Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1496/14.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
Nº do Documento: RP201609131496/14.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 730, FLS.44-58).
Área Temática: .
Sumário: I - O que determina a qualificação de uma atividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.
II - O corte e desmantelamento de uma central de betão para sucata através da utilização de um maçarico [que se trata de um aparelho que produz uma chama contínua e emite faúlhas] ao ar livre e em tempo quente e seco constitui atividade perigosa para os efeitos do art. 493º, nº 2 do Cód. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1496/14.9 T8PRT.P1
Comarca do Porto – Porto – Instância Local – Secção Cível – J2
Apelação
Recorrentes: “B…, Lda.” e “C…, Lda.”
Recorrida: “D…, SA”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “D…, SA”, com sede na Av. …, nº …, Lisboa, intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra as rés “C…, Lda.”, com sede na Rua …, nº .., Porto, “B…, Lda.”, com sede na Rua …, Ermesinde e “E…, Lda.”, com sede na …, lote .., …, Aveiro, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de 36.301,86€, acrescida de juros, à taxa legal para os juros comerciais, desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
Alega, em síntese, o seguinte:
- Em 29.7.2013 ocorreu um incêndio nas instalações da segurada da autora – a sociedade “F…, Lda.” -, tendo a autora, em virtude desse sinistro, pago à sua segurada uma indemnização no montante de 34.149,36€.
- Pagou ainda à “G…” pelos serviços prestados com vista ao apuramento das circunstâncias do sinistro e dos prejuízos daí resultantes, a verba de 2.152,50€.
- O incêndio ficou a dever-se à projeção de faúlhas, para as instalações da segurada da autora, decorrentes da utilização de um maçarico na operação de corte e desmantelamento da central de betão que então estava a ser efetuada nas instalações da 1ª ré.
As rés apresentaram contestação, tendo a ré “B…, Lda.” pedido a condenação da autora como litigante de má-fé.
A ré “C…, Lda.” requereu a intervenção acessória da “Companhia de Seguros H…, SA”, o que foi deferido.
A autora pronunciou-se sobre o pedido, contra si formulado, de condenação como litigante de má-fé.
A “Companhia de Seguros H…, SA” também apresentou contestação.
Foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Seguidamente proferiu-se sentença que julgou a ação totalmente procedente e provada e, em consequência, condenou as três rés no pagamento solidário à autora da quantia de 36.301,86€, acrescida de juros de mora (juros comerciais) desde a citação até integral pagamento.
Inconformadas com o decidido, interpuseram recurso de apelação as rés “B…, Lda.” e “C…, Lda.”
A ré “B…, Lda.” finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1º Os factos trazidos à douta apreciação deste Tribunal que conforme alega sob o nº 6º destas alegações e elencados sob as alíneas b) e c) que foram julgados como não provados, o que a nosso ver incorrectamente, devem ser considerados como provados o que resulta dos documentos já mencionados, dos depoimentos invocados no nº 8º destas alegações, com a indicação dos respectivos ficheiros, e, também do alegado pela A. na sua petição (artº 11º) e pela Seguradora H… no artigo 13º da sua contestação, e, invocado no nº 3º destas alegações, violando o disposto nos nºs 4 e 5 do artº 607º do C.P.C. que dispõem sobre a análise crítica e conjugadas as provas documental e testemunhal, e, as regras da experiência comum, e, os juízos de normalidade embora à luz do princípio da livre apreciação da prova;
2º Ainda, a sentença deixou de se pronunciar sobre a matéria invocada pela Recorrente nos artºs 6º, 10º, 11º, 12º, 13º, e, 15º da contestação, pois que era relevante que o Tribunal conhecesse como se desenvolveu a compra efectuada pela Recorrente, a venda feita à 3ª Ré, as condições de pagamento se a pronto pagamento ou terem tempo posterior, como igualmente era de considerar se a Ré se encontrava no local aquando do sinistro, muito embora se possa desde já defender que a Recorrente não estava presente;
3º Ao deixar de na sua fundamentação não considerar tal matéria, e, não analisar criticamente as provas, inclusivamente, os factos documentados, foi violado o nº 4 do artigo 607º do mesmo preceito, e, o nº 2 do artº 608 também do C.P.C.;
4º Igualmente, como resulta do que vem expondo, a sentença ao deixar de se pronunciar sobre a matéria daqueles artigos que traz a debate no nº 5, e, fls. 4 e 5 destas alegações, incorreu na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do C.P.C. bem como o defendido sob o nº 7 da fundamentação de Direito evidencia uma notória ambiguidade pois que, por um lado, se admite a venda, por outro sem que tal tenha qualquer sustentação, defende-se que a Ré naquela data ainda não tinha vendido a sucata à 3ª Ré;
5º E, tal ambiguidade, resulta ainda do que na decisão se consigna quanto à sua responsabilidade por ter sido a Recorrente “quem escolheu” a 3ª Ré para desmantelar a central, o que, igualmente, gera a nulidade prevista na al. c) do último preceito citado que ora invoca, sendo irrelevante, e, sem fundamento o que se relata no último parágrafo desse nº 7 quanto à reparação de um portão das instalações da 1ª Ré assumida por K… que não é representante da Recorrente como na sentença se alude sem qualquer fundamento, pois que ninguém alegou, e, muito menos provou, pronunciando-se sobre uma questão que não lhe competia com violação da al. d) do nº 1 do citado artº 615º que, do mesmo passo, gera uma nulidade da sentença;
6º Ora, salvo o devido respeito, ao imputar à Recorrente qualquer responsabilidade na produção do sinistro, a douta sentença fez errada interpretação, e, aplicação do nº 2 do artº 493º do C.C. pois que a Recorrente não era proprietária da sucata, nem exercia à data do sinistro qualquer actividade ou estava envolvida na actividade descrita na petição inicial, e, consequentemente, ao considerar a Recorrente responsável solidariamente a sentença faz errada interpretação do nº 1 do artº 497º do C. C.
7º E, sem conceder, como invoca nos nºs 18º e 19º destas alegações, a sentença ao julgar perigosa a actividade referida faz errada interpretação e má aplicação do nº 3 do artº 493º do C. C.
Deve assim ser alterada a matéria julgada não provada e proferida decisão contrária à defendida na sentença recorrida, absolvendo-se a recorrente.
E, se outro for o entendimento, atentos os fundamentos invocados, deve revogar-se a douta sentença, ordenando-se que se supram as nulidades que foram invocadas com todos os efeitos legais.
Por seu turno, a ré “C…, Lda.” finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A.- A matéria de facto considerada provada na 1.ª instância deve ser modificada, com fundamento em erro na apreciação das provas, quanto às alíneas q) e uu), para estas passarem a considerar-se não provadas.
B.- As operações e tarefas de corte, desmantelamento, transporte e pesagem da sucata de ferro, não foram da autoria e execução da Ré recorrente. Pois,
C.- Houve compra e venda do material de ferro destinado à sucata, sujeita a pesagem, com corte, desmantelamento, transporte e pesagem assegurados e por conta da 2.ª Ré.
D.- A Ré recorrente não estava obrigada a vigiar a execução dos trabalhos por forma a prevenir danos nos prédios vizinhos.
E.- A Ré recorrente nunca teve o exercício de autoridade e direcção sobre os autores dessas operações e tarefas.
F.- Sem facto positivo ou negativo do agente não pode haver responsabilidade.
G.- Os trabalhos de corte, desmontagem e remoção de ferro não podem ser considerados uma actividade perigosa e, no caso concreto, só existiria perigosidade nos instrumentos utilizados caso houvesse no local materiais inflamáveis, mas tal facto não resultou provado.
H.- Não existia razão para exigir à Ré recorrente cuidados especiais para a execução desses trabalhos por terceiros.
I.- Não tem aqui aplicabilidade qualquer presunção de culpa.
J.- A sentença recorrida violou, com erro na apreciação das provas e aplicação do direito, entre outras, as disposições legais dos arts. 483.º, 493.º, n.º 2, 497.º e 500.º do Cód. Civil e o art. 607.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil.
Pretende assim a sua revogação.
A autora respondeu a ambos os recursos pronunciando-se no sentido da confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
IApurar se deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada (recursos das rés “B…” e C…);
II - Apurar se a sentença recorrida padece de nulidade (recurso da ré “B…”);
III Apurar se no presente caso há lugar à aplicação do disposto no art. 493º, nº 2 do Cód. Civil - caraterização da atividade desenvolvida como perigosa (recursos das rés “B…” e C…);
IVApurar se as rés “B…” e C… devem ser responsabilizadas solidariamente ao abrigo do art. 497º, nº 1 do Cód. Civil (recursos das rés “B…” e C…).
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É a seguinte a matéria de facto considerada provada pela 1ª instância:
a) A A. é uma sociedade comercial que exerce a actividade seguradora.
b) A 1ª R. é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil.
c) A 2ª R. é uma sociedade comercial que se dedica ao aluguer de máquinas e equipamentos para a construção e engenharia civil.
d) A 3ª R. é uma sociedade comercial que se dedica à indústria de reciclagem, limpezas ambientais industriais e similares, comércio e indústria de materiais siderúrgicos metalomecânicos, gestão global de resíduos e desmantelamentos industriais.
e) Por meio da apólice nº …….., a A. e a sociedade “F…, Lda.”, que se dedica à gestão de instalações desportivas, celebraram um contrato de seguro multirriscos, com início em 1.1.2007, pelo prazo de um ano e seguintes, com as coberturas, entre outras, de incêndio, raio e explosão (até ao limite de € 65.000), bens do senhorio (até € 1.250), demolição e remoção de escombros (até 5% dos prejuízos indemnizáveis) e prejuízos indirectos (até € 19.500), o qual teve por objecto os seguintes bens, que compunham o recheio das suas instalações, sitas na R. …, …/…, no Porto: equipamento de bar (€ 1.000), equipamento informático (€ 4.000), mercadorias e consumíveis – bar (€ 2.500), benfeitorias (€ 10.000), iluminação, relva sintética, balizas e restante material inerente à sua actividade (€ 40.000), sistema de projecção – audiovisual (€ 5.000), vidros interiores (€ 5.000) e exteriores (€ 2.500), sendo que aos capitais seguros se aplicava uma taxa de actualização automática anual de 2%, nos termos das condições gerais e particulares da apólice e da proposta de seguro (docs. N.º 1 a 3).
f) Em 29.7.2013, ocorreu um incêndio nas instalações da segurada da A., o qual causou diversos danos nos bens seguros.
g) Para proceder ao apuramento das circunstâncias do sinistro e à avaliação dos prejuízos deles decorrentes, a A. nomeou a sociedade “G…”, a qual emitiu o certificado de vistoria junto como doc. n.º 4 a fls 66 e ss.
h) As instalações da segurada da A., compostas por um campo de futebol exterior e um outro interior, ambos com relvado sintético, são contíguas às da 1ª R., encontrando-se separadas por um muro de cimento, com cerca de 6 metros de altura.
i) A 1ª R. vendeu à 2ª R., para sucata de ferro, o material que compunha a estrutura de uma central de betão inoperacional, de sua propriedade, a desmantelar nas instalações da primeira.
j) Entre ambas (1ª e 2ª R.) ficou acordado que o desmantelamento da central e o transporte do material daí removido seriam assegurados pela 2ª R.
k) A 3ª R. executou as operações de desmantelamento do material.
l) Nas instalações da 1ª R. realizaram-se procedimentos de abate de bens em fim de vida, para reciclagem de materiais, produtos ou resíduos descartados na indústria.
m) Na última semana de Julho de 2013, iniciaram-se os trabalhos de desmontagem da referida central de betão.
n) Esses trabalhos decorreram “a céu aberto”, no logradouro junto ao muro que separa as instalações da 1ª R. das da segurada da A. (fotografias nºs 60 a 65, juntas com o doc. n.º 8).
o) Os referidos trabalhos obrigavam ao corte de ferro, com recurso a um maçarico, que é um equipamento composto por uma garrafa de oxigénio e outra de gás, cuja mistura produz uma chama, com um comprimento entre 5 e 10 cm, que permite executar a operação de corte, originando várias fagulhas, que podem saltar para longe.
p) Os trabalhos de corte e desmontagem do ferro foram executados por funcionários da 3ª R., com recurso a meios mecânicos próprios e a dois homens, ao seu serviço, um operador de maçarico e um motorista, que manobrava uma grua destinada a empilhar num camião o material cortado por aquele.
q) A operação decorreu sob o acompanhamento, orientação e fiscalização de todas as Rés.
r) No local durante o desmantelamento da central de betão estiveram representantes da 2ª R., e da 1ª R., que controlavam o material que estava a ser removido e o processo do seu carregamento.
s) Em 29.7.2013, por volta das 15h30m, quando o operador do maçarico estava a operar numa plataforma (da central de betão), posicionado a um nível superior ao do muro, o motorista apercebeu-se da existência de fumo e do início do incêndio nas instalações da segurada, tendo alertado o seu colega, operador do maçarico, o qual suspendeu, de imediato, a execução dos trabalhos.
t) A 1ª R. chamou, então, o Batalhão de Sapadores Bombeiros, que, acompanhado da P.S.P., compareceu no local e combateu as chamas, dando o incêndio por extinto às 16h20m, conforme relatório de incêndio dos Bombeiros e declaração da P.S.P., que aqui se junta e dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (docs. n.º 5 e 6).
u) O incêndio foi despoletado pela projecção de fagulhas, para as instalações da segurada da A., resultantes da utilização do maçarico na operação de corte e desmantelamento da central de betão que decorria nas instalações da 1ª R., contíguas àquelas.
v) De imediato, a segurada da A. participou o sinistro a esta (doc. n.º 7).
x) O incêndio causou a destruição de diversas estruturas componentes do complexo desportivo da segurada da A. e bens integrantes dos campos de futebol exterior e interior.
w) O fogo destruiu ou danificou paredes (533,75 m2 + 203,35 m2), a instalação eléctrica, uma porta corta-fogo, relva sintética (1.473,50 m2), balizas, iluminação, redes de protecção do campo exterior e do campo interior, vidros temperados foscos de 10 mm, a caleira e tubos de queda e uma porta de correr, que pertenciam à segurada da A., com excepção dos últimos (caleira e tubos de queda e porta de correr), propriedade do seu senhorio (docs. n.º 9 a 14).
y) A segurada da A. reclamou o ressarcimento de prejuízos no valor total de € 96.301,28: a) Benfeitorias: € 13.602,19; b) Iluminação, relva sintética, balizas e restante material relacionado com o exercício da sua actividade: € 63.329,25; c) Sistema de projecção (audiovisual): € 784,00; d) Vidros: € 2.262,00; e) Bens do senhorio: € 2.207,08; f) Demolição e Remoção de Escombros: € 7.025,75; g) Prejuízos indirectos (resultantes da paralisação da actividade em Agosto de 2013): € 5.766,01; h) Ventilador trifásico: € 1.325,00, conforme págs. 7 e 8 do doc. 4.
z) Para fundamentar a sua reclamação, a segurada da A. apresentou os orçamentos juntos como docs. n.º 15 a 20.
aa) A G… considerou justificadas as verbas indicadas nas alíneas c), d), e) e f), referidos na alínea y) dos factos provados, nos valores de € 784,00, € 2.262,00, € 2.207,08 e € 7.025,75, respectivamente.
bb) Em relação às demais verbas, a G… considerou justificados, unicamente, os seguintes valores: - € 13.491,93 (em vez dos reclamados € 13.602,19), quanto às benfeitorias (al. a) na alínea y) dos factos provados, - € 44.421,50 (em vez dos reclamados € 63.329,25), quanto à iluminação, relva sintética, balizas e restante material inerente à actividade (al. b) da alínea y) dos factos provados); - € 1.206,10 (em vez dos reclamados € 5.766,01), quanto aos prejuízos indirectos (al. g) na alínea y) dos factos provados); não considerando qualquer valor, quanto ao ventilador trifásico, por se tratar de equipamento inexistente nas instalações da segurada à data do sinistro.
cc) Nos casos em que não considerou, ou considerou apenas parcialmente, os prejuízos reclamados pela segurada da A., a G… fez constar, ao lado da parcela em questão, por remissão para as alíneas constantes das págs. 9 e 10 do seu relatório, os motivos da não-aceitação, conforme doc. n.º 4.
dd) Os prejuízos indirectos, resultantes da paralisação da actividade da segurada da A. em Agosto de 2013, foram calculados com base na análise da evolução das receitas no ano de 2012 (i.e., anterior ao do sinistro).
ee) Em 2012, a segurada da A. teve, no mês de Agosto, por comparação com o de Julho, um decréscimo de receita na ordem dos 36,23% (a receita ascendeu, em Julho, a € 4.563,45 e, em Agosto, a € 1.653,21), conforme respectivos balancetes da razão (docs. 21 e 22).
ff) Em Julho de 2013, a segurada da A. obteve uma receita de € 3.329,02, conforme respectivo balancete da razão (doc. 23), pelo que se concluiu que, no mês seguinte, não fosse o sinistro, a receita ascenderia a € 1.206,10 (€ 3.329,02 x 36,23%), isso admitindo-se que a evolução do volume de negócios seria semelhante à do período homólogo de 2012.
gg) O valor dos prejuízos, causados pelo incêndio, foi fixado em € 71.398,36, correspondendo à soma das seguintes parcelas: benfeitorias (€ 13.491,93), iluminação, relva sintética, balizas e restante material (€ 44.421,50), sistema de projecção (€ 784), vidros (€ 2.262), bens do senhorio (€ 2.207,08) 6, demolição e remoção de escombros (€ 7.025,75), prejuízos indirectos (€ 1.206,10).
hh) À data do sinistro, os capitais seguros eram de € 11.261,62, para as benfeitorias, € 45.046,50, para a iluminação, relva sintética, balizas e restante material relacionado com a actividade, € 5.630,81, para o sistema de projecção (audiovisual) e € 8.446,22, para os vidros, sendo que o valor desses bens era, respectivamente, de € 56.463,01, € 78.050,89, € 4.230,44 e € 7.500,00, conforme mapa de depreciações e amortizações (doc. 24).
ii) Verificava-se insuficiência de capital seguro, em relação às benfeitorias e à iluminação, relva, balizas e restante material inerente à actividade, e excesso de capital seguro, relativamente ao sistema de projecção e aos vidros.
jj) A A. estava obrigada a responder, no que respeita às benfeitorias, por 19,95% (€ 11.261,62 x 100: € 56.463,01) e, quanto à iluminação, relva, balizas e restante material inerente à actividade, por 57,71% (€ 45.046,50 x 100: € 78.050,89) dos prejuízos sofridos pela sua segurada (cfr. pág. 11 do relatório da G…).
kk) O valor dos prejuízos indemnizáveis, ao abrigo das coberturas da apólice, foi fixado em € 34.149,36, assim discriminado: Cobertura de incêndio Benfeitorias: € 2.690,98 (€ 13.491,93 x 19,95%) Iluminação, relva, balizas e restante material: € 25.637,55 (€ 44.421,51 x 57,71%) Sistema de projecção (audiovisual): € 784; Vidros: € 2.262 Cobertura de demolição e remoção de escombros: € 1.568,73 (valor correspondente ao do capital seguro, assim calculado: 31.374,53 x 5%) Cobertura de Prejuízos indirectos: € 1.206,10 (pág. 12 do relatório da G…)
ll) A segurada da A. aceitou a proposta de regularização do sinistro, nesse valor (doc. 25).
mm) Face à não apresentação, pela segurada da A., dos documentos solicitados, a A. não pagou qualquer indemnização ao abrigo da cobertura “Bens do Senhorio”.
nn) Para regularização do sinistro, a A. pagou à sua segurada, mediante transferência bancária, uma indemnização no valor de € 34.149,36 (doc. 26).
oo) Pelos serviços prestados pela G…, que tiveram em vista o apuramento das circunstâncias do sinistro e dos prejuízos daí resultantes, a A. pagou-lhe a quantia de € 2.152,50 (docs. 27 e 28).
pp) A 1ª R. C… e a 2 R. B… estabeleceram que o preço a pagar pela sucata era à razão de 0,19 € por kg a facturar após pesagem de cada carga sendo o desmantelamento e o corte do material feitos nas instalações da 1ª R. por conta da 2ª R. ou por pessoa e/ou entidade a quem cometesse tais tarefas.
rr) A 1ª R. C… não fez qualquer negociação ou contrato com a 3ª R. E….
ss) I… que empunhava o maçarico que ocasionou o incêndio estava ao serviço da R. E….
tt) A R. C… celebrou com a interveniente Companhia de Seguros H… um contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º ………. transferindo a responsabilidade decorrente da sua actividade industrial.
uu) A R. C… acompanhou as tarefas de desmantelamento, acompanhando o transporte e a pesagem da sucata.
vv) Após pesagem da sucata, a 1ª R. facturava à 2ª R. tendo por base o peso e o preço acordado por quilo (19 cêntimos), conforme documento 2 e n.º 3 juntos pela R. B… a fls 186 e 187.
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Factos não provados (apenas os considerados com interesse para a decisão da causa).
Não se provou:
(da contestação da R. E…)
- que a R. E… não tenha procedido a qualquer execução material de desmantelamento da central, não envolvendo quaisquer trabalhadores no processo;
(da contestação da R. B…)
- que a 2ª R. B… no momento em que ocorreu o sinistro (29 de Julho de 2013) já tivesse vendido à 3ª R. E… a sucata pelo preço de 0,22 € o quilo;
- que na data do sinistro a 3ª R. era a proprietária da sucata cujo desmantelamento provocou o incêndio.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – A ré “B…, Lda.” insurge-se nas suas alegações contra a matéria de facto não provada sustentando que deveria ser dado como provado que: i) a ré “B…” no momento em que ocorreu o sinistro – 29.7.2013 – já tinha vendido à ré “E…” a sucata pelo preço de 0,22€ o quilo e ii) na data do sinistro a 3ª ré era a proprietária da sucata cujo desmantelamento provocou o incêndio.
Nesse sentido indica os depoimentos prestados pelas testemunhas J…, K…, L…, M…, N… e O….
Por seu turno, a ré “C…, Lda.” também procedeu à impugnação da matéria de facto pretendendo que as alíneas q) e uu) sejam eliminadas do elenco dos factos provados, apontando, com esse propósito, passagens dos depoimentos das testemunhas J…, P…, Q… e M….
É a seguinte a redação destas duas alíneas:
- q) A operação decorreu sob o acompanhamento, orientação e fiscalização de todas as Rés;
- uu) A ré C… acompanhou as tarefas de desmantelamento, acompanhando o transporte e a pesagem da sucata.
Procedemos pois à audição dos depoimentos referenciados nas alegações de recurso.
J… é gruísta e trabalha para a ré C…. Disse que estava a trabalhar, nas suas funções, no dia do acidente, dentro das instalações, mas desviado. Esclareceu que como a empresa atualmente não tem gruas está no estaleiro como motorista. Estavam a desmontar uma central de betão que o seu patrão tinha vendido à “B…” e que esta entregou a outra empresa para desmantelar – a “E…”. Tratava-se de sucata. A C… não tem pessoal para fazer este tipo de trabalho, que estava a ser efetuado por volta das 15,30h. De vez em quando ia lá, para saber se eles só levavam o material que o seu patrão tinha vendido e não outro material. Referiu que o dono da “B…” avisou para terem o máximo cuidado para não haver qualquer acidente. Quem deu conta do incêndio foi o senhor que estava a trabalhar com a grua. A testemunha chegou-se então ao local e chamou logo o Sr. S…, que também é empregado da C… (chefe do armazém), o qual depois chamou os bombeiros. Sublinhou que não dava ordens às pessoas que estavam a desmantelar a central. O incêndio originou-se numa faúlha provocada pelo maçarico que estava a ser utilizado para cortar. Referiu que o Sr. S… também de vez em quando ia ver o trabalho, mas não se metia. Mais esclareceu que a sucata era carregada num camião e transportada para Aveiro, sendo que a testemunha acompanhava esse transporte e ia assistir à pesagem. A sua empresa emitia uma guia para saber o material que eles levavam, e a seguir à pesagem passavam-lhe um ticket com os quilos da sucata que entregava. Disse que a C… ia dando indicações às pessoas que estavam a fazer o corte da central para terem cuidado, “sempre com botas de biqueira de aço” e esclareceu que a empresa que fazia o transporte era a “E…”. Esclareceu ainda que o Sr. S… é técnico de segurança. Desconhece os contratos que foram feitos entre as empresas. As pesagens eram só com a C…; a “B…” não assistia.
K… trabalha, como encarregado, para a “B…” de que o seu filho é sócio gerente. A C… propôs à “B…” a compra de uma sucata. A C… faturava à “B…” e, por seu turno, esta faturava à “E…”, a quem entregaram o negócio, tendo deixado de participar nele. Disse que o negócio da “B…” é o aluguer de gruas e a C… é seu cliente. Mas depois referiu que às vezes têm gruas que não servem para reparar e que retêm para sucata. Por isso, mesmo que raramente, também negoceiam em sucata. A C… entregou-lhes a venda do material e depois, com autorização e conhecimento deles, entregaram-no à “E…”. O cheque vinha cair na “B…” e esta tinha que pagar à C…. Neste negócio com a “E…” a “B…” ganhou 3 cêntimos por quilo. Disse que a sucata já estava vendida quando a empresa a desmontou. A central de betão tinha que ser desmantelada a maçarico, e como não tinham equipamento para fazê-lo, entregaram-na à “E…”. E com isso iam ganhar 3 cêntimos por quilo sem trabalho nenhum. A C… teve conhecimento deste negócio e aceitou-o. O preço estipulado com a C… foi 19 cêntimos e com a “E…” foi 22 cêntimos. Referiu que o Sr. S… (C…) lhe ligou a dizer para mandar lá um funcionário seu para ir ajeitar o portão que tinha sido deitado abaixo por uma galera da “E…”. Mandou porque tinham um bom relacionamento com a C…, embora dissesse ao Sr. S… que não tinham nada a ver com o sucedido.
L… é montador de gruas e trabalha para a “B…”. Disse que esta empresa se dedica ao aluguer de equipamentos (gruas). Também compra alguma sucata. Não dispõe de equipamento adequado ao corte de sucata.
M… é perito averiguador e presta serviços para várias seguradoras e, entre elas, para a “H…”. Disse que em linhas gerais os responsáveis da C… (segurada da “H…”) transmitiram-lhe que tinham vendido uma central de betão a outra firma e que esta tratou do desmantelamento dessa central, sendo que durante os trabalhos de desmantelamento ocorreu um incêndio numa propriedade vizinha. Falou com o operador do maçarico – I… – que era empregado da firma “T…”, mas estava ali ao serviço da “E…”. Segundo lhe transmitiram quem dava instruções era o motorista da “E…”, com quem não falou. Também lá teria estado o Sr. K…, da “B…”, mas que lhe referiu que só lá se encontrava para controlar a pesagem do material que era removido. Teve uma conversa telefónica com o Sr. K… que foi muito evasivo, mas que confirmou que tinha adquirido a sucata, que depois revendeu à “E…”.
N… tem uma empresa, com o filho, que compra e vende veículos usados, especialmente camiões e faz também o seu desmantelamento e depois vende os componentes. Disse ao Sr. K…, quando falaram da sucata que ele estava a vender, que tinha quem lhe desse melhor preço e falou-lhe do U…, que era o seu comprador. Pôs os dois em contacto. A “E…” na pessoa do Sr. U… tinha maçariquetes e camião-grua. A “B…” não tinha equipamento de sucateiro; quem o tinha era a “E…”.
O… trabalhou para a empresa “T…”, a qual, em Agosto/Setembro de 2012 entrou em colapso financeiro e cedeu a sua mão-de-obra à “E…”, que se dedica à gestão de resíduos. Disse que na “T…” ficou com três pessoas administrativas em Ovar e todo o resto do pessoal comercial foi trabalhar para Aveiro sob as ordens da “E…”. Entre estas pessoas contava-se o I…. Esclareceu depois que no dia-a-dia não sabia o que se passava com o pessoal porque tinha cedido a mão-de-obra e as ordens eram dadas pela “E…”. Quem pagava o trabalho era a “E…” através de recibos, faturas que eram apresentadas pela “T…” à “E…”.
Q… é engenheiro e trabalha para a C… há 27 anos. Disse que a central de betão estava obsoleta e encontrava-se nas instalações da C… para ser desmontada e vendida como sucata. Fez o negócio com a “B…” – empresa que já conheciam - e acordou o preço por quilo (0,19€). Fez contactos com várias empresas que compram sucata com desmantelamento e transporte incluídos e optou pela que fez a melhor oferta. Sublinhou que a C… não teve intervenção em mão-de-obra, em corte, em nada. O corte estava a ser executado pela “B…” a quem tinham vendido o produto. A C… não tem intervenção nenhuma a não ser a venda da sucata e o recebimento do dinheiro. Disse não conhecer a “E…”.
P… é técnico administrativo e trabalha para a C… desde 1999. Disse que a central de betão foi vendida ao quilo à “B…”, que contrataram para a desmontar e levar a vazadouro o respetivo ferro. Era responsabilidade da “B…” fazer a desmontagem e o transporte. Chegavam lá com um camião, carregavam-no, a C… enviava um funcionário juntamente com o camião para verificar a pesagem. Esse funcionário trazia a guia de pesagem e mediante esta e a guia de transporte a testemunha emitia uma fatura à “B…”, que era paga por cheque ou transferência. O funcionário era o J…, que se deslocava numa viatura da C… até ao local onde o camião era descarregado e pesado o material. Sublinha que a desmontagem era da inteira responsabilidade da “B…”. A C… não intervinha em nada dessa tarefa. Mais disse que a fatura de 30.7.2013 – 3990 quilos – não respeita à sucata em causa neste processo. A central – cb 2 - está faturada na fatura 147 – 15.000 quilos.
Procedemos também à audição do depoimento da testemunha V… que foi indicado pela autora/recorrida nas contra-alegações que apresentou ao recurso da ré “B…, Lda.”.
Este é engenheiro e trabalha para a “G…”, prestando serviços a diversas seguradoras, entre elas a autora. Disse que, para apurar as circunstâncias do sinistro, foi pela primeira vez ao local no dia 5.8.2013 e nessa data já lá não estava a central de betão, tendo-lhe sido dito por S… – da C… – que esta já tinha sido vendida. Por seu turno, da parte da “C…” disseram-lhe que não eram responsáveis, porque não tinham funcionários na obra e apontaram como responsável a “E…”.
*
Prosseguindo.
1. A ré “B…, Lda”, em sede de impugnação da matéria de facto, pretende que seja dado como provado que, no momento da ocorrência do sinistro – 29.7.2013 –, já tinha vendido a sucata à ré “E…, Lda.” ao preço de 0,22€ por quilo, sendo esta a sua proprietária.
Após audição dos depoimentos indicados por esta ré não vemos razão para alterar o decidido em termos factuais pela 1ª instância e que foi no sentido de não se dar como provada tal venda com referência à data do sinistro.
O Mmº Juiz “a quo”, em sede de fundamentação de matéria de facto (fls. 309/310), apreciou de forma detalhada esta questão factual, explicitando o percurso lógico que o levou a decidir no sentido de não dar como provada a venda da sucata por parte da 2ª ré à 3ª ré em data anterior a 29.7.2013.
Começou por afirmar não haver dúvidas de que as operações de desmantelamento da central de betão decorreram nas instalações da ré C… e que esta a vendeu para sucata à ré “B…, Lda.”.
Mas já não deu como provado, ao invés do que pretendia a “B…, Lda.”, que essa mesma sucata, no momento do incêndio, já tinha sido vendida à “E…, Lda.”.
E passamos a citar:
“Desde logo porque esta R. B… não alega em que momento se concretizou esse negócio de venda da sucata à 3ª R, limitando-se a alegar que “na data do sinistro já a 3ª R era proprietária da sucata “ (artigo 12º da sua contestação). Depois, enquanto foram juntas aos autos facturas que comprovam a venda da sucata da 1ª R para a 2ª R […], o único documento que aparentemente consubstancia a venda da sucata por parte da 2ª R. à 3ª R. é o documento de junto a fls. 280 v. Trata-se de uma factura que refere a venda da sucata relativa a “central betão cb2” (cujo desmantelamento provocou o sinistro). Ora, a mesma factura está datada de 21 de agosto de 2013, ou seja, aproximadamente 3 semanas após o incêndio, e o momento a considerar é obviamente [o] da ocorrência do evento danoso. Também o documento nº 3 junto com a contestação desta 2ª R. a fls. 187, e que refere a venda à 3ª R. E… da sucata da central cb1, está datada somente de 19-8-2013.”
Seguidamente, o Mmº Juiz “a quo” referiu o depoimento da testemunha K…, única que referiu que à data do sinistro a ré “B…” já tinha vendido a sucata à ré “E…”, sublinhando o seu interesse na decisão da causa por ser o seu filho o sócio gerente da “B…”.
Continuando, escreveu: “… foi esta testemunha quem representou a 2ª R. na aquisição [da] sucata à 1ª R., tendo ainda tido um papel essencial em todo o processo de desmantelamento (acompanhando os trabalhos, o transporte, e a pesagem), pelo que o seu depoimento não pode ser aceite sem reservas, não permitindo assim dissipar as dúvidas que se mantiveram no espírito do julgador relativamente à transferência da propriedade da sucata da 2ª R. para a 3ª R. em momento anterior ao sinistro.”
E, como é sabido, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, que neste caso é a ré “B…” – cfr. art. 414º do Cód. do Proc. Civil.
Neste contexto, e ouvidos os depoimentos que foram prestados pelas testemunhas indicadas no seu recurso pela ré “B…, Lda.” (J…, K…, L…, M…, N… e O…), entendemos, à semelhança da 1ª instância, não haver fundamento para dar como provado que à data do sinistro a sucata aqui em causa tinha sido vendida pela “B…” à “E…”.
Com efeito, o único depoimento que aponta nesse sentido é o produzido por K…, cujas limitações foram devidamente assinaladas pelo Mmº Juiz “a quo”, e quanto à prova documental, não é demais salientá-lo, que a mesma se circunscreve a uma fatura emitida pela ré “B…” à ré “E…” que reporta a venda da sucata a esta última ao dia 21.8.2013, já muito depois da verificação do sinistro.
Assim, não se podendo ignorar o princípio contido no art. 414º do Cód. do Proc. Civil, nunca os meios probatórios produzidos nos autos poderiam conduzir à prova, pretendida pela ré “B…”, de que no dia do incêndio – 29.7.2013 - a sucata era propriedade da ré “E…” a quem esta tinha sido vendida.
Consequentemente, no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto, improcede o recurso interposto pela ré “B…”.
*
2. A ré C…, em termos de impugnação factual, pretende que se dê como não provado que os trabalhos de corte e desmantelamento tenham decorrido sob o seu acompanhamento, orientação e fiscalização e que tenha acompanhado o transporte e a pesagem da sucata, indicando, nesse sentido, os depoimentos das testemunhas J…, P…, Q… e M….
Acontece que estes depoimentos não justificam a pretendida alteração factual.
É certo que as operações de desmantelamento da central de betão, efetuadas com recurso a um maçarico, não foram realizadas por funcionários da C… e que esta, conforme flui do depoimento da testemunha J…, não lhes daria ordens.
Mas daí não resulta que a C… se tivesse alheado por inteiro da operação e que esta não tenha decorrido com o seu acompanhamento, orientação e fiscalização.
Com efeito, terá desde logo que se se sublinhar que a dita operação de desmantelamento se realizou nas próprias instalações da ré C… no logradouro junto ao muro que as separa das instalações da segurada da autora [alíneas l) e n)].
E na alínea r) – facto que não foi objeto de impugnação por parte da recorrente – deu-se, inclusive, como assente que no local durante o desmantelamento da central de betão estiveram representantes da C…, que controlavam o material que estava a ser removido e o processo do seu carregamento.
Aliás, a testemunha J… referiu até que de vez em quando ia lá, para saber se eles só levavam o material que o seu patrão tinha vendido e não outro material, o que significa que tinha possibilidade de intervir na operação. E noutro ponto do seu depoimento disse também que a C… dava indicações às pessoas que estavam a fazer o corte da central para terem cuidado, “sempre com botas de biqueira de aço”.
Deste modo, não se vislumbra qualquer razão para alterar a matéria de facto no tocante às suas alíneas q) e uu), uma vez que dos meios probatórios produzidos nos autos claramente flui que a operação de desmantelamento que se realizou no interior das instalações da C… teve acompanhamento constante por parte de funcionários desta empresa.
Como tal, o recurso interposto pela ré C… soçobra no tocante à impugnação da matéria de facto.
*
II – A ré “B…”, nas suas alegações, entende que a sentença recorrida ao não se ter pronunciado sobre a matéria que invocou nos arts. 6º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da contestação incorreu na nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil - omissão de pronúncia – e ao ter relatado no ponto nº 7 da fundamentação de direito um episódio factual relacionado com a reparação de um portão existente nas instalações da ré C… assumida por K…, com ligação funcional à “B…”, facto que ninguém alegou, incorreu nessa mesma nulidade, mas agora na vertente de excesso de pronúncia.
Tal como entende a mesma ré/recorrente que a sentença recorrida, nesse ponto nº 7 da fundamentação de direito, evidencia notória ambiguidade, o que gera a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º do Cód. do Proc. Civil.
Vejamos então.
1. O art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil estabelece que «é nula a sentença quando...o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...»
Ora, esta nulidade – omissão de pronúncia – está diretamente relacionada com o comando que se contém no art. 608º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil, onde se preceitua que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.»
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido não têm de ser separadamente analisadas.
Há, assim, que distinguir entre “questões”, por um lado, e “razões” ou “argumentos”, por outro, de tal modo que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integra a nulidade aqui em apreciação e não a simples falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.”[1]
Ora, da leitura da sentença recorrida logo se verifica que o Mmº Juiz “a quo” se pronunciou sobre todas as questões colocadas à sua apreciação, não havendo fundamento para o acolhimento da nulidade invocada pela ré/recorrente.
Aliás, o que se sustenta no recurso interposto não é propriamente uma omissão de pronúncia sobre questões jurídicas, mas sim uma omissão de pronúncia sobre questões factuais contidas em diversos artigos da sua contestação e que se reconduzem àquele que é um dos aspetos centrais do presente processo – a venda da sucata por parte da ré “B…” à ré “E…” em data anterior à ocorrência do sinistro, donde resultaria, provando-se tal, ser esta última a sua proprietária aquando do incêndio.
Porém, não podem caber dúvidas de que o Mmº Juiz “a quo” se pronunciou sobre esta questão fáctica, tendo entendido que essa venda não se encontrava provada, conforme resulta do elenco dos factos não provados.
E mais do que isso, essa questão foi objeto de pormenorizada análise na sentença recorrida no ponto 3. da motivação de facto, tendo o Mmº Juiz “a quo” concluído, de forma clara, a sua explanação do seguinte modo:
“Em suma, não damos como provada a venda da sucata por parte da 2ª R. à 3ª R. antes de 29 de Julho, única data relevante para efeitos da decisão a tomar, e de todo o modo mesmo que tal se provasse não restaram dúvidas que a 2ª R. esteve sempre directamente envolvida nas operações de desmantelamento que provocaram o incêndio.”
Por conseguinte, perante o que o Mmº Juiz “a quo” deixou escrito, e que está diretamente conexionado com os artigos da sua contestação que foram referidos pela ré/recorrente nas alegações, torna-se patente que não foi cometida a nulidade de omissão de pronúncia por ela invocada.
2. O art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil estabelece também que «é nula a sentença quando … o juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento
Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes – art. 608º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil -, é nula a sentença em que tal se verifique.[2]
Sucede que da mera leitura da sentença recorrida logo decorre que na mesma não se conheceu de qualquer causa de pedir, nem de qualquer exceção que não tenha sido invocada, o que, naturalmente, afasta o cometimento da nulidade de excesso de pronúncia.
Aliás, a situação que se mostra invocada pela ré/recorrente e que esta pretende reconduzir a um caso de excesso de pronúncia é o facto de o Mmº Juiz “a quo”, em sede fundamentação de direito, ter descrito um episódio relatado pela testemunha K… relacionado com a danificação de um portão das instalações da ré C… por parte dos funcionários da “E…”, em que esta testemunha assumiu de imediato a sua reparação em nome da “B…”.
É certo que a ocorrência deste episódio não consta da matéria de facto provada, nem foi concretamente alegado por qualquer das partes nos seus articulados, desenhando-se como um facto instrumental que resultou da instrução da causa e revestindo, por isso, uma função probatória.
Deste modo, seguramente que a sua consideração na sentença recorrida não envolve qualquer excesso de pronúncia, que, conforme se referiu, só ocorreria verificando-se conhecimento de causa de pedir ou de exceção não invocada.
Como tal não aconteceu, patente é que não foi cometida a nulidade de excesso de pronúncia.
3. A ré “B…” sustenta ainda a nulidade da sentença recorrida considerando que o ponto nº 7 da fundamentação de direito evidencia notória ambiguidade, porque, por um lado, se admite a venda e, por outro, se defende que na data do sinistro a sucata ainda não tinha sido vendida à 3ª ré.
Essa ambiguidade geraria a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. do Proc. Civil, cuja redação é a seguinte:
«É nula a sentença quando … ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível
Verifica-se esta nulidade quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou quando ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal.[3]
Ora, no ponto nº 7 da fundamentação de direito da sentença recorrida (fls. 314/315) o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte:
“Quanto à 2ª R. B… consideramos que também deve ser responsabilizada pelo incêndio que provocou os danos à segurada da A. Foi a 2ª R., quem adquiriu a sucata, tendo acordado que seria ela a proceder ao desmantelamento da central. E igualmente nessa operação não adoptou quaisquer medidas que assegurassem que a mesma decorreria em condições de segurança adequadas a evitar riscos para as pessoas e bens. Tentou esta 2ª R. afastar a sua responsabilidade alegando que no momento em que deflagrou o incêndio já não era a proprietária da central por a ter vendido à 3ª R. Pelos motivos adiantados supra, em sede de motivação, não demos por provado que naquele momento a 2ª R. já não fosse a proprietária da sucata, pelo que desde logo deveremos considerar como verificada a imputação da actividade perigosa a esta 2ª R. Mas ainda que assim não fosse, e como também referimos acima, o certo é que a 2ª R. manteve uma ligação muito estreita com todo processo que desencadeou o incêndio, pelo que na nossa óptica ainda que provasse a venda anterior à 3ª R. da sucata sempre deveria ser responsabilizada. Assim, não só foi a 2ª R. quem comprou a sucata à 1ª R. C…, como foi a mesma 2ª R. B… quem escolheu a 3ª R. E… para desmantelar a central, tendo-a feito entrar nas instalações da 1ª R. C… (que desconhecia por completo o negócio que eventualmente a 2ª R. tivesse feito com a 3ª R.). De tal modo que no decurso da audiência de julgamento, foi relatado um episódio em que os funcionários da E… danificaram um portão das instalações da 1ª R., tendo (…) o referido K… assumido imediatamente a sua reparação em nome da R. B…. E o processo de corte (com o maçarico) e transporte da sucata foi sempre acompanhado de muito perto pelo representante da 2ª R. K….”
Acontece que da leitura do ponto nº 7 da fundamentação de direito, que aqui se deixou transcrito, logo se verifica que o mesmo não encerra qualquer ambiguidade que possa tornar a decisão ininteligível para um declaratário normal, razão pela qual também esta nulidade não se verifica.
*
III – Na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo” qualificou a atividade que estava a ser desenvolvida – corte e desmontagem de uma central de betão com recurso a um maçarico - como perigosa e, por isso, aplicou ao caso o disposto no nº 2 do art. 493º do Cód. Civil, entendimento que, porém, mereceu a oposição de ambas as recorrentes.
Estatui-se o seguinte neste preceito:
2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»
Não se diz na lei o que se deve entender por atividade perigosa, tratando-se assim de matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias.[4]
Almeida Costa (in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., págs. 585/6) defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.
Por seu turno, Vaz Serra (in BMJ, nº 85, pág. 378) define actividades perigosas como as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades”.
O que determinará, assim, a qualificação de uma atividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
No caso dos autos provou-se que as operações de desmantelamento da central de betão se iniciaram na última semana do mês de Julho de 2013, tendo decorrido “a céu aberto”, no logradouro junto ao muro que separa as instalações da ré C… das pertencentes à segurada da autora – alíneas m) e n).
Tais trabalhos obrigavam ao corte de ferro, com recurso a um maçarico, que é um equipamento composto por uma garrafa de oxigénio e outra de gás, cuja mistura produz uma chama, com um comprimento entre 5 e 10 cm, que permite executar a operação de corte, originando várias fagulhas, que podem saltar para longe – alínea o).
As instalações da segurada da autora, compostas por um campo de futebol exterior e um outro interior, ambos com relvado sintético, são contíguas às da 1ª ré, encontrando-se separadas por um muro de cimento, com cerca de 6 metros de altura – alínea h).
O incêndio iniciou-se quando o operador do maçarico estava a operar numa plataforma – da central de betão – posicionado a um nível superior ao do muro – alínea s).
Perante este contexto factual entendemos, à semelhança do Mmº Juiz “a quo”, que a atividade que estava a ser desenvolvida nas instalações da 1ª ré não pode deixar de ser qualificada como perigosa.
Com efeito, o desmantelamento da central de betão estava a ser efetuado através da utilização de um maçarico que, conforme se referiu na sentença recorrida, “é um aparelho que efectua uma combustão de gás, que contém um tubo pelo qual sai uma chama que se faz incidir sobre a peça que se quer soldar ou derreter (no caso pretendia-se derreter o ferro de forma a permitir o seu corte). Esse aparelho produz uma chama contínua e emite faúlhas que se soltam do próprio aparelho.”
Continuando a seguir a sentença recorrida:
“… se o aparelho em si já apresenta um grau de perigosidade elevado, as circunstâncias em que ocorreu a sua utilização tornaram a actividade desenvolvida com o maçarico ainda mais perigosa. É que o maçarico foi utilizado ao ar livre, caso em que se exponencia a possibilidade de provocar um incêndio (em contraponto com a sua utilização por exemplo num ambiente interior preparado para o efeito – v.g., uma oficina que não contenha materiais inflamáveis)”.
E mais se referiu que a utilização do maçarico decorreu não só num plano muito elevado – a mais de 5 metros do solo -, tal como foi levada a cabo no final de Julho, ou seja, em pleno Verão, altura em que o tempo se encontra normalmente quente e seco, o que manifestamente potencia a possibilidade de provocar incêndio.
Deste modo, no presente caso, deve a utilização do maçarico para o desmantelamento e corte da central de betão ser havida como atividade perigosa, pelo que é aqui aplicável a disciplina do nº 2 do art. 493º do Cód. Civil.
Sucede que nesta norma, já acima transcrita, se consagra a inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa.
Assim, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar os danos. Afasta-se indireta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adotado todas aquelas providências.[5]
Acontece que as rés nas suas contestações, tal como se assinala na sentença recorrida, limitaram-se a excluir a sua responsabilidade pelo evento, pelo que não alegaram (e não provaram) a assunção de qualquer concreto procedimento de segurança tendente a evitar que a utilização do maçarico se tornasse – como efetivamente se tornou – perigosa.
Aliás, só em fase de recurso é que a ré “B…” veio alegar, de forma expressa, que o manuseamento do maçarico foi efetuado por pessoa especializada para o efeito, o que naturalmente não se provou. Tal como igualmente só em fase de recurso é que a ré C… veio pugnar pela não perigosidade da atividade desenvolvida, apesar do instrumento utilizado, por não se ter provado que no local houvesse materiais inflamáveis, sendo que tal afirmação é desmentida, desde logo, pela existência de relva sintética - cfr. alínea w).
Com efeito, a ré “B…”, na contestação, apenas alegou, de forma conclusiva, a adoção de medidas de segurança, sem que as concretizasse, ao passo que a ré C…, em idêntica peça processual, nada alegou no tocante à perigosidade – ou não – das operações de corte e desmantelamento aqui em apreciação.
Por isso, tal como já atrás se concluiu, entendemos que a utilização do maçarico para o desmantelamento e corte da central de betão será de qualificar como atividade perigosa.[6]
Deste modo, ficou a autora desonerada de provar a culpa do responsável, como normalmente sucede no domínio da responsabilidade civil por força do estatuído no art. 487º, nº 1 do Cód. Civil.
Por conseguinte, também nesta parte, não podem ser acolhidos os recursos interpostos pelas rés C… e “B…” que pretendiam que a atividade desenvolvida não fosse qualificada como perigosa, o que determinaria a não aplicação “in casu” do disposto no art. 493º, nº 2 do Cód. Civil.
*
IV – A ré “B…” insurge-se ainda contra a sentença recorrida por entender não poder ser responsabilizada, uma vez que na sua perspetiva não era proprietária da sucata, nem estava envolvida na atividade de corte e desmantelamento da central de betão.
Por seu turno, a ré C… igualmente se insurge contra tal responsabilização, por considerar que as tarefas de corte e desmantelamento não foram da sua autoria, atendendo a que tal material já tinha sido adquirido pela ré “B…”, não estando assim obrigada a vigiar os trabalhos de forma a prevenir danos nos prédios vizinhos.
Ora, na sentença recorrida concluiu-se pela responsabilização das rés C…, “B…” e “E…” na produção do evento danoso, já que todas elas participaram de forma direta ou indireta na operação de desmantelamento da central de betão, aceitando todas elas a realização dessa operação em condições que eram perigosas, através do recurso a um maçarico, ao ar livre, com tempo seco e quente, a uma altura considerável do chão e acima do muro que separava as instalações da C… da sua vizinha, a segurada da autora.
As três rés, de um modo ou de outro, participaram ou envolveram-se nessa operação, que foi levada a cabo no interesse de todas elas, uma vez que todas retiraram ou pretendiam retirar benefícios económicos com a operação.
E tal como consta das alíneas q) e r) dos factos provados a operação decorreu sob acompanhamento, orientação e fiscalização das três rés, sendo que no local durante o desmantelamento da central de betão estiveram representantes das rés C… e “B…”, que controlavam o material que estava a ser removido e o processo do seu carregamento.
Sucede que estes pontos factuais, e mais concretamente o da alínea q), que foi objeto de impugnação por parte da ré C…, não foram alterados em sede de recurso da matéria de facto, bem como não foi alterada a alínea uu), onde se deu como assente que esta ré acompanhou as tarefas de desmantelamento, tendo acompanhado o transporte e a pesagem da sucata.
Por seu lado, também a impugnação factual efetuada pela ré “B…” não logrou sucesso, atendendo a que esta não conseguiu provar que no dia do sinistro já tinha vendido a sucata à ré “E…”.
Assim, inalterada a matéria de facto, também a solução jurídica do pleito quanto à responsabilização solidária das três rés, ao abrigo do art. 497º, nº 1 do Cód. Civil[7], ficará inalterada.
A ré “B…” adquiriu a sucata à ré C…, tendo-se acordado que seria ela a proceder ao desmantelamento da central de betão. Procurou afastar a sua responsabilidade alegando que no momento em que se deu o incêndio já não era a proprietária da central por entretanto a ter vendido à ré “E…”. Mas tal não se provou, o que, desde logo, implica que se considere como verificada a imputação da atividade perigosa à “B…”.
De qualquer modo, independentemente da questão da venda da sucata à ré “E…”, não pode deixar de se assinalar que os trabalhos de desmantelamento da central de betão decorreram sob o acompanhamento, orientação e fiscalização também da ré “B…” e que no local se encontravam representantes seus que controlavam o material que estava a ser removido e o processo do seu carregamento – cfr. alíneas q) e r).
A estreita ligação da ré “B…” a todo o processo que desencadeou o incêndio é pois evidente e, conforme se refere na sentença recorrida, é de salientar que não só foi a ré “B…” que comprou a sucata à ré C… como foi esta que escolheu a ré “E…” para proceder ao desmantelamento da central, tendo-a feito entrar nas instalações da C….
Por seu turno, no que tange à ré C… há a realçar que tal operação de desmantelamento, que originou o incêndio, se realizou nas suas próprias instalações, com o seu conhecimento e autorização. Acompanhou, de resto, toda essa operação, tal como flui das alíneas q), r) e uu) da matéria de facto dada como assente.
Permitiu assim que na sua propriedade decorresse uma atividade perigosa, não se provando que tenha tomado medidas para que essa atividade fosse realizada com respeito pelos indispensáveis procedimentos de segurança.
Destaca ainda o Mmº Juiz “a quo” que a circunstância de a central de betão, que foi desmantelada mediante a utilização de um maçarico, ser originariamente sua propriedade e de tal operação se realizar nas suas instalações, possibilitava à C… o controlo de todos os trabalhos que sobre ela incidiam, pelo que deveria tê-la proibido ou assegurado que a mesma se efetuasse em segurança.
Em suma, tendo os trabalhos de desmantelamento da central de betão decorrido sob o acompanhamento, orientação e fiscalização das três rés, que assim aceitaram que esses trabalhos se realizassem em condições perigosas, é de concluir pela responsabilização de todas elas, até porque, como já atrás se referiu, tais trabalhos foram realizados no interesse de todas elas.
Consequentemente, ainda nesta parte naufraga o recurso interposto pelas rés “B…” e C…, impondo-se, sem necessidade de outras considerações, a confirmação “in totum” da sentença recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- O que determina a qualificação de uma atividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.
- O corte e desmantelamento de uma central de betão para sucata através da utilização de um maçarico [que se trata de um aparelho que produz uma chama contínua e emite faúlhas] ao ar livre e em tempo quente e seco constitui atividade perigosa para os efeitos do art. 493º, nº 2 do Cód. Civil.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelas rés “B…, Lda.” e “C…, Lda.”, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo das rés/recorrentes.

Porto, 13.9.2016
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 680; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, págs. 54 e 143.
[2] Cfr. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., págs. 334/5.
[3] Cfr. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., pág. 333.
[4] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol, I, 4ª ed., pág. 495.
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 496.
[6] Cfr. o Ac. do STJ de 31.10.2006, proc. 06A2388, disponível in www.dgsi.pt, onde num caso com alguns pontos de contacto com o presente se considerou como atividade perigosa as operações de soldadura com a utilização de maçaricos a gás.
[7] É a seguinte a redação deste artigo: «Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.»