revela a dois planos:
Por um lado, a sentença apresentou fundamentos contraditórios com a decisão e entre si, na medida em que o Tribunal Arbitral admitiu ser incompetente para apreciar um litígio para, logo depois, apreciá-lo principalmente – o que contamina a decisão no seu todo.
Por outro lado, a sentença simplesmente omitiu a fundamentação relativa à questão decidenda fundamental – a relativa aos pressupostos da existência de responsabilidade das Partes no âmbito do contrato de consórcio – no âmbito da relação material controvertida que devia ser o objeto do litígio levado perante o Tribunal Arbitral.
Dispõe o artigo 46º nº 3 al vi) da LAV, o seguinte:
“(…)
3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
(…)
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º (…);
Já o 42º nº 3 da LAV dispõe que:
“(…)
3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º(…)”
Relativamente ao primeiro ponto da invocada “falta de fundamentação”, por existir contradição, “na medida em que o Tribunal Arbitral admitiu ser incompetente para apreciar um litígio para, logo depois, apreciá-lo principalmente – o que contamina a decisão no seu todo”, trata-se de questão que já se mostra apreciada supra, inexistindo, tal como já tivemos ocasião de apreciar, qualquer contradição em face da extensão da competência operada e aceite pelas partes.
Quanto à falta de fundamentação, – a relativa aos pressupostos da existência de responsabilidade das Partes no âmbito do contrato de consórcio – no âmbito da relação material controvertida que devia ser o objeto do litígio levado perante o Tribunal Arbitral, dir-se-á o seguinte.
A fundamentação das decisões dos tribunais constitui um imperativo constitucional.
Dispõe o  art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Essa fundamentação deve ser expressa e, ainda que sucinta, deve ser suficiente para permitir o controlo do ato.
Como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, relativamente às sentenças estaduais, nestes casos só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C.
Relativamente às sentenças arbitrais, “Não se exige qualquer tipo específico de fundamentação nem se impõe que sejam considerados todos os argumentos jurídicos invocados pelas partes. A tendência jurisprudencial claramente dominante é no sentido de que o grau de fundamentação exigido seja menor do que é a prática corrente nas sentenças judiciais.
Compreende-se esta tendência.: “a fundamentação da sentença estadual visa, não só permitir compreender a razão da decisão como habilitar o tribunal de recurso a controlar como o tribunal a quo aplicou o direito substantivo e o direito processual. No caso da decisão arbitral, em que em regra não há recurso, a fundamentação deve visar apenas promover a compreensão pelas partes da razão de ser da decisão e assim possibilitar a pacificação dos conflitos. Tal bastará para cumprir o art. 205º nº 1 da Constituição. Mesmo porém, no caso de decisões arbitrais suscetíveis de recurso, a fundamentação exigida por força deste artigo 42º, é apenas a necessária para os destinatários compreenderem o iter lógico jurídico da decisão, e não a necessária para cumprimento das normas correspondentes do Código de Processo Civil (em especial sobre prova), as quais, em regra não se aplicam ao processo arbitral”.[16]
No sentido de uma exigência de fundamentação necessária apenas à sua inteligibilidade, ou seja á sua compreensão da razão de ser, a posição maioritária da jurisprudência, vejam-se os seguintes acórdãos: do STA de 27.9.2018 (no Processo 776/17.6YRLSB.S1) do Tribunal Central Administrativo do Sul de 15.3.2018 (no Processo 82/17.6BCLSB) e desta Relação de 7.2.2017 (no Processo 292/16.3YRPRT).
Ora, a sentença dos autos, ao contrário da afirmação da Autora encontra-se devidamente fundamentada de direito e de facto.
Com efeito, despois da exposição dos factos provados e da respetiva (e extensa, diga-se, fundamentação da matéria de facto provada), é feito o enquadramento jurídico da responsabilidade contratual imputada à aqui autora, de forma, sendo perfeitamente percetível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para demonstrar aquela responsabilidade.
Transcreve-se um trecho, assaz demonstrativo do que acabamos de afirmar:  “(…) Depois de a A... se ter vinculado mediante o envio da proposta, da adjudicação da obra, da celebração do contrato de consórcio, da assinatura do contrato de empreitada e da consignação da empreitada, a 5 de junho de 2020 enviou duas comunicações, à C... e ao Dono da obra, no sentido de se desvincular dos contratos de consórcio e de empreitada. Não tendo, assim, executado a obra de que se incumbira (concretamente, a parte de construção civil da referida ETAR).
Ainda que a resolução dos dois vínculos correspondesse a uma desvinculação anunciada, atentos os invocados prejuízos que a A... considerava que incorreria caso viesse a executar a obra sem a otimização proposta, a referida extinção do contrato de consórcio (e, consequentemente, do contrato de empreitada) não se fundou em incumprimento definitivo imputável à contraparte (artigo 801.°, n.° 2, ex vi artigo 432.°, n.° 1, do CC), nem em alteração das circunstâncias, nos termos previstos no n.° 1 do artigo 437.° do CC. Acresce que, além de prejuízos decorrentes da redução de valor da proposta da A... (resposta ao facto controverso 3)) e de aumento da mão-de-obra ou de custos de execução atento o esclarecimento prestado pelo Dono da obra relativamente à quota de cheia (resposta aos factos controversos 5), 16), 17), 19), 21) e 22)), da proposta constavam erros de orçamentação da A... (resposta ao facto controverso 13)).
Além do facto de a A... ter afirmado, desde a apresentação da proposta, que vislumbrava prejuízos que a obra lhe acarretaria caso não fosse otimizado o projeto, há dois outros aspetos que minimizam a sua responsabilidade: por um lado, o alegado deferimento tácito, invocado pelas Consorciadas e com base no qual elaboraram uma revisão do projeto base, assim como o desenvolvimento do projeto de execução (factos assentes XV, XVI e XVIII), não tendo a C..., atenta a recusa por parte do Dono da obra, mantido esta posição; por outro, o facto de a C..., na reunião de 3 de fevereiro de 2020, perante a vontade da A... de se desvincular e na sequência de uma proposta de resolução amigável aventada por uma advogada do Dono da obra, a C... opôs-se veementemente a tal via de extinção do contrato de empreitada (factos assentes XXII. e XXIII. e resposta ao facto controverso 28)).
Da factualidade descrita resulta que a A... faltou ao cumprimento de obrigações contratuais que assumira perante a C... (artigo 798.° do CC), presumindo-se culpada desse incumprimento (artigo 799.°, n.° 1, do CC). As várias manifestações de vontade da A..., já relatadas, no sentido de desconforto quanto à realização da obra, atendendo aos prejuízos previsíveis em que incorreria, não consubstanciam uma via para ilidir a presunção de culpa. Ainda assim, essas manifestações de vontade da A..., informando reiteradamente a C... de que não poderia arcar com tal prejuízo e a tentativa desta de manter o consórcio - e consequentemente a execução da obra - mediante a otimização do projeto e admitindo arcar com parte do prejuízo, até € 300.000, não permitindo ilidir a presunção de culpa do n.° 1 do artigo 199° do CC, podem justificar que a responsabilidade da Demandada seja reduzida atendendo à concausalidade indicada, nos termos do artigo 570.° do CC, no que respeita à não execução da obra. E a referida causalidade partilhada resulta igualmente, tanto do facto de a C... não ter persistido na invocação do deferimento tácito, como na oposição à resolução amigável na reunião de 3 de fevereiro de 2020.
Termos em que se considera a A... responsável pelo incumprimento do Contrato de consórcio estabelecido com a C..., responsabilidade esta partilhada, ainda que em percentagem diminuta, por haver concurso de culpa da Demandante, com as consequências indemnizatórias prescritas no artigo 570.°, n.° 1, do C”.
Resta concluir pela improcedência da pretendida anulação da decisão tendo por base a imputação do vício formal previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi) da LAV com referência ao n.º 3 do artigo 42.º do mesmo diploma.

6.3- Saber se a sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artigo 46.º. n.º 3, alínea b), subalínea ii)).
Por último, sustenta a autora que o conteúdo da sentença arbitral - mormente, o dispositivo - ofende os princípios da ordem pública do sistema jurídico.
Alega em suma que, integram, a ordem pública internacional também os princípios estruturais relativos a questões patrimoniais, dos quais se destacam, com particular relevância para o presente caso, a proporcionalidade (ou da proibição do excesso) das prestações e das indemnizações.
Estão proibidos, sob pena de contrariedade com a ordem pública internacional do Estado Português, indemnizações punitivas em matéria cível, desligadas do dano, assim como as condenações desproporcionais e os enriquecimentos arbitrários ou traduzidos em vantagens excessivas (desmedidas) para uma parte, em detrimento da outra.
Conclui que a sentença arbitral viola, de forma ostensiva, os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, designadamente, os princípios da boa-fé, da proibição do enriquecimento sem causa e da proporcionalidade, bem como os corolários, que deles derivam, da proibição da atribuição de indemnização sem dano e de condenações desproporcionadas ou arbitrárias.
Defende que tal ocorre com “a atribuição pelo Tribunal Arbitral à C... de uma indemnização relativa à componente de “custos de estrutura”, no valor de € 335.250,00 (trezentos e trinta e cinco mil duzentos e cinquenta euros), para compensação de danos não demonstrados no processo e, pode afirmar-se com toda a certeza, totalmente inexistentes.”
A condenação da ora Autora no pagamento de “custos de estrutura”, ocorre sem ter sido dado como provado um único facto que permitisse sustentar esses prejuízos.
Que esta questão foi mesmo objeto de voto de vencido por um dos Árbitros, nestes sentido: “não posso (…) estar de acordo com a aplicação que a sentença faz da percentagem de 6% que, em face da inexistência de prova dos prejuízos alegadamente sofridos, se me afigura aleatória. De mais a mais quando, como no caso concreto sucedeu, a obra nem sequer foi executada, pelo que os custos da estrutura central teriam que necessariamente ser muito inferiores àqueles que seriam suportados se tal não tivesse sucedido”.
Analisemos.
De acordo com a subalínea ii) da art. 46º, 3, b), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se o tribunal verificar que “[o] conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.”
Trata-se de uma causa de anulação da decisão arbitral que foi consagrada na atual LAV posto que a anterior LAV (Lei n.º 31/86, de 29-08), designadamente no seu artigo 27.º, não a contemplava.
Na ponderação desta causa de anulação, há que ter presente que subjacente à convenção de arbitragem está a opção das partes em querer que a decisão dos árbitros sobre o litígio constitua uma decisão final (definitiva) e que os tribunais estaduais sejam afastados da resolução deste. A irrecorribilidade da decisão final reforça as principais vantagens reconhecidas à arbitragem, nomeadamente a celeridade que proporciona na resolução do litígio e a circunstância de este ser dirimidos por decisores de reconhecida competência.[17]
Ora, um dos fundamentos constante do elenco taxativo ou fechado dos fundamentos de anulação da sentença arbitral, pelos tribunais estaduais consiste na ofensa  do seu conteúdo dos princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Trata-se de uma cláusula de salvaguarda do sistema jurídico, permanecendo por determinar qual o conteúdo da “ordem pública internacional” que é relevante para efeito de controlo de anulação das sentenças arbitrais.
Exemplos desses princípios dessa “ordem pública internacional do Estado Português” são, nos termos e para os efeitos previstos na disposição legal em apreço, nomeadamente nas perspetivas substancial e patrimonial, o princípio da igualdade das partes perante a lei, o princípio pacta sunt servanda, o princípio da boa fé e da proteção da confiança, o princípio da rebus sic stantibus, o princípio da proibição do abuso do direito, o princípio da interdição da fraude à lei, o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, a garantia de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos, a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, a garantia da irretroatividade da lei sancionatória, a proteção dos civilmente incapazes, a proibição das vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da proteção da parte contratante mais fraca, a proibição de condenações expropriativas ou desproporcionadas e enriquecimentos arbitrários sem justa causa (“cláusulas penais excessivas, punitive damages, expropriações sem indemnização minimamente razoável, manutenção de quadros ruinosos e similares”), entre outros (nomeadamente mais sectoriais, como na área ambiental e na área da concorrência, e de ordem processual.[18]
Tal como salienta o Ac. do STJ de 26-09-2017 [19] « [m]esmo que não seja possível determinar, a priori, o conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional, é latamente consensual a ideia de que o mesmo é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são, desde logo, os que, pela sua relevância, integram a Constituição em sentido material, pois são as normas e princípios constitucionais, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, que não só enformam como também conformam a ordem pública internacional do Estado, o mesmo sucedendo com os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e ainda com os princípios fundamentais nos quais se incluem os da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e os princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária, quanto de fonte nacional.
Considerando, porém, que os aludidos princípios possuem um conteúdo normativo amplo ou indeterminado, a invocação da sua violação, como fundamento da anulação de sentença arbitral, terá de ser sujeito a acentuadas restrições e daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português, a que alude o art. 46.º, n.º 1, 46º, nº 3, b), ii), da LAV, pressuponha que essa decisão conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efetivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica».
Também no acórdão do STJ de 21 de março de 2023[20], se pode ler a este propósito: “O controlo que o Tribunal estadual tem de fazer para aquilatar da ofensa da ordem pública internacional do Estado não se confunde com revisão. O tribunal estadual não julga novamente o litígio decidido pelo tribunal arbitral para verificar se chegaria ao mesmo resultado a que este chegou, apenas deve verificar se a sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica, daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português a que alude o art.º 46º n.º 1 e nº 3, alínea b), ii), da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (LAV), pressuponha que essa decisão conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um efetivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.”
Relembrando o que acima foi dito, quanto aos poderes do tribunal estadual ao decidirem sobre pedidos de anulação e sentenças arbitrais, no sentido em que os tribunais estaduais de controlo não podem proceder à revisão do mérito decidido por tais sentenças, mas têm de examinar o mérito por elas decidido, na sua totalidade, impõe-se examinar o que foi decidido pelo tribunal arbitral quanto aos “custos de estrutura”, a fim de se verificar se tal decisão, ofende ou não os princípios de ordem pública internacional.
Não se trata aqui de  verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente a factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao “litígio primário”, como acima se referiu), mas antes e tão só verificar se a decisão preenche as necessárias condições de regularidade e de validade, isto é analisar o chamado “litígio secundário”, este sim da exclusiva competência do tribunal estadual de controlo.
Na situação em apreço, temos pois de nos afastar  do  chamado “litígio primário”, nesta questão dos “custos estruturais”, relativamente à qual, diga-se, não houve consenso do colégio arbitral (dois dos Exmºs Árbitros fizeram consignar das respetivas declarações de voto as suas discordâncias), na solução que foi subscrita pelo Exmº Juiz Arbítrio Presidente, situando-nos unicamente na análise do “litígio secundário”, de controlo da decisão, na apreciação da questão colocada à nossa apreciação, que consiste em saber se a decisão concreta que condenou a aqui Autora no pagamento de indemnização à parte contrária, pelos “custos estruturais” ofende princípios da ordem pública internacional do Estado Português, designadamente, os princípios da boa-fé, da proibição do enriquecimento sem causa e da proporcionalidade, bem como os corolários, que deles derivam, da proibição da atribuição de indemnização sem dano e de condenações desproporcionadas ou arbitrárias.
Pensamos que tal não ocorre na situação em apreço.
Basta para tal, atentar naquilo que é afirmado na sentença, relativamente aos custos estruturais, para ficar afastada a imputada “atribuição de indemnização sem dano e de condenações desproporcionadas ou arbitrárias.”
Constata-se que, na sentença arbitral a este respeito, na resposta ao facto 33), em resposta à questão “Quais os prejuízos suportados pela Demandante (C...) em consequência da resolução do contrato de empreitada invocada pelo dono da obra?”é feita desde logo uma referência concreta os danos de estrutura, afirmando-se “(...)A margem de lucro considerada pela C... para esta empreitada de concepçã o- construção foi de 5%, sendo que a Margem Industrial Bruta (conjugação dos encargos de estrutura com os lucros cessantes ou margem) incorporada no preço proposto para os trabalhos de responsabilidade da C... foi de 14,2% (9,2% de estrutura e 5% de lucros cessantes)”.
Figura no quadro apresentado na resposta a esta questão[21] , a inscrição do valor de “663.320,00 €”, relativo a “Custos de Estrutura (correspondente a 9,2% dos custos apurados.”
E afirma-se aí: “Em relação aos designados custos de estrutura, a Demandante recorreu tão-só ao Documento n.° 84, junto com a petição inicial e a declarações de parte e a depoimentos das testemunhas, sem prova documental extraída das contas e subcontas da contabilidade da empresa, ou seja, de documentos extraídos do SNC. Da leitura do Documento n.° 84 junto com a petição inicial suscitam-se algumas dúvidas quanto ao valor alcançado de 9,2%, porquanto, atendendo ao total de vendas (1231) e de gastos (97) em Portugal, o valor percentual é de 7,8% e, tendo como referência o grupo empresarial, em vários países, comparando o total de vendas (3885) com os gastos (235), a percentagem fica reduzida a 6%. A este propósito refira-se que a rubrica de gastos gerais (358) não encontra evidencia no documento.”
E na aplicação do Direito, a sentença arbitral dispensa a esta questão, uma extensa fundamentação, que aqui reproduzimos:  “(…) III. No que respeita aos custos de estrutura e à margem de lucro da Demandante, esta calcula os primeiros com base na percentagem de 9,21% sobre os trabalhos da sua responsabilidade (€7.450.000,00), indicando o valor de €663.320,00 (ainda que a percentagem indicada corresponda a € 686.145). Por seu turno, quanto aos lucros cessantes, a C... calcula-os com base na percentagem de 5% sobre os trabalhos da sua responsabilidade (€7.450.000,00), indicando o valor de €360.500,00 (ainda que a percentagem indicada corresponda a € 372.500).
Por via de regra, a determinação dos prejuízos efetivos deverá ser feita através de uma análise à contabilidade do lesado (in casu, a Demandante) para determinar quais foram os custos efetivos e reais que teria tido e também, em matéria da lesão do interesse contratual positivo, qual o lucro que teria deixado de auferir em consequência de o contrato não ter sido executado. E isto tanto mais quanto é certo que em cada obra tem de existir, pelo menos ao nível da contabilidade analítica, o cálculo dos custos que a empresa vai incorrendo, a fim de determinar se a mesma deu lucro ou prejuízo.
Por outro lado, como é sabido, nem todos os negócios dão a mesma margem de lucro e, ainda que a C... tenha uma posição dominante no mercado dos equipamentos para tratamento de águas residuais, nem todas as empreitadas dão o mesmo lucro e pode haver, e haverá seguramente, empreitadas que acarretam prejuízo.
De resto, segundo o entendimento que prevaleceu neste Tribunal, os custos de estrutura e os lucros cessantes não podem ser determinados seriamente a partir da aplicação tabelar de percentagens fixas como tem sido recorrente em muitas empreitadas. Para o apuramento de tais valores é necessário analisar documentação em concreto: p. ex., faturas, ainda que "proforma", dos equipamentos que iam ser fornecidos, discriminação dos custos em que a empresa iria incorrer com o seu custo e a sua instalação e montagem.
Só na posse destes documentos é que, de acordo com a teoria da diferença, os decisores podem ter a certeza de não estarem a ressarcir meros danos putativos.
Aliás, o tratamento contabilístico dos chamados "contratos de construção" tem sido objeto de inúmeros estudos e o próprio Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas estabelece no artigo 19.° regras para a contabilização que postulam a necessidade de a contabilidade da empresa fornecer elementos para possibilitar o relato financeiro autónomo de cada uma das obras executadas. É certo que se está em face de uma obra que, em relação à C..., não é de construção civil, mas nem por isso perde a natureza de "obra", pelo que se encontra sujeita às mesmas regras contabilísticas: a contribuição da C... não se limitava ao mero fornecimento de equipamentos, hipótese em que se poderia desconsiderar o contrato como sendo de empreitada, ou seja, convolando-o num contrato de execução de uma obra ou num contrato de compra e venda. A partir da análise dessa documentação e informação contabilística, seria muito fácil apurar o valor efetivo dos prejuízos. Bastaria fazer uma mera operação aritmética de subtração: ao valor do preço de adjudicação da empreitada seria subtraído o valor dos custos efetivamente suportados ou a suportar. O resultado da subtração permitiria verificar a pertinência dos custos com os reclamados danos, uma vez que os mesmos constavam na contabilidade da Demandante.
Também quanto aos encargos de estrutura, para além das considerações já tecidas, importa ainda ter em consideração que os custos da estrutura central de uma empresa não têm grande elasticidade. Pelo que quantificar os mesmos custos na base de uma percentagem assenta num critério aleatório, pode conduzir à indemnização de danos que podem não ser reais. Se o custo da estrutura central correspondesse a uma percentagem fixa sobre o valor da obra adjudicada, poderia suceder que, com uma obra de valor elevado, pela mera aplicação da percentagem de 10%, os encargos de estrutura da empresa fossem totalmente suportados apenas por essa obra. Por outro lado, uma empresa que se encontre a executar dez obras em simultâneo teria um custo de estrutura central elevadíssimo, pelo que estes custos devem ser proporcionais ao volume de trabalhos, não podendo ser fixados por uma percentagem fixa.
Além do mais, essa forma de cálculo permite proveitos perfeitamente especulativos em matéria de encargos gerais e pode conduzir a resultados que sejam muito inferiores aos encargos reais se o valor da obra for baixo e o tempo despendido pela estrutura central for elevado mercê de vicissitudes que a obra sofra por razões imputáveis ao próprio empreiteiro.
O critério só teria sentido e seria justificável se a percentagem aumentasse ou diminuísse em função da carteira anual de obras dos empreiteiros e do valor destas.
 Ora, as componentes do custo da estrutura central praticamente não têm elasticidade: os custos são os mesmos, existindo muitas ou poucas obras e independentemente do valor de cada uma; o número de administradores, dos membros do secretariado de apoio à administração, dos diretores como o de recursos humanos, financeiro e administrativo e restantes colaboradores dificilmente muda, bem como os encargos administrativos (luz, água, comunicações, etc.) a não ser que se esteja em face de uma situação excecional de aumento ou redução da atividade empresarial. E, mesmo nestes últimos casos, a elasticidade é sempre relativamente reduzida porque as empresas não podem funcionar sem um mínimo de estrutura.
Também não é pelo facto de o valor da faturação aumentar para o dobro que o custo da estrutura central aumenta, muito menos na mesma proporção.
A imputação do custo da estrutura central à obra deveria ser feita em função, não do valor da mesma, mas do tempo, efetiva e realmente, gasto pelos membros da estrutura e pelos dos custos de outra ordem provocados pela obra.
Além disso, existe também um problema de direito que é o da pertinência do hipotético dano pelo interesse contratual positivo ser indemnizável. Porquanto, sendo lançado um novo concurso, há a probabilidade de a C... o ganhar atento o facto de ser uma empresa que tem o know-how que lhe assegura uma grande superioridade e vantagem competitiva neste tipo de obras, sendo a maior empresa do setor de tratamento de águas residuais a operar em Portugal. Deste modo, pode nem haver lucro cessante se à C... for adjudicada a obra da ETAR..., em novo concurso.
Pese embora as considerações tecidas nos parágrafos anteriores quanto a dúvidas na fixação dos valores devidos em razão de custos de estrutura e lucros cessantes, na situação em apreço, da prova produzida, conclui-se que a Demandante terá tido danos desta natureza. Ora, na base do princípio non liqued (artigo 8.° do CC), este Tribunal, não obstante a incerteza quanto ao montante, não pode abster-se de julgar e, atento o disposto no n.° 3 do artigo 566.° do CC, como não foi possível averiguar o valor exato dos danos relacionados com custos de estrutura e lucros cessantes, deve julgar equitativamente.
 Entendendo-se que a equidade não assenta no livre-arbítrio, a fixação equitativa dos danos em questão deve ser ponderada com base nos elementos que foram disponibilizados a este Tribunal.
Quanto aos custos de estrutura, descurando as dúvidas colocadas anteriormente no que respeita à sua fixação percentual, como se julga segundo a equidade, há que encontrar um valor percentual adequado do qual se possa alcançar um resultado justo. A Demandante indicou a percentagem de 9,21%, fundada no Documento n.° 84 junto com a petição inicial. Contudo, como referido na resposta ao facto controverso 33), este documento suscita algumas dúvidas quanto ao valor indicado de 9,2%, porquanto, atendendo ao total de vendas (1231) e de gastos (97) em Portugal, o valor percentual é de 7,8% e, tendo como referência o grupo empresarial, em vários países, comparando o total de vendas (3885) com os gastos (235), a percentagem fica reduzida a 6%. Por outro lado, atendendo à literatura especializada, a percentagem dos custos de estrutura oscila entre 5% e 10%.
Assentando nestas ponderações e num juízo equitativo nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 566.° do CC, fixa-se como valor adequado para os custos de estrutura a percentagem de 6%, correspondendo ao valor de € 447.000,00.
Em relação aos lucros cessantes, além das ponderações antecedentes quanto à sua fixação percentual, atendendo ao facto de, desde a apresentação da proposta, a C... ter reiteradamente afirmado não ter margem para reduzir o valor da sua parte da obra, mas, simultaneamente, ter admitido suportar os prejuízos da A... até ao montante de € 300.000,00, na decisão com base na equidade, entende-se não ser devida qualquer importância a título de lucros cessantes.”
Desta transcrição da sentença arbitral resulta por um lado que o tribunal arbitral reconheceu a dificuldade de fixação destes danos, expressando desde logo essa dificuldade, quando afirma: “ De resto, segundo o entendimento que prevaleceu neste Tribunal, os custos de estrutura e os lucros cessantes não podem ser determinados seriamente a partir da aplicação tabelar de percentagens fixas como tem sido recorrente em muitas empreitadas. Para o apuramento de tais valores é necessário analisar documentação em concreto: p. ex., faturas, ainda que "proforma", dos equipamentos que iam ser fornecidos, discriminação dos custos em que a empresa iria incorrer com o seu custo e a sua instalação e montagem.
Só na posse destes documentos é que, de acordo com a teoria da diferença, os decisores podem ter a certeza de não estarem a ressarcir meros danos putativos.”
É pois notória a preocupação do tribunal arbitral, na falta de documentação que reconhece existir, fixar um valor àqueles custos de estrutura,[22] que na matéria de facto julgada prova incluiu nos danos, na tentativa de obter um valor reputado de adequado à situação em apreço, analisando as várias variantes a ter em consideração na sua fixação, precisamente para evitar, usando as palavras da sentença arbitral, uma quantificação dos custos “na base de uma percentagem assenta num critério aleatório, pode conduzir à indemnização de danos que podem não ser reais” e que, além do mais, essa forma de cálculo permite proveitos perfeitamente especulativos em matéria de encargos gerais e pode conduzir a resultados que sejam muito inferiores aos encargos reais (…)”
A decisão proferida quanto a esta questão, assentou assim em pressupostos que foram devidamente expressos pelo decisor, dos quais resulta que a condenação da aqui autora em indemnização com base nos “custos de estrutura” não conduz a um “resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efetivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica”.
Consubstancia sim, uma discordância da Autora quanto ao mérito daquela decisão, sendo que, relativamente a essa discordância, este tribunal estadual encontra-se impedido de se pronunciar, uma vez que foi vontade das partes que a decisão dos Árbitros fosse final e definitiva e que os tribunais estaduais ficassem afastados da resolução de tal litígio.
 Assim, porque do ponto de vista do “litígio secundário”, não descortinamos princípios da ordem jurídica (nacional e internacional) que tenham sido ofendidos, resta julgar improcedente esta ação.


VII- DECISÃO

Pelo exposto em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente a ação de anulação de sentença arbitral, absolvendo a Ré dos pedidos contra si formulados.

Custas pela Autora.

R e N.




Porto, 5 de março de 2024
Alexandra Pelayo
Anabela Dias da Silva
Alberto Taveira
______________________
[1] Respostas dadas pelo colégio arbitral, omitindo-se aqui, por desnecessidade, a transcrição da fundamentação da resposta dada a cada um dos factos.
[2] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II, pag. 464
[3] Manuel de Andrade, mesmo loc.
[4] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2º, Coimbra Editora, 1945, pgs. 52 a 57.
[5] Defendendo que se trata de um prazo processual, entre outros ver Armindo Ribeiro Mendes, “A nova Leia da arbitragem Voluntária e as formas de impugnação das decisões arbitrais”, pg. 745; António Menezes Cordeiro, in “Tratado da Arbitragem”, pg. 457; António Ferreira de Almeida, in “A anulação das decisões arbitrais” “Arbitragem Comercial Estudos Comemorativos dos 30 anos do Centro de arbitragem Comercial da Camara de comércio e Indústria portuguesa, Almedina, pg. 67 e ss; Dário Moura Vicente et AL, Lei da arbitragem Voluntária anotada, art. 46º, José Robin de Andrade, pg. 174 e Elsa Dias Oliveira, in Arbitragem Voluntária Uma Introdução, Almedina, pg. 174 (que em nota de rodapé faz este apanhado doutrinário das posições, que reproduzimos:
[6] No sentido de se tratar de um prazo substantivo, Pedro Mettelo de Nápoles/Carla Góis Coleho in “A Arbitragem e os tribunais estaduais”, pg. 200, Mariana França Gouveia, in Curso de Resolução alternativa de litígios, pg. 298 e António Sampaio Caramelo A impugnação da sentença Arbitral, 3ª edição, pg 33 e Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, pg. 575..
[7] Alberto dos Reis, loc. Cit., pg. 56.
[8] Relator Hélder Roque, tendo sido proferido no P nº 158/15.4YRCBR.S1, estando disponível em ww.dgsi.pt.
[9] Disponível in www.dgsi.pt.
[10] Ver Manual de Arbitragem, LAV de 2011, Almedina, pg. 256
[11] Cf. Maria Helena Brito in Arbitragem Internacional. A propósito da Nova lei da Arbitragem Voluntária, Themis, ano XII, nº 22/2023, 2012, pg 103 e 104 e António Meneses Cordeiro, in Tratado de Arbitragem, , pg 86 e ss.
[12] Ver Manual da Arbitragem, ob cit, pg. 257.
[13] Ver sobre esta questão, fazendo uma súmula das diversas posições doutrinárias, Elsa Dias Oliveira, in Arbitragem Voluntária. Uma Introdução, Almedina, pg. 49.
[14] Ob cit pg. 78.
[15] Obra citada, pg. 149 a 152.
[16] Lei da Arbitragem Anotada, anotada 5ª ed. Coordenação de Dário Moura Vicente Pg 159.
[17] Ver António Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral, 3ª edição, pg. 8.
[18] Exemplos compilados no recente Acórdão do STJ de 31.1.2024, proferido no P nº 1195/22.8YRLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt, com base em “MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Lei da Arbitragem Voluntário comentada cit., sub art. 46º, pág. 570, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado da arbitragem… cit., sub art. 46º, págs. 448 e ss, 452-455, ANTÓNIO CARAMELO, A impugnação… cit., págs. 125 e ss, 136 e ss; Acs. do STJ de 1/10/2019 e 7/9/2020”, aí citados.
[19] Proferido no P 1008/14.4YRLSB.L1.S1 e disponível in www.gdsi.pt.
[20] Proferido no P nº Abreu2863/21.7YRLSB.S1, acórdão disponível in www.dgsi.pt.
[21] Que se mostra supra reproduzido no elenco dos factos provados.
[22] Grosso modo, correspondem aos custos, tanto fixos como variáveis necessários in casu para as partes poderem executar a empreitada, objeto do contrato de consórcio entre ambas celebrado.