Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6565/13.0TBVNG-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMÓVEL HIPOTECADO
VENDA EM EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO
CREDOR HIPOTECÁRIO
CRÉDITO NA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201612066565/13.0TBVNG-F.P1
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 742 A FLS.177 -180)
Área Temática: .
Sumário: Vendido em execução fiscal o imóvel sobre o qual estava constituída hipoteca e depositado o respectivo preço, se posteriormente esse valor (produto da venda) vier a ser apreendido em processo de insolvência e, se o credor hipotecário nestes autos reclamar o seu crédito, mantém o mesmo o direito a ser pago por tal quantia, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Ou seja, mantém o estatuto de credor garantido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 6565/13.0TBVNG-F.P1
Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Instância Local – Secção Cível – J4
Recorrente – B…, SA
Recorridos – Credores da massa insolvente de C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – Por apenso aos autos de insolvência de pessoa singular que correm termos pela Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Instância Local – Secção Cível onde foi declarada a insolvência de C…, veio em 4.09.2013 a B…, SA reclamar junto da Sr.ª Administradora da Insolvência o seu crédito sobre a insolvente, no valor total de €88.193,59, tendo-o qualificado quanto à sua natureza como comum.
A Sr.ª Administradora da Insolvência, no seu Relatório Provisório elaborado nos termos do art.º 155.º do CIRE, veio propor o encerramento do processo por falta de bens, nos termos do art.º 230.º n,º 1 al. d) do CIRE, sem prejuízo do disposto n.º 6 do art.º232.º e 248.º do mesmo diploma.
Seguidamente na Assembleia de Apreciação do Relatório realizada no dia 4.10.2013 foi votada a proposta de encerramento apresentada pelos credores presentes.
Posteriormente, a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou a Lista dos créditos reconhecidos a que se refere o art.º 129.º do CIRE, considerando, além do mais, todos os créditos reclamados como reconhecidos, designadamente considerou como reconhecido o crédito reclamado pela B…, SA, qualificando-o como crédito comum.
Não houve impugnações.
Finalmente, em 1.07.2015, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos de onde consta: - “Nestes termos e face ao exposto declaro verificados os créditos reclamados e reconhecidos nos termos supra referenciados, graduando-os para serem pagos através do produto da massa insolvente pela seguinte ordem:
1.º - as dívidas da massa insolvente, que saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do referido imóvel;
2.º - os créditos comuns; e
3.º - os créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º citado.
Custas pela massa insolvente – artigo 304.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
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Não se conformando com tal decisão dela vieram os executados/embargantes recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que considere o crédito da recorrente como garantido.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. A aqui recorrente, apresentou em 04.09.2013 a sua reclamação de créditos junto da Sr.ª Administradora da Insolvência, no valor total de €88.193,59, tendo qualificado os créditos, na sua natureza como comum.
2. Embora, tenha sido constituída hipoteca a favor da reclamante na operação reclamada, a aqui recorrente havia adquirido o imóvel em sede de processo fiscal, para o qual pagou e depositou €60.000,00 e registado o imóvel a seu favor.
3. A Sr.ª Administradora da Insolvência, no correspondente Relatório Provisório - artigo 155.º do CIRE, veio propor o encerramento do processo nos termos do art.º 230.º n.º 1 d) do CIRE.
4. Nesse seguimento, em Assembleia de Credores de 04.10.2013, foi votada pelos Credores presentes a proposta de encerramento apresentada.
5. No dia 03.10.2013 (um dia antes da Assembleia de Credores) a Sr.ª Administradora da Insolvência juntou aos autos a Lista do art.º 129.º, atribuindo a natureza comum aos créditos da B…, SA.
6. Posteriormente em 11 de Outubro de 2013 veio por requerimento entregue nos autos, a Sr.ª Administradora de Insolvência propor a apreensão do valor da venda referida em artigo 3.º da P.I da Reclamação de Créditos apresentada pela aqui recorrente, uma vez que aquele valor ainda não havia sido pago aos credores ou entre eles repartidos.
7. Nesse requerimento entregue nos autos naquela data (11.10.2013), ou seja, 12 dias após a assembleia de credores, expõe a Sr.ª Administradora de Insolvência, que irá proceder à apreensão do valor da venda fiscal, solicitando o prosseguimento para a liquidação e, informa que, apresentará nova lista de créditos com a identificação correcta da natureza do crédito da B… e informação a todos os credores para o efeito do exercício do contraditório.
8. O que não veio a acontecer, só o fazendo agora em 28.04.2016 a instâncias da Mm.ª Juiz a quo.
9. Verificado na consulta CITIUS, a Sr.ª Administradora de Insolvência deu entrada no Tribunal em 01.06.2015 de um requerimento anexando a lista elaborada em 03.10.2013 dando conhecimento da relação de créditos reconhecidos elaborada nos termos do art.º 129.º do CIRE.
10. Só que essa Lista era a cópia da já entregue no Tribunal um dia antes da Assembleia de Credores, não a alterando, nem notificando os credores como havia informado, quer o Tribunal, quer os credores, nela, constantes.
11. Em 01.07.2015 é a aqui recorrente notificada da sentença de graduação de créditos, que gradua o crédito da credora B… como comum.
12. Naquela é referido a apreensão do valor de €60.000,00.
13. Face a isto e, porque no processo estava documentado a apreensão do valor da venda fiscal, apresentou a aqui Recorrente pedido de rectificação da sentença nos termos do art.º 614.º n.º 1 do C.P.C., por entender que face a todos os elementos e documentos constantes dos autos, o crédito da B…, SA seria graduado como garantido e, considerou ter lapso manifesto da Mm.ª Juiz face à verificação desses elementos e documentos.
14. Veio a Mm.ª Juiz a quo decidir, por falta de enquadramento legal, não rectificar a sentença, informando ainda que face aos elementos disponíveis nos autos à data em que a sentença foi proferida, a mesma não incorreu em qualquer lapso. Ora tal não corresponde à realidade.
15. No requerimento remetido pela Sr.ª Administradora da Insolvência ao Tribunal em 01.06.2015 não atendeu, nem cuidou a Mm.ª Juiz a quo de que a lista apresentada era exactamente a mesma (cópia), que havia sido apresentada em 3.10.2013, ou seja, um dia antes da Assembleia de Credores, que aprovou o encerramento do processo por falta de bens.
16. Por lapso, com toda a certeza, a Mm.ª Juiz não atendeu a que em 29.04.2014, já depois da Assembleia de Credores, havia sido apreendido o valor de €60.000,00 da venda fiscal e como tal a natureza do crédito da B…, SA teria que obrigatoriamente ser garantido.
17. “Tendo os imóveis hipotecados sido vendidos em execução fiscal e adjudicados ao credor hipotecário, que depositou a totalidade do preço, este mantém o mesmo privilégio sobre o produto da venda daqueles bens, apreendido no processo de insolvência do devedor. Acórdão TRC de 29.10.2013
18. Nos termos do art.º 824.º do Código Civil a aqui credora B…, SA terá que ver transferido para o produto da venda, os seus direitos.
19. Tendo agora a Sr.ª Administradora da Insolvência, apresentado nova lista do art.º 129.º do CIRE e rectificado a natureza do crédito da B…, SA a solicitação da Mm.ª Juiz a quo, a sentença de graduação de créditos, terá que ser alterada.
20. “1. Por não ter lugar a aplicação do “efeito cominatório pleno”, o Juiz não está vinculado à relação de créditos apresentada pelo Administrador, mesmo que dela não haja impugnações, cabendo-lhe fiscalizar a sua actividade, conforme dispõe o art.º 58.º do C.I.R.E., no que se integra a verificação da conformidade substancial e formal dos créditos constantes da lista apresentada, quanto à sua qualidade e valor, com os documentos e demais elementos de que disponha, mormente o que oficiosamente apurou em anterior sentença de qualificação de insolvência. 2. No caso de se tratar de erro de natureza substancial, cuja rectificação implique ficarem afectados direitos das partes, os princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes implicam a impossibilidade de imediata elaboração de tal sentença, posto que a alteração tendo em vista a rectificação desse erro que venha a ser efectuada, origina que a lista de credores passe a ser distinta. 3. Nessa hipótese, deve o Juiz determinar a elaboração de nova lista de credores, rectificada nos termos que indique, pelo administrador de insolvência, abrindo-se novo prazo para impugnações. Acórdão Tribunal Relação de Coimbra de 29/10/2013 in www.trc.pt”. Diz ainda aquele Acórdão, “De facto, tudo se resume ao poder-dever de o Juiz verificar autonomamente a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência e, qual a opção que o mesmo Juiz deve tomar no caso de detectar a existência de erro de natureza substancial ou formal nessa lista.
21. Tendo sido a elaboração da sentença de graduação de créditos em 1.07.2015, a Mm.ª Juiz a quo tinha todos os elementos necessários nos autos, para graduar o crédito da B…, SA como garantido e, só por manifesto lapso, no entendimento da aqui recorrente, não atentou nos mesmos.
22. Mal andou o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, ao fazê-lo violou a lei, concretamente art.ºs 58.º, 129.º, todos do CIRE e ainda os art.ºs 824.º do Código Cível, e 614.º do C.P.C do Código Processo Civil
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Não há contra-alegações.

II – Estão provados nos autos, para além do que consta do supra elaborado relatório, os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada em 28.08.1997, denominada de “Compra e Venda e Empréstimo com Hipoteca e Fiança”, foi, além do mais, constituída hipoteca voluntária a favor do B1…, hoje, B…, SA sobre a “fracção autónoma designada pela letra "G", destinada a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 3559/20090513-G, da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia”, registada na respectiva Conservatória do Registo Predial a favor da ora reclamante - AP.95 de 1997/07/15.
2. No dia 18.10.2011, a referida fracção autónoma foi adjudicada à B…, SA, por €60.000,00, em sede de venda por propostas em carta fechada, realizada nos autos de execução fiscal n.º 1910200801069560 e Aps. que correram termos no Serviço de Finanças de Gaia 1 e, onde a ora apelante era credora reclamante.
3. Sob proposta da Sr.ª Administradora da Insolvência foi apreendido nos autos o valor da supra referida venda.
4. Em 27.04.2016 a Sr.ª Administradora da Insolvência juntou aos autos nova relação de créditos reconhecidos e Anexo, de onde consta o crédito da B…s como crédito garantido por hipoteca sobre a supra referida fracção autónoma. Mais se diz que a credora reclamante goza de privilégio imobiliário por ser credor hipotecário – art.º 47.º n.º4 al. a) do CIRE, e que sobre o capital em dívida, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 693.º do Código Civil, acrescem juros vencidos e vincendos, calculados à taxa contratual até ao montante máximo garantido.
III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a apreciar no presente recurso:
– O crédito reclamado pela recorrente é garantido ou é comum, como o graduou a decisão recorrida?
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Como se sabe o processo de insolvência configura uma execução universal, abrangendo todo o património do insolvente e ao qual são chamados todos os credores do devedor, declarado insolvente. Razão pela qual se prevê a chamada de todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, os credores, fixando-se prazo para reclamarem os seus créditos, bem como à apreensão de todo o património do insolvente, incluindo bens que estejam arrestados, penhorados ou, por qualquer forma, apreendidos ou detidos, cfr. art.ºs 1.º, 36.º n.º als. g) e j), 47.º n.º 1 e 128.º do CIRE.
Determinando-se ainda que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”, cfr. art.º 88.º n.º 1 do CIRE. Sendo certo que “salvo disposição em contrário”, a massa insolvente “abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”, cfr. art.º 46.º n.º 1 do CIRE.
Segundo o disposto no art.º 81.º n.º1 do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, “dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”. A este administrador cabe ainda, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 150.º n.º1 e 149.º do CIRE, proceder à “apreensão … de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido” (n.º1) “arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for com ressalva …” dos bens apreendidos por virtude de infracção de carácter criminal ou de mera ordenação social e, no caso de os bens já terem sido vendidos, “a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido” (n.º 2 do último preceito citado).
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Conforme resulta do art.º 47.º n.º4 do CIRE, são quatro os tipos de créditos: - os garantidos; os privilegiados; os subordinados e os comuns, sem que esta enumeração seja feita por ordem de prevalência, cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, vol. I, pág. 227.
No que respeita aos créditos garantidos, privilegiados e comuns, a classificação corresponde a trilogia geral do direito substantivo. Apenas há que realçar a opção expressa do legislador pela consideração dos privilégios especiais como uma modalidade de garantia real, aliás, indo ao encontro do que é opinião dominante na doutrina.
Inovadora é a criação da categoria dos créditos subordinados, sujeitos a um regime particular, na cauda da hierarquia, cfr. ob. vol. e pág. citados.
Ora, segundo o art.º 686.º n.º 1 do C. Civil, que nos dá a noção de hipoteca, “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Resulta assim de tal norma que o direito de hipoteca é acessório de um direito de crédito, e que incide sobre o direito real de propriedade ou outro direito real de gozo relativo a coisas imóveis ou de coisas móveis àquelas legalmente equiparadas, e que pode ser constituído pelo devedor ou por terceiro e que, no confronto dos credores, só os que disponham de privilégio especial ou de prioridade de registo têm preferência de pagamento em relação ao seu titular, ao qual assiste o direito de sequela.
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Vejamos agora o caso dos autos.
Dos factos provados nos autos resulta que a reclamante/apelante gozava de um privilégio creditório imobiliário na execução fiscal que corria contra os executados (ora insolvente e marido), dado que era titular de uma hipoteca que recaía sobre o imóvel aí penhorado. Tal bem foi vendido no âmbito dessa execução e foi adquirido pela apelante, que depositou o respectivo preço (€60.000,00). E se a execução fiscal prosseguisse os seus normais termos, a apelante, aí credor reclamante, veria o seu crédito garantido pela referida hipoteca ser pago pelo produto da venda do bem, por força do art.º 686.º n.º1 do C.Civil, e consequentemente seria graduado em primeiro lugar, o que ocorreria, caso não tivesse sido decretada a presente insolvência, obtendo a reclamante o pagamento de parte do seu crédito ali reclamado.
Ora, como estávamos, perante uma execução fiscal, há que indagar no Código de Procedimento e Processo Tributário, o regime normativo sobre a venda de bens penhorados em execuções fiscais. Sendo que tal regime é muito claro ao estabelecer que “o adquirente, ainda que demonstre a sua qualidade de credor, nunca será dispensado do depósito do preço”, cfr. art.º 256.º n.º 1 al. h) do CPPT.
No entanto, a quantia depositada no processo de execução fiscal, na sequência da venda do imóvel ali realizada, passou a integrar o património dos ali executados e, a partir do momento em que um deles foi declarado insolvente, (a ora insolvente C…) passou a integrar a massa insolvente da mesma, pelo que tal quantia podia e devia ser apreendida nestes autos, como foi, a partir dessa declaração de insolvência.
Uma vez que a credora reclamante, e ora apelante, na execução fiscal e adjudicante do imóvel aí vendido, não conseguiu obter o pagamento do seu crédito antes de ser declarada a insolvência da ali co-executada, não podia ser paga por aquele depósito após essa declaração de insolvência, dado que a execução fiscal não podia prosseguir os seus termos, cfr. art.º 180.º n.º 1 do CPPT e 86.º n.º1 do CIRE, nem podia pretender que o valor lhe fosse devolvido, pois o bem tinha-lhe sido adjudicado e tinha ingressado no seu património, em contrapartida do valor por si oferecido.
Nessas circunstâncias, à reclamante nos autos de execução fiscal, restava apenas, para ver satisfeito o seu crédito reclamado na execução fiscal e aí ainda não satisfeito, reclamá-lo nos autos de insolvência, o que fez.
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Ora, atento o que acima se deixou consignado é manifesto que o valor do produto da venda do imóvel em sede de execução fiscal, e que foi apreendido na presente insolvência, integra a massa insolvente da insolvente C…. Não fora a declaração de insolvência, era pelo produto da venda desse imóvel que a reclamante/apelante, garantida que estava pela constituição de uma hipoteca sobre tal bem, deveria ter sido graduada e paga “…com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Não tendo tal acontecido, por entretanto ter sido declarada a insolvência da co-executada C…, e tendo essa mesma credora reclamado o seu crédito nestes autos de insolvência, há que o graduar para ser pago pelo bem existente na massa insolvente (produto da venda do imóvel) com a garantia com que se apresenta. Ou seja, tendo sido a execução fiscal sustada contra a insolvente, a execução, agora universal, continuará em sede de processo de insolvência, com as garantias existentes e já exercitadas antes.
O que equivale e dizer, no caso, que a credora reclamante em processo de execução fiscal que viu o bem imóvel, sobre o qual detinha uma hipoteca constituída, ser aí vendido, não tendo chegado a ser paga pelo respectivo produto, tem direito, em sede de processo de insolvência da co-devedora, tendo aí reclamado o respectivo crédito, a ser graduada e paga “…com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”, pelo valor dessa venda que está apreendido na insolvência.
Assim, o crédito da ora apelante tem direito a ser graduado em primeiro lugar, para ser pago pelo valor da venda do bem hipotecado em execução fiscal, apreendido nos autos.
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Há pois que refazer a graduação de créditos dos autos, nos termos do art.º 47.º n.º4 do CIRE.
Assim:
- Crédito garantido (hipoteca):
- Crédito reclamado pela credora B…, SA, ora apelante, no montante de €88.193,59.
- Créditos comuns:
- Todos os demais créditos reclamados.
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Procedem as conclusões da apelante.
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Sumário – Vendido em execução fiscal o imóvel sobre o qual estava constituída hipoteca e depositado o respectivo preço, se posteriormente esse valor (produto da venda) vier a ser apreendido em processo de insolvência e, se o credor hipotecário nestes autos reclamar o seu crédito, mantém o mesmo o direito a ser pago por tal quantia, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Ou seja, mantém o estatuto de credor garantido.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, nos termos do art.º 47.º n.º4 do CIRE, gradua os créditos reconhecidos pela seguinte forma:
1.º- Crédito garantido (hipoteca): - Crédito reclamado pela credora B…, SA, ora apelante, no montante de €88.193,59.
2.º - Créditos comuns: - Todos os demais créditos reclamados.
Custas pela massa insolvente.

Porto, 2016.12.06
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues