Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
127/11.3TYVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
EMPREITADA
PREÇO DA OBRA
DIREITO REAL DE GARANTIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP20130916127/11.3TYVNG-B.P1
Data do Acordão: 09/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 754º, 758º, 759º DO CÓDIGO CIVIL
ARTº 128º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Sumário: I - O empreiteiro goza de direito de retenção sobre a obra construída enquanto o dono da obra não pagar o respectivo preço, integrando-se o crédito resultante de “despesas feitas”, a que alude o artigo 754.º do Código Civil, no conceito de “preço” acordado no contrato de empreitada.
II - O direito de retenção em causa traduz-se num direito real de garantia que prevalece mesmo sobre a hipoteca, ainda que previamente registada.
III - Sendo o processo de insolvência uma “execução universal que tem por finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (art. 1.º do CIRE), face à sua especificidade, ao contrário do que ocorre com o processo executivo, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, ainda que não possuam qualquer título com força executiva, não sendo viável no processo de insolvência o mecanismo de suprimento previsto no n.º 1 do artigo 869.º do CPC (suspensão da graduação de créditos até à obtenção do título em falta).
IV - Reclamado um crédito na insolvência, bem como o direito real que o garante (direito de retenção), não haverá necessidade de acção judicial prévia. O título que habilita o credor ao pagamento, bem como ao privilégio decorrente da garantia, forma-se durante o processo, através do procedimento de verificação de créditos, ficando concluído no momento em que o crédito e a garantia obtêm reconhecimento judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 127/11.3TYVNG-B.P1

Sumário da decisão
I. O empreiteiro goza de direito de retenção sobre a obra construída enquanto o dono da obra não pagar o respectivo preço, integrando-se o crédito resultante de “despesas feitas”, a que alude o artigo 754.º do Código Civil, no conceito de “preço” acordado no contrato de empreitada.
II. O direito de retenção em causa traduz-se num direito real de garantia que prevalece mesmo sobre a hipoteca, ainda que previamente registada.
III. Sendo o processo de insolvência uma “execução universal que tem por finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (art. 1.º do CIRE), face à sua especificidade, ao contrário do que ocorre com o processo executivo, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, ainda que não possuam qualquer título com força executiva, não sendo viável no processo de insolvência o mecanismo de suprimento previsto no n.º 1 do artigo 869.º do CPC (suspensão da graduação de créditos até à obtenção do título em falta).
IV. Reclamado um crédito na insolvência, bem como o direito real que o garante (direito de retenção), não haverá necessidade de acção judicial prévia. O título que habilita o credor ao pagamento, bem como ao privilégio decorrente da garantia, forma-se durante o processo, através do procedimento de verificação de créditos, ficando concluído no momento em que o crédito e a garantia obtêm reconhecimento judicial.

Acordam em conferência os juízes abaixo-assinados da quinta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Foi proferida sentença na qual se declarou a sociedade B…, Lda., em estado de insolvência, e se fixou prazo para reclamação de créditos.
Na sequência da referida sentença foram apreendidos (apenso nº 127/11.3TYVNG-A) os bens imóveis aí identificados, tendo sido reclamados diversos créditos.
Foi junto parecer pela Exma. Senhora Administradora, no qual, entre outros, reconhece o crédito de C…, S.A., no valor global de € 2.298.863,35 (dois milhões, duzentos e noventa e oito mil, oitocentos e sessenta e três euros e trinta e cinco cêntimos), adveniente de “três (3) contratos de empreitada incumpridos/cheques/Trabalhos a mais/despesas judiciais/crédito parcialmente pago através da dação em pagamento de fracções autónomas”.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi decidida a matéria de facto, sem reclamações, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, declaro verificados os créditos supra-reconhecidos e graduo-os para serem pagos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:
- Através do produto da venda dos bens imóveis:
1º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem imóvel;
2º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor C…, S.A.;
3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do credor D…, S.A.;
4º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.º, n.º 4, al. c));
5º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º».
Não se conformou a credora reclamante D…, Lda, e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões:
1. Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, outorgada em 20/07/2007, no Cartório Notarial do Dr. E…, a folhas 60 e ss do Livro 41-A, o F…, S.A. mutuou à sociedade B…, Lda., ora insolvente, a quantia de € 5.000.000,00.
2. Por escritura pública de cessão de créditos, outorgada em 05 de Junho de 2010, no Cartório Notarial do Dr. G…, arquivada no livro 83-B a fls. 56 a 58, o F…, S.A. cedeu à Recorrente diversos créditos, incluindo todas as garantias e acessórios dos mesmos.
3. Entre outros, foi cedido à Recorrente o crédito decorrente da escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, outorgada em 20/07/2007 com a sociedade ora insolvente B…, Lda.
4. O crédito da Recorrente encontra-se garantido por hipoteca constituída sob os prédios urbanos descritos na Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob os n.ºs 1179, 1180, 1181, 1182, 1183, 1184 e 1185, inscritos na matriz sob os artigos 2098, 2099, 2100, 2101, 2102, 2103 e 2104, respetivamente, e ainda sobre os prédios descritos sob os n.ºs 316, 317 e 318, inscritos na matriz sob os artigos 618, 733 e 622
5. No processo de insolvência da sociedade B…, Lda. foram apreendidos os imóveis rústicos descritos sob os n.ºs 316, 317 e 318 e os prédios urbanos descritos sob os n.ºs 1179, 1180, 1181, 1182, 1183, 1184 e 1185, todos hipotecados a favor da Recorrente
6. O credor C…, S.A. (doravante apenas C1…) reclamou, nos autos de insolvência da sociedade B…, Lda., um crédito no valor de € 2.298.863,35
7. Foi invocado pela C1… que o crédito em causa se encontrava garantido por direito de retenção sobre os imóveis apreendidos para a massa, por forma da celebração de contratos de empreitada com a insolvente.
8. A Sra. Administradora de Insolvência reconheceu o crédito do credor C1… como comum, na lista definitiva de créditos elaborada nos termos do disposto no artigo 129.º do CIRE, e aquele impugnou a referida lista, tendo o seu crédito sido reconhecido como garantido por direito de retenção e, como tal, graduado logo após as custas e antes do crédito hipotecário da Recorrente.
9. A Recorrente entende que não se encontram preenchidos todos os requisitos exigíveis para que se esteja perante um crédito garantido por direito de retenção.
10. Dispõe o artigo 754.º do Código Civil (CC) que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
11. Para que exista direito de retenção nos termos daquele preceito, é necessário:
a) em primeiro lugar, que o respetivo titular detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem;
b) em segundo lugar que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deva a restituição;
c) e por último que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum) nas condições nele definidas: “resultar o crédito de quem esteja obrigado a entregar a coisa de despesa com
12. O direito de retenção é uma garantia muito especial caracterizada por um nexo de ligação muito estreito entre a coisa e a obrigação.
13. Quanto ao primeiro requisito, a detenção dos imóveis, tal foi julgado provado pelo Tribunal a quo, conforme se pode ler na sentença em causa:
“os imóveis referidos em 3) foram entregues pela Insolvente à impugnante para que esta executasse os trabalhos contratados;
“(…) tendo vedado toda a obra com redes e vedações da sua propriedade”;
“todos os dias um funcionário da Impugnante desloca-se ao local, no sentido de verificar a integridade da vedação”.
“Durante mais de dois anos que decorreram até à presente data a detenção sobre os imóveis referidos em 3. não foi colocada em causa, nem pela Insolvente, nem pelos seus Administradores, nem pelo credor hipotecário.”
14. A recorrente não pode aceitar as conclusões apresentadas na sentença ora em apreciação, porque nos três contratos de empreitada não é, em momento algum, referido que o “H…” engloba os imóveis sobre os quais a C1... vem reclamar direito de retenção
15. Não corresponde à verdade que o credor hipotecário não tenha colocado em causa o direito de retenção da C1….
16. A C1… junta uma cópia de um fax alegadamente enviado para o F…, S.A., ao cuidado do Conselho de Administração, remetido para o n.º ………
17. As comunicações dirigidas ao Conselho de Administração do F…, S.A. terão que ser remetidas para a sua sede que se situa na Rua …, n.º .., ….-… Lisboa e não no Porto.
18. Mesmo na Delegação do Banco no Porto o número do fax não é ………, para onde aquele faxe foi, alegadamente, enviado mas sim ………
19. O Banco, o seu Conselho de Administração e a Recorrente nunca tiveram conhecimento de que a C1… se arrogava de um pretenso direito de retenção sobre os imóveis hipotecados a seu favor, até o invocarem no presente processo.
20. A Recorrente só não apresentou Contestação à Impugnação apresentada pela C1… porque desta somente teve conhecimento após ter decorrido o prazo para o efeito, até porque, se tivesse tido conhecimento atempado quer do alegado exercício do direito de retenção, quer da impugnação deduzida, certamente se teria oposto, tal como agora o faz.
21. Quanto ao segundo requisito, a Recorrente aceita que a C1… seja credora da insolvente.
22. Quanto ao terceiro e último requisito, o nexo de ligação entre a coisa e a obrigação, a Recorrente considera que em lado algum se encontram discriminados os serviços efetivamente prestados pela C1… e em que imóveis o foram.
23. Considerando que os imóveis apreendidos no presente processo foram, efetivamente, entregues à C1… – o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe – não foi concretamente demonstrado por aquela a realização de obras em todos ou em algum dos imóveis.
24. A Recorrente entende que não ficou provado que as obras contratadas foram, efetivamente, executadas e, muito menos, que aquelas se realizaram em todos os imóveis sobre os quais a C1… alega direito de retenção, pois, em momento algum foi explicitado quais os trabalhos realizados e em que imóveis.
25. Não estão, aqui, em causa obras de edificação ou de edifícios efetivamente construídos pela C1…, mas sim obras de urbanização, de arranjos exteriores, de ligação do loteamento à Estrada Nacional e execução da Rua …, ou seja, obras acessórias que poderão ter sido realizadas, ou não, e que poderão ter sido apenas executadas num dos imóveis, em dois, em todos ou em nenhum deles.
26. Falece a ligação entre a coisa e a obrigação, porquanto se a C1… construiu o passeio no prédio X não pode ter direito de retenção sobre os prédios X, Y e Z, não lhe podendo ser reconhecido o direito de retenção.
27. A Recorrente entende, ainda, que, como o crédito do empreiteiro não se encontra previsto no artigo 755.º do CC, o mesmo não pode dar origem a direito de retenção, tal como não se pode enquadrar na norma geral do 754.º porque as despesas correspondentes ao preço da obra imobiliária alegadamente realizada são preexistentes, não sendo despesas feitas por causa da coisa, visto que a coisa (obras realizada) ainda não existia quando foram constituídas.
28. No contrato de empreitada o que se pretende atingir com o direito de retenção é a garantia do pagamento do preço da empreitada e esse preço não coincide inteiramente com as despesas efetuadas com a coisa a reter, já que inclui, naturalmente, o lucro do empreiteiro. Pelo que o empreiteiro poderá beneficiar da exceção de não cumprimento, mas não tem direito de retenção sobre a obra efetuada, sob pena de enriquecimento sem causa.
29. Por fim, refira-se que a C1… não se encontra munida de título bastante (sentença) que comprove a existência quer do seu crédito, quer do direito de retenção de que se arroga.
30. “A simples alegação, por parte do credor reclamante, de factos eventualmente integradores do direito de retenção (…) é, por si só, insuficiente para que lhe seja reconhecido o privilégio consagrado no nº 2 do artigo 759º do mesmo diploma. Para que tal possa ser uma realidade, torna-se necessário que prove os factos dessa alegação, juntando, para tanto, o título justificativo que, no caso, é a sentença condenatória (…)” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2010, processo 2637/08.0TBVCT-F.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
31. O direito de retenção não pode ser reconhecido à C1…, devendo o seu crédito ser graduado como comum, para ser pago rateadamente com os restantes credores comuns pelo produto da venda do património da insolvente.
32. Por todas as razões expostas não pode a Recorrente concordar com a sentença proferida, uma vez que esta viola o disposto no artigo 754.º e 759.º, n.º 2 do CC, ao reconhecer indevidamente um direito de retenção e ao graduá-lo antes do crédito hipotecário.
Em face do que antecede,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal de Primeira Instância para a retificação da sentença de verificação e graduação de créditos, passando aquela a reconhecer o crédito da sociedade C…, S.A. como comum, graduando-o depois do crédito da Recorrente, com os demais credores comuns.
Fazendo-se, assim, Justiça.
A reclamante C…, S.A. apresentou resposta às alegações de recurso, concluindo:
(…)
XI. Tendo as presentes Alegações, a finalidade de impugnar a matéria de facto provada e, por via disso obter a modificação da matéria de facto dada como provada, devia a Recorrente, especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como os concretos meios de prova constantes da gravação – depoimentos das testemunhas e respetivas passagens do registo dos mesmos, bem como de outro elemento probatório, que no seu entender, levariam a uma decisão divergente da tomada sobre a factualidade posta em crise, tendo em atenção o preceituado no artigo 685.º-B, n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.Civ., o que não logrou fazer.
XII. As Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente são assim ineptas, devendo as mesmas ser rejeitadas pelo douto Tribunal ad quen, nos termos do disposto no artigo 685.º, n.º 1, do C.P.Civ..
XIII. Alega a Recorrente, desconhecimento dos imóveis em que a Recorrida prestou trabalhos.
XIV. Desconhecendo os lotes que constituem o “H…”, e consequentemente como o douto Tribunal a quo chegou à conclusão, de que eram aqueles os lotes objeto de retenção pela Recorrida.
XV. Desconhece pois, a Recorrente, a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, não obstante ter estado presente.
XVI. Quanto a prova documental, o relatório da Sr.ª Administradora de Insolvência, apresentado nos termos do disposto nos artigos 155.º e 156.º do CIRE, é claro ao afirmar em que consistia o “H…” e os imóveis que o compõem (cfr. página 26 do dito relatório, junto aos autos).
XVII. A verdade é que foi aceite e referido pela Massa Insolvente, no âmbito da sua contestação à impugnação à lista de créditos definitiva, que o crédito da aqui Recorrida “derrama nos termos dos contratos de empreitada subjacentes à edificação desses mesmos imóveis” (cfr. art.º 11.º desse articulado).
XVIII. Além disso, logo no art.º 1.º da resposta à impugnação, a Massa insolvente reconhece a matéria alegada, entre outros, no art.º 63.º da Impugnação, onde vem alegado que o crédito da Recorrida decorre dos contratos celebrados pela Impugnante e insolvente, e respeitam a despesas e materiais aplicados nos imóveis propriedade da insolvente.
XIX. E quando a prova testemunhal, foram as testemunhas ouvidas, perentórias ao afirmar quais os lotes que compunham o aludido loteamento e onde o mesmo se situava.
XX. Pelo que dúvidas não restam acerca dos imóveis objeto de retenção
XXI. Alega ainda a Recorrente, desconhecimento do exercício do direito de retenção pela Recorrida.
XXII. Faltando a Recorrente à verdade, uma vez que foi enviado Fax para a sua sucursal sita na rua …, no Porto, notificando-a do exercício do direito de retenção.
XXIII. E foi enviado para essa sucursal, porque foi aí, que existiram diversas reuniões entre a Recorrente, Recorrida e Insolvente.
XXIV. Teve também conhecimento, a Recorrente, da Execução Comum, processo n.º 1898/08.0TBPVZ, que correu termos no 2.º juízo Cível do Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim.
XXV. Tendo aí reclamado créditos, que foram impugnados pela aqui Recorrida, dando origem ao apenso processo n.º 1898/08.0TBPVZ-B, que correu termos no 2.º juízo Cível do Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim.
XXVI. Impugnação onde a Recorrida veio Impugnar a graduação do crédito da Recorrente e reclamar o exercício do direito de retenção nos imóveis aqui reclamados.
XXVII. Impugnação à qual a Recorrente apresentou resposta!
XXVIII. Litiga assim, em má-fé e em manifesto abuso de direito a Recorrente, ao afirmar nas suas Alegações que o Banco e o seu Concelho de Administração nunca tiveram conhecimento de que a C1… se arrogava de um pretenso direito de retenção sobre os imóveis hipotecados a seu favor, até o invocarem no presente processo.
XXIX. Teve ainda a Recorrente, conhecimento do direito de retenção exercido, por via da ação que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal judicial da Povoa de Varzim, processo n.º 1105/09.8TBPVZ.
XXX. Assim como teve conhecimento dessa retenção, por via das notificações da lista de créditos provisória e definitiva do art.º 129.º do CIRE.
XXXI. E obteve a Recorrente, novamente conhecimento desse direito de retenção no âmbito da impugnação apresentada que deu origem ao presente.
XXXII. Assim como teve no decorrer do presente processo, uma vez que a Recorrente esteve presente na tentativa de conciliação e na audiência de julgamento.
XXXIII. Nunca contestando ou impugnando o direito de retenção da Recorrida.
XXXIV. E diga-se ainda, que quem tem de ter conhecimento do direito de retenção é a Insolvente, e não a aqui Recorrente.
XXXV. A Insolvente, notificada que foi para contestar os presentes autos, nada disse, reconhecendo, como sempre, o direito de retenção da Recorrida.
XXXVI. Uma vez que os imóveis entregues pela Insolvente à Recorrida, se encontram na posse desta.
XXXVII. Crédito reconhecido pela Sr.ª Administradora de Insolvência, por via dos trabalhos, despesas e danos causados, pela coisa retida.
XXXVIII. Crédito que foi homologado por sentença, pelo douto Tribunal a quo, nos termos do disposto no art.º 136º, nº 4 do CIRE.
XXXIX. Encontrando-se integralmente preenchidos os pressupostos do direito de retenção reclamado pela Recorrida.
XL. Pressupostos que foram aferidos e dados como provados pelo douto Tribunal a quo.
XLI. Matéria que está dada como provada e assente, e que a Recorrente, como já referimos, não impugna nas suas Alegações.
XLII. Pelo que também não pode a Recorrente, vir impugnar o direito de retenção da Recorrida, com o fundamento de que não dispõe a Recorrida de uma sentença que reconheça o seu direito de retenção.
XLIII. Pelo que a finalidade da presente é esse reconhecimento.
XLIV. E sempre se dirá ainda, que não precisava a Recorrida de uma sentença que reconheça o seu direito, uma vez que o mesmo é público.
XLV. O objeto da presente da presente não é o reconhecimento do crédito, porque esse já está reconhecido pela Sr.ª Administradora da insolvência e homologado pela sentença de declaração de insolvência.
XLVI. Pelo que se a Recorrente não concordava com o crédito da Recorrida e a proveniência do mesmo, sempre teria que impugnar (termos do disposto no art.º 130.º do CIRE), a lista de créditos reconhecidos do art.º 129.º do CIRE.
XLVII. Não o fazendo a lista de créditos foi homologada por sentença, nos termos do disposto non art.º 136.º, n.º4 do CIRE que estatui que se consideram sempre reconhecidos os créditos incluídos na respetiva lista de créditos e não impugnados e, os que tiverem sido aprovados na tentativa de conciliação.
Termos em que julgando as presentes contra alegações de recurso totalmente procedentes, nos termos expendidos nas Contra Alegações e Conclusões apresentadas supra, fará esse Venerando Tribunal a acostumada justiça.
O Desembargador Relator considerou que a questão suscitada revelava simplicidade e, em conformidade com o disposto na alínea c) do artigo 700.º, e no artigo 705.º, ambos do Código de Processo Civil, proferiu decisão sumária singular, negando provimento ao recurso e mantendo a sentença recorrida.
Não se conformou a recorrente, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil veio requerer que sobre a matéria do recurso recaia um acórdão.
Como fundamento da sua pretensão, nada referindo quanto à decisão da matéria de facto, alegou em síntese a reclamante, no que respeita à vertente jurídica: não estão preenchidos os pressupostos do direito de retenção; o direito de retenção não se encontra reconhecido por sentença; nos contratos de empreitada não se refere que englobam os imóveis apreendidos no processo de insolvência; o titular originário do crédito F… não teve conhecimento do direito de retenção; o crédito em causa não é integrável na regra geral do artigo 754.º do CPC; não havendo reconhecimento judicial anterior do direito de retenção invocado, não existe título idóneo.
Ouvida a parte contrária, não se pronunciou.
Cumpre decidir.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) definição do âmbito do recurso da matéria de facto e sua apreciação; ii) saber se estão reunidos os requisitos que legitimam a graduação do crédito da recorrida (garantido pelo direito de retenção) com primazia sobre o crédito da recorrente (garantido pela hipoteca); iii) saber se a recorrida teria necessidade de, previamente à reclamação, obter um título executivo (judicial).

1. Recurso da matéria de facto.
O n.º 1 do artigo 685º-B, do Código de Processo Civil, faz impender sobre o recorrente que pretenda a alteração da matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, os seguintes ónus: a) especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Nos termos do n.º 2 da norma citada, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
A prova produzida nos autos em audiência de julgamento foi gravada.
No que respeita à exigência prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 685º-B, do CPC [especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados], apesar de a recorrente não especificar a sua divergência com referência aos números com que a factualidade provada é elencada na sentença, da leitura das alegações concluímos que se refere aos pontos 4, 6 e 7 (conclusão 13.ª)[1].
No que respeita ao requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 685º-B, do CPC [indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida], lidas e analisadas as alegações e as conclusões do recurso, verifica-se a sua omissão, nomeadamente no que concerne à prova gravada, que constituiu suporte fundamental da convicção do Tribunal, como se conclui do segmento da decisão da matéria de facto, que se transcreve:
«Em sede de audiência de julgamento, foram ouvidas as seguintes testemunhas indicadas pelo credor/impugnante: I…, engenheiro civil coordenador de obras da C…, S.A. há cerca de 17/18 anos e J…, director financeiro da C…, S.A..
I…, director técnico da obra, descreveu o estado da obra em causa e esclareceu que ficou suspensa por questões financeiras. Asseverou que a obra foi vedada pela impugnante, encontrando-se, aí, uma retroescavadora e que até hoje ninguém colocou em crise a detenção dos imóveis pela impugnante.
J…, director financeiro da impugnante referiu que a obra encontra-se praticamente concluída e que foi suspensa por incumprimento da insolvente. Asseverou que a obra se encontra vedada, que se encontram lá equipamentos e que até hoje tal detenção não foi colocada em crise pelos administradores da insolvente e pelo credor/hipotecário.
As testemunhas em causa, apesar do vínculo profissional com a impugnante, depuseram com isenção, serenidade e conhecimento de causa influenciando, por isso, a convicção do Tribunal.
Tais depoimentos foram concatenados com a prova documental oferecida nos autos, que foi objecto de exaustiva análise crítica».
A omissão de indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da que foi tomada em primeira instância quer nas alegações, quer nas conclusões, obsta a que se configure a possibilidade de aperfeiçoamento das conclusões, porque sempre faltaria nas alegações o necessário suporte para uma conclusão que viesse a indicar as aludidas provas.
Não questionando a recorrente os depoimentos das testemunhas, sobre os quais o Tribunal alicerçou a sua convicção na motivação da decisão da matéria de facto, fica inevitavelmente comprometido o recurso, que apenas poderá proceder se verificada alguma das circunstâncias previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.
Dispõe o citado normativo, que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, nas circunstâncias referidas nas várias alíneas deste normativo, que se transcrevem: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Não se verifica in casu o circunstancialismo previsto na alínea a), considerando que, como se referiu, a recorrente não impugnou os depoimentos gravados, nem na alínea c), porque a recorrente não apresentou qualquer documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou, restando a apreciação da alínea b).
A Recorrente alicerça o seu recurso sobre a decisão da matéria de facto, apenas nos seguintes elementos de prova: i) alega que os contratos de empreitada são omissos no que respeita aos imóveis abrangidos; ii) alega que o titular originário do crédito – F…, S.A., não teve conhecimento da invocação do direito de retenção, face ao n.º que consta do fax junto aos autos a fls. 151 e 152; iii) finalmente, alega que não é verdade a recorrente não ter impugnado o direito de retenção invocado pela recorrida.
Tal alegação contém-se nas conclusões 14.ª a 24.ª, cuja transcrição se repete por uma questão de coerência formal desta decisão:
14. A recorrente não pode aceitar as conclusões apresentadas na sentença ora em apreciação, porque nos três contratos de empreitada não é, em momento algum, referido que o “H…” engloba os imóveis sobre os quais a C1… vem reclamar direito de retenção
15. Não corresponde à verdade que o credor hipotecário não tenha colocado em causa o direito de retenção da C1….
16. A C1… junta uma cópia de um fax alegadamente enviado para o F…, S.A., ao cuidado do Conselho de Administração, remetido para o n.º ………
17. As comunicações dirigidas ao Conselho de Administração do F…, S.A. terão que ser remetidas para a sua sede que se situa na Rua …, n.º .., ….-… Lisboa e não no Porto.
18. Mesmo na Delegação do Banco no Porto o número do fax não é ………, para onde aquele faxe foi, alegadamente, enviado mas sim ………
19. O Banco, o seu Conselho de Administração e a Recorrente nunca tiveram conhecimento de que a C1… se arrogava de um pretenso direito de retenção sobre os imóveis hipotecados a seu favor, até o invocarem no presente processo.
20. A Recorrente só não apresentou Contestação à Impugnação apresentada pela C1… porque desta somente teve conhecimento após ter decorrido o prazo para o efeito, até porque, se tivesse tido conhecimento atempado quer do alegado exercício do direito de retenção, quer da impugnação deduzida, certamente se teria oposto, tal como agora o faz.
21. Quanto ao segundo requisito, a Recorrente aceita que a C1… seja credora da insolvente.
22. Quanto ao terceiro e último requisito, o nexo de ligação entre a coisa e a obrigação, a Recorrente considera que em lado algum se encontram discriminados os serviços efetivamente prestados pela C1… e em que imóveis o foram.
23. Considerando que os imóveis apreendidos no presente processo foram, efetivamente, entregues à C1… – o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe – não foi concretamente demonstrado por aquela a realização de obras em todos ou em algum dos imóveis.
24. A Recorrente entende que não ficou provado que as obras contratadas foram, efetivamente, executadas e, muito menos, que aquelas se realizaram em todos os imóveis sobre os quais a C1… alega direito de retenção, pois, em momento algum foi explicitado quais os trabalhos realizados e em que imóveis.
Vejamos cada um dos pontos focados.
Esquecendo por completo a fundamentação da decisão da matéria de facto, nomeadamente no que concerne aos depoimentos das testemunhas, que não são minimamente questionados no recurso, a recorrente alega que os contratos de empreitada são omissos quanto aos imóveis a que se reportam.
No entanto, o M.º Juiz suporta a motivação da decisão sobre os depoimentos das testemunhas, decorrendo, quer da notificação à insolvente (fls. 148), quer da comunicação ao titular originário do crédito – F…, S.A. (fls. 151 e 152), que as obras foram realizadas nos prédios objecto da hipoteca.
A recorrente alega que o titular originário do crédito – F…, S.A., não teve conhecimento da invocação do direito de retenção, face ao número que consta do fax junto aos autos a fls. 151 e 152, dizendo que o mesmo não corresponde ao F…, e concluindo (conclusão 18.ª): «Mesmo na Delegação do Banco no Porto o número do fax não é ………, para onde aquele fax foi, alegadamente, enviado mas sim ………».
Com o devido respeito, não se compreende a posição assumida pela recorrente, face à informação disponível da Net[2], onde se refere como contacto do F… nas instalações da Rua …, …, ….-… Porto, o fax n.º ………, para onde foi remetida a comunicação junta aos autos a fls. 151 e 152.
Consta do fax junto aos autos a fls. 151, dirigido ao titular originário do crédito – F…, S.A., datado de 2.03.2009[3]: «Serve a presente para notificar V. Exa., na qualidade de credor hipotecário, do teor da carta nesta data remetida à sociedade B…, Lda, e de que a signatária se encontra a exercer o direito de retenção sobre a obra executada nos imóveis propriedade da Sociedade B…, Lda».
Na carta remetida à Insolvente (fls. 148), a recorrida, depois de sintetizar o contrato referente ao loteamento “H…”, refere a existência de uma dívida de € 1.801.339,31, e conclui: «A falta de pagamento das obras executadas constitui violação do contrato de empreitada entre nós celebrado. Face ao exposto, vem a firma signatária pela presente, na qualidade de empreiteiro, informar V. Exas. De que a partir da presente data, nos termos e ao abrigo do disposto nos art. 754.º e seguintes do Código Civil, passamos a exercer o direito de retenção sobre a totalidade das obras executadas até que se mostre integralmente pago o preço da empreitada, designadamente o valor global supra referido. Para efeito do exercício do direito (de retenção) em causa, a obra encontra-se vedada e tapada, não estando V. Exas. Autorizados a entrar ou a permanecer no local».
A recorrente não deduziu incidente de falsidade, nem relativamente ao fax, nem no que respeita à carta, limitando-se a alegar que o n.º do fax não corresponde à direcção do F….
Em suma, o titular originário do crédito e da garantia (hipoteca) – F…, S.A., teve conhecimento da invocação do direito de retenção por parte da ora recorrida, mais de um ano antes de ter transmitido o seu direito à ora recorrente.
Improcede o recurso neste segmento.
Por outro lado, continuando a não questionar os depoimentos em que se funda a decisão, vem ainda a recorrente alegar que nunca teve conhecimento do direito de retenção ora invocado, e por essa razão que nunca o impugnou.
Também sobre esta matéria, ressalvando sempre o devido respeito, não se compreende a posição assumida pela recorrente.
Com efeito, para além do que já ficou dito sobre a comunicação do direito ao anterior titular do crédito e da garantia[4], o crédito da recorrida, com referência ao montante e ao facto de emergir de “Três (3) contratos de empreitada incumpridos” consta do relatório apresentado pela Senhora Administradora da Insolvência (fls. 9), não impugnado pela ora recorrente, assim como também não foi impugnada a invocação do direito de retenção feita nos autos pela recorrida.
Registe-se que a recorrente, depois da impugnação efectuada pela recorrida, com fundamento na invocação do direito de retenção, foi convocada para uma tentativa de conciliação[5] e para a audiência de julgamento, nunca tendo tomado posição nos autos quanto à existência de tal direito, o que só veio a suceder nas alegações de recurso[6].
No entanto, tal omissão não se afigura relevante, considerando que se provou a notificação do cedente do crédito e da garantia (F…) por parte da ora recorrida, não sendo questionável a validade de tal notificação, considerando que a transmissão do crédito só ocorreria mais de um ano depois[7].
Improcede o recurso também neste segmento.
Decorre de todo o exposto a improcedência do recurso da matéria de facto, considerando que a recorrente, não impugnando os depoimentos em que a decisão recorrida se fundou, também não invocou quaisquer meios de prova, nem outros existem no processo, susceptíveis de imporem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

3. Fundamentos de facto
Está provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
1. A Administradora de Insolvência na relação de créditos definitiva junta aos autos reconheceu um crédito da Impugnante C…, S.A., no valor global de € 2.298.863,35 (dois milhões, duzentos e noventa e oito mil, oitocentos e sessenta e três euros e trinta e cinco cêntimos), adveniente de “três (3) contratos de empreitada incumpridos/cheques/Trabalhos a mais/despesas judiciais/crédito parcialmente pago através da dação em pagamento de fracções autónomas”.
2. O crédito referido em 1. resulta de obras, despesas efectuadas e materiais aplicados pela Impugnante nos prédios propriedade da Insolvente, sitos na freguesia …, em Vila Nova de Famalicão.
3. As obras e despesas suportadas pela Impugnante ocorreram nos seguintes prédios propriedade da Insolvente:
a) Prédio Rústico, denominado por “K…”, sito no …, da freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo predial sob o nº 316/20070718, e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 618º, com o valor patrimonial de € 457,85;
b) Prédio Rústico, denominado por “L…”, sito no …, da freguesia …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 318/20070718 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 622, com o valor tributável de € 389,95;
c) Prédio Rústico, denominado por “M…”, sito no …, da freguesia …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 317/20070718 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 733, com o valor tributável de € 13.607,69;
d) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2098, com o valor patrimonial de € 254.510,00;
e) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2099, com o valor patrimonial de € 284.990,00;
f) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2100, com o valor patrimonial de € 377.980,00;
g) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2101, com o valor patrimonial de € 349.730,00;
h) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2102, com o valor patrimonial de € 397.140,00;
i) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2103, com o valor patrimonial de € 512.450,00; e,
j) Prédio Urbano sito na freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 2104, com o valor patrimonial de € 349.010,00.
4. Os imóveis referidos em 3) foram entregues pela Insolvente à impugnante para que esta executasse os trabalhos contratados.
5. Por falta de pagamento dos valores em dívida e reconhecidos pela Administradora de Insolvência, a Impugnante suspendeu a execução dos trabalhos, tendo vedado toda a obra com redes e vedações de sua propriedade.
6. Todos os dias um funcionário da Impugnante desloca-se ao local, no sentido de verificar a integridade da vedação.
7. Durante mais de dois anos que decorreram até à presente data a detenção sobre os imóveis referidos em 3. não foi colocada em causa, nem pela Insolvente, nem pelos seus Administradores, nem pelo credor hipotecário.
8. Desde essa data e até ao presente a Impugnante detém a posse sobre os imóveis referidos em 3., mantendo-os vedados, com maquinaria sua, cortando o respectivo mato, o que exerce de dia e de noite, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem entrave ou contestação de ninguém, designadamente da Insolvente ou até do credor hipotecário, na convicção de quem exerce um direito próprio, sem lesar qualquer direito de terceiro.

4. Fundamentos de direito
4.1. Verificação da existência do invocado direito de retenção
Relativamente a esta matéria, pouco haverá a dizer, face ao texto da lei, subscrevendo-se o que consta da sentença neste segmento:
«[…] dispõe o artº 754º do Cód. Civ. que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Em síntese, o direito de retenção depende de três requisitos: a) a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; b) apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega; c) a existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer, resultante de despesas realizadas com ela ou de danos pela mesma produzidos.
A conexão objectiva entre o crédito e a coisa (“debitum cum re iunctum”) constitui o alicerce básico do direito de retenção.
O direito de retenção mostra-se assim consagrado na lei como um verdadeiro real de garantia, equiparando-se o seu titular ao credor pignoratício ou hipotecário, consoante o objecto do direito seja uma coisa móvel ou uma coisa imóvel (artºs 758º e 759º).
Para além da função de garantia, o direito de retenção tem ainda a função coercitiva, sendo um meio de pressão sobre o devedor para o determinar a pagar as despesas feitas por causa da coisa legitimamente retida ou por causa dos danos por ela causados.
Torna-se assim possível definir o direito de retenção, com a necessária segurança, como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.
O direito de retenção pode ser exercido antes do vencimento da obrigação, desde que se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo e não depende da liquidez do crédito do seu titular (artº 757º, nºs 1 e 2).
Para além das situações que derivam da aplicação do critério geral consagrado no artº 754º, existem os casos especiais de direito de retenção previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artº 755º.
Nalguns daqueles casos especiais, há lugar a direito a retenção apenas com base na simples origem comum dos dois créditos, sem que se verifique a conexão objectiva entre o direito e a coisa.
O direito de retenção confere ao seu titular o direito a ser pago com preferência sobre os demais credores (art. 666º, por força dos artºs 758º e 759º)».
Não o afirmando expressamente na fundamentação, o M.º Juiz conclui na parte dispositiva da sentença que se verifica in casu o direito de retenção por parte da recorrida.
Nas conclusões de recurso 23.ª a 28.ª, a recorrente considera que inexiste o direito invocado e reconhecido na sentença, alegando que: não foi concretamente demonstrada a realização de obras em todos ou em algum dos imóveis; não foram explicitados os trabalhos realizados e em que imóveis; o crédito do empreiteiro não se encontra previsto no artigo 755.º do CC, o mesmo não pode dar origem a direito de retenção, tal como não se pode enquadrar na norma geral do 754.º porque as despesas correspondentes ao preço da obra imobiliária alegadamente realizada são preexistentes, não sendo despesas feitas por causa da coisa, visto que a coisa (obras realizada) ainda não existia quando foram constituídas; no contrato de empreitada o que se pretende atingir com o direito de retenção é a garantia do pagamento do preço da empreitada e esse preço não coincide inteiramente com as despesas efectuadas com a coisa a reter, já que inclui, naturalmente, o lucro do empreiteiro.
Vejamos a primeira objecção.
No que respeita à realização das obras e ao consequente crédito da recorrida, com referência ao montante e ao facto de emergir de “Três (3) contratos de empreitada incumpridos”, tais elementos constam do relatório apresentado pela Senhora Administradora da Insolvência (fls. 9), não impugnado pela ora recorrente, havendo ainda a considerar a notificação efectuada pela recorrida ao cedente do crédito e da garantia (F…), não sendo questionável a validade de tal notificação, considerando que a transmissão do crédito só ocorreria mais de um ano depois[8].
Invocado o preço dos contratos incumpridos, consignado tal preço em dívida no relatório apresentado pela Senhora Administradora da Insolvência (fls. 9), e não impugnado o referido relatório pela ora recorrente, com o devido respeito, não se vislumbra qualquer utilidade na descriminação dos trabalhos efectuados (considerando que a ora recorrente aceitou: i) o incumprimento dos contratos; ii) o preço que não foi pago)[9].
Apreciamos agora a segunda objecção suscitada [não coincidência do ‘preço’ com o conceito de ‘despesas’ constante da previsão legal do artigo 754.º do CC].
Sobre esta questão se pronunciou o Professor João Calvão da Silva[10], em termos lapidares, que se reproduzem:
“Não se diga, com a Relação de Lisboa, que «em parte alguma o preço é confundido com despesas», para concluir que «o preço da obra realizada por empreiteiro não gera direito de retenção». Parece-nos que a realidade é exactamente a inversa: o preço resulta de despesas feitas com a realização da obra, obra que não é mais do que o produto final da incorporação (de materiais, trabalhos e serviços) feita pelo empreiteiro. Assim, os gastos deste com os materiais necessários à execução da obra por si fornecidos (art. 1210.º) são despesas com a obra; são despesas feitas com a obra e por causa da obra os gastos do empreiteiro com os utensílios necessários à realização da mesma (as máquinas, os instrumentos, os andaimes, as instalações do pessoal e dos serviços, etc.); a retribuição dos serviços prestados na execução da obra é, igualmente, despesa feita com a coisa e por causa dela.
Não há, por conseguinte, razões válidas para não reconhecer o direito de retenção ao empreiteiro, enquanto o dono da obra não pagar o preço da empreitada, visto que o seu crédito resulta de despesas feitas por causa dela (art. 754.º). Não há sequer razões para separar o custo dos materiais e utensílios empregados na execução da obra, a retribuição dos serviços prestados e o lucro do empreiteiro, afim de excluir o direito de retenção relativamente a este. É que em casos desta natureza dificilmente se saberá onde acaba a retribuição do trabalho e serviços incorporados na coisa - ou, em todo o caso, por ela provocados - e onde começa o lucro: pense-se no caso de conserto e reparação de um automóvel numa oficina, em que a conta apresentada normalmente discrimina o custo das peças e do material empregado e o preço da mão de obra, tout court.
Acresce que a lei fala de crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa e não propriamente do crédito das despesas, podendo dizer-se que o próprio lucro, que se sabe em regra existir embora possa não se saber o quantum, não deixa de ter a sua causa na coisa e nas despesas com ela feitas”.
No que respeita a esta questão - existência do direito de retenção reportado ao preço em dívida -, também na jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça se vem acolhendo o entendimento de que o empreiteiro goza do enunciado direito, nos termos do artigo 754.º do Código Civil, por se considerar que o crédito resultante de “despesas feitas”, a que alude o citado normativo, se integra no conceito de “preço” acordado no contrato de empreitada.
Assim decidiu o Supremo, no acórdão de 5.05.2005[11], cujo sumário se transcreve parcialmente:
«II. É de reconhecer ao empreiteiro o direito de retenção sobre a obra construída em caso de relapsidão do respectivo dono no pagamento do respectivo preço, visto tal crédito provir de despesas com aquela feitas - artº 754º do C. Civil.
III. E isto seja qual for a modalidade da empreitada (de construção, reparação, demolição e conservação) podendo o empreiteiro reter a coisa onde se realizou, total ou parcialmente, a obra, e quer no caso de a obra ser totalmente concluída, quer na eventualidade de haverem surgido ocorrências conducentes à resolução (precoce) do contrato.
IV. Trata-se de um direito real de garantia que prevalece mesmo sobre a hipoteca, ainda que previamente registada - artº 759º nºs 1 e 2 do C. Civil».[12]
Aderindo à tese exposta, concluímos pela improcedência do recurso, também neste segmento.
4.2. A prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca
A prevalência do direito de retenção, no confronto com a hipoteca, resulta do artigo 759.º do Código Civil, que estipula:
«1. Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor.
2. O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.
3. Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações».
Demonstrada que está a verificação dos requisitos do direito de retenção, é tempo de abordar a excepção deduzida pela recorrente.
4.3. A exigência do título
Alega a recorrente que a recorrida deveria ter previamente obtido um título (sentença judicial), como condição prévia à viabilidade da sua pretensão (conclusões 19.ª a 32.ª).
Invoca em abono da sua tese o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2010, processo 2637/08.0TBVCT-F.G1.S1[13].
Apesar do apoio jurisprudencial convocado, pensamos que não lhe assiste razão.
Na reclamação de créditos no âmbito da execução, o título é uma exigência genérica, prevista no n.º 2 do artigo 865.º do Código de Processo Civil[14], prevendo o n.º 1 do artigo 869.º do mesmo diploma legal, a suspensão da graduação de créditos, de forma a permitir ao credor reclamante a obtenção do título em falta (sentença), mediante a instauração da respectiva acção.
Porém, na reclamação de créditos na insolvência, de tramitação urgente e destinada à liquidação universal do activo e do passivo e não apenas à venda dos bens do devedor livres de ónus e encargos, não existe qualquer exigência de que o reclamante seja detentor de título executivo.
O título deverá ser obtido na reclamação de créditos da insolvência, se acaso o crédito não for logo reconhecido pelo Administrador da Insolvência e não houver qualquer impugnação.
A questão foi abordada no acórdão desta Relação, de 6.11.2012[15], com uma argumentação à qual aderimos e que seguiremos de perto.
In casu, o crédito não foi objecto de impugnação[16], estando apenas em causa o direito de retenção.
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[17] não restringe a reclamação de créditos em processo de insolvência aos credores munidos de título executivo. Pelo contrário, determina que todos os credores da massa insolvente, qualquer que seja a natureza e fundamento dos seus créditos, deverão reclamá-los no processo de insolvência, dispondo o n.º 3 do o artigo 128.º: «A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento».
Da conjugação do ditame enunciado no n.º 3, com o n.º 1, onde se prescreve que no requerimento de reclamação o credor indicará a proveniência do seu crédito, data de vencimento, montante, capital e juros, acompanhado de «todos os documentos probatórios de que disponha», se conclui que o legislador do processo falimentar pretendeu que a reclamação de créditos aí realizada constitua uma fase declarativa que comporta a prova e demonstração da existência do respectivo crédito.
A mesma conclusão de que a inexistência de título executivo não constitui óbice ao reconhecimento dos créditos, podendo este basear-se em quaisquer documentos ou meios probatórios idóneos à sua demonstração, ressalta do n.º 1 do artigo 129.º que impõe o reconhecimento pelo administrador da insolvência não só quanto aos credores que tenham deduzido reclamação «como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento».
Assume, por outro lado, particular relevância, o facto de o título executivo judicial, por si só, sem a oportuna e obrigatória reclamação no processo de insolvência, não ser suficiente para o reconhecimento e graduação, como se preceitua na parte final do já citado e transcrito n.º 3 do artigo 128.º: «o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento».
Em suma, sendo o processo de insolvência uma “execução universal que tem por finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (art. 1.º do CIRE), face à sua especificidade, ao contrário do que ocorre com o processo executivo, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos, ainda que não possuam qualquer título com força executiva.
Como se conclui no citado acórdão desta Relação, de 6.11.2012 (citando Catarina Serra): «O título que habilita o credor ao pagamento forma-se, assim, durante o processo, através do procedimento de verificação de créditos, ficando concluído no momento em que o crédito obtém reconhecimento judicial».
A partir da conclusão enunciada, chegamos a uma outra: não necessitando o credor, de um título executivo que lhe reconheça a existência do seu crédito, também não carecerá de uma sentença prévia lhe seja reconheça o respectivo direito de retenção para que o possa invocar no processo de insolvência, uma vez que, resultando este directamente da lei, poderá a verificação dos respectivos pressupostos ser apreciada e reconhecida na própria sentença de verificação e graduação de créditos.
Dispõe o artigo 90.º do CIRE, que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos «em conformidade com os preceitos do presente Código», durante a pendência do processo de insolvência.
Como enfatizam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[19], para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo.
Conjugando o normativo em apreço com o já citado artigo 128.º, conclui-se que, um vez declarada a insolvência do devedor, aos credores que aí pretendam obter a satisfação do seu crédito apenas lhes resta um único caminho (mesmo que o seu crédito tenha sido reconhecido por sentença transitada em julgado ou ainda que se encontre pendente acção declarativa para o seu reconhecimento): a reclamação de créditos no processo de insolvência.
E tal reclamação só é possível mediante o procedimento e no prazo previstos nos artigos 128.º e seguintes do CIRE, ou, excepcionalmente, mediante a acção prevista no art. 146º do CIRE, relativamente aos créditos que não tenham sido avisados nos termos do art. 129º ou tratando-se de créditos de constituição posterior.
Assim sendo, nenhum sentido faria exigir-se ao credor que pretenda invocar a garantia real consistente no direito de retenção previsto no n.º1 do art. 755º do CC, que obtivesse o prévio reconhecimento judicial, num outro processo a intentar, considerando que a propositura de uma tal acção nem sequer o dispensaria da reclamação do crédito no processo de insolvência.
Há ainda que considerar que, uma vez reclamado o crédito, abre-se no processo de insolvência um incidente processual de natureza declarativa, que culminará na audiência de discussão e de julgamento e na sentença, caso se torne necessária a produção de prova sobre os factos articulados pela reclamante, de acordo com o disposto nos artigos 131º a 140º do CIRE.
Acresce que, não sendo invocável contra os demais credores (nomeadamente contra o credor hipotecário) a sentença que em acção autónoma viesse a declarar a existência do invocado direito de retenção (salvo tendo sido interposta contra todos os credores), os credores sempre poderiam, na reclamação de créditos do processo de insolvência, pôr directamente em causa tal direito de retenção, impugnando os factos alegados como constitutivos de tal crédito ou da garantia.
Regressando ao caso sub judice, ressalvando sempre o devido respeito por tese divergente, não se vislumbra que sentido faria ou que vantagens traria a sentença exigida pela recorrente como título necessário, considerando que a mesma, obtida contra a insolvente ou contra o titular inicial do crédito garantido por hipoteca (F…)[20], de nada valeria face ao disposto no n.º 3 do artigo 128.º do CIRE, normativo do qual sempre decorreria a absoluta necessidade de a recorrida reclamar o seu crédito e invocar o seu direito de retenção no processo de insolvência, onde sempre teria que ser discutido o título, para poder validamente ser oponível aos restantes credores.
Em conclusão: o título que habilita a recorrida, quer quanto à existência e montante do crédito reclamado, quer quanto à garantia real (direito de retenção), formou-se no próprio processo de insolvência, não se justificando a prévia obtenção de uma sentença de reconhecimento[21].
Decorre de todo o exposto a improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
Na reclamação apresentada, com o devido respeito, a recorrente não traz nada de novo à instância recursória, limitando-se a sintetizar a fundamentação formulada nas alegações de recurso e fundadamente rebatida na decisão singular[22].

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a reclamação, à qual negam provimento, mantendo em consequência o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.
*
O presente acórdão compõe-se de trinta páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Porto, 16 de Setembro de 2013
Carlos Manuel Marques Querido
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
Alberto Augusto Vicente Ruço
_______________

[1] Para além do ponto 2 do elenco factual, onde se afirma que “O crédito referido em 1. resulta de obras, despesas efectuadas e materiais aplicados pela Impugnante nos prédios propriedade da Insolvente, sitos na freguesia de …, em Vila Nova de Famalicão”, objecto de impugnação nas conclusões 23.ª e 24.ª, que se transcrevem: “23. Considerando que os imóveis apreendidos no presente processo foram, efetivamente, entregues à C1… – o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe – não foi concretamente demonstrado por aquela a realização de obras em todos ou em algum dos imóveis. 24. A Recorrente entende que não ficou provado que as obras contratadas foram, efetivamente, executadas e, muito menos, que aquelas se realizaram em todos os imóveis sobre os quais a C1… alega direito de retenção, pois, em momento algum foi explicitado quais os trabalhos realizados e em que imóveis”.
[2] Vide, entre outros, os seguintes sites acessíveis na Net: http://www.igogo.pt/F...-byk/, http://www.portais.ws/index.php?page=art_det&ida=17782 e http://www.directorio.iol.pt/F...-s-a-+contactos--57141.htm#ficha.
[3] A escritura pública de cessão de créditos foi outorgada em 05 de Junho de 2010, ou seja, mais de um anos após esta comunicação. Se o titular originário do crédito e da hipoteca (F…) não informou a cessionária (ora recorrente), poderá incorrer em responsabilidade por eventuais danos decorrentes dessa omissão. Do que não restam dúvidas é que o F… sabia da invocação do direito de retenção, mais de uma ano antes da transmissão do crédito e da garantia.
[4] Comunicação válida e eficaz, oponível ao cedente, considerando que à data o credor hipotecário afectado com a invocação do direito de retenção era o F….
[5] Prevista no artigo 136/1 do CIRE e realizada no dia 28.02.2012.
[6] Como se refere no acórdão desta Relação, de 6.11.2012, proferido no Processo n.º 901/10.8TBPNF-M.P1 (acessível no site da dgsi): «Não tendo o credor/Apelante deduzido impugnação à lista de credores reconhecidos apresentada pelo Administrador de insolvência, na parte em que reconheceu a existência de determinado crédito, não pode nas alegações de recurso da sentença que reconheceu tal crédito pretender impugnar os factos em que assenta a sua existência».
[7] Como já se referiu em nota anterior, se o cedente do crédito e da garantia (F…) não informou a cessionária (recorrente), deveria tê-lo feito, já que a notificação efectuada lhe é oponível, face ao disposto no artigo 585.º do Código Civil: «O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão».
[8] Para além de se ter provado, como atrás se referiu, a notificação pela recorrida (empreiteira), do cedente do crédito e da garantia (E…), não sendo questionável a validade de tal notificação, considerando que a transmissão do crédito só ocorreria mais de um ano depois, sendo certo que, se o cedente do crédito e da garantia (E…) não informou a cessionária (recorrente), deveria tê-lo feito, já que a notificação efectuada lhe é oponível, face ao disposto no artigo 585.º do Código Civil.
[9] Veja-se o teor da conclusão 21.ª: «Quanto ao segundo requisito, a Recorrente aceita que a C1… seja credora da insolvente». Recorde-se o teor do relatório da Administradora, não impugnado (facto provado 1): «A Administradora de Insolvência na relação de créditos definitiva junta aos autos reconheceu um crédito da Impugnante C…, S.A., no valor global de € 2.298.863,35 (dois milhões, duzentos e noventa e oito mil, oitocentos e sessenta e três euros e trinta e cinco cêntimos), adveniente de “três (3) contratos de empreitada incumpridos/cheques/Trabalhos a mais/despesas judiciais/crédito parcialmente pago através da dação em pagamento de fracções autónomas”».
[10] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Dissertação … Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, pág. 342 e 343.
[11] Proferido no Processo n.º 05B865, acessível no site da DGSI.
[12] O mesmo entendimento expressou o STJ, no acórdão de 3.06.2008, proferido no Proc. n.º 08A1470, acessível no mesmo site, sumariado nestes termos: «II - No contrato de empreitada, o empreiteiro face ao não pagamento do preço pela contraparte, goza do direito de retenção. III - A prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca prevista no art. 759.º, n.º 2, do CC, não é materialmente inconstitucional». Finalmente, também nesta Relação e nesta Secção, se perfilhou o mesmo entendimento, no acórdão de 4.06.2012, proferido no Processo n.º 184/04.9TBALJ.P2.
[13] A mesma tese é perfilhada no acórdão de 19.11.2009, proferido no Processo n.º 1246/06.3TBPTM-H.S1, acessível no site da DGSI.
[14] Onde se prescreve que “A reclamação tem por base um título exequível”.
[15] Proferido no Processo n.º 901/10.8TBPNF-M.P1, acessível no site da DGSI.
[16] A ora recorrente não impugnou o relatório da Administradora onde consta o valor do crédito, tendo consignado na conclusão 21.ª: «21. Quanto ao segundo requisito, a Recorrente aceita que a C1… seja credora da insolvente».
[17] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, doravante designado por CIRE.
[18] Nesse sentido, vejam-se os acórdãos da Relação de Coimbra, de 6.11.2012 (Proc. 444/06.4TBCNT-Q.C1), e de 15.01.2013 (Proc. 511/10.0TBSEI-E.C1), ambos acessíveis no site da DGSI.
[19] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2009, pág. 364.
[20] Convém não esquecer que a recorrida notificou o credor hipotecário (F…) do seu direito de retenção, mais de um ano antes de este ter cedido o crédito à ora recorrente.
[21] Refira-se como último argumento, a inviabilidade do mecanismo de suprimento previsto no n.º 1 do artigo 869.º do CPC (suspensão da graduação de créditos até à obtenção do título em falta), face à natureza urgente do processo de insolvência.
[22] Veja-se a este propósito o que se consignou na parte final da apreciação da impugnação da matéria de facto: “… o M.º Juiz suporta a motivação da decisão sobre os depoimentos das testemunhas, decorrendo, quer da notificação à insolvente (fls. 148), quer da comunicação ao titular originário do crédito – F…, S.A. (fls. 151 e 152), que as obras foram realizadas nos prédios objecto da hipoteca (…). A recorrente alega que o titular originário do crédito – F…, S.A., não teve conhecimento da invocação do direito de retenção, face ao número que consta do fax junto aos autos a fls. 151 e 152, dizendo que o mesmo não corresponde ao F…, e concluindo (conclusão 18.ª): «Mesmo na Delegação do Banco no Porto o número do fax não é ………, para onde aquele fax foi, alegadamente, enviado mas sim ………». Com o devido respeito, não se compreende a posição assumida pela recorrente, face à informação disponível da Net, onde se refere como contacto do F… nas instalações da Rua …, …, ….-… Porto, o fax n.º ........., para onde foi remetida a comunicação junta aos autos a fls. 151 e 152”.