Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3219/22.0T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DEFEITOS NO LOCADO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP202402203219/22.0T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O senhorio responde por incumprimento do contrato de arrendamento no caso de o imóvel locado padecer de defeito que impeça a realização total ou parcial do fim para que foi arrendada, salvo se provar que desconhecia o defeito e sem culpa.
II - Não se pode ter por adquirido que o senhorio desconhecia o defeito do imóvel arrendado e sem culpa se apenas resultou não provado que ele conhecesse o defeito.
III - O direito à resolução do contrato de arrendamento, pelo arrendatário, em razão de defeito da coisa arrendada apenas pode ocorrer nos casos do art. 1050º do C.Civil, ou nos termos gerais, segundo o disposto no art. 1083º, nº1 do C. Civil.
IV - Nos termos gerais do regime de incumprimento, o arrendatário só pode resolver o contrato com fundamento em defeitos do arrendado se tais defeitos lhe impedirem significativamente o respectivo gozo ou se, reclamando a sua reparação ao senhorio, este incumprir definitivamente essa obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 3219/22.0T8VFR.P1Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3


REL. N.º 834
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Fernando Vilares Ferreira
Anabela Dias da Silva

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO
(transcrição do relatório da sentença recorrida, absolutamente)
“A..., SA veio intentar a presente ação declarativa sob a forma comum contra AA e BB, pedindo o seguinte:
a) Declaração da anulação do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e os Réus junto sob o documento nº 1;
b) Condenação dos Réus a restituírem à Autora a quantia de € 4.130,00, que receberam desta, acrescida dos juros de mora, contados desde o dia 15 de outubro de 2021 até efetivo e integral pagamento;
c) Condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização a favor da Autora, em consequência dos prejuízos por esta sofridos, no montante de € 990,00, acrescida dos juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou que, celebrou com os Réus um contrato de arrendamento, com o objeto da fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente a uma habitação T2, no 3º andar frente, com garagem na subcave, identificada com a letra da fração, pertencente ao prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal sito na Rua ..., Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...66, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...71, por um período de dois anos, com início a 15/10/2021 e termo 14/10/2023, mediante o valor da renda de €6.000,00 anuais, a pagar em duodécimos de €500,00 mensais, tendo sido exigido pelos Réus que a renda anual seria antes € 8.880,00, a pagar em duodécimos de €740,00 mensais.
Mais alegou que, os Réus exigiram da Autora, como condição para a celebração do aludido contrato, na data da sua assinatura, a entrega, em numerário, do montante de €2.880,00, correspondente a €240,00 mensais relativo ao primeiro ano de vigência do contrato, o que foi aceite pela Autora, face à necessidade urgente na celebração do contrato de arrendamento, tendo a Autora pago aos Réus a quantia de € 1.250,00 através de transferência bancária efetuada a 15 de outubro de 2021, assim como a quantia de €2.880,00 entregue em numerário, não tendo os Réus emitido os recibos ou declaração de quitação relativos a tais valores.
Ainda alegou que, celebrou o referido contrato na convicção de que a fração autónoma dispunha de garagem para veículo automóvel; os Réus sabiam que a fração autónoma era arrendada pela Autora exclusivamente para nela habitar um colaborador e que era essencial a existência de garagem para o estacionamento da viatura; contudo, depois de celebrado o contrato e entregue as chaves do imóvel, a Autora veio a verificar que não era possível o acesso por qualquer veículo automóvel à garagem, em virtude do local de acesso não o permitir, facto que os Réus não desconheciam, omitindo tal circunstância à Autora, bem sabendo que se esta o soubesse, jamais teria celebrado o contrato de arrendamento.
Mais alegou que, constatada a impossibilidade de aceder à garagem através de veículo automóvel, a Autora contactou o Réu comunicando-lhe tal circunstancia, sem que obtivesse qualquer resposta; Autora remeteu aos Réus uma carta registada com AR, datada de 29 de outubro de 2021, resolvendo o contrato, com fundamento no incumprimento do mesmo por parte dos Réus, baseado na inexistência das qualidades do imóvel por aqueles asseguradas e que estiveram na base da celebração do contrato; juntamente com a aludida comunicação, a Autora remeteu as chaves referentes ao imóvel, entregando o imóvel livre de pessoas e bens, no exato estado entregue pelos Réus; mais solicitou que lhe fossem restituídas as quantias de € 1.250,00 e €2.880,00, as quais não foram entregues.
Por fim, invocou prejuízos em consequência da descrita situação, respeitante aos custos do transporte dos móveis e demais pertences que havia colocado no imóvel e sua retirada no valor de € 350,00 e ainda custos com a utilização de 2 colaboradores que, durante dois dias, efetuaram tais operações de carga e descarga no montante de 640,00 € (8h x 20€ x 4).
Os réus apresentaram contestação, confirmando a celebração do contrato de arrendamento e o recebimento da quantia de €1.250,00 através de transferência bancária, mas impugnaram o demais alegado.
Em reconvenção, os réus peticionaram a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 1.000,00, acrescida dos juros legais desde a notificação da reconvenção, com fundamento no facto da autora não ter cumprido o aviso prévio (3 meses de renda) e ainda o pagamento de metade do mês de outubro e novembro de 2021, pelo que, descontando-se o valor pago pela Autora (€1.250,00) falta pagar €1.000,00.
Na réplica, a autora impugnou os facos alegados na reconvenção; peticionou a condenação dos réus como litigantes de má-fé.
Cumprido o contraditório mediante a notificação entre mandatários, os réus não responderam à sua condenação como litigantes de má-fé.
Atendendo ao valor da ação, proferiu-se apenas despacho saneador, admitindo a reconvenção.”
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que concluiu pela procedência da acção, declarando a anulação do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e os réus, condenando-os ainda a restituírem à autora a quantia de € 4.130,00 que haviam recebido desta, acrescida dos juros de mora, contados desde o dia 15 de outubro de 2021 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado. Condenou ainda os RR. por litigância de má fé, na multa de 4 UC.
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É desta decisão que vem interposto recurso, pelos RR, que o terminaram formulando as seguintes conclusões:
1º-Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira – Juízo Local Cível – J3 que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção.
Dá-se aqui por reproduzido na integra o teor da sentença recorrida.
2º- O ora mandatário vem arguir, para os devidos efeitos legais, a nulidade da deficiente gravação da prova gravação- artº 155 nº3 e artº 193 nº2 do CPC (Ac. da Relação do Porto de 10-03-2015, in www. dgsi .pt , Proc. 1277/12.4TBFLG.P1 ) .
3º- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3, impugnando-se a respectiva decisão proferida sobre a matéria de facto, sindicando-se também a respectiva matéria de direito.
4º- Para os ora recorrentes a decisão proferida pelo Tribunal de Santa Maria da Feira constitui uma verdadeira surpresa e uma lamentável e brutal denegação da justiça que urge reparar. Não fez, ainda, a decisão correcta interpretação da lei e é atentatória das mais elementares regras do direito e da justiça.
5º- Para os ora recorrentes estes são os PONTOS DE FACTO QUE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS: 5, 6, 7, 8 parte final, 11, 13, 14, 15, 16 dos factos provados, e irá tentar explicar porquê.
6º- O Tribunal de Santa Maria da Feira, por uma questão de facilidade, deu como provados quase todos os factos alegados pela Autora na sua petição inicial, sem qualquer desvio ou correção do que foi alegado por esta!
7º- Mas, conforme consta da transcrição integral do depoimento das testemunhas, que se anexa como doc. 1 ao presente recurso e alegações, o que se passou no julgamento foi coisa bem diferente, daquilo que o Tribunal “a quo “ deu como provado .
8º- Desde logo, o Tribunal de Santa Maria da Feira não deu como provado o seguinte facto importante e alegado pelos Réus no artº 3 da sua contestação: “ foi a Autora que redigiu todas as clausulas do contrato de arrendamento junto aos autos “ .
9º- Do depoimento da testemunha CC ( V. depoimento minuto 17 e 23 “ quem fez o contrato foi o nosso advogado que o preparou 2 ) e DD ( V. depoimento minuto 4 e 28- “ no contrato aquilo que me foi passado e com a advogada foi mesmo para fazer os quinhentos euros ), resulta que foi uma advogada/o da Autora que elaborou e redigiu o contrato de arrendamento junto aos autos.
10º-O Tribunal de Santa Maria da Feira tinha que dar como provado que: “foi a Autora que redigiu todas as clausulas do contrato de arrendamento junto aos autos.”
11º- Por outro lado, o Tribunal de Santa Maria da Feira não podia dar como provado os ponto 5, 6 e 7 e 8 (parte final) dos factos provados.
Na verdade,
12º-As duas testemunhas que falaram sobre o assunto: CC só falou com o Réu, AA depois do contrato ter sido redigido (V. transcrição [00:18:35]
CC: Nunca o tinha contactado.
[00:18:36] Mandatário dos Réus: Só falou com ele depois do contrato assinado?
13º- A testemunha DD sobre estes pontos concretos da matéria de facto nada soube explicar sobre o assunto (V. transcrição 4: 40 a 4.49 ).
14º- O Tribunal de Santa Maria da Feira sobre os pontos 11, 13, 14, 15 e 16 pronunciou-se sobre tal matéria, no entender dos ora recorrentes, de forma leviana, imprevidente, sem fundamento e errada . Senão vejamos:
15º-De forma leviana e errada, desde logo , porque não existe no processo qualquer prova testemunhal ou outra que possam conduzir a fixação de tais pontos da matéria de facto .
16º-Desde logo, e não pouco importante, é que o dito colaborador da Autora, EE não foi testemunha no processo e como é que se pode com segurança dizer que o veiculo (qual veiculo ? ) que lhe pertencia não conseguia entrar e sair da garagem ????!!!!
17º-Esta questão vai ficar sem resposta, dado o facto não despiciendo de tal colaborador não ter sido testemunha no processo, o que tivemos foi depoimentos indirectos de outras testemunhas que alegaram algumas dificuldades em entrar e sair da garagem,
18º- mas não, a impossibilidade de isso poder ser feito . Aliás, temos o depoimento da testemunha FF (funcionária da construtora imobiliária- B...) que refere sobre a matéria, precisamente o contrário ( V. transcrição supra ) .
19º-Para os ora recorrentes, parece óbvio que a garagem arrendada à Autora permitia a entrada e saída de viaturas automóveis, mesmo antes de ter existido pequenas correções por parte da sociedade construtora- B...,Lda, conforme se pode verificar pelo testemunho de FF e do testemunho de GG ( ele próprio através de um Citroen C4 entrou e saiu da garagem sem problemas no dia 8 de Novembro de 2021 ) – V. transcrição supra.
20º-Acresce , ainda , que em momento algum do processo ficou demonstrado que os Réus sabiam ( como sabiam ? ) que a garagem do prédio não podia ser acedida através de veiculo automóvel e que tal facto era do conhecimento dos moradores do prédio ( ponto 14 dos factos provados ) e que omitiram tal facto ( ponto 15 dos factos provados – como omitiram , em que circunstâncias ? ).
21º-Os ora Réus nunca habitaram a fracção, nem nunca utilizaram a garagem, aliás, efectuaram a escritura de compra em venda em Setembro de 2021(licença de utilização é de Agosto de 2021 ) e em 7 de Outubro celebraram o contrato de arrendamento com a Autora !!!
22º-Da mesma forma o depoimento do Réu , AA sobre estes pontos concretos da matéria de facto ( 13 , 14 , e 15 ) é esclarecedor ( V. transcrição supra).
23º- Do depoimento de parte do Réu, AA, resulta que ele próprio através de uma carrinha e de um Golf conseguiu aceder à garagem, quer entrado , quer saindo do prédio, pelo que a decisão do Tribunal de Santa Maria da Feira quanto aos pontos 13, 14 e 15 dos factos assentes não passa, salvo o devido respeito, de puro disparate e de puro arbítrio !!!
24º-Tal decisão sobre a matéria de facto- pontos 13 , 14 e 15 , tem que ser alterada e revogada, porque é injusta e parte de pressupostos completamente errados , para além de desvirtuar a verdade e realidade dos factos.
25º- Urge reparar tal alteração da matéria de facto, porque , a mesma está em contradição com a realidade e com os depoimentos obtidos no julgamento de 16 de Maio de 2023 .
26º-Por fim, e no entender dos ora recorrentes , também o ponto 16 da matéria de facto deve ser alterada na parte em que se refere “ sem que obtivesse qualquer resposta “.
27º- Basta ver o depoimento de parte do Réu , AA e o depoimento da testemunha CC, para verificar que o Réu disse a esta testemunha que ia falar com o construtor do prédio para tentar que o acesso à garagem fosse efectuado de forma mais fácil e sem problemas( V. transcrição supra ) .
28º- O problema foi resolvido pelo construtor do prédio , já em Novembro e Dezembro de 2021 . Pergunta-se o que podia ser mais exigido aos Réus para cumprimento do contrato ? Era exigível aos ora recorrentes outro comportamento ?
29º- Pergunta-se , ainda, a Autora face à resolução do problema por parte do construtor do prédio ( que não são os RR. ) passado um mês da celebração do contrato tinha direito a resolver ou anular o contrato como decidiu o Tribunal de Santa Maria da Feira ?
30º- Parece-nos óbvio que não.
31º- Tal constitui, salvo o devido respeito , um erro grosseiro e de julgamento por parte do Tribunal de Santa Maria da Feira.
32º- Erro grosseiro, porque os Réus não são os construtores do prédio. E se houve qualquer engano, também os ora Réus foram enganados, porque , não foram eles que emitiram a licença de utilização do prédio , mas , sim a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira!!!
33ºQue responsabilidade pode ser assacada aos ora recorrentes ? Nenhuma.
34º-Mas, mesmo que pode ser assacada qualquer responsabilidade aos Réus , onde é que está feita a prova de que os Réus actuaram de má fé e que esconderam o quer que seja da Autora?
35º-Nada no processo foi demonstrado, nem por testemunhas, nem por prova documental.
36º-A sentença proferida pelo Tribunal de Santa Maria da Feira tem que ser revogada, assim como os pontos concretos da matéria de facto supra identificada , e só assim se fará Justiça!
37º-A revogação da sentença implica que a anulação do contrato de arrendamento tenha sido efectuada sem fundamento legal, e em consequência deve ser julgada procedente a reconvenção.
38º- Por último a decisão recorrida, no entender dos ora recorrente, está ferida de nulidade nos termos do artº 615 nº1 alínea c) do CPC, por atento os factos que devem ser dados como assentes , o que se alega e para os devidos efeitos legais.
39º-O Tribunal de Santa Maria da Feira com a decisão proferida, proferiu decisão que fere o direito e a lei , nomeadamente, os artº. 155, 193, 640, todos do CPC, e aos artºs., 289 , 432, 1032 e 1033, todos do Código Civil , o que se alega e para os devidos efeitos legais .
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, pelos motivos supra alegados, e revogada a sentença dos autos, no sentido de ser julgada improcedente a acção e julgada procedente a reconvenção, por ser de inteira Justiça!*
O autor juntou resposta, pronunciando-se pela inexistência da nulidade invocada, pela extemporaneidade da sua arguição, pela inadmissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, em qualquer caso, pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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Uma referência, todavia, à arguição de nulidade relativa a uma alegada deficiência de gravação, que o apelante incluiu no próprio requerimento do recurso.
Tal nulidade, como é próprio, foi apreciada pelo tribunal recorrido, que rejeitou a sua verificação. Por conseguinte, nada mais cumpre decidir a esse propósito.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Assim, cumpre decidir se cumpre admitir o recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto – cuja rejeição o apelado defende – e, sendo admitido, se cabe alterar a qualificação dos factos dados por provados sob os nºs 5, 6, 7, 8 parte final, 11, 13, 14, 15, 16, bem como acrescentar que “foi a Autora que redigiu todas as clausulas do contrato de arrendamento junto aos autos.”
Se alterada a base fáctica da sentença, haverá que decidir do efeito disso mesmo sobre a decisão do pedido do autor, na ponderação – então - das questões suscitadas pelo réu, incluindo quanto ao pedido reconvencional.
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A apreciação da pretensão do apelante impõe que se atente na decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que se passa a transcrever:

A) Os factos provados

1. A Autora é uma sociedade anónima que se dedica, com caráter habitual e fim lucrativo, à atividade de projetos, automatismos e periféricos industriais; indústria de metalomecânica, fabricação e montagem de componentes eletrónicos e equipamentos periféricos; fabricação de material ortopédico e próteses e de instrumentos médico-cirúrgicos; comércio por grosso de outras máquinas, equipamentos, acessórios e componentes para a indústria; compra, venda, locação e administração de imóveis.
2. Por acordo escrito epigrafado Contrato de Arrendamento datado de 7 de outubro de 2021, os Réus, como primeiros outorgantes, declaram dar de arrendamento à Autora, como segunda outorgante, que declarou aceitar, a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente a uma habitação T2, no 3.º andar frente, com garagem na subcave identificada com a letra da fração, com entrada pelo nº ..., da Rua ..., do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ...66, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...71, por um período de dois anos, com início a 15/10/2021 e termo 14/10/2023, mediante o valor anual da renda de € 6.000,00, a pagar em duodécimos de € 500,00, no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito, por transferência bancária para a conta de que os primeiros contraentes são titulares a que corresponde o IBAN ...19 (cfr. contrato junto aos autos, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido)..
3. Consta na cláusula terceira do acordo referido em 2) que “A fração aqui arrendada destina-se exclusivamente a habitação de EE, não lhe podendo ser dado outro fim, sob pena de resolução contratual”.
4. E na cláusula quinta do acordo referido em 2) consta que:
“a) Os Segundos Contraentes, arrendatários, entregam na data da assinatura do presente contrato, a quantia de € 1.250,00, correspondente a um mês de caução, meio mês de renda relativa a outubro de 2021 e um mês de renda relativa ao mês de novembro de 2021”.
5 a 7 – (matéria que passou para o rol dos factos não provados).
8. A Autora pagou aos Réus a quantia de € 1.250,00, através de transferência bancária efetuada em 15 de outubro de 2021 e € 2.880,00 em numerário.
9. Após o referido em 8), os Réus entregaram à Autora as chaves da fração e garagem em 2).
10. A Autora celebrou o escrito em 2) na convicção de que a fração autónoma dispunha de garagem para veículo automóvel.
11. Os Réus sabiam que a fração era arrendada pela Autora exclusivamente para nela habitar o seu colaborador e que era essencial a existência de garagem para o estacionamento da viatura.
12. … o que lhes foi transmitido no decurso das negociações tendentes à celebração do escrito em 2) e que levou os Réus a mostrarem a garagem à Autora.
13. Depois da celebração do escrito em 2) e entregue as chaves do prédio à Autora, esta veio a verificar que, embora a fração autónoma dispusesse de garagem, não era possível o acesso com por qualquer veículo automóvel, em virtude da rampa de acesso à garagem, concretamente junto à esquina à direita (sentido descendente) e na mesma esquina à esquerda (sentido ascendente) só com muita dificuldade um veículo automóvel entrava, pois nesse local os veículos escorregavam, dado o piso estar “picotado” e na manobra junto à referida esquina a roda traseira do veículo levantava.
14 a 16 – (matéria que passou para o rol de factos não provados).
17. A Autora remeteu aos Réus uma carta datada de 29 de outubro de 2021, registada com AR, nos termos da qual consta o seguinte:
“Celebramos o contrato de arrendamento em referência na firme convicção de que a fração autónoma objeto do mesmo contrato de arrendamento possuía garagem, pois era pretensão utiliza-la, tendo sido colocada como condição da celebração do contrato.
Aliás, conhecedores de tal pretensão, foi-nos garantida por V. Exªs a existência de garagem, tendo a mesma sido mostrada e incluída expressamente no contrato de arrendamento celebrado.
O que V. Exªs fizeram foi ocultarem-nos a impossibilidade de acesso à garagem por parte de qualquer viatura automóvel.
Na verdade, iniciado o contrato de arrendamento no passado dia 15 de outubro de 2021, fomos surpreendidos com a impossibilidade de acesso à garagem por qualquer viatura automóvel, em virtude do local de acesso não permitir a passagem do veículo por mais manobras que efetue nesse sentido.
Ou seja, caso contrário do que nos garantiram, a garagem não tem condições de acesso por qualquer veículo automóvel, o que impossibilita a sua utilização para os fins a que a mesma se destina.
Assim, consideramos que ocorre incumprimento do contrato por parte de V. Exªs, pois que a garagem, que faz parte do arrendado, padece de vício, mormente quanto ao seu acesso, que impossibilita a sua utilização, não tendo, por isso, as qualidades asseguradas por V. Exªs que nos determinaram a celebrar o contrato de arrendamento.
Por tais razões, damos o contrato de arrendamento por resolvido, por incumprimento de V. Exªs.
Em consequência da operada resolução, seguem na presente carta as chaves referentes ao arrendado, o qual assim entregamos a V. Exªs livre de pessoas e bens e no exato estado em que nos entregaram.
Ainda como consequência da operada resolução, deverão V. Exªs proceder à restituição dos valores que receberam, designadamente as quantias de 1.250,00 € por transferência bancárias e 2.880,00 que lhes foram entregues em dinheiro mão na presença de testemunhas.
A não restituição das referidas quantias no prazo de oito dias determinarão o recurso à via judicial, onde serão liquidados outros prejuízos que sofremos em consequência desta situação (custos de transporte de recolha dos nossos pertences – 350 euros – custos das pessoas necessárias para levar e trazer os pertences – 2 pessoas durante dois dias em 8 horas por dia ao valor de 20 euros por hora – e os custos de ligação de água, luz e gás) bem como à participação às autoridades competentes” (cfr. teor da carta junta aos autos).
18. Em resposta, o Réu remeteu à Autora uma carta datada de 18 de novembro de 2021, registada com AR, negando o recebimento da quantia de € 2.880,00 e que a garagem permitia o acesso a viaturas (cfr. carta junta aos autos, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
19. Os Réus jamais devolveram à Autora a quantia referida em 8).
20. Durante dois dias, a Autora utilizou 2 colaboradores seus, para efetuaram as operações de carga e descarga dos móveis e demais pertences que havia colocado no imóvel em 2) - ponto 13º.
21. A sociedade “B..., Lda”, empresa construtora do prédio em 2), realizou intervenções nos acessos à garagem:
1) - Entre o dia 30 de novembro de 2021 e o dia 1 de dezembro de 2021: retificação do assentamento dos paralelos do piso existentes junto à entrada das garagens:
2) – Última semana de dezembro de 2021 e a primeira semana de janeiro de 2022: Melhoramento da rampa de acesso ao piso -2, nomeadamente no reajustamento das ranhuras no piso da rampa, e na parede (esquina referida em 13) foi efetuado o reajustamento do canto existente nessa mesma rampa.

B) Os factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente os que a seguir se enunciam:
1. Em consequência do referido em 13), a Autora suportou os custos do transporte dos móveis e demais pertences que havia colocado no imóvel e depois da sua retirada, no valor de € 350,00.
2. Em consequência do referido em 13) e 20), a Autora suportou os custos no montante de € 640,00 (8h x 20€ x 4).
3. Não obstante o escrito em 2), os Réus exigiram à Autora que a renda anual fosse no montante de € 8.880,00, a pagar em duodécimos no valor de € 740,00 mensais.
4. … tendo os Réus exigido da Autora, como condição para a celebração do escrito em 2), na data da sua assinatura, a entrega, em numerário, do montante de € 2.880,00, correspondente a € 240,00 mensais relativo ao primeiro ano de vigência do contrato.
5. Face à necessidade urgente de celebrar o referido em 2), para aí habitar um colaborador seu, de nome EE, aceitou as exigências dos Réus.
6. Os Réus sabiam que a garagem da fração não podia ser acedida através de veículo automóvel, necessitando das manobras em 13), o que era, aliás, do conhecimento dos moradores do prédio.
7 …tendo conhecimento disso, omitiram tal circunstância à Autora, bem sabendo que se esta o soubesse, jamais teria celebrado o escrito em 2).
8. Em face do referido em 13), a Autora contactou o Réu comunicando-lhe tal circunstancia, sem que obtivesse qualquer resposta.
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Os RR. começam por impugnar a decisão relativa à matéria de facto controvertida, o que, como é sabido, exige o cumprimento do regime processual específico do art. 640º do CPC.
Alega a A. que esse regime foi incumprido pelo apelante, por não identificar devidamente os segmentos das gravações dos depoimentos testemunhais que pretende ver reapreciados, nem apontar o sentido da decisão que pretende, por via da impugnação dirigida aos pontos dados por provados na sentença.
Consideramos, porém, ser claro o sentido pretendido através dessa impugnação: os apelantes pretendem a exclusão de tal factualidade de entre o rol dos factos provados.
Além disso, sem prejuízo da clara inutilidade da junção de transcrições integrais de alguns depoimentos, constata-se que os apelantes acabam por isolar, no corpo das alegações, determinados trechos em que sustentam a sua pretensão.
Será, portanto, com alicerce em tais segmentos de depoimentos testemunhais ou declarações de parte individualizados no recurso, que haverá de se sindicar, em relação à matéria alvo de impugnação, a decisão constante da sentença, sem prejuízo da consideração dos restantes meios de prova produzidos, na medida em que tal for tido por útil por este tribunal de recurso.
Concluímos, por isso, que nada impede a apreciação da impugnação do juízo sobre a matéria de facto, tendo-se por genericamente cumpridos os requisitos previstos no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a) do CPC.
Em qualquer caso, o que de imediato se rejeita é que se verifique uma nulidade da sentença, designadamente a prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC, tal como os apelantes invocam. É certo que nem sequer chegam a explicar em que é que tal nulidade consistiria. Parece, todavia, que identificam tal nulidade com uma contradição entre os factos dados por provados e a sua convicção sobre aquela que deveria te sido a decisão do tribunal sobre determinados factos.
Tal divergência, que integra o objecto do recurso, todavia, não consubstancia qualquer nulidade, sediando-se na apreciação do respectivo mérito.
Improcede, por isso, tal alegação dos apelantes.
Os apelantes apontam duas matérias como objecto da sua discordância: a primeira, constante dos arts. 5º a 8º dos factos provados, refere-se ao teor da obrigação decorrente do contrato de arrendamento, para a autora, designadamente quanto à previsão de um valor adicional de renda, de 240,00€ por mês, a pagar em numerário, para além dos 500,00€ que ficaram a constar do contrato escrito. O tribunal deu isso por provado, bem como que a A. logo pagou o valor anual correspondente a essa parte da renda, em numerário, num total de 2.880,00€, por carecer do apartamento para instalar um colaborador. A este respeito, pretendem ainda que se inclua na matéria de facto que foi a própria autora quem tratou da redacção do contrato.
O segundo objecto da impugnação refere-se à impossibilidade de uso da garagem da fracção, devido às condições de acesso à mesma, ao conhecimento dos RR. quanto à essencialidade da garagem para a autora, ao conhecimento dos RR. sobre esses defeitos e à circunstância de o terem omitido à A., bem como ao facto de não terem respondido à queixa que a A. lhes dirigiu a esse respeito.
Atentemos, então, no primeiro grupo de factos, relativo à demonstração de que, apesar de o contrato de arrendamento celebrado entre as partes estabelecer que a contrapartida pela cedência do arrendado à autora, pelo prazo de dois anos, era o pagamento de uma renda anual de € 6.000,00, a pagar em duodécimos de € 500,00, no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito, por transferência bancária para a conta dos RR., as partes acordaram, diferentemente, que a renda seria de € 8.880,00, a pagar em duodécimos de € 740,00 mensais, tendo a autora entregue de imediato, em numerário, o total de 1 no relativo á diferença não escrita, de 240,00€ por mês.
Temos por certo que nem existe qualquer prova documental sobre um tal conteúdo contrato – isto é, que as partes acordaram no pagamento de um valor diferente do inscrito no contrato – tendo, consecutivamente, a autora entregue 2.880,00€ em numerário, para pagar o valor acordado “por fora”, nem os RR. confessaram tal factualidade. Verificados os autos, isso se constata, sendo que o próprio tribunal recorrido revela, na motivação da sua decisão, que a sua convicção sobre esta matéria resultou exclusivamente dos depoimentos testemunhais de CC, director financeiro da autora, que narrou ter entregue os 2.880,00€ a DD, e da própria DD, que trabalhou nos recursos humanos da empresa e relatou ter sido ela quem negociou o contrato nesses termos, acedendo à pretensão dos RR. sobre o pagamento de um valor superior ao escrito, e quem entregou 2.880,00€ ao réu.
Importa, no entanto, a montante de se discutir da credibilidade destas testemunhas, aferir da admissibilidade do seu depoimento para a demonstração da convenção de um tal montante de renda, dos termos do seu pagamento e da entrega do referido valor de 2.880,00€ em cumprimento de um tal acordo.
Estabelece o art. 1069º, nº 1 do C. Civil que um contrato de arrendamento urbano – como é inequivocamente o caso do contrato em causa, relativo a uma fracção de um prédio urbano destinada a habitação – deve ser celebrado por escrito.
Dispõe, por sua vez, o art. 394º, nº 1, do C. Civil: “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.”
A razão de ser desta opção legislativa é evidente: a falta de fiabilidade da prova testemunhal, perante a maior segurança que oferece a prova por documento. (Comentário ao Código Civil, Vol. I, pg. 891). E, acrescenta-se nesta anotação, a circunstância de a experiência demonstrar que a adopção da forma escrita visa a integralidade do acto, tendendo a cobri-lo na totalidade.
Mal se compreenderia que o legislador exigisse a adopção da forma escrita, para assegurar a realidade inequívoca de um acto e o seu conteúdo, mas depois permitisse a fragilização da sua opção por via da demonstração de algo diferente por meios de prova de muito menor fiabilidade.
É certo que, em atenção à tese que Vaz Serra tentou impor nos trabalhos preparatórios do C. Civil, a jurisprudência admite generalizadamente o recurso à prova testemunhal quando existe um princípio de prova documental tendente a infirmar o documento, que a prova testemunhal vem complementar. Em todo o caso, esse “princípio de prova” por escrito tem de provir da parte contra a qual se pretende fazer prova e não da própria parte que a produz.
No caso, portanto, a carta produzida pela própria autora, remetida aos RR., tal como descrito no item 17 dos factos provados, de modo nenhum é apta a servir como um tal “princípio de prova”.
Por isso, na ausência de confissão ou de qualquer meio de prova documental tendente a demonstrar que, para além do teor do contrato escrito, as partes convencionaram uma prestação mensal extra, de 240.00€ por mês, a pagar de imediato por um ano, bem como que foi em cumprimento de tal acordo que logo a autora entregou 2.880,00€, uma tal matéria não pode ter-se por provada na sequência dos depoimentos testemunhais dos referidos CC e DD.
Consequentemente, a matéria em questão, constante dos itens 5, 6 e 7 tem de considerar-se como não provada.
No entanto, tal restrição de prova não se estende à realidade da entrega da quantia de 2.880,00€ em numerário, aos RR. Esta entrega é relatada pelas referidas testemunhas - CC, que entregou esse valor a DD, para que o entregasse aos RR.; DD que afirma tê-lo entregue – de forma sincera, convincente e congruente. Por isso, deve permanecer no item 8º dos factos provados que tal entrega ocorreu. De resto, a este respeito, regista-se que nem os apelantes invocam qualquer meio de prova apto a afastar uma tal conclusão do tribunal recorrido, a qual, examinados aqueles depoimentos, é também a conclusão deste tribunal de recurso.
Por isso, a matéria constante dos itens 5, 6 e 7 dos factos provados será transposta para o elenco dos factos não provados, sob os nºs 3, 4, e 5, o que se operará de imediato e no lugar próprio. Permanecerá provada a parte final do item 8º, relativo à efectiva entrega do valor de 2.880,00€ aos RR.
Neste contexto, irrelevante se torna a matéria que os apelantes pretendiam que fosse aditada ao rol dos factos provados, constituída pela circunstância de ter sido da esfera da autora que proveio a redacção do contrato escrito subscrito pelas partes, que nenhuma influência poderá ter na decisão da causa. Por conseguinte, não será apreciada essa matéria, nem deferida tal pretensão recursiva.
O segundo grupo de factos alvo de impugnação é integrado pela matéria descrita nos itens 11, 13, 14, 15, 16.
A matéria do item 11 (conhecimento, pelos RR. de que era essencial para a autora que o arrendado compreendesse uma garagem) foi relatada em termos isentos e convincentes - como já referido ser caracterizador do respectivo depoimento - pela testemunha DD. Narrou como essa exigência lhe foi transmitida pelos administradores da autora e como procurou um apartamento que tivesse as características exigidas. Foi por isso que, quando foi ver o apartamento, teve a preocupação de ir ver a garagem. Isso mesmo foi referido pelo réu AA, que afirmou que DD fez questão de ir ver a garagem. Sem prejuízo disso, DD também referiu que lhe pareceu que no respectivo lugar de garagem caberia um carro, mas que não viu a rampa da garagem. Deve, por isso, manter-se tal matéria como provada.
A matéria do item 13 foi descrita pelas testemunhas HH e II, que descreveram a dificuldade que tiveram para tirar uma carrinha do piso em que se situava a garagem, carrinha essa com que foram levar móveis para a autora (como descrito no item 20º). Narraram o que se mostra descrito e as sucessivas manobras que foi preciso fazer, com as rodas da carrinha sempre a derraparem. De tal descrição resulta que, embora acabasse por ser possível a utilização da garagem, tal ocorria com tal dificuldade que a situação se pode equiparar – tal como consta da redação deste facto – a um impossibilidade de utilização da referida garagem.
De resto, FF, funcionária da empresa construtora, embora amenizando a descrição do problema, não deixou de admitir a necessidade de intervenções de correcção, que o próprio tribunal constatou aquando da inspecção judicial feita ao local, tal como consta da respectiva acta. Por isso, deve manter-se a decisão positiva sobre tal matéria.
Nos itens 14 e 15, o tribunal deu por provado que os Réus sabiam que a garagem da fração não podia ser acedida – entenda-se, pelo menos em condições de normalidade - por um veículo automóvel, exigindo varias e difíceis manobras para circulação sobre a rampa de acesso, o que era, aliás, do conhecimento dos moradores do prédio, e que, tendo conhecimento disso, omitiram tal circunstância à Autora, bem sabendo que se esta o soubesse jamais teria celebrado o arrendamento em causa.
Acontece que, das declarações do próprio AA, apesar de este admitir ter usado a rampa da garagem com uma carrinha e um carro e ter constatado que isso apresentava dificuldades, não se pode retirar que ele soubesse que quem ali a autora enviasse, designadamente o funcionário a quem o apartamento arrendado era destinado, haveria de enfrentar dificuldades tais que, na prática, a utilização da garagem resultasse impedida.
Por outro lado, FF, acima referida, relatou que começaram a fazer as primeiras escrituras das fracções do prédio em Setembro de 2021. Ora, de nenhum meio de prova é possível inferir que os RR., sem prejuízo de terem ensaiado o acesso à subcave e à sua garagem, tenham tido dela um uso apto a propiciar-lhes a noção da impossibilidade prática de um uso normal da garagem, dadas as condições da rampa, ou que, pelo simples facto de serem donos da fracção, haveriam necessariamente de saber das condições quase impossíveis de acesso às garagens da subcave, tratando de as omitir quando negociaram o arrendamento. De resto, DD foi ao local verificar a garagem, o que é contraditório com uma hipotética intenção de omitir essas mesmas condições que se veio a verificar impedirem o pretendido uso.
Acresce que, analisada a motivação do decidido sobre a matéria de facto, não se encontra aí qualquer explicitação das razões pelas quais o tribunal se convenceu de que os réus tinham consciência de que a garagem da fração não podia ser usada, tal como todos os moradores do prédio, bem como que aqueles o omitiram à autora, bem sabendo que se esta o conhecesse jamais teria celebrado o arrendamento em causa. Aliás, o tribunal nem afirma que os RR. tenham sido moradores do prédio.
Assim, nenhum fundamento se encontra para que se possa sustentar uma convicção positiva sobre a matéria descrita nos itens 14 e 15 dos factos provados.
Por outro lado, do depoimento de CC resulta que, denunciados ao réu AA dos Santos os problemas com a garagem, este foi respondendo que a situação se iria resolver, pois que o condomínio já comunicara ao construtor e este iria reparar os defeitos que dificultavam o acesso à subcave. O que, como se sabe, acabou por acontecer no final do ano.
CC referiu ter falado com o réu três vezes, respondendo este que a situação se resolveria e recusando que o contrato pudesse ser revogado. CC referiu até ter-lhe dito que a autora estaria disponível para usar outra garagem na primeira cave, tal como referiu que, na primeira conversa, o réu lhe respondeu que se o problema se não resolvesse, anulavam o contrato e devolveria os valores recebidos.
Analisada a análise do tribunal recorrido sobre a prova, cumpre concordar com a generalidade da mesma, tanto mais que, quanto à matéria do item 16, é o próprio tribunal a referir que CC e o réu conversaram 3 vezes sobre o problema do acesso à garagem. Mal se compreende, assim, a conclusão de que a autora não obteve resposta às suas interpelações. É certo que as condições da rampa não foram imediatamente resolvidas e que logo em 29 de Outubro a autora tratou de declarar a sua vontade de pôr fim ao contrato, por causa disso, devolvendo as chaves do arrendado, obstando a que qualquer outro tipo de resposta fosse dado ao problema denunciado durante a vigência do contrato. Em qualquer caso, o que se não passou foi a ausência de resposta do réu, além de que se apurou que logo por volta de final de Dezembro e início de Janeiro seguintes a rampa foi intervencionada e os problemas foram resolvidos.
Assim, resta negar que, na sequência das interpelações da autora, a cargo de CC, os réus tivessem deixado de responder, o que implica dar por não provada a matéria descrita no item 16.
*
Verifica-se, atento o anteriormente decidido, uma alteração significativa no conjunto factual que constituiu a premissa menor da decisão recorrida.
Cumpre agora verificar se, em razão disso, a solução dada na sentença à pretensão da autora, ao pedido reconvencional do réu e à sua condenação por litigância de má fé deve ser mantida.
Daquela premissa menor, repescam-se alguns elementos que constituíram os pilares da decisão, a saber:
1 – As partes celebraram um contrato de arrendamento, por dois anos, mediante o pagamento de uma renda anual de € 8.880,00, a realizar em duodécimos de € 740,00.
2 - Os réus sabiam que a fração era arrendada para nela habitar um colaborador da autora e que era essencial a existência de garagem para o estacionamento da viatura.
3 – Entregue a fracção, a rampa de acesso à garagem apresentava características que impediam a sua utilização para ali entrar e sair um veículo.
4 – Os réus sabiam dessas características e da impossibilidade de uso da garagem em condições de normalidade.
5 – Os réus omitiram à autora tais características, sabendo que se ela as conhecesse não celebraria o contrato de arrendamento em causa.
6 – A autora comunicou aos réus a resolução do contrato, em 29/10/2021, remetendo-lhes as chaves da fracção.
7 – Os RR. responderam em 18/11/2021, negando o recebimento de uma quantia de 2.880,00€ e afirmando que a garagem podia ser acedida por veículos.
Com base nestes factos, o tribunal concluiu que a autora incorreu em erro sobre o objecto do negócio – designadamente sobre a disponibilidade de uma garagem – e que os réus conheciam a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. Por isso, com fundamento no art. 251º do C.Civil, o tribunal reconheceu a anulabilidade do negócio e determinou que os RR. devolvessem o que haviam recebido: 2.880,00€ + 1.250,00€.
Vimos, porém, que não se provou toda a factualidade considerada pela sentença.
Assim, não se provou:
- que a renda fosse superior a 6.000,00€ por ano, a pagar em duodécimos de 500,00€;
- que os réus soubessem das características que impediam o uso da garagem;
- que os réus, conhecendo-as, as tivessem omitido à autora, sabendo que esta não contrataria se daquelas condições se apercebesse.
Com relevo para a decisão, provou-se ainda que, entre Dezembro e a primeira semana de Janeiro foram realizadas obras na rampa da garagem que, tal como resultou evidenciado na inspecção judicial, tiveram por objecto os elementos de que resultavam os impedimentos para o uso da garagem da fracção arrendada.
Em qualquer caso, como veremos, não serão estas alterações o elemento fundamental para a reapreciação da decisão recorrida, sem prejuízo da sua utilidade, designadamente para a avaliação da qualidade da litigância dos réus.
Na sentença sob recurso, o tribunal considerou aplicável o regime do erro sobre o objecto do negócio (arts. 251º e 247º do C. Civil), admitindo, por um lado, que a autora havia incorrido em erro sobre as características da fracção – designadamente as conexas com o uso da garagem – sabendo os réus da essencialidade que o uso da garagem assumia no negócio, isto é, que a autora não arrendaria a fracção se soubesse que a garagem não podia ser utilizada.
Discordamos, todavia, que as circunstâncias do caso o tornem passível de subsunção a um tal regime.
Com efeito, entendemos não se verificar um qualquer erro sobre as qualidades da fracção arrendada, inclusive no tocante à garagem e às condições de acesso essenciais à respectiva utilização, ao tempo da formação da vontade de contratar, por parte da autora. A prestação a que os RR. se obrigaram foi aquela que cumpriram, disponibilizando à autora o gozo da habitação e da garagem negociadas. De resto, nem a autora veio apontar que a habitação ou a garagem não correspondiam ao que pretendia, que tinham características diferentes das que perspectivara quando formou a vontade de contratar aquele arrendamento, ou que elas jamais poderiam servir para o fim a que as destinara, conforme era do conhecimento dos RR.
O que alegou, e isso foi demonstrado, é que o prédio compreendia anomalias na rampa de acesso à garagem que impediam, ao tempo, a respectiva utilização; mas, note-se, isso não equivale a uma diferença nas características da fracção arrendada que a torne inadequada para os fins a que era destinada, mas simplesmente à identificação de defeitos que, enquanto não foram reparados, impediam aquele aproveitamento pretendido.
Importará, assim, convocar o regime do art. 1032º, al. a) do C. Civil, que dispõe: “Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido: a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa;”
No caso, é inequívoco que o objecto do arrendamento, compreendendo a garagem e a respectiva rampa de acesso na medida do necessário para isso mesmo, isto é, para acesso a essa garagem, apresentava um defeito que impedia a realização do fim a que era destinado. A qualificação das anomalias verificadas na rampa, descritas no item 13, como um defeito do imóvel, não merece reservas. Isto mesmo explica Ana Afonso (Comentário ao Código Civil, Vol. I, pg. 397): “A expressão «vício» é usada em sentido amplo que abrange: o defeito propriamente dito que não permita a cabal realização do fim a que a coisa se destina (…); a falta de qualidades necessárias, como a dimensão ou características do espaço, (…) ; ou asseguradas pelo locador, como seria o caso de nível de ruído acima do indicado ou falta de acesso a rede viária prometida e, em geral, a não conformidade com o acordado (….) Sempre que a coisa locada não revista a qualidade normal das coisas do mesmo género ou não esteja em conformidade com o convencionado entre as partes (ou assegurado pelo locador), verificar-se-á uma hipótese de cumprimento defeituoso que faz surgir os mecanismos de reação correspondentes conforme as características da hipótese de incumprimento (pedido de reparação, recusa da prestação, redução do preço, resolução e indemnização).”
De resto, denunciadas as anomalias enquanto defeito de construção ao construtor do imóvel, acabou este por operar as reparações necessárias, eliminando tal defeito.
A questão que nos ocupa sedia-se, todavia, a montante disso.
Enquanto defeito do edifício em que o arrendado se integrava, com a sua habitação e garagem, a anomalia comunicava-se ao próprio objecto da locação. Ou seja, é a própria fracção, que, devido ao defeito apresentado pelo edifício, deixa de poder servir para o fim a que era destinada, nomeadamente em razão da impossibilidade de utilização da garagem.
A autora alegou que os réus conheciam esse defeito e o omitiram, e que se assim não tivesse sido ela jamais contrataria. Mas, isso não se provou, como consta da solução anteriormente dada ao recurso sobre a matéria de facto.
Todavia, em face do regime aplicável, constante do citado art. 1032º, al. a), do C. Civil, era aos réus que cabia alegar e demonstrar que desconheciam, e sem culpa sua, a existência do defeito.
No caso, cumpre reconhecer que a matéria de facto não compreende a correspondente matéria, desde logo porquanto, em sede de contestação, os réus se limitaram a impugnar os factos alegados pela autora, sendo que o eventual desconhecimento e respectiva ausência de culpa constituiriam matéria de verdadeira excepção.
Ou seja, apesar de não se ter provado que os réus conheciam o defeito da rampa que impedia a utilização da garagem e que o esconderam da autora, isso não é suficiente para sustentar uma conclusão pela sua irresponsabilidade, pois que, para isso, se exigia mais, isto é, que os próprios réus demonstrassem que desconheciam sem culpa a existência do defeito. E não lograram, nem sequer ensaiaram, fazê-lo.
Assim, apesar de não se verificarem os pressupostos de anulação do contrato por erro (como o art. 1035º do C. Civil salvaguarda expressamente) não pode deixar de ter-se o contrato por não cumprido, pelos réus, por aplicação do disposto no citado art. 1032º, al. a) do C. Civil.
Importa, sucessivamente analisar os efeitos de uma tal conclusão, tanto mais que o incumprimento se presume por culposo, nos termos do art. 799º, nº 1 do CPC.
Refere Ana Afonso (ob. cit., pg.s 398 e 399): “O locador será civilmente responsável pelos vícios da coisa nos termos previstos na norma, devendo ressarcir os prejuízos causados ao locatário. É ainda possível obter a redução da renda proporcionalmente à diminuição do gozo da coisa. Quando a situação de incumprimento assuma gravidade suficiente, o locatário terá a faculdade de resolver o contrato. O locatário poderá ainda pedir a anulação do contrato, se os vícios já existiam no tempo da sua conclusão e contanto se verifiquem os restantes requisitos para a anulabilidade (cfr. artigo 1035.º).
Excluída a possibilidade de anulação do contrato por erro, nos termos supra expostos, importa indagar se, atentos os defeitos do locado, a autora tinha direito à resolução do contrato. Aliás, atento o teor da declaração transcrita sob o item 17 dos factos provados, constata-se que foi esse mesmo o enquadramento jurídico da sua pretensão, quando a autora comunicou aos réus: “…pois que a garagem, que faz parte do arrendado, padece de vício, mormente quanto ao seu acesso, que impossibilita a sua utilização, não tendo, por isso, as qualidades asseguradas por V. Exªs que nos determinaram a celebrar o contrato de arrendamento. Por tais razões, damos o contrato de arrendamento por resolvido, por incumprimento de V. Exªs.”
Sobre este tema, escreveu-se no Ac. do STJ de 5/12/2019 (proc. nº 9283/17.6T8PRT.P1.S1), em termos que se acolhem por inteiro: “I. A resolução do contrato de arrendamento urbano, nos termos gerais para que remete o artigo 1083.º, n.º 1, do CC, depende da verificação de incumprimento definitivo imputável à parte contra quem se pretende efetivar a resolução. II. Porém, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, não basta qualquer incumprimento definitivo, impondo-se ainda que este incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. III. Esta é uma particularidade da resolução legal do contrato de arrendamento urbano, mais exigente do que o previsto para a generalidade dos contratos, em que, em princípio, só o incumprimento definitivo de escassa importância é impeditivo da resolução, à luz do disposto no artigo 802.º, n.º 2, do CC. IV. Em caso de mora imputável à parte contra quem se pretenda resolver o contrato, incumbe à contraparte converter a mora em incumprimento definitivo mediante interpelação admonitória, salvo se esta interpelação for dispensável em virtude da recusa antecipada inequívoca de cumprir pela parte faltosa ou da perda objetiva do interesse no cumprimento a obrigação, nos termos, respetivamente, dos n.º 1 e 2 do artigo 808.º do CC.”
No caso, por um lado, o incumprimento imputável aos réus não é de ordem a facultar à autora a imediata resolução do contrato nos termos do art. 1050º, nºs 1 e 2 do C. Civil. Com efeito, a anomalia da rampa da garagem não privou a autora do uso da parte mais importante do objecto do arrendamento, qual seja a fracção destinada à habitação do seu colaborador. Tão pouco se traduziu numa privação definitiva da disponibilidade da garagem.
Assim, à autora cabia, antes de mais, exigir a reparação dos defeitos que estavam a impedir-lhe o gozo integral do objecto do arrendamento e, só depois de tornar definitivo o incumprimento dos RR. dessa obrigação de eliminação dos defeitos é que lhe assistiria o direito à resolução do contrato. Ou seja, o direito à resolução do contrato verificar-se-ia nos termos gerais de direito, tal como previsto no nº 1 do art. 1083º do C. Civil.
Alegou a autora que contactou os réus em ordem à superação do problema, mas que estes não responderam. Porém, isso não se provou.
Provou-se, isso sim, que tendo o contrato iniciado a sua vigência a 15/10/2021, logo a 29/10/2021 a autora declarou a sua resolução, sem que tenha alegado sequer que tenha fixado aos réus um prazo razoável para a reparação dos defeitos identificados e o incumprimento dessa obrigação. Aliás, também se provou que os defeitos construtivos que impediam o uso da fracção foram alvo de intervenção em finais de Novembro, em Dezembro e na primeira semana da Janeiro, ou seja, num espaço de tempo que se pode ter por curto, quer por referência à natureza dos defeitos, quer por referência ao tempo de duração do contrato, estipulada até 14/10/2023.
Em suma, não se verifica que os réus tenham sequer incorrido no incumprimento de um legítimo direito da autora à reparação dos defeitos da fracção, já que esta, precipitadamente, declarou a resolução do contrato.
Resta, em suma e com fundamento nas normas citadas, concluir pela falta dos pressupostos que permitissem à autora declarar a resolução do contrato em causa.
Certo é, porém, que a autora entregou o arrendado aos réus, em 19/10/2021.
Importa, nestas circunstâncias, em função dos respectivos pedidos, aferir dos direitos e obrigações de cada uma das partes.
Pretende a autora reaver dos RR. aquilo que lhes entregou, que se apurou terem sido duas verbas: 1.250,00€ e 2.880,00€. E provou-se que, efectivamente, no âmbito deste contrato, a autora entregou tais valores aos réus, ainda que não se tenha podido dar por provada a razão da entrega daquele último montante.
Se fosse reconhecido à autora o direito à resolução do contrato, teria direito à recuperação desses montantes, nos termos do art. 433º do C. Civil, por remissão para o regime do art. 289º, nº 1 do mesmo código. Porém, como vimos, não lhe assiste esse direito.
Em reconvenção, pretendem os RR. a condenação da autora a cumprir o contrato até ao termo de um prazo de 3 meses, que consideram que seria o aplicável no caso de a mesma pretender denunciar o contrato, nos termos do art. 1098º, nº 1, al. c) do C. Civil. Assim, pretendem que a autora, em reconvenção, lhes pague 2.250,00€, a que se deduziriam os 1.250,00€ já recebidos. Aqueles 2.250,00€ corresponderiam à soma da renda de meio mês de Outubro (250,00€), à renda do mês de Novembro (500,00 €) e 3 meses relativos ao prazo de aviso da denúncia (1.500,00€). Assim, só pretendem os RR. o pagamento de 1.000,00€.
Em face da injustificação para a resolução do contrato, teriam os réus direito ao recebimento das rendas que se vencessem, até ao momento em que considerassem o termo do contrato admissível. No caso, ao recebimento de 1.000,00€.
Acontece que se apurou que a autora, sem que se possa ter por adquirida a razão para tal, entregou aos réus um outro capital de 2.880,00€, apto a operar o ressarcimento quanto àquele montante de 1.000,00€ e juros sobre ele contados desde a notificação da reconvenção.
Pelo exposto, cumpre dar por já satisfeita a obrigação de pagamento de um tal valor, bem como dos juros sobre ele devidos desde a data da notificação da reconvenção.
Em qualquer caso, como se referiu, inexiste fundamento para ordenar a restituição do remanescente do que a autora lhes entregara.
Por todo o exposto, resta concluir pela improcedência da acção, cabendo absolver os réus da pretensão da autora quanto à restituição de qualquer valor.
Mais cumpre concluir pela procedência da reconvenção, sem prejuízo de se concluir dever ter-se por já cumprida a obrigação de pagamento aos réus do valor de 1.000,00€ em que caberia condenar a autora.
No que toca à condenação dos RR. por litigância de má fé, verifica-se que se mantiveram todos os pressupostos fácticos da correspondente condenação, que o tribunal identificou como uma actuação dolosa traduzida na omissão de matéria essencial para a decisão da causa, maxime a constante dos itens 13º e 21º dos factos provados. De resto, mesmo além disso e já em sede de recurso, os RR. continuaram a negar o recebimento do montante de 2.880,00 e, que continuou a dar-se por provado, nesta sede de recurso.
Inexiste, pois, fundamento para a revogação dessa condenação que, consequentemente, se manterá nos seus precisos termos.
Cabe, pois, concluir pelo provimento parcial desta apelação, cabendo revogar a sentença recorrida que se substitui por outra que, julgando a acção improcedente, absolve os réus do que contra si vinha pedido; mais julga a reconvenção procedente, em razão do que caberia condenar a autora no pagamento da quantia de 1.000,00€, a acrescer com juros a contar desde a data da notificação da reconvenção, obrigação esta que se tem já por cumprida por via do capital de 2.880,00€ que a autora havia feito aos réus/reconvintes.
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Sumário:
………………………
………………………
………………………




3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, em razão do que revogam a sentença recorrida que substituem por outra que, julgando a acção improcedente, absolve os réus do que contra si vinha pedido. Mais julgam a reconvenção procedente, em razão do que, apesar de caber condenar a autora no pagamento da quantia de 1.000,00€, a acrescer com juros a contar desde a data da notificação da reconvenção, decretam já se mostrar cumprida tal obrigação, nada mais tendo ela de pagar aos réus/reconvintes.

Custas por apelantes e apelada, na proporção do decaimento.

Registe e notifique.


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Porto, 20 de Fevereiro de 2024
Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira
Anabela Dias da Silva