Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1515/21.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: ATIVIDADES PERIGOSAS
PRESUNÇÃO DE CULPA
ACIDENTE DE TRABALHO
LIMPEZA DO CHÃO
OMISSÃO DE DEVERES
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RP202306291515/21.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Uma actividade não pode ser considerada perigosa, para os efeitos do arrigo 493.º/2 CCivil, pelo simples facto de, com frequência, poder causar danos graves.
II - É necessário que a perigosidade seja intrínseca à própria atividade, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios utilizados no seu exercício.
III - E, assim sendo, é manifesto que a actividade de limpeza do chão de uma superfície comercial, com recurso água, detergente e esfregona, não o será, seguramente.
IV - O empregado da loja acabada de ser limpa, com o piso, ainda, mais molhado do que o habitual, que acaba de sair do armazém e entrar na loja, que na transição escorrega, caiu e factura o fémur não contribui para o acidente, apesar de saber que àquela hora a limpeza era habitualmente efectuada.
V - A seguradora da entidade patronal que pagou a indemnização pelo acidente de trabalho pode sub-rogar-se no direito do lesado contra o responsável civil, pelo facto de a sua empregada ter omitido o dever, a que estava obrigada, que bem sabia e de que era capaz, de deixar o piso em condições de não causar o perigo que causou.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação - Processo 1515/21.2T8MAI - Ação de Processo Comum – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Valongo - Juiz 2

Relator – Ernesto Nascimento
Adjunta – Isoleta de Almeida Costa
Adjunto – Carlos Portela

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

A... – Companhia de Seguros, SA. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré B..., SA., atualmente designada C..., SA.”, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €28.339,73, acrescida de juros vincendos à taxa legal contados desde a citação até total e efetivo pagamento.
Para tanto alegou, em resumo, que,
- celebrou com a “D..., SA” um contrato de seguro de acidentes de trabalho,
- o trabalhador AA sofreu um acidente de trabalho, enquanto se encontrava no seu local de trabalho, tendo sofrido uma queda,
- que se ficou a dever à deficiente limpeza do chão por parte da ré, que prestava serviços de limpeza, porquanto não foi efetuada a secagem do chão, nem colocada sinalética adequada,
- tendo procedido ao pagamento de diversas despesas e, bem assim, ao pagamento da indemnização ao trabalhador, ao abrigo do seguro de acidentes de trabalho, pretendendo exercer o direito de regresso contra a terceira responsável pelo dano.
Citada, contestou a ré, por impugnação e, mais alegou que,
- cumpriu o contrato, o qual não incluía qualquer secagem do chão,
- não foi colocada sinalética, uma vez que a limpeza foi efectuada antes da abertura ao público e por toda a loja, sendo não só inviável sinalizar toda a loja, como desnecessário atendendo a que a ré e os seus funcionários sabem qual é o horário de limpeza,
- procedeu com o cuidado e diligência necessários, sendo que a queda ficou a dever-se à culpa do próprio AA, o qual, sabendo que o piso estava húmido por ter sido lavado, entrou a correr num corredor repleto de obstáculos, tropeçou e caiu.
Percorrida a pertinente tramitação seguiu o processo para julgamento que culminou com a prolação de sentença a julgar a acção improcedente por não provada e a absolver a ré do pedido.

Inconformada recorre a autora, rematando as alegações com as conclusões que se passam a transcrever:
1. Em conformidade com a prova produzida nos autos, e da conjugação e análise crítica dos meios de prova testemunhais, impunha-se diferente decisão sobre a matéria de facto não provada e provada supra enunciada.
2. Ao reapreciar a prova com a audição dos depoimentos gravados e valorando-os à luz do princípio da livre convicção, dever-se-á formar, quanto aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura sobre a existência de erro de julgamento da matéria de facto.
3. Devendo o Venerando Tribunal da Relação proceder à modificação da decisão e assim fazer justiça.
4. E em face de tal, não se descortina como pode o facto 3 ter sido dado, pura e simplesmente, como não provado, uma vez que, sobre ele, foi produzida prova.
5. Por conseguinte, incorreu o Tribunal Recorrido em erro de julgamento ao dar como não provado “a aludida queda foi motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência da limpeza com água e sem sinalização.”
6. Do teor do depoimento prestado pela testemunha AA, não se pode tirar outra conclusão que não seja a de que, o que originou a sua queda foi o facto de o piso, naquele local, se encontrar molhado, porque acabado de lavar.
7. De facto, a testemunha, sem margem para dúvidas, referiu, de forma clara e serena, que o acidente ocorreu quando saía do armazém para a frente de loja e se depara com o piso molhado.
8. Pelo que, s.m.o. não pode o Douto Tribunal a quo dar como não provado esse facto, pois que foi feita prova cabal de que, dado que o piso se encontrava molhado, o AA ao passar por cima dele, escorregou e caiu.
9. De igual modo, a testemunha AA depôs claramente sobre a ausência de sinalização de pré-aviso.
10. Aliás, como de resto consta do ponto 11 dos factos provados.
11. Deveria o Douto Tribunal a quo ter valorado este depoimento. O que não sucedeu.
12. Atento o exposto, a matéria de facto aqui colocada em crise (Facto Não Provado ponto 3. deve ser objecto de reapreciação por V. Exas, julgando-se: Provado que “a aludida queda foi motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência da limpeza com água e sem sinalização”, retirando-se tal matéria do elenco de factos não provados.
13. Quanto ao facto não provado 5) “E liquidou a AA/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes: Despesas de consultas de ambulatório - €390,00”.
14. O Douto Tribunal a quo ignorou por completo o depoimento da testemunha BB que, sobre este conspecto, depôs de forma clara e esclarecida.

15. A autora/apelante liquidou aos seus serviços clínicos as despesas de consultas de ambulatório, no valor de €390,00, no âmbito do presente processo de sinistro de acidente de trabalho, para tratamento do sinistrado.
16. De facto, tal valor não só foi alegado pela autora, como também foi comprovado pelo depoimento testemunhal de um seu funcionário que teve contacto directo com o processo de sinistro.
17. Pelo que, não pode dar-se esse facto como não provado, como fez o Douto Tribunal a quo, mais uma vez ignorando a prova testemunhal produzida.
18. Assim, a matéria de facto aqui colocada em crise (Facto Não Provado ponto 5. deve ser objecto de reapreciação por V. Exas, julgando-se provado que as despesas de consulta de ambulatório no valor de €390,00 deverão passar a constar dos pagamentos elencados no ponto 19 dos factos provados.
19. Quanto ao facto provado 24 ”especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária: recolher e transportar os resíduos para zona própria; aspirar/frangear o pavimento; lavar o pavimento, e; limpar os balcões de atendimento”.
20. Embora as testemunhas tenham efectivamente falado da operação de lavagem do pavimento como actividade realizada diariamente, certo é que tal operação não consta do plano de actividades.
21. De facto, se atentarmos no anexo I do contrato de prestação de serviços de limpeza subscrito pela ré e junto aos autos, sempre se dirá que a operação de lavagem do pavimento na área de vendas não consta dos serviços a prestar.
22. Outrossim, constam como serviços de limpeza a prestar na área de vendas: retirar o lixo dos recipientes; vinil - varrer o pavimento; alcatifa - aspirar; lavar cantos; aspirar pavimento e pódios.
23. A lavagem do pavimento levada a cabo pela ré naquela loja específica, estava a ser realizada à revelia do contrato celebrado.
24. O que estava contratado era varrer o pavimento, se fosse vinil e aspirar o pavimento, se fosse alcatifa, e não a sua lavagem.
25. E compreende-se a génese do contratado. Tratando-se de limpeza diária pré-abertura, faz sentido que a lavagem não ficasse prevista no elenco de tarefas a cumprir, pois que, correr-se-ia o risco de, não secando o pavimento, colocar-se em causa a segurança dos funcionários da loja e clientes da mesma, assim que a loja abrisse.
26. Do contrato subscrito entre a ré e a D... não consta a secagem do pavimento após lavagem, porque simplesmente não consta a operação de lavagem.
27. Se contratualmente não está prevista uma determinada operação, por maioria de razão, não pode estar prevista a operação que seria de levar a cabo consequentemente.
28. É que, se não se lava, não se pode secar…
29. O que sucede é que, confessadamente a ré pratica uma tarefa que não está prevista contratualmente, incumprindo o contrato celebrado.
30. A ré sabe que procede à lavagem diária do pavimento da loja, sem proceder à sua sequente e necessária secagem.

31. Pelo que, a matéria de facto aqui colocada em crise: Facto Provado ponto 24. deve ser objecto de reapreciação por V. Exas, julgando-se: 24 ”especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária: retirar o lixo dos recipientes; vinil – varrer o pavimento; alcatifa – aspirar; lavar cantos”
32. Aqui chegados, ter-se-á de analisar criticamente a decisão tomada pelo Douto Tribunal a quo, pois que ao invés do decidido, encontram-se todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual preenchidos.
33. Assim, verifica-se a existência do facto voluntário do agente, i.e., a trabalhadora da ré procedeu à lavagem do chão da loja, com recurso a água e esfregona, tendo o piso ficado molhado e húmido.
34. Tal facto é ilícito, uma vez que não tendo passado uma mopa para a respectiva secagem, proporcionou que o mesmo ficasse e se mantivesse molhado, sendo a secagem ao ar (vide ponto 32 dos factos provados). Igualmente, não foi colocada sinalização vertical que avisasse e informasse os demais utentes do espaço, do facto de o piso se encontrar na condição de molhado.
35. Do mesmo modo, este facto ilícito é imputável ao agente, ou seja, à ré.
36. E daqui resultou um dano, i.e. resultou que o AA ao passar na zona molhada do pavimento, escorregou e caiu, fraturando o fémur.
37. E este dano resultou do facto ilícito imputado à funcionária da ré. 38. Daí a efectiva responsabilidade da ré.
39. E não se diga que a responsabilidade da ré fica absorvida pelo facto de a limpeza ser pré-abertura de loja, ou seja, não se tratar de limpeza de estabelecimento aberto ao público e em horário de funcionamento.
40. Ora, quando, momentos antes das 10 h, o sinistrado se dirigia para a frente de loja para proceder à sua abertura, escorregou no piso deixado molhado pela funcionária da ré e caiu.
41. Como resulta da douta sentença ora recorrida, o sinistrado afirmou que o piso, que se encontrara molhado, foi secando no lapso de tempo em que aguardou pelos Bombeiros, ou seja, 20 a 30 minutos.
42. E não se diga, como na douta sentença, que os deveres de cuidado exigíveis à ré não podem ser os mesmos que deveriam ser com a limpeza efectuada em horário de funcionamento, simplesmente por ser uma limpeza pré-abertura.
43. É que a justificação encontrada para se defender o “relaxe” nos cuidados exigíveis é que o “universo dos potenciais lesados é reduzido e controlado”.
44. Só que a limpeza em causa, realizou-se momentos antes - pelo menos no local do acidente - da abertura da loja.
45. E manteve-se o chão molhado já depois de aberta a loja, com clientes e trabalhadores, pelo menos por 20 a 30 minutos.
46. O que equivale a dizer que, mesmo já depois de aberta a loja ao público, o piso mantinha-se molhado secando progressivamente ao ar. Pois que a secagem com mopa não havia sido efectuada.

47. É que quem escorregou e caiu foi um funcionário da loja, mas poderia ter sido um cliente. E se, o que caiu era funcionário e sabia que a limpeza tinha acontecido, imagine-se o cliente que, desconhecendo o processo de limpeza, na ausência de sinalização, com o piso molhado, circula pelo local…
48. A destrinça entre limpeza pré-abertura e limpeza em horário de funcionamento, não faz qualquer sentido.
49. Ainda mais, tendo em linha de conta o horário em que a mesma é realizada, ou seja, imediatamente antes da respetiva abertura.
50. A limpeza do pavimento em estabelecimento que, momentos após, vai ser aberto ao público deveria ser efectuada de forma a garantir que o piso intervencionado ficaria seco.
51. A funcionária da ré praticou 2 factos ilícitos imputáveis a título de culpa ou negligência: deixou ficar o piso molhado e húmido após lavagem e não procedeu à sua devida sinalização.
52. O “bom pai de família”, ao proceder à limpeza nos moldes supra descritos assegurar-se-ia que o piso ficava seco, e ainda que dúvida houvesse, sinalizá-lo- ia para garantir que acidentes não ocorressem.
53. Estão assim preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
54. No tocante à responsabilidade contratual, temos que a ré não cumpriu com os deveres assumidos.
55. Do contrato de prestação de serviços celebrado pela ré constam especificadamente todas as tarefas a realizar nas lojas e nas diferentes áreas funcionais das mesmas.
56. Assim, e ainda mais especificadamente, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária na área de vendas: 1) retirar o lixo dos recipientes; 2) vinil – varrer o pavimento; 3) alcatifa – aspirar; 4) lavar cantos; 5) aspirar pavimento e pódios.
57. Só que a ré executava, para além do contratado e sem qualquer respaldo contratual, a lavagem do pavimento na zona de vendas, com água e esfregona.
58. Igualmente, de forma deliberada, não procedia à sua sinalização, por entender que o horário em que desempenha essa tarefa é anterior à abertura da loja.
59. Nos termos do contrato celebrado (documento n.º 2 da contestação), a ré está obrigada a (clausula 5º i)) “assegurar que os seus colaboradores executam os serviços de limpeza objeto do presente contrato de forma a não colocar em risco a sua segurança e saúde, bem como a dos colaboradores e clientes da D....”
60. O que não sucedeu. Pois que, a ré se pôs a realizar tarefa não prevista no contrato, colocando em risco a segurança e saúde dos colaboradores da D..., como era o caso do sinistrado AA.
61. Pelo que, no que se refere à responsabilidade contratual verifica-se um claro e evidente incumprimento contratual, resultando do mesmo a colocação em perigo da segurança dos restantes utilizadores do espaço intervencionado.
62. Pelo que, deve a Douta Sentença ora recorrida ser revogada, considerando-se preenchidos e provados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual e contratual, assim se condenando a recorrida no pedido, fazendo como sempre e habitualmente inteira e sã JUSTIÇA.
Contra-alegou a ré, concluindo da seguinte forma:
I. O presente recurso interposto pela recorrente, com pedido de reapreciação dos factos dados como provados e não provados, da sentença proferida pelo Tribunal a quo, não tem qualquer razão de ser, dado que o pedido formulado pela recorrente carece de fundamento, quer de facto, quer de direito.
II. A presente acção consubstancia a tentativa infundada de a seguradora recorrente receber da recorrida os eventuais custos que terá suportado com a queda de AA (trabalhador da D..., segurada da recorrida) na loja D... Valongo, apesar de bem saber que a recorrida apenas cumpriu com as suas obrigações ao abrigo do contrato de prestação de serviços de limpeza que celebrou com a D... (facto provado 23).
III. A argumentação da recorrente para suportar o respectivo pedido é puramente especulativa, não se baseando nos factos provados e não provados (mesmo que fossem reapreciados no sentido, infundado que pretende), dado que cria cenários que não se verificaram, sendo certo que não foi produzida qualquer prova de que a metodologia seguida pela recorrida para a limpeza da loja D... Valongo não é a adequada ou que viola qualquer norma ou boa prática.
IV. De qualquer forma, não existe fundamento para alteração dos factos dados como provados e não provados, sendo que, estando em causa a reapreciação da prova testemunhal produzida, não deve ser ignorado o princípio da imediação, devendo ser dada prioridade à percepção do Juiz a quo.
V. No que respeita ao facto não provado 3 “a aludida queda foi motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência da limpeza com água e sem sinalização”, não foi produzida prova que permitisse provar em simultâneo ou em separado que (i) o chão estava molhado, (ii) AA caiu porque o chão estava molhado e (iii) AA caiu porque não havia sinalização.
VI. Na verdade, só duas pessoas estavam presentes no momento do acidente: o próprio AA, que admitiu mal se recordar das circunstâncias da queda, e CC, a trabalhadora da recorrida que realizou a limpeza da D... Valongo no dia 12.07.2017 (factos provados 35 e 36), que depôs no sentido de o chão estar seco.
VII. Ponderada a prova testemunhal produzida e tendo ficado provado (factos não impugnados pela recorrente) que o chão era lavado com uma esfregona espremida, que aquando da respectiva passagem apenas deixava zonas humedecidas, mas não encharcadas, e que isto foi o que sucedeu a 12.07.2017 (factos provados 25, 29, 30 e 31), então não é possível concluir que o chão estava molhado aquando da queda de AA, altura em que a limpeza já estava concluída (cf. facto provado 9), tendo andado bem o Tribunal a quo em dar como não provado que o chão se encontrava molhado aquando da queda.
VIII. Em qualquer caso, a prova produzida apontou para um circunstancalismo complexo relacionado com a queda de AA – que estaria a correr ou pelo menos em passo apressado, num caminho com obstáculos – que vai muito além do eventual estado do piso, pelo que não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a queda e o estado do piso, pelo que também decidiu bem o Tribunal a quo em dar como não provado que AA caiu porque o chão estava molhado.
IX. Ainda em qualquer caso, bem sabendo AA, no dia do acidente, que a lavagem do piso tinha sido realizada (cf. factos provados 22 e 23), para além de não ser obrigatória, é irrelevante a existência de qualquer sinalética cujo propósito é avisar quem não saiba (que não é o caso de AA), que o piso poderá estar molhado ou húmido.
X. De toda a forma, também não foi provado que, caso houvesse sinalética – cuja colocação seria impossível – AA não teria caído, pelo que, face à prova produzida, o facto não provado 3 deverá manter-se inalterado.
XI. No que respeita ao facto não provado 5 “e liquidou a AA/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes: Despesas de consultas de ambulatório – €390,00”, não foi produzida prova documental que suportasse a existência de tal despesa, contrariamente ao que sucedeu com as demais despesas alegada pela recorrente.
XII. Na ausência de documento ou de indicação na prova testemunhal da existência de documento contabilístico ou outro relevante de que a recorrente suportou, efectivamente, a despesa de € 390,00, inexistem fundamentos para que o referido facto não provado 5 seja dado como provado, devendo a sentença manter-se também neste ponto inalterada.
XIII. No que respeita ao facto provado 24 “especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes actividades: i. recolher e transportar os resíduos para zona própria; ii. aspirar / franjear o pavimento; iii. lavar o pavimento e iv. limpar os balcões de atendimento”), deverá a respectiva reapreciação improceder, desde logo, porque a recorrente pretende, para o efeito, agarrar-se ao texto de um documento que, para além de ter sido impugnado pela própria, não foi dado como provado pelo Tribunal a quo (cf. facto não provado 6, que a recorrente não impugna).
XIV. De todo o modo, da prova produzida é inequívoco que o contrato celebrado entre a D... e a recorrida abrangia a obrigação desta proceder à lavagem do pavimento, estando os serviços acordados descritos no Plano Actividades Geral (cf. factos provados 21 a 23 e doc. 6 da contestação), devendo, assim, o facto provado 24 manter-se inalterado.
XV. Os factos que foram dados como provados não permitem preencher os requisitos da responsabilidade civil extracontratual da recorrida, nos termos do previsto no artigo 483.º do Código Civil.
XVI. Nem por via do contrato celebrado com a D..., nem por força de qualquer disposição legal, era obrigatório (i) secar o chão e/ou (ii) sinalizar o chão molhado porque se estava numa loja fechada ao público onde os que a frequentavam no momento da limpeza tinham conhecimento da mesma.

XVII. Assim, as eventuais omissões da recorrida não dão lugar à obrigação de reparar eventuais danos, nos termos do disposto no artigo 486.º do Código Civil, não se verificando, portanto, o requisito da ilicitude.
XVIII. Também não está verificado o requisito da culpa, na medida em que não era exigível à recorrida agir de forma diferente, já que a diligência de um bom pai de família é seguida pela recorrida, conforme resulta dos factos provados 22, 25, 29 e 30, nenhum deles impugnado pela recorrente.
XIX. Por fim, também não se verifica o requisito do nexo de causalidade, dado não ter sido provado que AA caiu porque o chão estava molhado (cf. facto não provado 3), sendo na verdade impossível apontar e determinar a verdadeira causa da queda.
XX. Em qualquer caso, caso o chão estivesse molhado, então aplicar-se-ia ao caso o regime da culpa do lesado (cf. artigo 570.º do Código Civil), com exclusão total de responsabilidade da recorrida, dado que AA escolheu, deliberadamente, ignorar regras primárias de segurança e agir com especial descuido, correndo sobre um piso que sabia ter acabado de ser lavado, num momento em que lhe cabia agir com a diligência de um bonus pater familiae.
XXI. Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com o que V. Exas. farão a habitual justiça.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 629.º, 631.º, 638.º, 644.º/1 alínea a), 645.º/1 alínea a) e 647.º/1 CPCivil.
Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho onde se teve o recurso por próprio e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tal nada obsta.
II. Fundamentação

II. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente recurso são as seguintes:
- a existência de erros de julgamento;
- a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos;
- a operação de limpeza como actividade perigosa e, - o direito de sub-rogação.

II. 2. Recurso da matéria de facto.

II. 2. 1. Atentemos primeiramente nos fundamentos da decisão recorrida.
Factos provados

1. No exercício da sua atividade, a autora, na qualidade de líder, celebrou acordo de co-seguro com a “D... Equipamentos para o Lar S.A.” do ramo acidentes de trabalho, titulado pela Apólice nº ...25, na modalidade de “prémio variável”.
2. O qual se encontrava em vigor em 12.07.2017, tendo como trabalhador abrangido AA, com a categoria profissional de Operador de Loja.
3. De acordo com as condições da apólice (art. 29º), a seguradora que haja indemnizado fica sub-rogada nos respetivos direitos contra terceiro responsável pelos prejuízos, conforme documento nº 2 junto com a petição inicial.
4. O aludido AA era trabalhador da segurada da autora, exercendo a categoria profissional de Operador de Loja e encontrava-se a trabalhar por conta e sob as ordens da sua entidade patronal.
5. AA, no dia 12.07.2017, cerca das 10 horas, encontrava-se no seu horário e local de trabalho na loja D... Valongo.
6. Equipado com farda.
7. Quando se deslocava para a frente de loja, para abrir as grades, no corredor de imagem/televisões, escorregou e caiu ao solo sobre o lado esquerdo.
8. A limpeza da loja onde AA laborava era (pelo menos na altura), efetuada pela ré (à data designada B...).
9. Momentos antes, uma trabalhadora da ré havia procedido à limpeza do pavimento, entre outras, na zona do corredor de imagem/televisões.
10. Sem que tivesse passado, na zona da limpeza, uma mopa, para secagem do piso.
11. A trabalhadora da ré não procedeu à sinalização da zona onde havia efetuado a limpeza, através de sinalética vertical de plástico de perigo “piso molhado” e “escorregadio”.
12. Com a queda, AA sofreu fratura do fémur esquerdo.
13. Tendo sido de imediato conduzido pelo INEM ao Hospital de S. João, no Porto.
14. A queda foi participada pela entidade patronal do AA à autora.
15. Tendo a autora, no cumprimento do convencionado com a “D...”, providenciado pelo tratamento médico hospitalar do sinistrado, bem como pelo pagamento de prestações de carácter laboral.
16. AA, por força da queda, teve de ser alvo de tratamento cirúrgico, tendo, depois da respetiva alta clínica, ficado a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial atribuída pelo INML em avaliação de dano corporal em direito do trabalho, de 10%.
17. A queda deu origem a um processo por acidente de trabalho que correu termos pelo Juízo do Trabalho de Valongo, Juiz 2 sob o nº 480/18.8VLG.1.
18. A autora procedeu ao pagamento dos seguintes valores a AA: IncapacidadeTemporária Absoluta - 6.036,79€;
Capital de Remição liquidado em 02.05.2019- 16.020,11€;
Juros de mora conforme termo de entrega de capital de remição - 775,31€.
19. E liquidou a AA e/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes:
Despesas hospitalares e tratamentos efetuados no “Hospital 1... – Clínica Porto” -90,00€;
Despesas judiciais junto do Tribunal do Trabalho de Valongo- 132,60€; Despesas com tratamentos de fisioterapia na “E... – Serviços Médicos e de Reabilitação, Lda.” - 658,50€;
Despesas de fisioterapia realizados no “hospital 2..., F..., S.A.” -370,00€;
Despesas hospitalares realizadas no “Hospital de S. João, EPE”, Porto - 2.828,37; Despesas medicamentosas e farmacêuticas - 109,35€
Despesas com oculista realizadas - 336,50€;

Despesas de transportes para tratamentos 153,06€.
20. A ré dedica-se há mais de 20 anos à prestação de serviços de limpeza, em particular em grandes superfícies, como é o caso das lojas “D...” e hipermercados “...”.
21. Há mais de 10 anos que a ré presta serviços de limpeza à “D...” Valongo.
22. O horário controlado, na pré-abertura, durante o qual são realizados os serviços de limpeza pela ré é do conhecimento da “D...”, do gestor da loja e trabalhadores, nomeadamente, AA, que bem sabia das lavagens realizadas e do respetivo horário.
23. O detalhe das tarefas que a ré estava obrigada a executar ao abrigo da relação contratual existente eram reguladas por um “Plano de Atividades Geral”, acordado entre as partes, que estava disponível para consulta na “D...” Valongo e que estava em vigor na data de 12.07.2017.
24. Especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas “D...”, incluindo, assim, a “D...” Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária:
i. Recolher e transportar os resíduos para zona própria; ii. Aspirar / franjear o pavimento;
iii. Lavar o pavimento, e;
iv. Limpar os balcões de atendimento.
25. As tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem.
26. A ré ministra formação aos seus trabalhadores para poderem executar as tarefas.
27. Tal como sucedeu na limpeza feita pela ré no dia 12.07.2017, no que respeita à zona de vendas da loja “D...” Valongo, os serviços iniciam-se com a remoção do lixo e limpeza do pó e terminam varrendo-se com a franja e lavando-se o pavimento, de modo a recolher detritos que possam resultar das primeiras atividades.
28. Os trabalhadores da ré, quando terminam o serviço de limpeza da zona de vendas, saem pelo armazém, que fica situado nas traseiras da loja.
29. Por este motivo, a lavagem do pavimento, que é a última tarefa a ser executada, inicia-se da frente para as traseiras da loja, de forma a evitar, por motivos de segurança e eficiência, que o pavimento acabado de lavar seja pisado.
30. A lavagem não é realizada com água abundante, mas com esfregona espremida e, por isso, aquando da lavagem ficam zonas humedecidas, mas não encharcadas.
31. Sendo para o efeito utilizada uma esfregona e com recurso a balde com espremedor, método que foi utilizado no dia 12.07.2017.
32. A secagem é feita ao ar.
33. No dia 12.07.2017, antes das 10h da manhã, encontrava-se a realizar a limpeza na loja “D...” Valongo a trabalhadora da ré CC, admitida nos quadros da ré em 02.01.2017, e a quem foi ministrada formação para realizar os serviços de limpeza, incluindo “conhecimento do posto de trabalho”, “conhecimento do esquema de tarefas”, “utilização adequada e eficaz das técnicas de limpeza” e “cumprimento das regras estipuladas pela empresa relativamente à Segurança, Higiene e Saúde no trabalho”.
34. Pelo que tinha conhecimento das técnicas de limpeza.
35. Por, noutras ocasiões anteriores a 12.07.2017, ter realizado as tarefas de limpeza na loja “D...” Valongo, CC conhecia o seu interior.
36. A trabalhadora da ré não se ausentou do local.
37. Após a queda de AA, a ré foi contactada por DD, colaboradora da “D...”, responsável da loja de Valongo, para agendar uma reunião na própria loja.
38. Nessa reunião estiveram presentes, do lado da ré, EE, coordenadora operacional, e FF, técnica superior de higiene e segurança no trabalho, e do lado da “D...”, a referida DD e ainda a respetiva técnica de higiene e segurança no trabalho.

Factos não provados

1. AA, no dia e hora em causa nos autos, laborava na loja sita na Rua ..., ....
2. E usava botas de biqueira de aço calçadas.
3. A aludida queda foi motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência da limpeza com água e sem sinalização.
4. A autora procedeu ao pagamento dos seguintes valores a AA: Incapacidade Temporária Parcial -137,99€.
5. E liquidou a AA/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes: Despesas de consultas de ambulatório - 390,00€.
6. No dia 01.01.2017, a ré, à data ainda designada por “B..., S.A.”, celebrou com a “D... – Equipamentos para o Lar, S.A.” um acordo de prestação de serviços de limpeza, tendo por objeto a prestação, pela primeira, de “serviços de limpeza e de recolha do lixo nos estabelecimentos comerciais explorados pela D...”, entre os quais se incluía a loja “D...” Valongo.
7. O qual teve origem numa proposta apresentada pela “D...” à ré. 8. E teve início no dia 01.01.2017 e termo a 31.12.2017.
9. Nos termos acordo celebrado e na sequência da expressa proposta da “D...” nesse sentido, os serviços de limpeza seriam realizados pela ré no período de pré-abertura das lojas, entre as 7h e as 10h da manhã.
10. A trabalhadora da ré retirou-se do local.
11. Os serviços de limpeza estavam a ser realizados pela ré, e antes que estes estivessem concluídos, o AA entrou na área de vendas da loja D... Valongo a correr, acabou por cair e embater numa estrutura existente na loja.
12. A ré dá aos seus funcionários a recomendação de não andar sobre piso húmido.
13. A secagem ao ar é o método mais eficiente e rápido para o efeito, em especial numa área de grande dimensão, como é o caso.
14. Após a queda, a “D...” solicitou à ré que o serviço de limpeza fosse realizado mais cedo.
Porque tal questão interessa igualmente à decisão do recurso, vejamos, igualmente, o que ali se deixou exarado em termos de fundamentação para suportar a decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos não provados.
A convicção quanto aos factos provados e não provados resultou da análise crítica e conjugada dos meios de prova, tendo em conta as regras sobre a distribuição do ónus da prova.
Assim, os factos vertidos em 1 a 4 dos factos provados resultam da apólice de seguro junta com a petição inicial e, bem assim, do depoimento de BB, profissional de seguros da autora.
Para prova dos factos vertidos em 5 a 15, valoraram-se os depoimentos de AA, DD, que era, à data, gerente de loja da loja de Valongo, e CC, funcionária da ré, que procedeu à limpeza naquele dia e que eram as pessoas que se encontravam no local.
O primeiro afirmou que no dia em causa a senhora da limpeza como habitualmente tinha lavado o chão. A testemunha estava fardada e ia abrir a loja e caiu, não ia a correr, mas não ia em passo de passeio. Contudo, não se recorda exatamente como caiu.
A segunda afirmou que estava no armazém e ouviu um estrondo, mas não viu a queda. Afirmou que habitualmente o piso não ficava tão molhado e, na altura, associaram a queda à água.
A terceira afirmou que estava a assegurar as férias de outra colega, entrava às 9 horas, tirava o lixo, limpava os balcões, o pó e limpava o chão com a esfregona bem espremida. Começava às 9 e terminava as 10 menos 10 ou menos 5. Quando entrou na loja para chamar a gerente de loja, a testemunha DD, para a ir revistar antes de sair e ouviu esta a mandar ir abrir a porta porque já passava das 10 horas. O AA saiu a correr e cai.

Verifica-se, pois, de forma linear que a funcionária da ré tinha, momentos antes da queda de AA, acabado de limpar o chão com uma esfregona húmida. Para a limpeza com esfregona húmida é utilizada água, mas como a testemunha AA referiu, não é deitada água pelo chão. Não havia sinalética, nem foi efetuada a secagem do chão.
As testemunhas referiram, ainda, que o AA foi assistido pelo INEM e transportado ao Hospital de S. João.
Resulta, ainda, da participação de acidente de trabalho junta com a petição inicial que a queda foi participada à autora e dos restantes documentos e do depoimento de BB que a autora providenciou pelo acompanhamento médico do sinistrado.
Quanto ao ponto 16, o mesmo resulta do relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, constante da certidão judicial extraída do processo nº 480/18.8T8VLG do Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2 (requerimento de 06/04/2022), o qual foi elaborado pelo INML, entidade de reconhecido mérito e isenção.
Quanto ao ponto 17, valorou-se a certidão judicial extraída do mesmo processo e remetida a estes autos em 04/10/2021, contendo o auto de conciliação e sentença homologatória.
Para prova do descrito em 18, atendeu-se aos documentos 6 a 13 e ao termo de entrega do capital de remissão (doc. 14) juntos com a petição inicial, corroborados pelo depoimento da testemunha BB e, bem assim, pelo auto de conciliação.
Relativamente aos factos vertidos em 19, valoraram-se os documentos 15, 16, 17 a 20, 21 a 23, 24, 25, 27, 7, 26, 28 a 32, conjugados com o depoimento de BB.
Para prova dos factos vertidos em 20 a 25, valoraram-se os depoimentos de GG, diretora de operações, funcionária da ré desde 2003 – data na qual a ré já prestava serviços de limpeza à “D...”; EE, coordenadora de operações da ré, funcionária desta há 21 anos; e FF, responsável de qualidade higiene e segurança da ré, sendo que depuseram de forma séria, calma e segura.
A primeira descreveu os serviços prestados: Limpeza pré-abertura - retirar lixo, limpar o pó do balcão de atendimento (das prateleiras não) e lavagem do pavimento. Que não fazem, nem faz sentido, a secagem, porque a loja é grande, quando termina já está praticamente seca. Quanto à sinalética, disse não fazer sentido, porque é uma limpeza pré-abertura e, dentro da loja, todos [os funcionários] sabem que está a ser limpa, pois são eles que abrem a porta à trabalhadora da ré e que lhe fazem a revista ao sair. Neste caso, a limpeza foi feita por uma funcionária que estava na limpeza do ...; que já tinha tido formação e que esteve pelo menos um dia com a colega que costumava fazer a limpeza. Depois do acidente, a D... pediu uma reunião, para discutir possíveis medidas de segurança, mas nada foi implementado nessa sequência.
A segunda depôs no mesmo sentido, afirmando que a limpeza era 1 hora, das 9 às 10 horas da manhã e após o acidente e a reunião ficou igual.
A terceira depôs no mesmo sentido e afirmou que a reunião realizada depois da queda se centrou na sinalética, mas esta referiu que colocam na limpeza em espaços abertos ao público; quando estão a intervencionar todo o edifício numa limpeza pré-abertura, não colocam, porque não é viável. Teve-se, ainda em consideração o documento designado “Plano de Atividades Geral” (doc. 2 com a contestação), que a testemunha confirmou estar visível na loja de Valongo.
De outro passo, também AA disse ter conhecimento que a senhora da limpeza havia feito a limpeza como habitualmente. Por sua vez, DD referiu que a limpeza era antes da abertura da loja, o que de igual forma foi confirmado por CC, funcionária da limpeza, que, de igual forma, descreveu as tarefas realizadas.
Quanto aos pontos 26 e 34, valorou-se o documento designado “Formação de Integração” (doc. 3 com a contestação) e os depoimentos de CC e GG.
No que se refere aos pontos 27 a 33, valoraram-se os já referidos depoimentos de GG, EE e FF, bem como de CC, que disse que já andava a fazer limpeza nesta loja há mais de uma semana, quando se deu a queda do AA. As referidas testemunhas descreveram os procedimentos de limpeza, sendo que o próprio AA, como já referido, afirmou que as senhoras da limpeza não deitavam água pelo chão.
O vertido em 35 resulta do depoimento de CC e de GG.

Quanto ao vertido em 36, resultou dos depoimentos que a trabalhadora da ré ainda não tinha saído e não se ausentou (no imediato) do local.
Relativamente aos factos vertidos em 37 e 38, valoraram-se os depoimentos coincidentes de DD, GG, EE e FF.
Relativamente aos factos não provados, desde logo quanto ao ponto 1, apurou-se, pelo contrário, que AA estava na loja de Valongo.
Quanto ao ponto 2, nada se apurou.
Relativamente aos pontos 3 e 11, sobre as causas e dinâmica da queda, por um lado, nem AA atribuiu a causa da queda ao piso molhado e muito menos se apurou que a falta de sinalização contribuiu para a mesma, porque o mesmo disse logo, espontaneamente, que a senhora da limpeza tinha feito a limpeza “como habitualmente” – ou seja, AA bem sabia que o piso tinha acabado de ser lavado.
Por outro lado, também resultou unanime que os trabalhos estavam concluídos.
Aliás, até a trabalhadora da ré refere que ia chamar a funcionária DD para a ir revistar – ou seja, estava pronta para sair da loja.
No que se refere ao chão estar mais ou menos molhado, os depoimentos revelaram-se bastante divergentes.
A testemunha DD disse que o chão estava “encharcado”. Que a senhora “do costume” passava uma fronha quase enxuta, em segundos ficava seco, mas nesse dia o chão estava “encharcado”.
A testemunha CC disse que o chão não estava molhado e que o AA caiu quando ia a correr e que até a DD comentou, após a queda, “porque é que não fui eu abrir a porta andas sempre a correr”.
A testemunha AA afirmou que o chão estava húmido, bastante molhado, mas não encharcado e concluiu com a expressão “bastante húmido”. Contudo, disse que o chão secou durante o período de tempo em que aguardou pelos Bombeiros, cerca de 20 a 30 minutos.
Com efeito, os depoimentos de DD e CC são bastante divergentes neste aspeto, mesmo contraditórios. Pelo que o depoimento de AA acaba por ser mais plausível, referindo que o chão estava bastante húmido.
Eventualmente poderia estar mais húmido que o habitual, mas nem se afigura plausível que estivesse seco (como parece resultar do depoimento de CC), pois tinha acabado de ser lavado; nem encharcado (como referido pela testemunha DD), pois o sistema de limpeza descrito (por todas as testemunhas que depuseram sobre a matéria) não recorre ao despejo de águas pelo chão, mas apenas ao uso de uma esfregona espremida.
No que se refere às causas da queda, verifica-se, de igual modo, uma polarização entre os depoimentos de DD e de CC.
Com efeito, DD apesar de afirmar que AA “deve ter começado a correr”, referiu que “na altura associamos a queda à água”.
Já CC afirmou que o AA saiu a correr e cai; que estava mesmo à beira dele, mas não deu tempo de ajudar, ele sai a correr e “espalha-se” (parecendo atribuir a causa da queda ao facto de sair a correr, pois disse que o chão não estava molhado, uma vez que estava calor).
Por sua vez, AA referiu que estava no armazém e ia abrir a loja e “logo aí” escorregou e caiu. Referiu o facto de o piso estar molhado. E mais explicou, questionado, que ia a andar, não era um passo de passeio, mas não ia a correr. Prosseguiu, explicando que o piso muda, o do armazém é estilo cimento e o outro é um piso mais espelhado, que é encerado. E caiu quase logo na transição. Não tendo sequer lembrança de como caiu, mas apenas de já estar no chão. Ou seja, o próprio não atribuiu a causa da queda ao facto de o piso estar molhado, referiu esse facto, mas não afirmou que caiu porque o chão estava molhado (ou bastante húmido como explicitou posteriormente).
Deste modo, nem se pode dizer que AA ia a correr, nem que caiu por esse facto ou pelo facto de o chão estar bastante húmido. É certo que a testemunha CC afirma que ele vinha a correr. E que mesmo a testemunha DD, que não presenciou a queda, refere que deve ter começado a correr. Contudo, o próprio disse, em depoimento bastante clamo, seguro e que se afigurou sincero, que não ia a correr. Certamente não iria em passo de passeio, o que se afigura plausível pois estava a trabalhar e tinha de abrir a loja porque estava na hora de abrir, mas consideramos que o depoimento de CC não permite afastar o de AA, quando refere que não ia a correr.
Quanto aos pontos 4 e 5, os documentos apresentados não espelham tais alegados pagamentos.
No que se refere aos pontos 6 a 9, considerou-se o facto de o alegado contrato não se encontrar assinado pela D..., mas apenas pela ré e tal documento ter sido impugnado pela autora.
No que refere ao ponto 10, apurou-se exatamente o oposto, ou seja, que a trabalhadora da ré ainda estava no local.
Relativamente ao vertido em 12 a 14, nada se apurou.

II. 2. 2. No âmbito da modificação da matéria de facto pela Relação, vigora o artigo 662.º/1 CPCivil, segundo o qual “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si ou dada a fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
Esta norma tem o propósito expresso reforçar os poderes da Relação, na reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir alcançar a verdade material dos factos e a garantir um verdadeiro segundo grau de jurisdição em matéria de facto, sendo certo que, em geral, lhe compete a derradeira palavra sobre esta matéria.
Para tal efeito contribuiu o chamado registo da prova, começado a implementar com o Decreto Lei 39/95 e reforçado pelo Decreto Lei 329-A/95, primeiro e, com o Decreto Lei 180/96, depois.
Como consta do preâmbulo daquele primeiro diploma, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”.
A impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
E, assim, as exigências contidas no artigo 640.º CPCivil, a este propósito, surgem, por um lado, na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente e, por outro lado, visam afastar soluções que pudessem reconduzir a uma repetição dos julgamentos.
Donde, apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal a quo), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1.ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.
Tal como se impõe que o tribunal faça esta análise crítica das provas, também o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando, sequer, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da impugnação da matéria de facto.
Se a apreciação da impugnação da matéria de facto não está subordinada a formas padronizadas, deve a Relação considerar especialmente os argumentos alegados, em particular pelo recorrente, reponderando os meios de prova especificados e confrontando-os com os que motivaram a decisão sobre a matéria de facto.
Isto com vista à aquisição de uma convicção própria e autónoma, por parte do tribunal de recurso.
Ainda que o Tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa, como dissemos já, que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos, nem tal perspectiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal, ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessária a uma desejável celeridade decisória que, obviamente, sairia prejudicada.
Nesta conformidade, vem-se entendendo que quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.


A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.
Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efectivar uma análise concreta, discriminada, objectiva, crítica, lógica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objectivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.
A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável.
Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
No caso e, em última análise, o que o apelante pretende é substituir a convicção do tribunal pela sua.
Isto quando, necessário será sempre convencer o tribunal de recurso de que a decisão do tribunal "a quo" em matéria de facto não é possível ou não é plausível.
Que, em última instância se impõe decisão de sentido diverso.
É que não basta que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal "a quo" por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”. Exige-se-lhe que indique a prova que imponha uma outra convicção.
A credibilidade das testemunhas – e já agora das declarações de parte - há-de ser aferida em concreto pelo que disseram e, pela forma como o fizeram.
O valor probatório do que disseram há-de resultar da apreciação da razão de ciência e do mérito intrínseco do que foi dito.

II. 2. 3. Desde já há que referir que nada impede a cisão de um depoimento, seja - que se atribua credibilidade a uma parte e não se atribua a outro segmento.
A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos. Nem, tão pouco, tem o juiz que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como já há muito escrevia o prof. Enrico Altavilla, o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras, in Psicologia Judiciária, vol. II, 3.ª ed., pág. 12.
E, por outro lado não será o facto de mais ninguém constar como sabendo o que quer que seja acerca do alegado furto, que só por si pode impedir que se julgue tal facto como provado, que o mesmo haja efectivamente ocorrido.
Com efeito, há muito que não vigora mais o princípio do “testis unis testis nullus” - uma só testemunha, nenhuma testemunha.
E, assim, nada obsta a que a convicção do tribunal se forme apenas com base no depoimento de uma única testemunha, ainda que essa testemunha, assuma ter algum interesse no desfecho do litígio, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e o modo como é prestado, mereça credibilidade ao tribunal.
E, por outro lado, como é sabido, a existência de discrepâncias nos relatos efetuados por pessoas que presenciaram uma mesma factualidade não é, necessariamente, sintoma do carácter inverídico do respetivo conteúdo, podendo ser (e muitas vezes é), pelo contrário, sintoma da sua espontaneidade e da sua veracidade.
Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
Na valoração dos depoimentos o juiz tem que atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual, os olhares, as mãos e o corpo m geral e, até saber interpretar as pausas e os silêncios, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
E são todos estes factores que apenas o juiz do julgamento viu e se apercebeu. Nada disto fica gravado e, por isso o tribunal de recurso nunca deles se aperceberá. O que é tanto mais importante quanto as mais das vezes são aquelas circunstâncias que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a decidir num sentido, em detrimento do outro, fazendo a diferença entre o provado e o não provado.
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada com o rigor da aritmética, nem pelo número nem pela quantidade.
Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
A prova testemunhal, a prova pericial e a prova por inspeção estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, cfr. artigos 389.º, 391.º e 396.º CCivil, sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, no limite, só com base num depoimento.
Como de resto, as recentemente criadas declarações de parte. Também elas, nos termos do artigo 466.º/3 CPCivil, são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão. Isto é, no segmento em que não constituem confissão, as declarações de parte são – na definição legal – livremente apreciadas.
Esta liberdade de valoração, todavia, nada nos diz sobre os concretos parâmetros de valoração destes diversos meios de prova, máxime da prova pessoal.
Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável.
Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
Voltando a Enrico Altavilla, em “Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal”, 4° vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112, “(...)
o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjectividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro.
Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (...).
Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente”.

II. 2. 4. As razões da autora

Entende a ré que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar como não provados os factos contidos nos pontos 3 - a aludida queda foi motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência da limpeza com água e sem sinalização; 5 – e liquidou a AA/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes: Despesas de consultas de ambulatório - € 390,00 e, ao julgar como provado o facto contido no ponto 24 - especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária:
i. recolher e transportar os resíduos para zona própria;
ii. aspirar/frangear o pavimento;
iii. lavar o pavimento, e;
iv. limpar os balcões de atendimento”.
Para o que alinha o seguinte raciocínio: - quanto ao primeiro:
- a decisão recorrida fundamenta o julgamento deste facto no facto de que nem o sinistrado, AA, atribuiu a causa da queda ao piso molhado e muito menos se apurou que a falta de sinalização contribuiu para a mesma, porque o mesmo disse logo, espontaneamente, que a senhora da limpeza tinha feito a limpeza “como habitualmente” – ou seja, AA bem sabia que o piso tinha acabado de ser lavado;
- invoca o depoimento desta testemunha, que localiza no suporte de gravação e transcreve:
- estava na parte do armazém, estava-se a aproximar as 10 horas ia abrir a loja. Passa-se do armazém, para a abertura da loja… para a loja propriamente dita; pronto. E logo aí escorreguei, caí, caí, o piso estava molhado. Escorreguei e caí;
- a zona de armazém não é visível ao público; tem uma janelinha mas não é visível;
- ia para a frente de loja; o acidente ocorreu logo na passagem para a loja propriamente dita. Já estava na loja e foi aí que…; na saída do armazém tinha uma parte que era a zona dos expositores das televisões e assim;
- estava fardado, normal, sapatilhas, calças, era de ganga, acho que já na altura; a farda normal da D...;
- a pergunta como escorregou como, se o piso estava molhado, por alguma razão, respondeu que: sim, a Senhora da limpeza tinha estado, como habitualmente, passava o chão, e o piso estava molhado e eu escorreguei;
- a pergunta sobre se a Senhora da limpeza estava lá, respondeu que: sim, ainda estava lá; não posso precisar, não posso precisar onde; sei que ela estava lá na loja… não posso precisar ao ponto de saber onde é que ela estava;
a pergunta sobre se havia alguma sinalização do piso molhado, respondeu que: não; a pergunta sobre se .
a pergunta sobre qual era o seu passo, se ia a andar normalmente, se ia a correr, se ia em correria, respondeu que: ia a andar para abrir a loja, ou seja não se pode dizer que ia em passo de passeio, ou a correr. E é para abrir a loja ou seja…; não ia correr, não ia no passo, se calhar, de passeio, não posso precisar..; ia no passo normal de quem está a trabalhar;
daqui afirma a autora que não se pode tirar outra conclusão que não seja a de que, o que originou a sua queda foi o facto de o piso, naquele local, se encontrar molhado, porque acabado de lavar - a testemunha, sem margem para dúvidas, referiu, de forma clara e serena, que o acidente ocorreu quando saía do armazém para a frente de loja e se depara com o piso molhado e, assim foi feita prova cabal de que, dado que o piso se encontrava molhado, o AA ao passar por cima dele, escorregou e caiu;
- quando não existia sinalização de pré-aviso, como consta do ponto 11 dos factos provados;
- assim concluindo que se deve ter este ponto como provado;
- quanto ao segundo:

- a decisão recorrida ignorou por completo o depoimento da testemunha BB - que, também localiza e transcreve:
- até ao momento a companhia gastou com este sinistro com os tratamentos e as indemnizações pagas ao senhor, pagou € 28.140,79. Isto o total que foi despendido com o sinistro. Agora temos aqui, em incapacidades temporárias…;
- eu tenho aqui: honorários, consultas, foram 60 €. Despesas médicas; tenho aqui, foram pagas 3 vezes, 20 EUR, foram pagos a uma “E...”, porque o senhor esteve a fazer fisioterapia. Temos aqui também, outras despesas médicas €4.313,63; eu tenho aqui, tenho aqui até um valor bastante grande, 2000 e tal euros ao hospital de São João; €2.828,37; temos aqui mais, temos F... Policlinica, hospital 2...… são € 370,00; ao São João o tal de 2000. Despesas de consulta em ambulatório, também estão incluídas nestas despesas médicas, foram €390,00;
daqui afirma a autora que liquidou aos seus serviços clínicos as despesas de consultas de ambulatório, no valor de €390,00, no âmbito do presente processo de sinistro de acidente de trabalho, para tratamento do sinistrado - tal valor não só foi por si alegado, como também foi comprovado pelo depoimento deste seu funcionário que teve contacto directo com o processo de sinistro;
- devendo, por isso, passar a constar do elenco dos pagamentos constantes no ponto 19 dos factos provados;
- quanto ao terceiro:
- facto afirmado provado com base nos depoimentos das testemunhas GG, EE e FF e bem assim com base no documento designado plano de actividades geral, doc. 2 junto com a contestação;
- embora as testemunhas tenham efectivamente falado da operação de lavagem do pavimento como actividade realizada diariamente, certo é que tal operação não consta do plano de actividades;
- se atentarmos no anexo I do contrato de prestação de serviços de limpeza subscrito pela ré, junto aos autos, a operação de lavagem do pavimento na área de vendas não consta dos serviços a prestar;
- constam como serviços de limpeza a prestar na área de vendas: retirar o lixo dos recipientes; vinil - varrer o pavimento; alcatifa - aspirar; lavar cantos; aspirar pavimento e pódios;
- a lavagem de pavimentos não se encontra prevista - a única lavagem prevista é a dos cantos;
- não se diga que “varrer pavimento” ou “lavar cantos” se pode consubstanciar na “lavagem de pavimento”, pois que se atentarmos nas restantes tarefas de limpeza previstas e elencadas nas restantes áreas funcionais, aí sim, se prevê a “lavagem de pavimento”;
- a lavagem do pavimento levada a cabo pela ré naquela loja específica, estava a ser realizada à revelia do contrato assinado - o que estava contratado era varrer o pavimento, se fosse vinil e aspirar o pavimento, se fosse alcatifa, e não a sua lavagem – o que se compreende, tratando-se de limpeza diária pré-abertura, faz sentido que a lavagem não ficasse prevista no elenco de tarefas a cumprir, pois que, correr-se-ia o risco de, não secando o pavimento, colocar-se em causa a segurança dos funcionários da loja e clientes da mesma, assim que a loja abrisse - como, de resto aconteceu;

- alegou a ré e considerou a decisão recorrida que, “as tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem. Pelo que ficou por provar que a ré estava obrigada a proceder à secagem do chão”;
- do contrato subscrito entre a ré e a D... efectivamente não consta a secagem do pavimento após lavagem, porque simplesmente não consta a operação de lavagem;
- se contratualmente não está prevista uma determinada operação, por maioria de razão, não está prevista a operação que seria de levar a cabo consequentemente - se não se lava, não se pode secar;
- mas confessadamente a ré pratica uma tarefa que não está prevista contratualmente, incumprindo o contrato celebrado e fá-lo reiteradamente de forma deficiente e consciente da sua deficiente prestação, diariamente, procede à lavagem do pavimento da loja, sem proceder à sua sequente e necessária secagem;
- valorou-se o depoimento das testemunhas, o qual parte da premissa de que as tarefas que são realizadas diariamente são realizadas à revelia do contrato celebrado e sem qualquer respaldo contratual;
- assim, concluindo que se deve ter como provado que, ”especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária:

i. retirar o lixo dos recipientes;
ii. vinil – varrer o pavimento;
iii. alcatifa – aspirar
iv. lavar cantos”.


II. 2. 5. Aproximação ao caso concreto.

Como é sabido, é necessário que o recorrente, nesta sede, desenvolva um quadro argumentativo com o qual pretenda demonstrar, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é contraditória ou desprovida de razoabilidade, tendo sempre que convencer o tribunal de recurso de que a decisão do tribunal "a quo" em matéria de facto não é possível ou não é plausível. Que, em última instância se impõe decisão de sentido diverso.
É que não basta que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal "a quo" por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção ‘era possível’. Exige-se-lhe que indique a prova que imponha uma outra convicção.
E, sendo enfocada a questão da prova pessoal, designadamente, testemunhal, sempre se coloca a questão sua (im)parcialidade ou da credibilidade, ou falta dela.

A credibilidade há-de ser aferida em concreto pelo que se disse e, pela forma como foi dito.
O valor probatório do depoimento há-de resultar da apreciação da razão de ciência e do mérito intrínseco do que foi dito.
Com efeito, o mero interesse pessoal da testemunha no desfecho do litígio – que aqui, em nenhum dos casos, sequer se evidencia, desde logo - só por si, não é fundamento de inabilidade, tão pouco de suspeição, devendo apenas ser ponderado como um dos factores a ter em conta na valoração do testemunho.
Nem constitui elemento que indicie, sequer, a falta à verdade.
Não será por ser familiar, amigo ou assalariado de uma das partes, que se poderá, desde logo e, só por isso, de partir de um princípio de um pré-juízo de desconfiança, de menorização e de desvalorização do depoimento.
Da mesma forma, que não será por se tratar de uma testemunha, aparentemente sem qualquer ligação com as partes, a traduzir um conhecimento absolutamente fortuito e ocasional dos factos – num acidente de viação, por exemplo – que tudo o que diga mereça, à partida um juízo de imparcialidade, de fiabilidade, de credibilidade.
Nada impede, mesmo, que o tribunal forme a sua convicção com base no depoimento de uma, única, testemunha, interessada, naturalmente, desde que ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela sua credibilidade.
Pode tal depoimento ser o único suporte para dar certo facto como provado desde que logre convencer o tribunal ao nível da prova exigível para a afirmação do concreto facto em questão.
A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.
Aqui surge a livre convicção, não, enquanto afirmação infundamentada da verdade, mas como meio da descoberta da verdade, a traduzir uma conclusão livre porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores.
A par, naturalmente, das regras da experiência, que mais não são do que definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.

Sem cair no risco apressado que comportam todas as regras, um relato autêntico/espontâneo que faça uma contextualização pormenorizada, plena de detalhes, com descrições de cadeias de interacções, com reprodução de conversas, com correcções espontâneas, como segurança e assertividade, com fundamentação, com respostas prontas a perguntas inesperadas, evidencia ser mais plausível e colhe maior credibilidade por contraposição a um relato seco, estereotipado/cristalizado ou com recurso a generalizações.
Para mais se for corroborado por outros meios de prova.

II. 2. 6. Apreciando.

É verdade como defende a ré que o ponto 3 contém, em si mesmo, 3 factos - o chão estar molhado, o sinistrado cair porque o chão estava molhado e, porque não havia sinalização.
E, todos eles teriam que ser julgados como provados em simultâneo, para o ser, também, o ponto 3.
Vejamos.
Quanto ao estado do chão.
Na decisão recorrida considerou-se que os depoimentos das testemunhas AA, DD e CC, nesta matéria, se revelaram bastante divergentes - importando, contudo, atender a que apenas o AA e a CC estavam presentes no momento da queda – ele, o próprio sinistrado e, ela, a trabalhadora da ré que realizou a operação de limpeza.
Ele disse que, aquilo foi quase logo na transição. Mal saí, não posso precisar, por eu também nesse momento também, não consigo, não tenho as memórias muito ao detalhe do momento do acidente, não me recordo. Só me recordo depois estar no chão. Ou seja, não consigo, não tenho, nunca tive presente como é que cai. Portanto {impercetível} ao contrário e tudo o mais, se bati, se não bati, não tenho essa lembrança. Daquilo que sei que foi logo, logo após sair do armazém eu também depois… fiquei logo... fica assim;
a pergunta sobre se caiu sobre o quê, sobre o lado esquerdo, de frente, como é que caiu, se desamparado, se de trás, se de costas, respondeu: à partida caí assim para trás e aqui, para este lado, foi o lado que eu parti. Só que, lá está… essa parte, não tenho, nunca tive memória como é que caí, não tenho a noção. Mas para ter partido o lado esquerdo em princípio terei caído aqui para este lado.
E, ela, que,
estava a assegurar as férias de outra colega, entrava às 9 horas, tirava o lixo, limpava os balcões, o pó e limpava o chão com a esfregona bem espremida. Começava às 9 e terminava as 10 menos 10 ou menos 5M
viu o acidente; entrei dentro da loja para ir chamar a menina que me abriu a porta para ir ver os sacos do lixo e a minha carteira, porque lá é a norma. Portanto, conforme eu entro têm que me vir revistar para eu poder sair da loja. Já passava das dez horas e eu ouvi dentro do, portanto, eu estava junto à porta do armazém, dentro da loja, à espera que me viesse abrir a porta;
vi a gerente de loja, naquela altura era a dona DD a mandar ir abrir a porta, a loja, porque já passava das dez horas. O senhor AA sai do armazém a correr e cai; logo a seguir ao armazém. Ele nem teve tempo de chegar à frente loja;
a pergunta sobre se o piso estava molhado nessa altura, respondeu que: não, uma vez que estava calor;
a pergunta sobre se se lembra, respondeu que: não… Então se a loja tem que estar pronta, limpa às dez menos dez, mais ou menos, dez menos cinco. Calor, esfregona bem espremida, não tenho a certeza se era um dos dias de andar ali a limpar, mas acho que não. Porque aquilo vai por dias, mas mesmo assim, a loja não estava molhada, nem pode. Podia entrar um cliente e ser o cliente a cair;
a pergunta sobre se na altura alguém lhe disse, designadamente a dona DD, que o chão, comentou consigo que o chão estava molhado, ou que estava húmido ou que estava mais molhado do que era normal, respondeu que: não, não. A dona DD não me disse nada. A dona DD simplesmente chegou à beira do AA, que ele estava lá caído, e só se culpava porque é que não tinha sido ela a abrir a porta. Porque é que ele saiu a correr que ninguém o mandou a andar a correr;
instada a esclarecer se era em passo acelerado ou mesmo a acorrer, reafirmou que ara a correr, porque a dona DD depois quando ele caiu, até disse “Porque é que não fui eu abrir a porta? Andas sempre a correr”;
perguntado se a zona tinha obstáculos, se era uma zona de difícil passagem ou se era campo aberto, respondeu que: não, tinha gôndolas;

não deu tempo para o ajudar, ele saiu a correr, espalha-se;
a pergunta sobre a D. DD viu o acidente, viu a queda, respondeu que: não. A única pessoa que viu o acidente fui eu.
E, a gerente da loja disse que,
estava no armazém e ouviu um estrondo, mas não viu a queda. Afirmou que habitualmente o piso não ficava tão molhado e, na altura, associaram a queda à água.
seria perto das dez, não é exatamente, sei que ele foi abrir a loja, ia a abrir as portas da loja e pronto, como ele estava em cima da hora, do que eu me recordo que ele disse, não é, acelerou o passo, deve ter começado a correr; acho que me disse, já foi há algum tempo eu não me recordo muito bem, muito sinceramente, mas acho que ele acelerou o passo na altura; do que eu me recordo ele não foi, não ia no normal, a andar normalmente;
na altura associamos a queda à água”.
Estes depoimentos aliados à metodologia de trabalho deixada transparecer dos factos contidos nos pontos,
25 – “as tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem”,
29 – “por este motivo, a lavagem do pavimento, que é a última tarefa a ser executada, inicia-se da frente para as traseiras da loja, de forma a evitar, por motivos de segurança e eficiência, que o pavimento acabado de lavar seja pisado”,
30 – “a lavagem não é realizada com água abundante, mas com esfregona espremida e, por isso, aquando da lavagem ficam zonas humedecidas, mas não encharcadas” e,
31 – “sendo para o efeito utilizada uma esfregona e com recurso a balde com espremedor, método que foi utilizado no dia 12.07.2017”,
não impede – como defende a ré - que se possa afirmar que o chão estivesse molhado, aquando da queda – quando a limpeza estava já concluída, o chão já tinha sido lavado há alguns momentos, dado que a própria empregada da limpeza até já estava pronta para se ir embora, estando apenas a aguardar pelos seus pertences.
É certo que a metodologia utilizada para lavar o chão – uma esfregona bem espremida de forma a garantir que não existe nenhum risco de segurança, cfr. pontos 29, 30 e 31 - resultou detalhadamente explicada pela testemunha GG, directora de operações da ré – a que adiante voltaremos – e, que disse que,
a esfregona é espremida à mão. Aquilo tem uma pega, uma alavanca e, portanto, a força que tem que fazer é relativamente diminuta por questões ergonómicas para conseguir espremê-la totalmente;
a pergunta sobre se independentemente da pessoa que esteja a limpar, a esfregona sai espremida da mesma forma, respondeu que: sim, porque o material está lá.
É evidente que o material está lá – como quase sempre, de resto – a questão está, como é bom de ver no manuseamento, na forma como é desenvolvida a tarefa. Desde logo, com mais ou menos força, competência, habilidade, destreza.
Ou, se é desenvolvida, sequer.
Ou, mesmo, para utilizar a expressão até aqui mais debatida, mesmo a “correr”. Não no sentido literal, como cremos que a gerente da loja, também, não terá utilizado em relação a sinistrado. Mas em sentido metafórico, sempre à pressa, célere, rápido.

Em face da contradição entre os aludidos depoimentos, quanto ao estado do piso, apesar da metodologia utilizada para lavagem do piso, o certo é que naquele dia – a funcionária que o desempenhou, estava em substituição de uma colega, que estava de férias – não pode deixar de se ter como certo e seguro que o chão estava mais molhado do que o habitual, disse a gerente da loja.
E, estamos a falar, naturalmente, da zona fronteira entre o armazém e a loja, onde se deu o acidente - que sempre seria a última a ficar enxuta.
E, que ao ali entrar o sinistrado escorregou. A queda ficou a dever-se ao facto de o chão estar molhado. Não se vislumbra outra causa, outra concausa, sequer. Ninguém o defende, sequer. Isto afastada a corrida, a correria, como se fez, na decisão recorrida. Ou o tropeção, como a dado passo aventa a ré.
Foi o concreto e preciso estado que o piso naquele dia e naquela zona ostentava.
Estava molhado, escorregadio e o sinistrado escorregou.
E, não se diga que nem o sinistrado atribui a este facto a causa, porque disse, espontaneamente, que a senhora da limpeza tinha lavado o chão “como habitualmente”. Disse isso e disse mais. Disse que não ia a correr, mas não ia em passo de passeio. Contudo, não se recorda exatamente como caiu.
O que deixa transparecer, ninguém coloca isso em causa, que sabia que o piso tinha acabado de ser lavado – o que acontecia habitualmente.
O termo habitualmente não se refere, seguramente, à forma, ao modo, como foi feita a limpeza naquele dia. Apenas e, tão só, ao facto de ter sido levada a cabo, como era normal, usual, acontecer.
O que não se pode é daqui e das alegadas discrepâncias, afirmar-se que não foi esclarecida qual a causa do acidente – que o nexo de causalidade não foi estabelecido.
É certo, que, desde logo, o sinistrado não imputa a causa de ter escorregado ao estado do pavimento, tão pouco, à ausência de sinalética.
O que disse é que escorregou.
E não foi sequer questionado sobre a causa, porventura, porque logo afirmou que mal se recorda das circunstâncias da queda.
Mas nem por isso ficaremos impedidos de a apurar e determinar.
Ele próprio refere que vinha do armazém onde o piso é rugoso e que ao entrar na loja, onde o piso é polido, caiu.
Escorregou quando tinha acabado de ser efectuada a limpeza pela funcionária da ré, que deixo o piso mais molhado do que o habitual.
Escorregou quando piso estava, nas suas palavras, molhado e secou enquanto, durante cerca de 20, 30 minutos, esteve à espera da chegada dos bombeiros.
A questão residirá, precisamente, na forma como o trabalho foi efectuado, naquele dia – não na questão de a esfregona, na segunda passagem, estar, ou não, bem espremida – como se poderia supor. Mas, no facto de a mesma não ter sido, sequer, passada, cfr. ponto 10.
Como era suposto acontecer segundo bem evidencia o procedimento que a testemunha GG deixou delineado.

O que não se pode daqui é afirmar como faz a ré que a prova aponta para um circunstancialismo complexo relacionado com a queda que vai muito além do eventual estado do piso e envolve outros motivos, não tendo sido possível, portanto, apurar que elemento (ou elementos) a causou.
O certo é que o piso estava molhado – mais do que o normal - e o sinistrado escorregou.
E sobre esta matéria, não se pode olvidar e deixar de valorar o que ele próprio refere.
A ausência de sinaléctica ninguém, coloca em causa.
Como disse o sinistrado, sabia que antes da abertura era feita a limpeza do chão da loja; acho que era a esfregona, mas… é aquelas situações, no trabalho não estou propriamente a olhar, mas acho que era a esfregona; assim balde de água, não, não atiravam água, era esfregona.
Facto, que, de resto, seria do conhecimento generalizado de quem lá trabalha.
Como disse a testemunha GG, com cargo de responsabilidade na ré, são os próprios colaboradores da D... que têm conveniência de abrir a loja. Sabem que a senhora lá está, têm de conveniência a revista às senhoras quando elas saem do serviço. Portanto, não poderiam não saber. Eu não sei o que a D... utiliza para dizer a um novo colaborador que a limpeza está a ocorrer. Mas isso, isso seria sempre da responsabilidade deles. Agora, acho é que não tem como não saber temos sempre o detalhe todos os serviços prestados a cada cliente naquele que nós chamamos um PAG, que é um Plano de Actividades Geral. Portanto, está disponível na loja e que detalha em cada uma das áreas funcionais que atividades é que têm que ser feitas. No caso da D... é muito simples, porque é praticamente só uma área funcional que é a loja. Mas vamos imaginar, noutros sítios têm a casa de banho, têm armazém que é suposto que sejam limpos, depois detalha as atividades por ordem funcional. E na D... é um desses casos, portanto, temos um detalhe muito breve e muito sintético, porque estamos a falar de uma hora de serviço, detalha que atividades de limpeza têm de ser feitas na loja e aí está descrito o serviço de lavagem de pavimento, uma das principais tarefas que temos a fazer naquela hora de serviço.
Assim sendo, a possibilidade de o chão ainda estar molhado, húmido, para dizer o menos, quando AA decidiu pisá-lo, antes da abertura da loja ao público, era facto que ele não ignorava ou não podia ignorar.
E, não se diga, como se faz na decisão recorrida, que pelo facto de o sinistrado, sobre as causas e dinâmica da queda, não ter atribuído a causa da queda ao piso molhado e que, muito menos se apurou que a falta de sinalização contribuiu para a mesma, porque o mesmo disse logo, espontaneamente, que a senhora da limpeza tinha feito a limpeza “como habitualmente” – ou seja, AA bem sabia que o piso tinha acabado de ser lavado.
O facto de a limpeza ter sido feita, estar a ser feita e ser concluída como habitualmente, merece alguma apreciação detalhada.

A questão é colocada por todos como enfocada no facto de o chão estar mais ou menos molhado - em cuja sede os depoimentos se teriam revelado bastante divergentes.
A testemunha DD disse que o chão estava “encharcado”. Que a senhora “do costume” passava uma fronha quase enxuta, em segundos ficava seco, mas nesse dia o chão estava “encharcado”.
A testemunha CC disse que o chão não estava molhado e que o AA caiu quando ia a correr e que até a DD comentou, após a queda, “porque é que não fui eu abrir a porta andas sempre a correr”.
Este afirmou que o chão estava húmido, bastante molhado, mas não encharcado e concluiu com a expressão “bastante húmido”. Contudo, disse que o chão secou durante o período de tempo em que aguardou pelos Bombeiros, cerca de 20 a 30 minutos.
É certo que os dois primeiros, são divergentes neste aspeto, mesmo contraditórios.
Como é certo que o que disse o sinistrado acaba por ser mais plausível, referindo que o chão estava bastante húmido.
Estaria, mesmo, mais húmido que o habitual. E, não estava seco - como disse a empregada de limpeza. Nem encharcado - como disse a gerente da loja.
E, refira-se, aqui, que poderia estar encharcado, apesar de a limpeza não ser efectuada através do sistema de despejo de água no pavimento, mas sim através do método da esfregona espremida.
Como, poderia estar completamente seco, apesar de ter sido utilizado o método de despejo de água no chão.
Tude dependeria da forma, como em concreto fosse feita a segunda passagem da esfregona.
E, também, aqui, como ali, se afastou a corrida, agora se afastará o facto de o piso estar seco ou estar encharcado.
Estava molhado, estava húmido. Independentemente do uso da palavra correcta, esta será a ideia e o sentido, tendo presente, desde logo, que não estamos perante um mero jogo de palavras, de semântica ou quizz de língua portuguesa.
Como expressivamente refere o próprio sinistrado - estava no armazém, ia abrir a loja, “logo aí” escorregou e caiu, o piso estava molhado.
E mais explicou, questionado, que ia a andar, não era um passo de passeio, mas não ia a correr. Prosseguiu, explicando que o piso muda, o do armazém é estilo cimento e o outro é um piso mais espelhado, que é encerado. E caiu quase logo na transição. Não tendo sequer lembrança de como caiu, mas apenas de já estar no chão. Ou seja, o próprio não atribuiu a causa da queda ao facto de o piso estar molhado, referiu esse facto, mas não afirmou que caiu porque o chão estava molhado (ou bastante húmido como explicitou posteriormente).
É certo daqui, que não se pode dizer que o AA ia a correr, nem que caiu por esse facto – já o afastamos.
Já não se pode é afirmar que não caiu pelo facto de o chão estar molhado.

Correr só a CC o afirma - ainda que com muito pouca, ou nenhuma, plausibilidade. Porque haveria de correr? No início do dia, mesmo que já passasse das 10 horas, 1 ou 2 minutos. Falta demonstrar que era ele que estava em falta com a abertura da porta. Foi a gerente que o chamou para ir abrir a loja. O que ele fez. Ainda que andasse sempre a correr - seja qual for o significado de tal expressão dita em relação a alguém que trabalha numa loja de atendimento ao público, no meio produtos electrónicos e electrodomésticos, de bens frágeis e que facilmente se inutilizam se caírem ao chão, ou se alguém for contra eles.
Ademais correr numa loja assim recheada, mais traduziria e ilustraria a ideia de um elefante no meio da dita loja de porcelanas.
E a propósito da velocidade que o sinistrado imprimiria à sua passada, sempre será de valorar, pelas fotografias juntas, que, teria grande dificuldade de se imobilizar atenta a necessária distância de travagem, sem ter embatido nas televisões que ali estavam expostas, no local por onde acedeu à loja. E, não consta que nelas haja embatido.
A questão essencial reside, como refere o sinistrado na mudança de piso, do armazém para a loja. Ali em cimento e aqui espelhado encerado e molhado.
Está completo o quadro.
A limpeza era feita de fora para dentro, de forma a que quando a loja abrisse a parte de acesso dos clientes estivesse já seca. E a última parte a ficar seca seria a mais interior da loja – aquela por onde o sinistrado acedeu - numa demonstração de que se desprezava, se colocava em segundo plano, a segurança e a integridade física de quem, afinal, já estava lá dentro, de quem lá trabalhava e que lá estava já aquando da limpeza.
Porventura, no entendimento de que dispensada a sinaléctica porque todos sabiam do hábito, da mesma forma, tal dispensasse a realização da tarefa de forma a salvaguardar, em qualquer caso e a impedir qualquer acidente.
De resto, a própria decisão recorrida considera que o depoimento da CC não é de molde a infirmar o do sinistrado, quanto ao passo de corrida.
E, não o será, também, em relação ao estado em que deixou o piso.
E não vamos entrar, aqui, em discussões mais ou menos filosóficas ou de diferença de grau, de intensidade entre húmido, muito húmido, molhado ou encharcado.
Como não entramos, de resto, acerca de passo de passeio, passo ligeiro, correr ou correria.
O piso estava molhado e o sinistrado ao passar do piso seco do armazém para o piso molhado da loja, escorregou.
Escorregar, que pressupõe, desde logo, pela própria natureza das coisas e, por definição, isso mesmo - deslizar, derrapar, resvalar
Coisa diversa de tombar ou cair, estatelar, desabar. E muito mais de tropeçar, como alegou a ré
Assim, face à prova produzida, os 3 factos contidos no ponto 3 deverão ser tidos, todos eles, como provados – com a nuance a diante assinalada.
A prova supra analisada assim o impõe e exige, sob pena, de um absolutamente inadmissível e grosseiro erro notório na sua apreciação.

Quanto ao facto contido no ponto 5 - “e liquidou a AA/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes: despesas de consultas de ambulatório – €390,00”.
Este facto foi julgado como não provado porque, os documentos apresentados não espelhavam tal alegado pagamento.
É certo que a testemunha BB, profissional de seguros reformado que colabora com a autora, a esta verba se referiu, aquando da leitura que fez dos documentos que trazia:
. eu tenho ali uns documentos, aliás, isto que está aqui obriga se calhar a Dra. a entrar… irá perguntar o que é que se gastou neste sinistro e se calhar num documento que eu tenho ali os valores discriminados é capaz de lá estar o número da apólice”
eu sei de cor, quer dizer, decorei, tenho em mente o valor total que foi pago pelo sinistro. Agora valores pormenorizados só recorrendo a um documento que eu tenho aqui onde eu tenho esses valores todos discriminados.
Mas estamos perante uma despesa feita por uma seguradora, que, caso exista, teria necessariamente suporte documental, até mesmo para efeitos contabilísticos.
E, esta, contrariamente a todas as restantes despesas alegadas pela autora, não está acompanhada de qualquer suporte documental.
E, mesmo de suporte testemunhal.
Ficou por explicar que documento era aquele que a testemunha estava a consultar, a ler e, desde logo, qual a origem e justificação daquele valor.
O que é certo é que a testemunha não estava a consultar os documentos referentes a cada uma das despesas, pois que doutra forma teria sido junto o que a esta despesa, em concreto, se refere.
Aliás a própria forma de alegar, “e liquidou a AA/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos, as quantias seguintes: despesas de consultas de ambulatório – €390,00” bem deixa transparecer uma amplitude e uma abrangência difícil de demonstrar, a não ser com o específico documento que a comprove.
A autora nem sequer alega, em concreto a quem pagou – ou ao sinistrado ou a entidades que lhe prestaram serviços.
Nem concretiza qual o tipo de serviço – hospitalar, médico, tratamento, transporte para tratamento, despesa com consulta de ambulatório.
Assim sendo, na ausência de documento ou de indicação pela testemunha de documento contabilístico ou outro relevante, que comprove a quem pagou, o que pagou e, a que título pagou, não se pode ter como erradamente julgado aquele facto.
Nada impõe ou exige a pugnada alteração/modificação.
Nem sequer a consulta da certidão junta com a petição, extraída do processo de trabalho, contribui para o esclarecer.
Finalmente defende a autora que o ponto 24 - especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária:
i. recolher e transportar os resíduos para zona própria;

ii. aspirar/frangear o pavimento; i

ii. lavar o pavimento, e;
iv. limpar os balcões de atendimento”, deve passar a ter a seguinte redacção,
”especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas D..., incluindo, assim, a D... Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária:
i. retirar o lixo dos recipientes;
ii. vinil – varrer o pavimento;
iii. alcatifa – aspirar
iv. lavar cantos”.
Isto porque é o que resulta dos depoimentos das testemunhas GG, EE e FF e bem assim com base no documento designado plano de actividades geral, doc. 2 junto com a contestação;
- embora as testemunhas tenham efectivamente falado da operação de lavagem do pavimento como actividade realizada diariamente, certo é que tal operação não consta do plano de actividades;
- se atentarmos no anexo I do contrato de prestação de serviços de limpeza subscrito pela ré, junto aos autos, a operação de lavagem do pavimento na área de vendas não consta dos serviços a prestar;
- constam como serviços de limpeza a prestar na área de vendas: retirar o lixo dos recipientes; vinil - varrer o pavimento; alcatifa - aspirar; lavar cantos; aspirar pavimento e pódios;
- a lavagem de pavimentos não se encontra prevista - a única lavagem prevista é a dos cantos;
- não se diga que “varrer pavimento” ou “lavar cantos” se pode consubstanciar na “lavagem de pavimento”, pois que se atentarmos nas restantes tarefas de limpeza previstas e elencadas nas restantes áreas funcionais, aí sim, se prevê a “lavagem de pavimento”.
E, daqui conclui que, então, a lavagem do pavimento estava a ser realizada à revelia do contrato assinado - o que estava contratado era varrer o pavimento, se fosse vinil e aspirar o pavimento, se fosse alcatifa, e não a sua lavagem – o que se compreende, tratando-se de limpeza diária pré-abertura, faz sentido que a lavagem não ficasse prevista no elenco de tarefas a cumprir, pois que, correr-se-ia o risco de, não secando o pavimento, colocar-se em causa a segurança dos funcionários da loja e clientes da mesma, assim que a loja abrisse - como, de resto aconteceu.
Até porque, alegou a ré e considerou a decisão recorrida que, “as tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem - ficou por provar que a ré estava obrigada a proceder à secagem do chão”.
Isto é, entende a autora que,

- do contrato subscrito entre a ré e a D... efectivamente não consta a secagem do pavimento após lavagem, porque simplesmente não consta a operação de lavagem;
- se contratualmente não está prevista uma determinada operação, por maioria de razão, não está prevista a operação que seria de levar a cabo consequentemente - se não se lava, não se pode secar;
- mas confessadamente a ré pratica uma tarefa que não está prevista contratualmente, incumprindo o contrato celebrado e fá-lo reiteradamente de forma deficiente e consciente da sua deficiente prestação, diariamente, procede à lavagem do pavimento da loja, sem proceder à sua sequente e necessária secagem;
- valorou-se o depoimento das testemunhas, o qual parte da premissa de que as tarefas que são realizadas diariamente são realizadas à revelia do contrato celebrado e sem qualquer respaldo contratual.
Diz a ré - com alguma propriedade - que pela primeira vez a autora alega que o serviço de lavagem de pavimento não terá sido contratado pela D..., razão pela qual esta realizou uma tarefa que não tem reflexo contratual, acusando-a, inclusivamente, de incumprir o contrato celebrado com a D.... O que se traduziria numa verdadeira pirueta processual, pretendendo agora agarrar-se ao texto de um documento, que para além de ter sido impugnado pela própria, o teor não foi sequer foi dado como provado pelo Tribunal a quo, conforme resulta do facto não provado 6, que a autora não impugna, donde, defende ser tal documento irrelevante para a decisão da causa.
Como disse a testemunha GG, directora de operações da ré, a este propósito, no que designou de método de duplo mop,
nós temos uma hora de prestação do serviço e a loja é muito grande, portanto, nunca poderia nessa hora que está contratualizada haver secagem de pavimento nem isso justificaria porque, efetivamente, quando a senhora faz a lavagem que faz e com metodologia que faz quando chegar a hora de terminar, o chão está basicamente seco. Portanto, não faz sentido a D... despender de mais dinheiro ou de alargar o serviço para que isso pudesse acontecer;
não estava contratualizado no final do serviço passar um secador, algum tipo de mecanismo de secagem, porque estamos no contrato muito pequenino; todas estas tarefas têm de ser feitas numa forma célere e não fora… quer dizer, penso eu que a D... não queria despender de mais dinheiro para contratualizar um serviço mais alargado para que isso pudesse sempre acontecer. E também não se justifica porque a forma como é lavado o chão da D... e num sítio que tem ares condicionados, em que tem a possibilidade de ligar o ar condicionado, quando chega a altura de fazer a abertura às pessoas, para os clientes, para que possam entrar, o chão está seco;
nós utilizamos nas lojas da D... e muitas lojas comerciais a metodologia dual mop; no fundo é um sistema de balde duplo, tem um balde vermelho e um balde azul, tem um espremedor industrial, tem assim uma pega que permite que elas espremam a esfregona, que é uma esfregona industrial, não é uma doméstica, portanto, maior. Com pouco esforço e muito resultado. Portanto, balde vermelho digamos é para onde está virado o espremedor que é o das águas sujas;
o balde vermelho, é o balde que tem água limpa com solução, portanto, digamos que as senhoras vão buscar água com solução, espremem bem espremidinho para o balde vermelho, limpam o chão, depois fazem uma passagem no balde vermelho, espreme, balde azul novamente. Não é muito diferente de uma esfregona doméstica. Agora, consegue por um lado, abranger uma área muito maior de uma forma muito mais rápida e não tem que se fazer esforço físico para espremer a esfregona, não é? Portanto aquela tensão que nós sentimos no braço porque tem aquela alavanca no tal espremedor industrial.

Ora, apesar de ter sido julgado como não provado a celebração do contrato, cfr. ponto 6, o certo é que vem provado que,
21 - “há mais de 10 anos que a ré presta serviços de limpeza à “D...” Valongo”;
22 - “o horário controlado, na pré-abertura, durante o qual são realizados os serviços de limpeza pela ré é do conhecimento da “D...”, do gestor da loja e trabalhadores, nomeadamente, AA, que bem sabia das lavagens realizadas e do respectivo horário”;
23 - “o detalhe das tarefas que a ré estava obrigada a executar ao abrigo da relação contratual existente eram reguladas por um “Plano de Actividades Geral”, acordado entre as partes, que estava disponível para consulta na “D...” Valongo e que estava em vigor na data de 12.07.2017”
Não se vislumbra como se pode defender que a lavagem do pavimento não estivesse incluída no contrato em vigor entre a ré e a D....
E, da mesma forma, já agora, que o não estivesse a secagem.
E como diz a autora uma coisa leva à outra.
Só que se trata não propriamente de secagem através da utilização de um qualquer secador ou sistema próprio para sugar, aspirar a água. Mas sim da dupla passagem da esfregona, agora espremida – o dito dual mop.
E, muito menos tem cabimento defender agora a autora que afinal a lavagem era feita apesar de não constar também, ela, do contrato. Tal traduziria um serviço extra, um bónus da ré para com a autora - que por ela não pagaria qualquer contrapartida.
Como foi dito pelas testemunhas da ré, a lavagem era de resto “uma das principais tarefas”.
Carece, assim, de fundamento este segmento do recurso, bem como o atinente com o ponto 5.
Apenas procede, o reportado ao ponto 3.
Que passa para o elenco dos factos provados. Ainda que, como vimos, sem o estabelecimento de nexo de causalidade entre a queda e a falta de sinalização – que, não obstante, se verificava, de facto.
Assim, tem-se como provado que, “a aludida queda foi motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência da limpeza com água. Não existia sinalização”.

II. 3. Recurso sobre a matéria de direito.

II. 3. 1. As razões da autora.

Entende a autora, na sequência e pressuposto da procedência da impugnação da matéria de facto, que se torna necessário analisar criticamente a decisão recorrida no segmento em que se afirmou,
- não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;

- quanto à responsabilidade contratual não se descortinar a violação dos deveres de proteção.
Defende a autora que existe responsabilidade civil extracontratual da ré, decorrente da prática de factos ilícitos e igualmente responsabilidade contratual decorrente da violação do contrato celebrado, pugnando pela revogação da decisão recorrida, considerando-se preenchidos e provados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual e da responsabilidade civil contratual por incumprimento culposo do contrato existente e, condenando a ré no pedido.

II. 3. 2. A fundamentação da decisão recorrida.

“A presente ação, conforme vem definida pelo pedido e pela causa de pedir, poderá ter dois enquadramentos jurídicos: a responsabilidade civil extracontratual ou a responsabilidade civil contratual.
Com efeito, uma das fontes da obrigação de indemnizar é a responsabilidade civil, abrangendo “tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual)” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª Edição, Almedina, p. 509).
A responsabilidade civil extracontratual (ou delitual) funda-se, em geral, na culpa (é a denominada responsabilidade subjetiva ou por factos ilícitos culposos, cuja enunciação encontra acolhimento no artigo 483º do Código Civil), podendo, excecionalmente, basear-se no risco (responsabilidade objetiva, consagrada nos artigos 499º a 510º do Código Civil) e, em casos residuais, em factos lícitos danosos (tal como previsto, por exemplo, nos artigos 1310º, 1348º, nº 2 e 1349º, nº 3, todos do Código Civil).
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 483º do Código Civil, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, acrescentando o nº 2 que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
A responsabilidade civil por factos ilícitos depende da verificação de vários pressupostos: é necessário que se verifique um facto voluntário do agente; que esse facto seja ilícito; que possa ser subjetivamente imputado ao lesante; que dele resulte um dano e, por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder afirmar-se que o dano é resultante da violação desse direito ou interesse.
Já a responsabilidade contratual abrange a responsabilidade proveniente da falta e cumprimento das obrigações emergentes de um contrato, negócio unilateral ou da lei, encontrando-se prevista nos artigos 762º e seguintes (cumprimento e não cumprimento das obrigações).
Quanto ao incumprimento culposo do contrato, rege o artigo 798º do Código Civil, que dispõe: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Porém, tendo em conta a presunção estabelecida pelo artigo 799º, nº 1 do mesmo diploma legal: “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”.
Assim, na responsabilidade contratual, presume-se a culpa do devedor, pelo que o credor não se encontra onerado com esse ónus de alegação e prova.
Neste caso, conforme resulta dos factos provados, AA era trabalhador da segurada da autora, exercendo a categoria profissional de Operador de Loja e encontrava-se a trabalhar por conta e sob as ordens da sua entidade patronal.

Sucede que, no dia 12.07.2017, cerca das 10 horas, encontrava-se no seu horário e local de trabalho na loja D... Valongo, quando se deslocava para a frente de loja, para abrir as grades, no corredor de imagem/televisões, escorregou e caiu ao solo sobre o lado esquerdo.
Ora, a limpeza da loja onde AA laborava era (pelo menos na altura), efetuada pela ré (à data designada B...) e, momentos antes, uma trabalhadora da ré havia procedido à limpeza do pavimento, entre outras, na zona do corredor de imagem/televisões.
Sem que tivesse passado, na zona da limpeza, uma mopa, para secagem do piso. Ademais, a trabalhadora da ré não procedeu à sinalização da zona onde havia efetuado a limpeza, através de sinalética vertical de plástico de perigo “piso molhado” e “escorregadio”.
Vejamos.
A limpeza da loja pela trabalhadora da ré de modo constitui um facto ilícito, quer o chão tenha ficado húmido, molhado ou encharcado.
Daí que, a eventual responsabilidade da ré seja de enquadrar no artigo 486º do CPC, que dispõe:
“As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”.
Como refere Antunes Varela, o dever imposto por lei tanto pode resultar de uma norma preceptiva, que diretamente imponha certa ação, como provir indiretamente da norma que imponha a nossa colaboração na prevenção de certo resultado, que é punido ou reprovado de outro modo na lei. No primeiro caso, a ilicitude refere-se diretamente à omissão (omissão pura); no segundo caso, ao valor, bem ou interesse jurídico tutelado (comissão por omissão) (obra citada, p. 503).
Neste caso, cumpre notar que não se tratava da limpeza de um estabelecimento aberto ao público e em horário de funcionamento. Com efeito, os deveres de cuidado exigíveis à ré não podem ser os mesmos quando se trate de uma limpeza efetuada num estabelecimento aberto e em funcionamento – ao qual afluem inúmeras pessoas, desconhecendo, naturalmente, se o chão foi lavado ou não e, como tal, não estando advertidas para a possibilidade de o piso estar escorregadio – ou quando se trate da limpeza de um estabelecimento em horário pré-abertura, em que apenas ali se encontram os respetivos funcionários, previsivelmente conhecedores do horário de limpeza.
Ainda assim, obviamente que terão de ser encetados cuidados, de modo a evitar que os procedimentos de limpeza possam dar origem a danos, quer para trabalhadores, quer para eventuais terceiros que ali se desloquem (por exemplo, vigilantes ou fornecedores).
Todavia, consideramos que o grau de exigência nos cuidados a adotar não poderá ser idêntico, uma vez que o universo dos potenciais lesados é reduzido e controlado e, maioritariamente, tratar-se-á de funcionários que sabem da realização das limpezas.
De facto, provou-se que o horário controlado, na pré-abertura, durante o qual são realizados os serviços de limpeza pela ré é do conhecimento da “D...”, do gestor da loja e trabalhadores, nomeadamente, AA, que bem sabia das lavagens realizadas e do respetivo horário
Daí que não se possa dizer que a ré estava obrigada, por lei, a proceder à secagem do chão ou a sinalizar o piso molhado, de modo a evitar perigo para terceiros – já para acautelar esse perigo, a limpeza é efetuada no horário pré-abertura, como resulta dos factos provados.
Pelo que, apenas será responsável se estivesse para tal obrigada por convenção.
Ora, provou-se que as tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem.
Pelo que ficou por provar que a ré estava obrigada a proceder à secagem do chão. Quanto à sinalética, apesar de nada se provar, a mesma apenas serviria para avisar os trabalhadores da loja de que o piso estava molhado, facto de que estes já seriam conhecedores, pois sabiam do horário das limpezas.
Deste modo, é de concluir que não se encontra verificado o requisito da ilicitude. Ademais, apesar de demonstrados os danos sofridos pelo AA (e o seu
ressarcimento pela ré), ficou por apurar o nexo de causalidade entre a omissão da ré e a queda do aludido trabalhador da loja (veja-se os factos não provados sob o ponto 3).

Pelo que, sendo os requisitos cumulativos, não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
No que se refere à responsabilidade contratual, poderão estar em causa aqueles deveres laterais ou acessórios de conduta que para a ré resultam da sua relação contratual com a “D...” e que poderão estender-se aos seus trabalhadores.
Com efeito, os deveres laterais têm a particularidade de se estenderem a terceiros, desde que os terceiros sejam cognoscíveis para aquele sobre quem recaem os deveres de proteção.
No caso, afigura-se que os deveres de laterais ou acessórios de conduta que para a ré emergem da sua relação contratual com a “D...” são suscetíveis de se estender aos respetivos funcionários, porque especialmente ligados àquela por um vínculo laboral.
Ora, resulta dos factos provados que especificamente no que respeita à área de vendas de todas as lojas “D...”, incluindo, assim, a “D...” Valongo, a ré estava obrigada a realizar as seguintes atividades numa periodicidade diária:
i. Recolher e transportar os resíduos para zona própria;
ii. Aspirar / franjear o pavimento;
iii. Lavar o pavimento, e;
iv. Limpar os balcões de atendimento.
As tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem.
A ré ministra formação aos seus trabalhadores para poderem executar as tarefas.
Tal como sucedeu na limpeza feita pela ré no dia 12.07.2017, no que respeita à zona de vendas da loja “D...” Valongo, os serviços iniciam-se com a remoção do lixo e limpeza do pó e terminam varrendo-se com a franja e lavando-se o pavimento, de modo a recolher detritos que possam resultar das primeiras atividades.
Os trabalhadores da ré, quando terminam o serviço de limpeza da zona de vendas, saem pelo armazém, que fica situado nas traseiras da loja.
Por este motivo, a lavagem do pavimento, que é a última tarefa a ser executada, inicia-se da frente para as traseiras da loja, de forma a evitar, por motivos de segurança e eficiência, que o pavimento acabado de lavar seja pisado.
Mais se provou que a lavagem não é realizada com água abundante, mas com esfregona espremida e, por isso, aquando da lavagem ficam zonas humedecidas, mas não encharcadas. Sendo para o efeito utilizada uma esfregona e com recurso a balde com espremedor, método que foi utilizado no dia 12.07.2017. A secagem é feita ao ar.
No dia 12.07.2017, antes das 10h da manhã, encontrava-se a realizar a limpeza na loja “D...” Valongo a trabalhadora da ré CC, admitida nos quadros da ré em 02.01.2017, e a quem foi ministrada formação para realizar os serviços de limpeza, incluindo “conhecimento do posto de trabalho”, “conhecimento do esquema de tarefas”, “utilização adequada e eficaz das técnicas de limpeza” e “cumprimento das regras estipuladas pela empresa relativamente à Segurança, Higiene e Saúde no trabalho”, pelo que tinha conhecimento das técnicas de limpeza.
Ora, do cotejo da factualidade provada, não se descortina a violação dos deveres de proteção.
Além disso, ainda que a culpa se presuma, não se presume o nexo de causalidade entre o facto/omissão e o dano, o que não resultou demonstrado no caso concreto, perante a resposta negativa constante do ponto 3 dos factos provados.
Pelo que, em face do exposto e atentas as considerações que antecedem, improcede, na sua totalidade, o pedido.

II. 3. 3. Vejamos.

II. 3. 3. 1. Os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

Como vimos a decisão recorrida considerou que,
- é certo que as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido;
- no caso, não se tratava da limpeza de um estabelecimento aberto ao público e em horário de funcionamento – e, os deveres de cuidado exigíveis à ré não podem ser os mesmos quando se trate de uma limpeza efetuada num estabelecimento aberto e em funcionamento – ao qual afluem inúmeras pessoas, desconhecendo, naturalmente, se o chão foi lavado ou não e, como tal, não estando advertidas para a possibilidade de o piso estar escorregadio – ou quando se trate da limpeza de um estabelecimento em horário pré-abertura, em que apenas ali se encontram os respetivos funcionários, previsivelmente conhecedores do horário de limpeza;
- ainda assim, obviamente que terão de ser encetados cuidados, de modo a evitar que os procedimentos de limpeza possam dar origem a danos, quer para trabalhadores, quer para eventuais terceiros que ali se desloquem (por exemplo, vigilantes ou fornecedores) – mas, o grau de exigência nos cuidados a adotar não poderá ser idêntico, uma vez que o universo dos potenciais lesados é reduzido e controlado e, maioritariamente, tratar-se-á de funcionários que sabem da realização das limpezas.
Sem dúvida que sim, mas a questão que se tem que colocar é a de saber se no caso este menor grau de exigência nos cuidados a adoptar, foi, ou não, ainda assim, cumprido.
Ou se nada havia a cumprir.
E, cremos bem que não foi.
Não obstante, o tão propalado conhecimento por quem lá trabalhava do horário a que habitualmente era feita a limpeza.
A questão centra-se no modo como se apresentava o piso no local e no momento do sinistro.
E, não se diga – como faz a decisão recorrida - que a ré nem sequer estava obrigada, por lei, a proceder à secagem do chão – aqui desprezamos a questão da sinaléctica - de modo a evitar perigo para terceiros, porque para acautelar esse perigo, a limpeza era efetuada no horário pré-abertura.
Desde logo, aqui se deixou de fora os próprios trabalhadores da loja, sem que se veja razão plausível para isso.
Ou que apenas seria responsável se estivesse para tal obrigada por convenção e, provou-se que as tarefas de limpeza a que a ré se encontrava adstrita no âmbito do acordo que celebrou com a D... eram executadas sempre da mesma forma e seguindo uma ordem específica e não incluíam qualquer serviço de secagem, pelo que ficou por provar que a ré estava obrigada a proceder à secagem do chão.
Não podemos discordar mais,
Desde logo, porque no meio profissional, no seio da actividade profissional em que se insere esta questão, como resulta da prova abundante produzida nesse sentido, lavagem pressupõe secagem – senão no sentido literal ou comum, usual do termo, pelo menos, no que conduz ao mesmo efeito, à segunda passagem da esfregona espremida.

O que tenderá ao mesmo resultado, porventura num espaço de tempo mais dilatado.
E assim não se poderá ter como afastado o requisito da ilicitude – afirmado porque não se procedeu à secagem porque não estava compreendida na obrigação da ré.
Estava, da forma como foi definida pelas próprias testemunhas da ré. Numa perspectiva que não pode deixar de ser tida como se integrando, em concreto, na tarefa final, no culminar do que se designa, se convencionou chamar de lavagem do chão.
É verdade que pode existir lavagem sem existir secagem. Ou que a secagem surja como um mais, a exigir um acréscimo do preço - como acontece na lavagem automática de automóveis.
Sem qualquer comparação, contudo, atenta a natureza diversa, a diferente finalidade e, por isso, os distintos cuidados e graus de exigência.
As legis artis, as boas práticas, a necessidade de assegurar e acautelar a segurança e a integridade física das pessoas – desde logo, no imediato, dos trabalhadores - assim o impõem, no caso concreto.
De resto, tudo em nome do superior interesse da salvaguarda da segurança das pessoas – de todas as pessoas, sem distinção, que por aquela actividade pudessem ser visadas.
Na decisão recorrida para além de se ter afastado a ilicitude, também se teve como não verificado o requisito do nexo de causalidade, entre os danos e a aludida omissão.
Questão esta que como vimos acabou de ser revertida.
E, então, estarão verificados todos os requisitos da responsabilidade extra-contratual, da ré, por factos ilícitos, tal como definida no artigo 483.º CCivil - “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
E o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.
E, como dispõe o artigo 486.º CCivil que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócios jurídicos, o dever de praticar o acto omitido”.
Fosse como fosse – e a testemunha GG disse qual é o procedimento previsto, o piso deveria ter ficado o mais seco possível, de forma a poder ser pisado, no imediato – o horário de abertura da tinha acabado de chegar.
E, a propósito de justificação encontrada para se defender um certo relaxamento na limpeza, no cuidado a ter com o estado em que ficava o piso, não pode ser encontrado no facto de o universo dos potenciais lesados ser reduzido e controlado.

Com efeito, assim é, em princípio, dado o horário pré-abertura da loja.
Só que a limpeza tem lugar na hora que antecede a abertura da loja ao público.
E, como disse o sinistrado o chão manteve-se molhado, só secou ao fim de cerca de 20, 30 minutos, altura em que chegaram os bombeiros.
É do conhecimento público e do domínio das regras da experiência comum, que, em casa, depois de se passar a esfregona espremida - não tão espremida, porventura, como a que foi utlizada no caso concreto, dada a diferente qualidade do material, ainda assim - ao fim de 2, 3 minutos o piso está seco, pronto a ser pisado, em absoluta segurança, sem o perigo de ainda se apresentar escorregadio.
E, com a loja aberta ao público, o piso, pelo menos naquela zona – dos televisores - não só não estava seco, como estava mais molhado do que era habitual.
Apesar do método do duplo mop terá o piso ficado mais molhado do que o habitual, porventura porque, como vem provado no ponto 10, a trabalhadora da ré que procedeu à limpeza do pavimento fê-lo sem que tivesse passado uma mopa, para secagem do piso.
A empregada da limpeza, por uma ou outra razão, não fez a segunda passagem com a esfregona espremida e confiou no calor e/ou no ar condicionado, para que o piso fosse secando.
E, então, colocar-se-ia a pertinência da sinaléctica, que ainda assim não foi utilizada.
E, assim, o que seria e, é – e continua a ser - uma limpeza pré-abertura, se não for efectuada com a utilização da pressuposta e necessária operação de duplo mop, com a utilização da esfregona espremida, arrasta as suas consequências para além do horário de abertura.
Donde, como escorregou um funcionário, da mesma forma, poderia ter escorregado, um cliente que se dirigisse para a zona das televisões.
De resto a própria empregada da limpeza poderia, muito bem, ter ela, própria escorregado no piso molhado e, ser vítima da sua própria incúria.
É certo que quem lá trabalha tem conhecimento da operação de limpeza, mas certo é, igualmente que quem lá trabalha não tem que andar a fiscalizar o trabalho que está a ser realizado pelos outros.
Tem, tão só, que atentar no estado em que se encontra o piso. Só que no caso, o sinistrado acabara de sair da zona do armazém e de entrar na loja, propriamente dita.
Nem tempo teve para se aperceber – como afinal a empregada da limpeza não teve para o socorrer.
Escorregar no caso pressupõe isso mesmo que o piso estava escorregadio, porque ainda estava molhado.
A lavagem é habitualmente a última a ser realizada, naquele dia não houve a segunda passagem da esfregona, não existiu afinal o duplo mop, a metodologia utilizada e, as consequências – o piso molhado – entraram pelo horário de abertura dentro.

Não se vislumbra onde, aqui, se pode entrecruzar o comportamento do sinistrado. Onde e porque possa ser censurado. O que deveria ter feito e não fez ou, o que não fez e deveria ter feito.
Tão pouco, que haja contribuído para a produção do dano que sofreu.
Muito menos, como pretende a ré, com um grau de culpa tal, que faria excluir, na totalidade, a sua obrigação de indemnização.

II. 3. 3. 2. A natureza perigosa da actividade da ré.

Cremos bem que ao contrário do que alega a autora não estaremos perante uma actividade perigosa, pelos meios que utiliza, nos termos e para os efeitos do artigo 493.º/2 CCivil.
Com efeito, dispõe esta norma que, “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
No entanto, não existe uma definição legal para o que se deve entender por actividade perigosa.
Nesta norma estabelece-se uma inversão do ónus da prova. Uma presunção de culpa na produção dos danos causados por alguém no exercício de uma atividade perigosa.
Questão que poderia ter sido, quiçá, decisiva, não fora o caso de se ter entendido que não se verificava a ilicitude na conduta da ré, nem o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Para estes casos, a lei parte do princípio de que, dadas as circunstâncias do caso, o lesante deve ser responsabilizado, havendo presunção de culpa. Mas permite-lhe também que possa ilidir essa presunção, mostrando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
Isto é, em relação aos danos causados no exercício de uma actividade perigosa, o lesante só poderá exonerar-se da sua responsabilidade perante o lesado, se provar que empregou todos os meios para os prevenir, ou seja, que foi cuidadoso e diligente de acordo com as circunstâncias exigíveis no caso.
A perigosidade, a apreciar segundo as circunstâncias do caso concreto, há-de derivar da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados.
E, pressupõe que envolva uma maior probabilidade de causar danos do que a normalidade das outras actividades. Uma situação de perigo agravado.
No primeiro grupo, o Prof. Antunes Varela inclui o fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea e no segundo grupo, os tratamentos médicos com ondas curtas ou com raios x, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca.
Mas não pode considerar-se perigosa apenas porque é susceptível de causar lesões graves, uma vez que isso pode suceder, em maior ou menor grau, em qualquer actividade humana.
E, como sabemos - no que pode constituir uma referência nesta matéria - o STJ no Assento 1/80 considerou que a condução automóvel em geral não é considerada actividade perigosa para os efeitos desta norma, mas que já o seria quando os veículos são conduzidos em ralis ou na “fórmula 1”.
Com efeito, a condução de um tractor numa estrada acarretará menos perigosidade do que quando está a ser utilizado na actividade agrícola.
Uma actividade é considerada, ou não, perigosa conforme as circunstâncias em que é exercida. Pode ser num caso e não ser em outro.
Mas do que não podemos prescindir é da ideia de que a noção, o conceito de perigosidade, é uma perigosidade intrínseca da atividade exercida quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos em caso de acidente, muito embora a dimensão destes possa evidenciar o grau de perigosidade da atividade, ou risco dessa atividade.
Assim, se,
- uma actividade não pode ser considerada perigosa, para os efeitos em causa, pelo simples facto de, com frequência, poder causar danos graves,
- é ainda necessário que a perigosidade seja intrínseca à própria atividade, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios utilizados no seu exercício,
- então será manifesto que a actividade de limpeza do chão da superfície comercial, com recurso à metodologia do duplo mopa, não o será, seguramente.


II. 3. 3. 3. A sub-rogação.

Como vimos, invocando o artigo 22.º das condições da apólice do seguro de acidentes de trabalho, pretende a autora por haver indemnizado o sinistrado ter ficado sub-rogada nos respectivos direitos contra o terceiro responsável pelos prejuízos.
Isto porque o piso, no local, se encontrava molhado, escorregou e caiu ao solo sobre o lado esquerdo, tendo a aludida queda sido motivada pelo facto de o pavimento daquele corredor se encontrar molhado na sequência de uma limpeza que, momentos antes, havia sido efectuada, pela ré - ou no caso por quem a antecedeu, juridicamente – seja, que, momentos antes, uma trabalhadora da ré. havia procedido à limpeza do pavimento na zona do corredor de imagem/televisões, com água, sem, contudo, e para que o piso não permanecesse molhado, tivessem passado, na zona da limpeza, com a necessária mopa, para secagem do piso, que por se encontrar molhado, estava, por isso, escorregadio, o que levou a que o sinistrado tivesse escorregado e caído.
E, assim, pretende a autora a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de €28.339,73, acrescida de juros vincendos à taxa legal contados desde a citação até total e efectivo pagamento.
Estamos, então no âmbito de uma acção dita de regresso de uma seguradora, que haja satisfeito a lesado em acidente de trabalho a indemnização por si devida (mercê de um contrato de seguro de acidentes de trabalho antes celebrado obrigatoriamente, e que abrangia o dito lesado), proposta por ela contra o terceiro, alegadamente o responsável civil.
Acção consabidamente em que a causa de pedir se reveste como complexa, abrangendo a ocorrência de um acidente de trabalho, a existência do contrato de seguro de acidentes de trabalho, a satisfação da indemnização devida ao sinistrado e a imputação da responsabilidade pela ocorrência do sinistro ao demandado de regresso.
Esta matéria é a tradução prática do estabelecimento, por parte do legislador, de um especial regime sempre que o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação: um pelo risco, perante a entidade patronal; outro por facto ilícito culposo, perante terceiro.
Os casos, de longe, mais frequentes em que se desencadeia esta confluência de responsabilidades são os dos acidentes de viação de que são vítimas trabalhadores em serviço de entidades patronais, quando tais acidentes são culposamente provocados por "terceiros".
Acerca do regime próprio dessa concorrência de responsabilidades, há que distinguir entre o plano das relações externas - relações entre cada um dos responsáveis e o lesado - e o domínio das relações internas - relações entre os dois (ou mais) responsáveis pela reparação dos danos.
No quadro das relações externas, o lesado poderá exigir a reparação dos danos causados pelo acidente, quer da entidade patronal, quer do responsável civil.
se a indemnização paga por este extingue a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não é exacto, na medida em que a indemnização paga por esta não extingue a obrigação a cargo do responsável civil – isto sendo certo que as duas indemnizações não se podem somar uma à outra.
No plano das relações internas, há que distinguir. Assim:
- se é o responsável civil quem paga a indemnização devida, não lhe assiste nenhum direito em relação à entidade patronal, excepção feita aos casos da existência de culpa por parte desta na produção do dano;
- se a indemnização for paga, no todo ou em parte, pela entidade patronal, esta ficará sub-rogada, nos termos sobreditos, nos direitos do sinistrado.
O que bem evidencia que a lei não coloca os dois riscos no mesmo plano - o risco criado pelo responsável civil causador do sinistro funciona como uma causa mais próxima do dano do que o perigo inerente à laboração da entidade patronal.
Essa é que é a responsabilidade primeira e matricial, cfr. acórdão do STJ de 12.9.2006, consultado, no site da dgsi.
E, assim, previa o artigo 441.º CComercial que a seguradora que liquidasse um sinistro, havendo outro responsável, se sub-rogava, por mero efeito do pagamento, nos direitos do credor contra o terceiro responsável.
Entretanto, esta norma veio a ser revogada pelo Decreto Lei 72/2008, de 16.4, que estabeleceu o novo regime do contrato de seguro a partir da sua entrada em vigor, 1.1.2009) e foi substituída pelo artigo 136.º, em cujo nº 1 se estabelece que o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.
Actualmente, é a Lei 98/2009, de 4 de Setembro, que no artigo 17.º, para as situações em que o acidente de trabalho tenha sido causado por outro trabalhador ou por terceiro, no seu n.º/1 dispõe que “quando o acidente for causado por outro trabalhador Processo: 1515/21.ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais” e no n.º 4, prevê que "o empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente".
Como anteriormente acontecia no artigo 31.º/4 da Lei 100/97
1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros,
o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei
geral.
4 - A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
E, mais remotamente na Lei n.º 2127 de 3.8.1965, na base XXXVII, nos respectivos n.º 1, “quando o acidente for causado por companheiros da vitima ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais” e n.º 4, “a entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se à vitima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente (…)”.
De salientar, em termos de evolução legislativa que,
- actualmente fala-se em sub-rogação,
- anteriormente, em sub-rogação,
- na Lei 2127, em direito de regresso e,
- na Lei que a antecedeu, Lei 1942, se falava, igualmente, em sub- rogação, cfr. artigo 7.º.
Por seu lado, o artigo 294.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27.8 – que regula a mesma matéria – fala expressamente em sub-rogação e não em direito de regresso.
Mas o certo é que quer a doutrina quer a jurisprudência já vinham entendendo que, não obstante a referência a “direito de regresso”, o direito em referência tem a natureza de sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora de trabalho nos direitos do sinistrado, contra o causador do acidente ou da sua seguradora, na medida em que tiver pago a indemnização, cfr. Antunes Varela, RLJ Ano 103, pág. 30, e Vaz Serra RLJ Ano 111, pág. 67 e Ac. STJ de 4/10/04, Col Ac. STJ XII, 3º, 39, apud acórdão da RC de 5.11.2019, consultado no site da dgsi, assim sumariado,
“I - Não se justifica à luz dos princípios basilares da responsabilidade civil e do estatuído nos arts 483º e 562º CC, que um terceiro causador culposo de acidente de viação, por si, ou através da sua seguradora, não responda na íntegra pelos danos daí resultantes.
II - O reembolso da seguradora laboral relativamente à totalidade do que pagou por virtude do acidente de viação que seja em simultâneo acidente de trabalho, é obtido da seguradora do acidente de viação em parte por via da sub-rogação (na parcela em que o crédito do credor lesado se lhe transmite), e em parte por direito de regresso (na parcela em que está obrigada, por razões sociais, a contribuir para o Fundo de Acidentes de Trabalho)”.
Embora a sub-rogação e o direito de regresso constituam realidades jurídicas distintas, o chamado “'direito de regresso” contemplado na Lei 2127, de 3.8.65 e agora na Lei 100/97, de 13-9, se entendia, cfr. acórdão do STJ de 3.5.2001, que tal mais não representa, no fundo, que uma verdadeira subrogação legal.
A sub-rogação e direito de regresso são realidades que não se sobrepõem. Assinala o Prof. Antunes Varela in Direito das Obrigações, 7ª ed, II, 346, que “embora haja uma certa afinidade substancial nas suas raízes, a sub-rogação e o direito de regresso constituem, no sistema legal português, realidades jurídicas distintas, em determinado aspecto, mesmo opostas”.
A sub-rogação está prevista nos artigos 589.º e ss. CCivil e consiste na situação que se verifica quando cumprida uma obrigação por terceiro o crédito respectivo não se extingue, antes se transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários para o cumprimento.
Os seus efeitos estão previstos no artigo 593.º CCivil, onde se determina que a sub-rogação constitui uma modalidade de transmissão do crédito - pelo que o terceiro adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto que limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo. O direito de regresso é um direito nascido ex-novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta.
Ambas as categorias, sub-rogação e direito de regresso, em todo o caso, como “direito por dano próprio”, são admitidas como qualificações possíveis do meio jurídico através do qual se efectiva o reembolso, nas palavras do AUJ do STJ 5/97, que decidiu que “o Estado tem o direito de ser reembolsado , por via de sub-rogação legal , do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado de prestação de contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro”.
Em cuja fundamentação sem entende que, “o direito de regresso e a sub- rogação, artigos 524.º, 589.º e ss. CCivil, diferenciando-se na sua estrutura e disciplina, têm idêntica função recuperatória, restabelecendo o equilíbrio de interesses nas relações internas, relacionando-se em concurso alternativo e, quando a solidariedade passiva (imperfeita) é estabelecida com escopo de garantia, o direito de regresso existe entre o co-obrigado garante e o devedor principal, mas não inversamente”.
Muito embora, tenha sido invocado o exercício de direito de regresso tem sido entendido que se está perante uma verdadeira sub-rogação legal, já que a entidade que satisfaz a indemnização é colocada na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido, cfr. Antunes Varela in Direito das Obrigações, II, 224, e, na jurisprudência, por ser recente, acórdão do STJ de 23.1.2020, consultado no site da dgsi.
Ou o acórdão do STJ de 3.7.2018, igualmente consultado no site da dgsi, em cujo sumário se pode ler: “o direito de sub-rogação mais não é que um direito de reembolso das quantias pagas, com uma natureza diferente da do direito do lesado e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito”, apud acórdão do STJ de 26.11.2020, consultado, também, no site da dgsi.
E, assim, revertendo ao caso concreto, tendo a autora satisfeito a sua obrigação de indemnização do sinistrado, por via do contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a sua entidade patronal, forçoso é concluir que ao fazê-lo cumpriu obrigação alheia e, por efeito desse cumprimento, ficou sub-rogada no correspondente direito.
Este direito de acção da seguradora do empregador contra o terceiro causador do acidente, envolve tudo o que aquela haja pago pelo acidente.
Consequentemente, a ré está obrigada a pagar-lhe a quantia que pagou por via do sinistro, que ascende a €27.510,59, acrescida de juros vincendos à taxa legal contados desde a citação até total e efectivo pagamento.

III. Sumário
………………………………
………………………………
………………………………

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar, parcialmente, procedente a apelação e condenar a ré a pagar à autora a quantia de €27.510,59, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Custas, no recurso e na acção, a cargo de autora e ré, na proporção do decaimento, nos termos do artigo 527.º CPCivil.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.


Porto 29/6/2023
Ernesto Nascimento
Isoleta de Almeida Costa
Carlos Portela