Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
196/13.1TABGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
CRÍTICA
Nº do Documento: RP20141008196/13.1TABGC.P1
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I- Não constitui violação do princípio acusatório a rejeição da acusação com fundamento em que as expressões nela referidas, empregues no contexto de uma carta para cujo teor integral remete essa acusação, não integram a prática de um crime de difamação.
II- A crítica à atuação de um professor baseada na imputação de factos desonrosos constante de uma queixa apresentada ao Provedor do Aluno, suscetíveis de dar origem a processo disciplinar, poderá configurar a prática de crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º do Código Penal, não um crime de difamação agravada p. e p. pelo artigos 180º e 184º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr196/13.1TABGC.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança que rejeitou (por manifestamente infundada em virtude de os factos nela descritos não constituírem crime) a acusação por ele deduzida contra B…, C… e D… pela prática, em co-autoria, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 184º e132º, nº 2, l), do Código Penal.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«- A Mnª Juiz “a quo” pode conhecer de questões de natureza substantiva ou adjectiva que obstem o julgamento. Não pode, porém, fazer um julgamento antecipado da lide nem tão pouco fiscalizar a actividade desenvolvida no inquérito ou a decisão do MºPº.
- A Mmª Juiz faz uma interpretação divergente de quem deduziu acusação, sobre os factos imputados e que resultam do inquérito, deste modo violando o princípio do acusatório.
- Ao decidir como fez, o despacho recorrido violou as seguintes disposições: art.s 180º, nº 1 e 184º e 132º, nº 2, l. l), do Código Penal, e o art. 311º, nº 2, a) e nº 3, d), do Código de Processo Penal.»

As arguidas D… e C… apresentaram resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso, alegando que as expressões usadas pelas arguidas não podem ser consideradas in limine insuscetíveis de ferir, de modo intolerável, a consideração devida ao ofendido.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso (as quais, segundo o sentido unânime da jurisprudência, delimitam o objeto do recurso), a de saber se com o despacho em apreço foi violado o princípio do acusatório e o disposto no artigo 311º, nº 2, a) e nº 3, d), do Código de Processo Penal

III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:

«(…)
Autue como Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular.
O Tribunal é o competente.
*
Da rejeição da acusação:
Nos termos do disposto no artigo 311º, nº 1 do Código de Processo Penal, “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”.
Dispõe ainda o nº 2 do mesmo preceito que, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o juiz pode rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada – conceito explicitado no nº 3 do mesmo normativo, considerando-se como tal a acusação que não contenha a identificação do arguido, a narração dos factos, as disposições legais aplicáveis ou as provas que as fundamentam ou cujos factos não constituírem crime – ou pode não aceitar a acusação na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos.
O Ministério Público deduziu acusação particular contra as arguidas C…, D… e B…, devidamente identificadas nos autos, imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 344 e seguintes, e a autoria de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 184º e 132º, nº 2 al. l) do Código Penal.
As arguidas são acusadas da seguinte factualidade:
«O assistente E…, é professor no F… desde pelo menos Setembro de 2008, e no ano lectivo de 2011/2012, exerceu funções de professor na disciplina de Desenvolvimento Económico e Social, no Curso de Educação Social da G… do F…, na qual estavam inscritas a arguidas.
Em 29 de Março de 2012, as arguidas, como estudantes do curso de Educação Social da G… do F…, redigiram e subscreveram/assinaram, uma carta, dirigida à Provedora do Estudante/Aluno, do F…, que foi entregue nesse mesmo dia, via correio eletrónico, à remetente, na qual expunham várias situações, em que o assistente, como docente daquela G…, teria vários comportamentos inadequados com as alunas.
Na carta em questão, constante a cópia a fls. 72 a 74, dos autos e cujo teor integral se dá por reproduzido, da qual constavam as seguintes frases e expressões:
As arguidas, depois de exporem várias situações escreveram: “… consideramos este professo um professor (pois as aulas são uma autêntica rebaldaria) … também ser um mau avaliador, preconceituoso, machista, elitista e não contribui para o bom funcionamento e desenvolvimento das aulas e alunos em geral.”
O assistente teve conhecimento das autoras da missiva em causa quando foi notificado pessoalmente, em 16 de Outubro de 2012, da acusação efectuada no âmbito do processo disciplinar respectivo – fls. 243.
Com as suas actuações as arguidas visaram e conseguiram, com as citadas frases e expressões atingir o assistente na sua honra e consideração, sobretudo enquanto professor da F1… do F…, e por causa das funções que exerce nessa mesma F1…, perante os seus superiores e colegas, também perante o próprio, já que insinuam a prática de factos ético-profissionais reprováveis lesivos de terceiros, bem sabendo que o faziam perante responsáveis do referido F…, onde o visado exerce as suas funções de professor/docente e que dessa forma, iriam denegrir a sua imagem, no seio da G… e F… em causa, onde o Assistente exerce a sua profissão, como professor, sujeitando-o a maior vexame pessoal e profissional, enxovalhando o seu bom nome e reputação.
Agiram sempre as arguidas livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela Lei penal.»
Dispõe o 180º do Código Penal: “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão ate 6 meses ou com pena de multa a é 240 dias.”O bem jurídico protegido com a incriminação é a honra e consideração, o reconhecimento pessoal e social que todas as pessoas têm que ter.
Para estabelecer a diferenciação essencial entre os crimes de difamação e injúria, o legislador utilizou o critério da imputação direta ou indireta do facto ou juízos desonrosos.
No caso do crime de injúria a imputação de factos ou juízos desonrosos é feita diretamente ao visado, no caso do crime de difamação a imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos é efetuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros.
Assim, são elementos objetivos deste tipo de crime: a ofensa propriamente dita, que pode ser concretizada por quem quer que seja, através de a) imputação de facto ofensivo da honra de outrem, b) por meio de formulação de um juízo de igual modo lesivo da honra de uma pessoa ou ainda c) pela reprodução daquela imputação ou juízo; e o rodeio ou enviesamento, que exige que as condutas anteriormente descritas se não façam diretamente ao ofendido mas se levem a cabo dirigindo-se a terceiros (José de Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra, p. 608 e 609).
Quanto aos elementos subjetivos, trata-se de crime exclusivamente doloso, sendo que para o preenchimento do tipo subjetivo basta o dolo genérico, traduzido na consciência de que a atribuição do facto ou juízo ou a sua reprodução são de molde a produzir ofensa da honra e consideração da vítima.
Por outro lado, não é necessária a efetiva lesão da honra e consideração da vítima, bastando a suscetibilidade das expressões utilizadas para ofender.
Trata-se, por isso, de crime de perigo, ou seja, o tipo incriminador preenche-se com a idoneidade das expressões usadas para ofender a honra e consideração do visado, sem ser necessário a produção de um dano.
Mas o que deve entender-se por honra e consideração?
Como honra pode considerar-se “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral”, e por consideração “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo” (Beleza dos Santos, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria, RLJ Ano 92.º, n.º 3152, p. 167/168, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2009, processo nº 08P3056, disponível em www.dgsi.pt).
Evidencia-se, neste contexto, que os conceitos de honra e consideração não devem aferir-se da perspetiva que cada um tem dos seus valores “morais” ou “ético-sociais”, mas antes devam ser insuflados pelos valores que emergem do quadro constitucional e legislativo, que aludem ao “bom nome e reputação, à imagem” e à tutela geral da personalidade (vd. artigos 26º, nº 1 da Constituição e 70º do Código Civil).
Como se sabe, o direito penal tem carácter subsidiário ou fragmentário (vd. 18º, nº 2 da Constituição). Este carácter de subsidiariedade impõe certos limites à aplicação do direito penal e, consequentemente, às condutas que se podem considerar “típicas” para efeito de perseguição criminal.
“Assim e muito embora, tanto a descrição típica do crime legal de injúria, como de difamação, não exijam que a correspondente ofensa da honra ou consideração tenham, pela sua natureza, efeitos ou circunstâncias, que ser consideradas como graves (…) somos de crer que a vinculação constitucional ao citado art. 18.º, n.º 2, estabelece um efectivo critério limitador”.
De facto, “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas (…).”
Porém, “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/03/2011, processo nº 45/08.2TACDR.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Na verdade, “O conceito de ofensa não pode ser um conceito puramente subjectivo, isto é, não basta que alguém se considere difamado ou injuriado para que a ofensa exista. Determinar se uma expressão é ou não injuriosa é uma questão que tem que ser aferida em função do contexto em que foi proferida bem como do meio social a que pertencem ofendido e arguido, a relação existente entre estes, os valores do meio social em que ambos se inserem” (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/01/2012, processo nº 1341/09.7TABCL.G1, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, “A ofensa à honra ou consideração não é susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social, ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras, ainda que direccionadas a pessoa identificada, distinção que importa ter bem presente porque estas últimas, ainda que possam gerar repulsa social, não são objecto de sanção penal.
Para que se verifique um crime de injúria é necessário que as expressões consistam numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/01/2010, processo nº 862/08.3TAPBL.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Assume, pois, especial relevância, o contexto em que o agente atuou e a maior ou menor adequação social do seu comportamento.
A par disso, também importa ter presente o direito fundamental à liberdade de expressão e de opinião.
Descendo ao caso concreto, importa não só olhar às expressões referidas na acusação pública, mas ao teor integral da carta que as alunas/arguidas remeteram à Provedora do Aluno.
Na verdade, as alunas não se limitam a dizer, sem mais, que o ofendido é um mau professor, mau avaliador, preconceituoso, machista, elitista e não contribui para o bom funcionamento e desenvolvimento das aulas e alunos em geral.
Desde logo, o ser mau professor, mau avaliador, elitista e não contribuir para o bom funcionamento e desenvolvimento das aulas, nem sequer é suscetível de integrar a prática de qualquer crime.
Na verdade, estamos num Estado de Direito Democrático, o que implica que os cidadãos têm o direito de manifestar as suas opiniões, conquanto o exercício desse direito não consista na imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou na expressão de palavras, ofensivos da honra ou consideração dos visados.
Dizer de um professor que o mesmo é mau professor ou bom professor, bom avaliador ou mau avaliador, ainda que desagradável, desprimoroso ou rude, não é ofensivo da honra e consideração do mesmo.
Quanto às expressões “preconceituoso, machista, elitista”, há que ter em conta o enquadramento dos factos.
Na verdade, as alunas não se dedicaram a adjetivar o professor deste modo gratuitamente e descontextualizadamente.
As mesmas exerceram um direito que assiste aos alunos do IPB que é recorrer ao Provedor do Aluno, para manifestar o seu desagrado perante as aulas de um professor.
Escreveram uma carta fundamentada e identificaram-se devidamente.
As expressões com que concluem a carta são uma mera decorrência dos factos que alegaram, diga-se, no uso de um direito que lhes assiste, que é o de fazerem exposições/reclamações/sugestões perante o Provedor do Aluno, que certamente terá sido criado para o efeito.
A entender-se que qualquer queixa redundaria num crime de difamação, frustrar-se-iam todas as finalidades inerentes à criação dessa figura e de outras semelhantes, como o Provedor de Justiça.
Não se descura que os factos alegados, a serem falsos, são desprimorosos e poderiam eventualmente integrar a prática de um crime de denúncia caluniosa, mas nunca de difamação (nem essa intenção se pode retirar da carta elaborada pelas arguidas, pois se pretendessem difamar o professor veiculariam os factos/expressões de outro modo pelo meio escolar).
Mas veja-se que o processo disciplinar movido contra o professor apenas foi arquivado por força do in dubio pro reo, por se ter considerado que a prova indicada pelo professor abalou a prova indicada pelas alunas, mas nunca por se ter concluído que a reclamação/queixa das alunas fosse manifestamente infundada.
Concluímos deste modo que os factos imputados às arguidas não integram a prática de qualquer crime.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº 2 al. a) e nº 3 al. d) do Código de Processo Penal, decide-se rejeitar a acusação pública, por manifestamente infundada, porquanto os factos imputados não constituem crime.
(…)»

IV – Cumpre decidir.
Alega o recorrente que o despacho recorrido violou o princípio acusatório e o disposto no artigo 311º, nº 2, a) e nº 3, d), do Código de Processo Penal, uma vez que apreciou os indícios resultantes da prova produzida em inquérito, e não apenas o próprio teor da acusação, sindicando assim a atuação do Ministério Público no que se refere à existência, ou não, de indícios suficientes da prática do crime em apreço. E será assim, designadamente, porque esse despacho alude ao teor integral da carta de onde são retiradas as expressões usadas pelas arguidas (teor que não consta da acusação) para dele retirar que a atuação desta se justifica por representar o exercício da liberdade de opinião e expressão.
Vejamos.
Das disposições conjugadas dos artigos 311º, nº 2, a), e nº 3, d), do Código de Processo Penal resulta que o juiz deve rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada, sendo que tal se verifica quando os factos dela constantes não constituírem crime.
Tem razão o recorrente quando afirma que, por exigência do princípio acusatório, não cabe ao juiz, nesta fase, sindicar a atuação do Ministério Público no que respeita à existência, com base na prova produzida em inquérito, de indícios suficientes da prática do crime em apreço. Cabe-lhe rejeitar a acusação se os factos dela constantes (e sem considerar outros que dela não constem) não constituírem crime.
Mas afigura-se-nos que foi precisamente isto que fez a Mnª Juíza a quo. O teor integral da carta a que alude no douto despacho recorrido (essencial para perceber o contexto em que são usadas as expressões em questão e a partir desse contexto descortinar o alcance das mesmas, aferindo se integram, ou não, a prática de crime) consta da própria acusação, uma vez que esta o dá por inteiramente reproduzido. E, para concluir pela inexistência de crime, não se baseia tal despacho em qualquer facto que não consta da própria acusação.
Não se nos afigura, por isso, que o douto despacho recorrido tenha violado o princípio acusatório e o disposto no artigo 311º, nº 2, a), e nº 3, d), do Código de Processo Penal.
Como atrás assinalámos, segundo o sentido uniforme da jurisprudência, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da respetiva motivação. Ora, das conclusões do recurso em apreço, acima transcritas, consta apenas a questão da violação do princípio acusatório no despacho recorrido e não a própria questão de mérito, ou seja, saber se os factos constantes da acusação constituem, ou não, crime.
De qualquer modo, e porque essa questão não deixa de ser aflorada na própria motivação do recurso, sempre se dirá que não se nos afigura que o douto despacho recorrido seja merecedor de reparo também quanto a este aspeto, pelas razões seguintes.
As expressões utilizadas pelas arguidas devem considerar-se exercício da crítica à atuação do visado como professor. Essa crítica não é gratuita e descontextualizada, apoia-se em factos (desonrosos – é certo) que são descritos na carta em questão (ver fls. 72 a 74), é uma decorrência desses factos. Se tais factos forem verdadeiros (ou nõ firem falsos), essa crítica será legítima e justificada pelo exercício da liberdade de opinião e expressão (artigo 31º, nº 2, b), do Código Penal).
Uma vez que as expressões são utilizadas no contexto de uma queixa apresentada ao Provedor do Aluno, suscetível de dar origem (como deu) a eventual processo disciplinar, não sendo dirigidas a qualquer outra pessoa (designadamente outros membros da comunidade educativa), a atuação das arguidas poderia configurar um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, nº 1, do Código Penal, não um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigo 180º e 184º do mesmo Código.
Ora, foi o próprio Ministério Público quem arquivou os autos por não se verificarem indícios suficientes da prática desse crime pelas arguidas, ou seja, de que os factos imputados fossem falsos, ou de que as arguidas tivessem consciência da falsidade da imputação (ver fls. 340 a 344).
Se estivesse em causa um eventual crime de difamação, já recairia sobre as arguidas o ónus da prova da veracidade da imputação ou da sustentada boa fé das mesmas quanto a esse veracidade (artigo 180º, nº 2, b), do Código Penal)
E não pode, obviamente, considerar-se que pratica um crime de difamação qualquer pessoa que apresente uma queixa na origem de um processo (disciplinar, contra-ordenacional ou criminal) que venha a ser arquivado por falta de prova.
Estas considerações, em que também se baseia o douto despacho recorrido, são inequívocas e suficientemente sólidas para justificarem a rejeição liminar da acusação, sem necessidade de julgamento, evitando, assim, inúteis danos para as arguidas e inúteis delongas processuais.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 522, nº 1, do Código de Processo Penal).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido.

Notifique

Porto, 8/10/2014
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo