Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDO VILARES FERREIRA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE CREDORES PROIBIÇÃO DO ARBÍTRIO LEI GERAL TRIBUTÁRIA PER | ||
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Nº do Documento: | RP202309123295/22.5T8STS.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – À semelhança do que sucede com o princípio constitucional da igualdade, o princípio da igualdade de credores ou par conditio creditorum, desde logo consagrado no regime da insolvência, em particular no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE, não pode deixar de reclamar uma interpretação material, de modo a que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente, com acentuação da ideia de “proibição do arbítrio” enquanto limite concretizador. II – Dentre as razões suscetíveis de justificar um tratamento diferenciado entre credores estão a categoria/classe dos créditos, a sua fonte, assim como o regime legal dos mesmos, sobressaindo neste último domínio as particularidades dos créditos da administração tributária e da segurança social. III – Atualmente os preceitos da Lei Geral Tributária são perentórios ao estabelecer que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem conceder perdões ou moratórias ao pagamento dos credores tributários, regime que não sendo respeitado em sede de PER implicará a ineficácia do plano em relação àqueles credores. IV – A prova da situação prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE incumbe ao reclamante, pressupondo um complexo exercício intelectual de prognose, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO N.º 3295/22.5T8STS.P1 [Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5] Relator: Fernando Vilares Ferreira 1.º Adjunto: João Proença 2.º Adjunto: Ramos Lopes SUMÁRIO: ……………………… ……………………… ……………………… EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO 1. A... SAD intentou a presente ação com processo especial de revitalização, ao abrigo do preceituado nos arts. 17.º-A e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[1], com o alegado propósito de, em face das dificuldades financeiras agudizadas como consequência dos efeitos reputacionais associados à incerteza quanto à decisão final do processo “...”, bem como da redução de receita derivada do período Covid-19 e período subsequente, que causou um agravamento da dívida fiscal, estabelecer negociações com os seus credores com a perspetiva da sua recuperação económica e financeira, através da apresentação e negociação com os seus credores da introdução de algumas modificações ao Plano de Revitalização anteriormente homologado, adequando-o à sua situação/condição atual e perspetivas futuras. 2. Em 07.12.2022 (referência 442944270) foi proferido despacho liminar de aceitação do PER. 3. Nomeada administradora judicial provisória (AJP), nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, a), veio a mesma juntar aos autos lista provisória de créditos, convertida em definitiva, por despacho proferido em 09.02.2023 (referência 445086392). 4. Em 04.03.2023 (referência 44904517), a Devedora apresentou a última versão do plano de recuperação, o qual foi publicado no Portal Citius no dia 06.03.2023, com a adenda e retificação constante do requerimento de 07.03.2023 (referência 44932708). 5. Realizada a votação do dito plano, a Sra. AJP, em 21.03.2023 (referência 45081297) apresentou nos autos documento com o respetivo resultado, nos seguintes termos: 6. Foram apresentados diversos requerimentos por Credores - Referências 44932981, 44934737, 44938123, 44939814, 44940959, 44942558, 44943063, 44947116, 44951458, 44951558, 44957459, 44961581, 44963399 (violação do princípio da igualdade dos credores), 44968024, 44969363, 44968085 (violação do princípio da igualdade dos credores), 44975946 (violação do princípio da igualdade dos credores), 44978211, 44980613 (voto favorável), 44981155, 44987900 (violação dos limites da razoabilidade e boa fé), 45016393 e email da AT de 17.03.2022 –, os quais foram dados a conhecer à Sra. AJP. 7. A sociedade requerente SAD veio propor (referência 45018545) que fosse assumida obrigação adicional ao plano pela atribuição de poder de fiscalização à Sra. AJP nos primeiros doze meses de execução do plano, nos termos do artigo 220.º, ex vi artigo 17.º - A, n.º 3, proposta que foi aceite pela Sra. AJP (referência 45081499). 8. A Sra. AJP foi notificada para dar cumprimento do disposto no n.º 6 do art.º 17.º-F, enviando aos autos o seu parecer fundamentado sobre se o plano apresentava perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, impondo-se-lhe que considerasse, numa análise crítica, além do mais: i) as razões salientadas no despacho inicial de recebimento do processo, mormente o Balanço mencionado na declaração do ROC e a avaliação efetuada pela Sociedade B..., Lda. ii) a pronúncia sobre os requerimentos dos credores referências 44963399 (violação do principio da igualdade dos credores), 44968085 (violação do principio da igualdade dos credores), 44975946 (violação do principio da igualdade dos credores) e 44987900 (violação dos limites da razoabilidade e boa fé). iii) análise económica da sociedade requerente SAD (análise técnica do parecer), baseada em três pilares: rendimentos, gasto e cash-flow. iv) se os pressupostos do plano de revitalização apresentado pela sociedade devedora são verificáveis. 9. Em 28.03.2023 (referência 45155174), a Sra. AJP veio apresentar parecer favorável fundamentado, nos seguintes termos: [I – IDENTIFICAÇÃO DA DEVEDORA A...– SAD, pessoa coletiva n.º ..., com sede no ..., Lugar ..., ... Matosinhos, com um objeto social destinado à participação, na modalidade de futebol, em competições desportivas de carácter profissional, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionada com a prática desportiva profissionalizada da referida modalidade, CAE Principal .... Capital social: o € 3.000.000,00 (três milhões de euros). Conselho de Administração: o AA (Presidente e Administrador Executivo); o BB (Administrador não Executivo); o CC (Administrador Executivo). II - SITUAÇÃO ACTUAL A devedora A...- SAD recorreu ao Processo Especial de Revitalização com o alegado propósito de, em face das dificuldades financeiras agudizas como consequência dos efeitos reputacionais associados à incerteza quanto à decisão final do processo “...”, bem como da redução de receita derivada do período Covid-19 e período subsequente, que causou um agravamento da dívida fiscal, estabelecer negociações com os seus credores com a perspetiva da sua recuperação económica e financeira, através da apresentação e negociação com os seus credores da introdução de algumas modificações ao Plano de Revitalização anteriormente homologado, adequando-o à sua situação/condição atual e perspetivas futuras. Assim, no decurso deste novo PER, foi considerado iniciado o período de negociações previsto no n.º 7 do art.º 17.º-D do CIRE, sendo que, após ter encetado negociações com os seus credores, a devedora juntou aos autos o Plano de Revitalização, que sujeito a votação dos credores foi aprovado nos termos das als. b) e c) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE, concretamente: Percentagem de Credores Votantes – 78,06 %; Percentagem de Votos a favor sobre os Votantes – 87,62 %; Percentagem de Votos a favor sobre os Créditos Relacionados – 68,40 %. Ora, a devedora juntou aos autos o Plano de Revitalização, que apresenta um plano de pagamentos que pressupõe, por um lado, um perdão de créditos, e, por outro lado, a dilação do prazo dos pagamentos, sendo que tal plano apresenta alterações ao plano anteriormente aprovado e homologado, concretamente, a redução dos períodos de carência e prazos de pagamento. Nesse plano, a devedora expressou as suas expetativas de receitas, provenientes dos direitos de transmissão, publicidade, de bilheteira, bem como da venda de passes de jogadores, o que considera ser uma das suas principais fontes de receita e de valorização dos seus ativos na perspetiva da sua recuperação, visto que, de outro modo, o seu valor poderia ser extinto ou diminuto. E alcançou que, em face dos seus custos correntes, consegue libertar disponibilidades que, conjugadas com o alongamento do prazo de pagamento dos créditos abrangidos pelo plano, com o perdão de parte dos créditos e com o período de carência, devem permitir dispor de cash-flow para cumprir com o plano de pagamentos apresentado aos credores, o que se encontra expresso nas demonstrações de resultados previsionais que fazem parte do plano de Plano de Revitalização, que de acordo com a devedora tem como pressupostos a evolução histórica e as suas expetativas acerca das suas receitas e dos seus custos. Em face da especificidade da atividade da devedora, afigura-se que a perspetiva da sua recuperação, com o consequente cumprimento do plano aprovado, seja a via mais vantajosa para a generalidade dos credores, uma vez que, numa situação de insolvência, parte expressiva dos ativos da devedora poderiam apresentar um valor nulo ou diminuto, mas que, numa perspetiva de prosseguimento da sua atividade, podem ter uma valorização expressiva, como o passe de jogadores, que em competição podem ver o seu valor subir, com as consequentes mais-valias, o que está expresso na avaliação do plantel da sociedade intermediária B... e tem sido relatado pela administração da devedora sobre o interesse no passe se alguns dos seus jogadores. Ora, o processo especial de revitalização “destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização”. Como se fez constar supra, concretamente, no resultado da votação dos credores, a representatividade da votação ao plano de recuperação da devedora foi expressiva, sendo também expressiva a representatividade dos votos a favor, o que se entende como um índice atendível de confiança demonstrado pelos credores na viabilidade e recuperação da devedora, sendo que, a AJP entende, e salvo melhor opinião em contrário, que contrariamente ao alegado por alguns credores, o plano de pagamentos da devedora não viola o princípio da igualdade de credores, estando enquadrado com essa norma. Com efeito, apesar de este PER ser o terceiro processo dessa natureza apresentado pela devedora A...– SAD, e da AJP não considerar “adequado” o sucessivo recurso ao PER, a devedora tem apresentado justificações consideradas plausíveis a apresentação de novo PER, e a AJP considera que a intenção de voto dos credores se tem apresentado expressivamente no sentido da aprovação dos planos de recuperação da devedora, o que se poderá interpretar como demonstrativo da devedora ainda apresentar capacidade negocial junto dos seus credores, e que a generalidade dos seus credores podem considerar que a devedora é suscetível de recuperação e/ou que será esse o cenário mais benéfico para a generalidade dos seus credores. Como tal, em face do exposto acerca da confiança dos credores da devedora, que expressaram a sua vontade na recuperação da devedora, bem como dos pressupostos do plano de revitalização da devedora e das perspetivas de revitalização expressas no mesmo, a AJP endente ser de se considerar como plausível que a devedora apresente perspetivas razoáveis de evitar a sua insolvência. III - CONCLUSÃO Em face ao exposto, será de se presumir que o plano de revitalização da devedora A...– SAD apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolência da empresa e de, em consequência, garantir a viabilidade da mesma.] 10. Em 05.04.2023 (referência 447233843) foi prolatada sentença, com fundamentação e dispositivo, cuja transcrição segue nos seus passos mais essenciais: [(…) Previamente importa fazer uma breve referência aos fundamentos e princípios que se encontram na génese do processo de revitalização, atendendo às alterações decorrentes da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro. A 1ª referência ao mesmo surge no ponto 2.18 do “Memorando de Entendimento” celebrado entre o Estado português, a CE, o BCE e o FMI, que impunha a definição de “princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com boas práticas internacionais”. No seguimento deste memorando o Governo veio a aprovar a Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de outubro, que definiu os seguintes “Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”: “Primeiro princípio - o procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos e (e não a um direito) e apenas deve ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este manter-se em actividade após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores; Segundo princípio - durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos; Terceiro princípio - deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes; Quarto princípio - os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros; Quinto princípio - durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes; Sexto princípio - durante o período de suspensão, o devedor compromete-se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores, ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão; Sétimo princípio - o devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio; Oitavo princípio - toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível; Nono princípio - As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor; Décimo princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros; Décimo primeiro princípio - Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido.” Seguidamente foi apresentada a proposta de lei nº 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros, onde se refere que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”, e de onde resulta uma clara prevalência da manutenção do devedor no giro comercial sobre a liquidação do seu património, desde que se mostre viável a sua recuperação. O Processo Especial de Revitalização destina-se a permitir ao devedor que, encontrando-se em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas suscetível de recuperação, estabeleça negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, podendo, a final, o plano de recuperação ser aprovado ou não aprovado, seguindo o processo os termos do disposto nos artigos 17º-C a 17º-G. Como resulta da análise dos artigos 17º-C a 17º-G, a intervenção do juiz neste processo é muito restrita, porquanto o interesse público radica na primazia da vontade dos credores, ficando a intervenção judicial limitada ao controlo dos princípios orientadores do mesmo, da defesa dos interesses envolvidos e da observância de normas que se considerem imperativas, nomeadamente as respeitantes às publicidades e quóruns exigidos. Com as alterações decorrentes da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, a homologação do plano de recuperação ou a sua recusa importa a aferição judicial dos seguintes aspetos (vd. art.º 17º-F/7 do CIRE): i. No caso de classificação dos credores em categorias distintas, se os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; ii. Se as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior; iii. Nenhuma categoria de credores, no âmbito do plano de recuperação, recebe nem conserva mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos; iv. Qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores; v. Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma. Foi consignado que, por se tratar de micro, pequena e média empresa, a sociedade requerente optou por não apresentar a proposta de classificação dos credores a que alude o art.º 17.º-C, n.º 3, alínea d) do CIRE. Assim, não obstante a verificação da maioria favorável à aprovação do plano de recuperação, conforme é o caso, pois verificam-se preenchidas as alíneas a) e b) do n.º 5 do art.º 17.º- F do CIRE, não está o juiz desprovido de um poder/dever de fiscalização sobre a forma de aquisição processual de uma tal maioria, bem como sobre o respetivo conteúdo, nos termos do citado nº 5 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, face à remissão aí efetuada para as normas do Título IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em especial as constantes dos artigos 194º, 215º e 216º. O resultado da votação foi o seguinte: (…)[2] O plano de recuperação foi assim aprovado por credores não subordinados representando mais de metade dos votos emitidos. Pelo exposto, entendo que na análise da recusa da homologação do plano de recuperação, em razão de violação de normas procedimentais, tem de se atender ao intuito de revitalização do tecido empresarial existente na criação do PER. Dos requerimentos dos credores Referências 44932981, 44934737, 44938123, 44939814, 44940959, 44942558, 44943063, 44947116, 44951458, 44951558, 44957459, 44961581, 44963399 (violação do principio da igualdade dos credores), 44968024, 44969363, 44968085 (violação do principio da igualdade dos credores), 44975946 (violação do principio da igualdade dos credores), 44978211, 44980613 (voto favorável), 44981155, 44987900 (violação dos limites da razoabilidade e boa fé), 45016393 e email da AT de 17.03.2022: O Tribunal terá sempre de se pronunciar oficiosamente sobre a homologação ou não do plano (haja ou não requerimentos tempestivos de recusa de homologação do plano), atento o disposto no art. 215.º CIRE. Considerando a tramitação que os presentes autos tiveram, não resulta no nosso entender qualquer violação de normas procedimentais. Da violação do princípio da igualdade de credores: Dispõe o art.º 194.º do CIRE: Artigo 194.º Princípio da igualdade 1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto. O legislador exige expressamente que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: (i) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela em que estaria investido na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; e que (ii) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. No primeiro dos casos, ou seja, nos casos em que se verifica um prejuízo próprio (alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE), “incumbe ao credor oponente a prova, em termos plausíveis, de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano”. De facto, a violação do princípio pode materializar-se de várias formas, nomeadamente, através: a) Do perdão total ou da redução de parte considerável de determinados créditos em relação a outros que estejam em igualdade de circunstâncias (artigo 196.º do CIRE). Com bem se resume no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27.06.2017, proferido no âmbito do processo n.º 8389/16.3T8CBR.C1, Relator Isaías Pádua 118 , concluir no sentido da existência de uma “violação, ou não, do princípio da igualdade, mais do que decorrente de uma apreciação apriorística e meramente contabilística, deve emergir de uma ponderação global e concatenada, de sorte a alcançar-se se a vinculação do credor pelos termos do plano se apresenta, atentos certos elementos objetivos - montante, natureza, origem, finalidade, etc., do crédito -, como justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspetiva, e ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável”. Veja-se, ainda, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2014, no Processo n.º 1783/12.0TYLSB-B.L1.S1, Relator Fernando do Vale, no qual se referiu que “não consubstancia violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 194.º do CIRE, o tratamento diferenciado de credor que, longe de ser arbitrário, decorre de circunstâncias objetivas e atendíveis e que, para além de constarem, transparentemente, no plano (…), não só aconselham, como, mesmo, o impõem em ordem à manutenção e revitalização da devedora.” – Para maior desenvolvimento, ver “O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES NO ÂMBITO DO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO UMA ANÁLISE CRÍTICA ÀS SUAS CONCRETIZAÇÕES E DESVIOS NA JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA” de Daniela Sofia Raimundo Martins, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/39349/1/ulfd139108_tese.pdf. Tudo ponderado, não se revelando a homologação do PER claramente excessiva, desproporcionada ou desrazoável para nenhum credor, permitindo a revitalização da empresa, entendo que se pode concluir que a situação em que estes credores comuns se veriam colocados face a um processo de insolvência seria manifestamente pior do que aquela que verão caso o plano especial de revitalização seja admitido. Nesta sede, acompanham-se o parecer favorável fundamentado da Sra. AJP de 23.12.2022 (referência 44237245) e o requerimento da sociedade devedora de 23.12.2022 (referência 44237180). Em concreto, alegam os identificados credores, que: - o plano apresentado viola o principio da igualdade dos credores; - o plano apresentado constitui violação não negligenciável de regras procedimentais e de boa-fé. Os fundamentos que legitimam a formulação de pedido de não homologação de um plano especial de especial de revitalização – previamente aprovado pela maioria dos credores – estão previstos e tipificados nos artigos 215.º e 216.º do CIRE. Dispõe o artigo 215.º do CIRE que “(…) O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação (…)”. E acrescenta o artigo 216.º do CIRE que “(…) O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar (…)”. Em concreto, analisados os pedidos de não homologação apresentados, não se vislumbra qualquer fundamento válido e com cabimento legal que sustente as pretensões formuladas. Alega a sociedade requerente SAD, quer na petição inicial, quer no plano apresentado, que o recurso ao PER visa adaptar o anterior plano às atuais circunstâncias vivenciadas pela Requerente. Essencialmente resultantes da pendência do processo ..., e ainda decorrentes das alterações regulamentares da Liga, as quais são circunstâncias que não dependem da Requerente, mas têm implicações dramáticas na sua atividade. Alega a sociedade SAD requerente que se atentarmos ao conteúdo do Plano anterior – aprovado e homologado – verificamos que o Plano aqui apresentado prevê, não só uma redução dos períodos de carência, como ainda prevê uma redução dos prazos de pagamento. Vêm os credores invocar o “prazo excessivo” de pagamento dos créditos laborais, concluindo que tal facto, se consubstancia na violação do princípio da igualdade de credores. Dentro de cada categoria dos credores – in casu, créditos laborais e créditos comuns – não se verifica qualquer distinção, Sendo que, tanto o valor do crédito (em percentagem) como a respetiva forma de pagamento, aplica-se a todos os credores que estejam incluídos em cada uma das categorias supra mencionados. O artigo 194º, n.º 1, do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva exceções assentes em “diferenciações justificadas por razões objetivas”. Nessa medida, o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente. Concorda-se com o acórdão citado pela sociedade requerente SAD nesta matéria, a propósito da desigualdade entre os créditos laborais e os créditos estaduais que “(…) Pese embora os créditos laborais e da Fazenda Nacional e da Segurança Social gozarem de privilégios nos termos da lei, garantias reais, sendo que os créditos laborais têm natureza privada individual visando a remuneração do trabalho; já os créditos por impostos e as contribuições para a Segurança Social, visando assegurar interesses do Estado, quer pela cobrança de impostos, quer pela implementação de um sistema previdencial, assim os tributos e as contribuições realizam públicos, que se situam num patamar diferente, supra individual, sem menosprezo pela dignidade do preço do trabalho. Esta constatação é indissociável do facto de estar nas mãos dos credores públicos e privados da insolvente o destino da empresa particular enquanto estrutura organizada de meios de produção, cujo funcionamento transcende interesses meramente privados de obtenção de lucro, seja para a empresa e para os seus sócios ou accionistas, já que o seu regular funcionamento cria e mantém postos de trabalho, gerando riqueza; isso implica que, nas concretas circunstâncias do caso, se atenue o princípio da igualdade, de outro modo, para satisfazer plena e imediatamente o interesse do recorrido, muito provavelmente, se impulsionaria a recorrente para o estado da insolvência com a muito provável liquidação, sendo que, no caso em apreço, aqueles entes públicos também abdicaram da intangibilidade dos seus créditos visando a recuperação da empresa (…)” (in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2014 disponível em www.dgsi.com). Tal como alega a sociedade SAD requerente, e ainda que tal não tenha sido alegado pelos credores (que se limitaram a declarar a violação de tal principio) certo é que, a diferenciação justifica-se, desde logo, pela distinta origem dos créditos da Segurança Social e da Autoridade Tributária, e do interesse público e constitucional a eles subjacente, além dos pressupostos imperativos e inderrogáveis que têm que ser cumpridos para a aceitação. Assim, são razões objetivas que radicam também no próprio regime legal de pagamento de dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária que impõem taxativamente os requisitos de admissibilidade do pagamento em prestações (vide artigo 190.º do CRCSPSS e 196.º do CPPT). Quanto à alegada violação dos limites da razoabilidade e boa-fé, resulta, de forma clara e transparente, do plano apresentado quais são as reais receitas do Requerente e em que medida serão estas afetas ao pagamento dos credores. O que constituiria, certamente, uma violação dos limites da razoabilidade e boa-fé seria o Requerente propor o pagamento da integralidade dos créditos, sendo previsível que as suas receitas não permitiriam alcançar tal desidrato. Importará recordar que, o plano de revitalização da Requerente contou com a aprovação de 87,62% dos créditos votantes e cerca de 68,40% do total dos créditos relacionados. (…) Acresce que, tal como resulta do parecer da Sra. AJP (sublinhando a bold as indicações mais relevantes para o Tribunal): “A devedora A...- SAD recorreu ao Processo Especial de Revitalização com o alegado propósito de, em face das dificuldades financeiras agudizas como consequência dos efeitos reputacionais associados à incerteza quanto à decisão final do processo “...”, bem como da redução de receita derivada do período Covid-19 e período subsequente, que causou um agravamento da dívida fiscal, estabelecer negociações com os seus credores com a perspetiva da sua recuperação económica e financeira, através da apresentação e negociação com os seus credores da introdução de algumas modificações ao Plano de Revitalização anteriormente homologado, adequando-o à sua situação/condição atual e perspetivas futuras. Assim, no decurso deste novo PER, foi considerado iniciado o período de negociações previsto no n.º 7 do art.º 17.º-D do CIRE, sendo que, após ter encetado negociações com os seus credores, a devedora juntou aos autos o Plano de Revitalização, que sujeito a votação dos credores foi aprovado nos termos das als. b) e c) do n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE, concretamente: Percentagem de Credores Votantes – 78,06 %; Percentagem de Votos a favor sobre os Votantes – 87,62 %; Percentagem de Votos a favor sobre os Créditos Relacionados – 68,40 %. Ora, a devedora juntou aos autos o Plano de Revitalização, que apresenta um plano de pagamentos que pressupõe, por um lado, um perdão de créditos, e, por outro lado, a dilação do prazo dos pagamentos, sendo que tal plano apresenta alterações ao plano anteriormente aprovado e homologado, concretamente, a redução dos períodos de carência e prazos de pagamento. Nesse plano, a devedora expressou as suas expetativas de receitas, provenientes dos direitos de transmissão, publicidade, de bilheteira, bem como da venda de passes de jogadores, o que considera ser uma das suas principais fontes de receita e de valorização dos seus ativos na perspetiva da sua recuperação, visto que, de outro modo, o seu valor poderia ser extinto ou diminuto. E alcançou que, em face dos seus custos correntes, consegue libertar disponibilidades que, conjugadas com o alongamento do prazo de pagamento dos créditos abrangidos pelo plano, com o perdão de parte dos créditos e com o período de carência, devem permitir dispor de cash-flow para cumprir com o plano de pagamentos apresentado aos credores, o que se encontra expresso nas demonstrações de resultados previsionais que fazem parte do plano de Plano de Revitalização, que de acordo com a devedora tem como pressupostos a evolução histórica e as suas expetativas acerca das suas receitas e dos seus custos. Em face da especificidade da atividade da devedora, afigura-se que a perspetiva da sua recuperação, com o consequente cumprimento do plano aprovado, seja a via mais vantajosa para a generalidade dos credores, uma vez que, numa situação de insolvência, parte expressiva dos ativos da devedora poderiam apresentar um valor nulo ou diminuto, mas que, numa perspetiva de prosseguimento da sua atividade, podem ter uma valorização expressiva, como o passe de jogadores, que em competição podem ver o seu valor subir, com as consequentes mais-valias, o que está expresso na avaliação do plantel da sociedade intermediária B... e tem sido relatado pela administração da devedora sobre o interesse no passe se alguns dos seus jogadores. Ora, o processo especial de revitalização “destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização”. Como se fez constar supra, concretamente, no resultado da votação dos credores, a representatividade da votação ao plano de recuperação da devedora foi expressiva, sendo também expressiva a representatividade dos votos a favor, o que se entende como um índice atendível de confiança demonstrado pelos credores na viabilidade e recuperação da devedora, sendo que, a AJP entende, e salvo melhor opinião em contrário, que contrariamente ao alegado por alguns credores, o plano de pagamentos da devedora não viola o princípio da igualdade de credores, estando enquadrado com essa norma. Com efeito, apesar de este PER ser o terceiro processo dessa natureza apresentado pela devedora A...– SAD, e da AJP não considerar “adequado” o sucessivo recurso ao PER, a devedora tem apresentado justificações consideradas plausíveis a apresentação de novo PER, e a AJP considera que a intenção de voto dos credores se tem apresentado expressivamente no sentido da aprovação dos planos de recuperação da devedora, o que se poderá interpretar como demonstrativo da devedora ainda apresentar capacidade negocial junto dos seus credores, e que a generalidade dos seus credores podem considerar que a devedora é suscetível de recuperação e/ou que será esse o cenário mais benéfico para a generalidade dos seus credores. Como tal, em face do exposto acerca da confiança dos credores da devedora, que expressaram a sua vontade na recuperação da devedora, bem como dos pressupostos do plano de revitalização da devedora e das perspetivas de revitalização expressas no mesmo, a AJP endente ser de se considerar como plausível que a devedora apresente perspetivas razoáveis de evitar a sua insolvência. III - CONCLUSÃO Em face ao exposto, será de se presumir que o plano de revitalização da devedora A...– SAD apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolência da empresa e de, em consequência, garantir a viabilidade da mesma”. Atento o exposto, só com a manutenção da sua atividade pode a devedora satisfazer os créditos reconhecidos porquanto, como é sabido, todo o valor do património ou receitas da Requerente (direitos financeiros sobre jogadores – vulgo “passes” – e contratos de TV e publicidade) dependem diretamente da participação nas provas profissionais. Acresce que resulta de tais documentos – emitidos por entidades com competência e reconhecimento para o efeito – que, não só a Requerente não se encontra em situação de insolvência atual (declaração do ROC). Pese embora nenhum credor tenha colocado em causa a avaliação do plantel da sociedade intermediária B..., a sociedade SAD requerente está convencida do potencial de proveitos da transação de direitos económicos e desportivos de atletas do seu plantel ou das suas classes de formação e que possam ainda não ter evidenciado o seu potencial. Sendo que quanto à avaliação apresentada pela entidade especializada, a história da sociedade SAD requerente vem demonstrando que, o resultado das transações dos direitos económicos e desportivos excede invariavelmente e em larga escala, as avaliações inicialmente efetuadas. Devem ainda ser considerados os seguintes acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 841/16.7T8ELV.E1, de 22.02.2018 “I – A apreciação do fundamento para a recusa de homologação do plano de recuperação previsto no artigo 216.º, n.º 1, al. a), aplicável por força do artigo 17.º-F, n.º 5, ambos do CIRE, importa se proceda a uma comparação entre a situação que, para o requerente, se prevê advenha da homologação do plano de recuperação e aquela que previsivelmente resultaria da ausência de plano; II - Relativamente aos credores, tal impõe se compare os termos e prazos de pagamento dos créditos nas duas situações em apreciação, isto é, em que medida e quando serão ressarcidos dos seus créditos em execução do plano de recuperação e na ausência de plano; III - Não permitindo os elementos apresentados comparar a futura situação do credor emergente do plano com a situação hipotética que lhe adviria na ausência de plano, não se encontra demonstrada a provável situação de desfavor resultante da execução do plano, assim não podendo considerar-se verificado o invocado fundamento para a recusa de homologação do plano de recuperação.” E ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 1760/19.0T8STR.E1, de 23.04.2020 “Para preenchimento da al. a) do nº 1 do artigo 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas é necessário invocar – e provar – factos que permitam demonstrar que, em termos plausíveis, a situação aprovada ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que existiria na ausência do mesmo.” E se é verdade que o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor terá de observar o princípio da igualdade dos credores, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 194.º do CIRE, ex vi do seu artigo 17.º-F, n.º 5, nada obsta ao tratamento desigual de um credor em relação a outro, ainda que titulares de créditos da mesma natureza, se tal se encontra justificado por razões objetivas – artigo 194.º n.º 1 do CIRE. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 8389/16.3T8CBR.C1, de 27.06.2017 “Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano (de recuperação/revitalização) e a que o mesmo deve obedecer, encontra-se o artº 194º, que consagra o princípio da igualdade (de tratamento) entre os credores e cuja violação – como norma imperativa que é – deve, como regra, ter-se como não negligenciável. VIII – Todavia, e tal como decorre do segundo segmento do nº 1 do citado artº 194º do CIRE, o princípio da igualdade nele plasmado não configura para os credores um direito absoluto, podendo, num regime de exceção, e em casos de situações objetivamente justificáveis, sofrer de afrouxamentos ou restrições, e permitir tratamentos diferenciáveis entre os credores. IX- Desse modo, a violação desse princípio terá que ser aferida na ponderação global de cada caso concreto, devendo a homologação do plano ser recusada sempre que a vinculação de algum credor a ele se revele claramente excessiva, desproporcionada ou desrazoável.” (sublinhado nosso) No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 2114/20.1T8STR.E1, de 14.07.2021 “I. Para efeitos de recusa de homologação de plano aprovado em sede de PER, indagar se ocorre violação não negligenciável implica que o juiz faça uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, tutelados pela norma violada, só devendo recusar a homologação quando ocorra uma violação de tal modo grave destes últimos que não possa exigir-se o seu sacrifício, fazendo prevalecer o primeiro. II. O plano de recuperação conducente à revitalização do devedor há-de observar o princípio da igualdade dos credores, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 194.º do CIRE, ex vi do seu artigo 17.º-F, n.º 5. III. A observância de tal princípio não obsta, no entanto, ao tratamento desfavorável de um credor em relação ao outro, ainda quando titulares de créditos da mesma natureza – afora as situações de consentimento, tácito ou expresso, do(s) credor(es) afectados – quando o desigual tratamento encontre o seu fundamento em justificadas razões objectivas, posto que o princípio da igualdade deverá ser aplicado na sua dimensão material, do que resulta deverem ser tratadas de modo igual situações idênticas e distintamente situações, também elas, distintas.” E ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 723/13.4TYLSB.L1-6, de 29.05.2014 “O princípio da igualdade de credores, aplicável ao processo especial de revitalização, por aplicação do disposto nos arts. 215.º e 216.º, ex vi art.º17.º-F, n.º5, do CIRE, configurando-se como uma regra não negligenciável aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, admite, todavia, algumas exceções, nomeadamente a desigualdade justificadas por razões objetivas. O princípio da igualdade dos credores não obsta ao estabelecimento no plano de recuperação de diferenças de tratamento relativamente a credores em desigualdade de circunstâncias, inclusive, dentro da mesma categoria de credores, nomeadamente para os credores que proporcionem os meios financeiros necessários para o desenvolvimento da atividade da devedora (art.º 17.º-H, n.º 1, do CIRE).” O CIRE tem como objetivo principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respetiva liquidação, ou seja, dá-se relevância à recuperação da empresa, em detrimento do anterior objetivo primordial, que era o de, em primeira linha, obter a satisfação dos direitos dos credores, por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora. Face a todo o exposto, é para o tribunal claro que o plano especial de revitalização também não ofende o princípio da igualdade, por tratamento intoleravelmente desproporcionado entre os credores ou que foram violados os limites da razoabilidade e boa-fé. Analisado o plano de revitalização apresentado pela sociedade devedora em 04.03.2023 (referência 44904517), o qual foi publicado no Portal citius no dia 06.03.2023 e com a adenda e retificação constante do requerimento de 07.03.2023 (referência 44932708), – vd. doc. 1 – adenda e vd. doc. 2 – versão consolidada, em concreto o doc. 2, resultam de forma clara os pressupostos do plano (Mapa de Receitas, Mapa dos Fornecimentos e Serviços Externos, Mapa das Despesas com Pessoal e Mapa das Amortizações/ depreciações), a análise financeira previsional, sustentados na declaração do ROC (anexo I) e o quadro de restruturação da divida (anexo II). (…) Analisado o plano de revitalização apresentado pela sociedade devedora em 04.03.2023 (referência 44904517), o qual foi publicado no Portal citius no dia 06.03.2023 e com a adenda e retificação constante do requerimento de 07.03.2023 (referência 44932708), em concreto o doc. 2, resultam de forma clara os pressupostos do plano (Mapa de Receitas, Mapa dos Fornecimentos e Serviços Externos, Mapa das Despesas com Pessoal e Mapa das Amortizações/ depreciações), a análise financeira previsional, sustentados na declaração do ROC (anexo I) e o quadro de restruturação da divida (anexo II). Atento o exposto, a Sra. AJP apresentou premissas, que nenhum credor veio colocar em causa, não dispondo o Tribunal de elementos que possam infirmar as mesmas, ou que sustentassem o pedido de avaliação da sociedade SAD requerente, por não se mostrar verificada qualquer das alíneas (a e b) do n.º 8 do art.º 17.º-F do CIRE. O Tribunal tem pleno conhecimento que este PER é o terceiro processo dessa natureza apresentado pela devedora A...– SAD, e, tal como defende a Sra. AJP, não se mostra adequado ou razoável o sucessivo recurso ao PER. Contudo, tal como sustenta a Sra. AJP, a sociedade SAD requerente tem apresentado justificações consideradas plausíveis a apresentação de novo, a que acresce o facto de a intenção de voto dos credores se tem apresentado expressivamente no sentido da aprovação dos planos de recuperação da devedora, o que se poderá interpretar como demonstrativo da devedora ainda apresentar capacidade negocial junto dos seus credores, e que a generalidade dos seus credores podem considerar que a devedora é suscetível de recuperação e/ou que será esse o cenário mais benéfico para a generalidade dos seus credores. Note-se, contudo, que esta será, provavelmente, a última oportunidade da sociedade SAD requerente, de execução de um plano de revitalização. * Acresce que a sociedade requerente SAD veio propor que fosse assumida obrigação adicional ao plano pela atribuição de poder de fiscalização à Sra. AJP nos primeiros doze meses de execução do plano, nos termos do artigo 220.º do CIRE aplicável ex vi do artigo 17.º - A, n.º 3 do CIRE e que a Sra. AJP aceitou a proposta da sociedade requerente SAD de obrigação adicional ao plano pela atribuição de poder de fiscalização à Sr. AJP nos primeiros doze meses de execução do plano, o que se traduz numa mais valia no sucesso da implementação do plano de revitalização apresentado.* Uma última nota para referir que se a presente decisão pode ser colocada em causa pelo acórdão que vier a ser proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 819/16.0JFLSB.L1, tendo este Tribunal acompanhado o mesmo durante a sua pendência, atenta a natureza urgente dos presentes autos (vd. art.º 17.º-A, n.º 3 do CIRE), impõe-se desde já a prolação da decisão ao invés de aguardar pelo acórdão que vier a ser proferido.* Assim sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no art.º 17º-F/7 do CIRE, deverá o plano de revitalização ser homologado.* Pelo exposto:Homologo por sentença, nos termos do 17.º-F/4, 5, 6 e 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano especial de revitalização da devedora A... SAD., NIPC ..., com sede no ..., Lugar ..., ... Matosinhos, apresentado pela sociedade devedora em 04.03.2023 (referência 44904517), o qual foi publicado no Portal citius no dia 06.03.2023 e com a adenda e retificação constante do requerimento de 07.03.2023 (referência 44932708) – vd. doc. 1 – adenda e vd. doc. 2 – versão consolidada. * A Sra. AJP terá o poder de fiscalização do cumprimento da execução do plano especial de revitalização nos primeiros doze meses de execução do plano, nos termos do artigo 220.º do CIRE aplicável ex vi do artigo 17.º - A, n.º 3 do CIRE.* A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artigo 17º-F/11 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.* Custas pela apresentante com taxa de justiça reduzida a ½ - artigo 17º-F/12 e 302º/1, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.* Registe, notifique e publicite nos termos dos artigos 37º e 38º, ex vi nº 7 do artigo 17º-F, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.* (…)].11. Inconformado com a sentença, o credor T.A.D. – TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO interpôs recurso de apelação, que foi admitido com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES: A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que homologou o plano de revitalização da Devedora, na qual se entendeu que não se revelava a “homologação do PER claramente excessiva, desproporcionada ou desrazoável para nenhum credor, permitindo a revitalização da empresa, entendo que se pode concluir que a situação em que estes credores comuns se veriam colocados face a um processo de insolvência seria manifestamente pior do que aquela que verão caso o plano especial de revitalização seja admitido” e que o “plano especial de revitalização também não ofende o princípio da igualdade, por tratamento intoleravelmente desproporcionado entre os credores ou que foram violados os limites da razoabilidade e boa fé.”, B) Sucede que não se concorda com tal entendimento. Senão vejamos, C) O plano que foi homologado pela douta sentença da qual se recorre previa o pagamento dos créditos reclamados da seguinte forma: g) créditos privilegiados laborais o pagamento de 100% do valor do capital reconhecido, em 72 prestações mensais e constantes, com perdão de juros vencidos e vincendos; ii) créditos do Estado – Autoridade Tributária (comuns e privilegiados) pagamento de 100% dos créditos consolidados, em 150 prestações mensais iguais e sucessivas, com pagamento dos juros vincendos à taxa legal; iii) Créditos do Estado - Segurança Social, o pagamento de 100% dos créditos em 102 prestações mensais, iguais e sucessivas legalmente, com pagamento de juros vencidos e vincendos; iv) créditos garantidos, pagamento de valor de 100% do capital, em 102 prestações mensais e sucessivas, com perdão de juros vencidos e vincendos. D) Por outro lado, quanto aos credores comuns, o plano prevê o pagamento de apenas 10% do valor de capital em 102 prestações mensais e sucessivas, com perdão de juros vencidos e vincendos. E) Entende o Recorrente que não existem elementos que permitam concluir que a situação prevista no plano é igual ou melhor para o Recorrente do que aquela que resultaria na sua ausência, e que, nessa sequência, deveria ser recusada a homologação do plano nos termos do disposto no art. 216.º, n.º 1, al. a) do CIRE. F) E também que o plano vai além do que seria uma proporcional e normal desigualdade entre credores, justificada por razões objetivas, devendo ser recusada a homologação conforme previsto no art. 215.º do CIRE. G) Quanto à primeira questão, diga-se que, ao contrário da maior parte dos restantes credores, o Recorrente não estava vinculado pela decisão de homologação do PER anterior da Recorrida, e tinha acção executiva a correr termos. H) Na ausência de homologação, e considerando que, do que vem exposto no plano, a Recorrida não se encontra em situação de insolvência, o Recorrente, bem como outros credores que não estivessem impedidos de tal, poderia por via da acção executiva obter satisfação total ou parcial do seu crédito, pelo menos de valor superior a 10% do capital em dívida, e seguramente de modo mais célere do que aquele que resultaria do plano. I) Mesmo num cenário de insolvência da Recorrida, não se concebe que a situação fosse pior do que aquela que resulta do plano. J) Na verdade, constavam do plano balanços dos quais resultava que a Devedora tinha um activo na ordem dos 7 012 767,00 €, capital próprio de 628 682,62 € e passivo de 6 384 084,38 €. K) Pelo que, deveria ser recusada a homologação, a qual foi requerida pelo Recorrente, que havia mostrado anteriormente a sua oposição ao plano, e que votou também desfavoravelmente o plano. Ainda que assim não fosse, L) É manifesto que, embora o princípio da igualdade entre credores (consagrado no art. 194.º do CIRE) permita a distinção entre credores fundadas em razões objectivas, tal distinção deve ser fundamentada, justificada, proporcional e adequada. M) Ora, o plano homologado, salvo o devido respeito, viola o referido princípio, e por duas ordens de razões, a primeira por prever tratamento diverso de credores da mesma categoria, e a segunda por exceder os limites razoáveis e justificados do distinto tratamento dado a credores comuns e a credores privilegiados/ garantidos. N) Quanto à primeira situação, verifica-se que no plano se aplicam medidas radicalmente diversas ao crédito comum reclamado pela Autoridade Tributária e Aduaneira face às aplicáveis aos restantes credores comuns. O) De facto, quanto aos referidos créditos comuns da Autoridade Tributária e Aduaneira prevê-se (como estabelecido relativamente aos créditos privilegiados reconhecidos à mesma credora) pagamento de 100% dos créditos consolidados, em 150 prestações mensais iguais e sucessivas, com pagamento dos juros vincendos à taxa legal. P) Sendo que, no que concerne aos restantes credores comuns prevê-se o pagamento de apenas 10% do capital, com perdão de juros vencidos e vincendos. Q) Ora, não é “adiantada uma razão objetiva que justifique essa diferenciação”, acrescendo que, “mesmo em relação aos créditos privilegiados não se pode olvidar que no caso de vir a ser decretada a insolvência desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social (cfr. artº. 97º, nº. 1 al. a)).” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.06.2017, Processo: 8389/16.3T8CBR.C1, consultável em www.dgsi.pt. R) Acresce que, como se referiu, o plano estabelece condições de pagamento tão excessivas e onerosas para os credores comuns, e que praticamente correspondem a um puro perdão da dívida, que não se aplica de todo aos créditos privilegiados e garantidos (que vêem, no mínimo, assegurado o recebimento da totalidade do capital), que terá que se entender que existe também nessa medida uma violação do princípio da igualmente entre credores, não sendo proporcionais as diferenças impostas aos credores. S) Na realidade, tem-se entendido que os “valores subjacentes ao princípio da igualdade não podem deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade, mesmo na diferença admissível entre as soluções encontradas para créditos de natureza igualmente diversa” e que, no contexto de uma revitalização, um plano que preveja, por um lado, o pagamento de um crédito garantido na sua totalidade sem qualquer perdão, designadamente de juros, e, por outro, o pagamento de uma muito pequena parte do capital dos créditos comuns, com perdão integral de juros, não pode deixar de ser concebido como um plano de recuperação “obtido exclusivamente à custa dos credores comuns”, que “constitui a imposição de um ónus desproporcionado e irrazoável para com estes credores, que a existência do crédito privilegiado e o interesse na revitalização do devedor não justificam.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.02.2016, Proc. 2588/15.2T8GMR.G1 (consultável em www.dgsi.pt). T) No mesmo sentido de considerar que as medidas do plano devem ser submetidas “ao crivo do princípio da proporcionalidade”, e que um plano que preveja o perdão de 80% dos créditos comuns e simultaneamente prevê o pagamento integral de créditos garantidos, é um plano que viola o princípio da igualdade dos credores, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.09.2022, Proc. 4703/21.8T8LRA.C1 (consultável em www.dgsi.pt). U) Em conclusão, sendo verificada a violação do princípio da igualdade entre credores, deveria ser recusada a homologação do plano nos termos do disposto no art. 215.º do CIRE. 12. Contra-alegou a Requerente A... SAD, pugnando pela improcedência do recurso, formulando para tanto as seguintes conclusões: 1 – Foi o Recorrido notificado das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, o qual pugna pela revogação da sentença homologatória proferida. 2 – Invoca o Recorrente que (i) o plano apresentado viola o princípio da igualdade dos credores e ainda que (ii) o plano apresentado constitui violação não negligenciável de regras procedimentais e de boa-fé. 3 – Conforme bem sentenciou o Tribunal a quo, tais alegações não podem colher. 4 – Foram reconhecidos no âmbito do PER da Recorrida 178 credores, sendo que apenas um, que representa 0,88% do passivo reagiu à sentença homologatória, contrariando a vontade manifestada pela esmagadora maioria dos demais intervenientes. 5 – Os pressupostos de não homologação de um plano especial de revitalização – previamente aprovado pela maioria dos credores – estão previstos e tipificados nos artigos 215.º e 216.º do CIRE. 6 – Se atentarmos ao conteúdo do Plano anterior – aprovado e homologado – verificamos que o Plano aqui apresentado prevê, não só uma redução dos períodos de carência, como ainda prevê uma redução dos prazos de pagamento, não se alcança, pois, a viabilidade dos argumentos invocados pela Recorrente quanto a tal matéria. 7 – Alega a Recorrente que o plano prevê, por um lado uma redução excessiva do crédito que será pago, e por outro lado, um prazo excessivo de pagamento quanto aos créditos comuns relativamente aos créditos laborais. 8 – Concluindo que tais factos consubstanciam uma violação do princípio da igualdade de credores. 9 – Contudo, a única distinção prevista no Plano decorre da obrigação de cumprir os normativos legais que destacam os trabalhadores como credores privilegiados e autonomizam o Estado aplicando regras especiais à satisfação da sua dívida. 10 – Quanto aos créditos estaduais, o regime legal de pagamento de dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária impõe taxativamente a aplicação dos requisitos de admissibilidade do pagamento em prestações (vide artigo 190.º do CRCSPSS e 196.º do CPPT). 11 – Já os créditos laborais assumem o tratamento diferenciado que resulta do privilégio previsto no artigo 333.º do Código do Trabalho. 12 – Dentro de cada categoria de credores – créditos estaduais, créditos laborais e créditos comuns – não se verifica qualquer distinção. 13 – Só podem, pois, improceder as alegações quanto à ficcionada violação do princípio da igualdade. 14 – O artigo 194º, n.º 1, do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa e ressalva exceções assentes em “diferenciações justificadas por razões objetivas”. 15 – O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente, desde que fundamentadamente, como aqui se verifica (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2014 disponível em www.dgsi.com). 16 – Igualmente não colhe a alegada violação dos limites da razoabilidade e boa-fé, porquanto, conforme alegado e demonstrado pela Recorrida e reconhecido pelos credores e pelo Tribunal a quo, o recurso a este processo visa adaptar o anterior plano às atuais circunstâncias vivenciadas pela Recorrida. 17 – Essencialmente resultantes da pendência do processo ..., e ainda decorrentes das alterações regulamentares da Liga. 18 – Do conteúdo do Plano resulta, de forma clara, quais são as reais receitas da Recorrida e em que medida serão estas afetas ao pagamento dos credores, sendo que, apenas foram ajustados os prazos de pagamento por forma a garantir a exequibilidade do plano face às contingências supra descritas. 19 – No essencial, o plano aqui homologado em tudo se assemelha ao Plano anterior que até contou com uma maior participação de credores e foi objeto de homologação judicial – e superior confirmação. 20 – O que deve determinar, como se crê, a manutenção da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo. II. OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil). Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, a questão a decidir no presente recurso resume-se a saber se o plano de revitalização em causa não reúne condições para poder ser homologado, essencialmente por violar o princípio da igualdade dos credores. III. FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS Os factos relevantes para a decisão reconduzem-se aos trâmites processuais que deixámos sintetizados supra em I). 2. OS FACTOS E O DIREITO 2.1. A caraterização do processo especial de recuperação (PER), nos seus traços mais marcantes, encontra perfeita expressão na decisão recorrida, que deixámos transcrita supra, e para a qual remetemos. Responder à questão se a decisão recorrida, ao homologar o plano de revitalização da sociedade devedora, violou o princípio da igualdade dos credores, como defendido pela Apelante, é o que constitui o núcleo da nossa tarefa. Tratando-se de “um dos problemas que com maior acuidade se discute no âmbito do PER (…), [o] princípio da igualdade dos credores ou par conditio creditorum, encontra plena consagração no regime da insolvência, em particular, no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE, sob a epígrafe “Princípio da igualdade”[3], que assim dispõe: “ - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.” Sendo certo que o entendimento maioritário foi sempre o de considerar que tanto ao plano de recuperação como ao plano de insolvência se aplicava o princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações que se mostrassem justificadas por razões de natureza objetiva, o atual artigo 17.º-F, n.º 7, veio esclarecer todas as dúvidas em torno da questão, mandando aplicar ao plano de recuperação diversas normas constantes do regime do plano de insolvência, entre elas a norma que consagra, naquele âmbito, o princípio da igualdade dos credores, “em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º”[4]. Do princípio do par conditio creditorum, com consagração desde logo no art. 604.º do Código Civil, decorre que “no âmbito do direito civil, não havendo causas legítimas de preferência, os credores encontrar-se-ão em plano de igualdade e, em caso de insuficiência de bens, os credores são pagos em termos proporcionais; por outro lado, caso determinados créditos, por força da lei, gozem de privilégios creditórios, ou sejam objeto de garantias reais, os credores serão pagos preferencialmente em relação a outros”[5]. Como bem observa CATARINA SERRA[6], “[n]a sua génese, a par conditio creditorum corresponde a uma exigência de justiça distributiva – de distribuição do sacrifício, de comunhão do risco”, acarretando “uma limitação generalizada dos direitos “naturais” dos credores”. A partir da insolvência, os credores que antes partilhavam os riscos económicos da empresa ou dos actos patrimoniais do devedor, são chamados a assumir no plano jurídico as consequências dessa sua posição, reunindo-se como que numa consciência e numa preocupação comuns: uma vez verificada a condição que desencadeia o concurso de credores (cfr. art. 604.º, n.º 1, do CC), está definitivamente limitado o alcance da responsabilidade patrimonial do devedor (cfr. art. 601.º do CC)”. À semelhança do que sucede com o princípio constitucional da igualdade (cf. art. 13.º da CRPortuguesa), [o princípio da igualdade dos credores não reclama uma interpretação meramente formal na sua aplicação aos casos concretos. A este propósito, retenham-se as palavras de CATARINA SERRA, quanto à necessidade de destacar o pendor material deste princípio, concluindo que o princípio da igualdade de tratamento entre credores “não deve ser entendido num sentido formal, ou seja, obrigando a um tratamento indiscriminado de todos por igual, mas sim em sentido material, no sentido de assegurar um tratamento desigual das situações de facto desiguais.” Cuidando da aplicação deste princípio, ainda que no plano insolvencial, também o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2009, proferido no âmbito do processo 08A3563, Relator Fonseca Ramos, assinalou que não se procura nem se visa alcançar “um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente”. Numa palavra, procura-se “tratar de igual modo os credores iguais e distinguir os que são diferentes”. (…) Em sentido idêntico, ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO e RUI SIMÕES, referem que, “naturalmente – não era necessário que a lei o dissesse – que o que for objetivamente diferente, diferentemente deve ser tratado; [porquanto] esta é também uma decorrência do princípio da igualdade.” Ora, em termos genéricos, o princípio da igualdade dos credores encerra o direito de a cada credor ser conferido o mesmo tratamento que é conferido aos demais credores, mormente quando estejam nas mesmas circunstâncias. Tal significa que em certos casos é possível e justificado atribuir um tratamento mais favorável a determinado credor, verificado um particular circunstancialismo que materialmente justifique tal solução, designadamente, quando a natureza do crédito o justifique][7]. Tal entendimento encontra reiterada expressão jurisprudencial, desde logo nesta Relação do Porto, disso constituindo exemplo os acórdãos de 14.04.2015[8] e de 07.04.2016[9], acentuando-se sobretudo a ideia de “proibição do arbítrio” como limite inultrapassável na concretização do princípio da igualdade de credores de que vimos falando. Dúvidas parece não haver, pois, que o artigo 194.º do CIRE não obsta ou impede que seja dado um tratamento distinto a credores em função das categorias dos seus créditos, sendo certo que grande parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido que a simples diferenciação dos créditos é causa justificativa bastante de um tratamento distinto entre credores, quer no plano de insolvência, quer no plano de recuperação. Porém, como chama a atenção DANIELA MARTINS[10], [tem surgido uma linha jurisprudencial que considera que, ainda que estejamos perante diferentes classes de créditos, tal não justifica, só de per si, que se possibilite um diferente tratamento dos credores. Os defensores desta tese procuram no princípio da proporcionalidade a razão de ser para, mesmo na diferença tida normalmente como admissível, defenderam que o respeito pelo princípio da igualdade dos credores passa por uma solução distinta da que parece óbvia. (…) Veja-se, quanto a esta matéria, a posição sufragada pelo Ac. Tribunal da Relação do Porto de 08.07.2015, proferido no âmbito do processo 261/14.8TYVNG.P1, Relator Manuel Domingos Fernandes. No caso sub judice, uma vez aprovado o plano, ao credor foi garantida a atribuição do capital, acrescido de juros remuneratórios contratuais, vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença, em 180 prestações mensais compostas por capital e juros, enquanto que, por outro lado, para os outros credores, estava previsto o perdão total dos juros vencidos ou vincendos e que apenas receberiam 10% do capital em dívida, em 150 prestações. Ou seja: de um lado, o credor garantido recebia todo o capital e juros e, do outro, os restantes credores recebiam apenas 10% do capital, sem juros. Ora, a este propósito, o Tribunal da Relação do Porto considerou, num nítido apelo ao princípio da proporcionalidade, que a solução prevista no plano consubstanciava um “tratamento desigual sem uma justificação material da desigualdade que, aliás, nem sequer está devidamente comprovada.”. Mais acrescentado não ser “possível identificar um fundamento racional e objetivo, justificador da distinção entre os credores.”. Concluindo, pois, aquele Tribunal, que a diferente classificação dos créditos (garantido e comuns) não constituía razão suficiente para o diferente tratamento dos credores. Também no mesmo sentido, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 09.12.2014, proferido no âmbito do processo n.º 166/14.2TJPRT.P1, Relator Rui Moreira, defendeu uma solução semelhante, referindo que “ofende o princípio da igualdade, por tratamento intoleravelmente desproporcionado entre o crédito do credor hipotecário e os demais credores comuns, um plano de recuperação que salvaguarde integralmente aquele e elimine os demais em 90%, prevendo o pagamento dos 10% remanescentes ao longo de dez anos e sem juros.”]. E é no mesmo sentido que se nos apresenta o acórdão da Relação de Coimbra, de 13.09.2022[11], citado pelo Apelante, sintetizando assim: “I – À luz do princípio da igualdade material dos credores, afirmado no n.º 1 do art. 194.º do CIRE, a discriminação negativa dos créditos comuns é admissível se for justificada por razões objetivas, devendo a justificação constar expressamente do acordo de pagamento, sob pena de ser tida por injustificada. II – Embora a diferente classificação dos créditos constitua situação objetiva justificativa de alguma diferença de tratamento, ela não justifica, por desproporcional, o sacrifício de 80% do valor dos créditos comuns para salvaguardar o pagamento integral dos créditos garantidos, tendo em conta que o acordo de pagamento tem por efeito a extinção dos créditos, na parte em que se der a redução do seu valor ou o perdão”. Uma outra ordem de razões que tem levado a jurisprudência a justificar um tratamento diferenciado entre credores é a que assenta na circunstância de os créditos resultarem de diferentes fontes. “Têm diferente fonte, por exemplo, os créditos que emergem de diferentes tipologias de contratos (e.g. dos contratos de empréstimo, dos contratos de trabalho, dos contratos de compra e venda, etc.); os que emergem da figura da responsabilidade civil contratual ou extracontratual; dos que (…) emergem de impostos (e.g. dívidas à segurança social ou à autoridade tributária)”[12]. Também o regime legal em que assentam os créditos constitui para a jurisprudência fator suscetível de justificar tratamento diferenciado entre os credores, sobressaindo neste domínio as particularidades dos créditos da Administração Tributária e da Segurança Social. A questão desde há muito debatida prende-se, como assinala DANIELA MARTINS[13], “em determinar se, estando em causa a recuperação do devedor, os créditos estaduais podem ser atingidos por redução dos créditos, perdão de juros ou pela previsão de um prazo de pagamento mais extenso, no contexto de um plano conducente à recuperação do devedor. Por outras palavras, a verdadeira questão é a de saber se a legislação fiscal, com carácter geral, se pode sobrepor ao CIRE, uma legislação especial, quanto à regulação desta matéria. (…) Com a entrada em vigor da Lei n.º 55-A/ 2010, de 31 de dezembro, ao artigo 30.º da Lei Geral Tributária foi aditado o n.º 3 ao referido preceito e com a inserção da previsão da prevalência do regime dos créditos tributários sobre lei especial, alterou-se, também, o entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina. Em suma: antes da reforma operada em 2012, os tribunais superiores consideravam que os créditos públicos, no âmbito de um processo de insolvência, poderiam ser afetados por decisão dos credores, por, no seu entender, o regime aplicável a estes créditos não se aplicar ao processo de insolvência, mas apenas no contexto da relação tributária; com a alteração legislativa, o legislador procurou reafirmar “com indiscutível clareza” a posição de intangibilidade da Autoridade Tributária, proibindo a redução ou extinção dos créditos tributários”. Não obstante certos entendimentos doutrinários que defendem uma interpretação restritiva das normas que ainda compõem o regime tributário, nomeadamente em função da “teologia subjacente ao PER” e da “unidade do sistema jurídico”, assumidos nomeadamente por CATARINA SERRA e PESTANA DE VASCONCELOS, a referida autora (DANIELA MARTINS) conclui que [tem vindo a ser cada vez mais constante a jurisprudência no sentido de declarar ineficazes cláusulas aprovadas e constantes do plano que afrontam o disposto nos artigos 30.º, n.ºs 2 e 3 e 36.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária.[14] Para a atual corrente doutrinária maioritária, os preceitos da LGT são perentórios ao estabelecer que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes e que a Autoridade Tributária não pode conceder perdões ou moratórias no pagamento dos créditos tributários. De facto, parece-nos ser este o entendimento correto em face da legislação legal aplicável, maxime do CIRE e do regime tributário. (…) A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista na lei e decorre do princípio da legalidade tributária e da igualdade. Ora, se por um lado se impõe à Autoridade Tributária que obtenha a prestação efetivamente devida, por outro lado, esta entidade também está obrigada, na prossecução desse objetivo, a tratar de forma igual e uniforme todos os contribuintes. Como refere SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, “[t]emos, assim, duas ordens de interesses. Por um lado, o da proteção do crédito, do Estado e de todos os cidadãos. Por outro, o da reafirmação da importância do dever geral de contribuir, o que se procura quer pelo facto de a derrogação deste princípio apenas ser possível verificada que seja a igualdade tributária, ou seja, em casos legalmente previstos para todos os que se encontrem numa determinada situação, quer porque, ao reafirmar a indisponibilidade do crédito tributário, se visa dar um bom exemplo aos contribuintes, que não se depararão com situações de perdão injustificado de créditos, motivado por interesses que são totalmente alheios à justiça fiscal, sentindo assim desigualdade, injustiça e descrença no sistema.”]. 2.2. No caso que nos ocupa, o Apelante defende que o plano homologado ofende o princípio da igualdade entre credores, por duas ordens de razões: a primeira por prever tratamento diverso de credores da mesma categoria; e a segunda por exceder os limites razoáveis e justificados do distinto tratamento dado a credores comuns e a credores privilegiados/ garantidos. Quanto à primeira razão, afirma o Recorrente que no plano se aplicam medidas radicalmente diversas ao crédito comum reclamado pela Autoridade Tributária e Aduaneira face às aplicáveis aos restantes credores comuns, porquanto relativamente aos primeiros prevê-se o pagamento de 100% dos créditos consolidados, em 150 prestações mensais iguais e sucessivas, com pagamento dos juros vincendos à taxa legal, sendo que, no que concerne aos restantes credores comuns prevê-se o pagamento de apenas 10% do capital, com perdão de juros vencidos e vincendos. Pois bem, nada vemos de arbitrário em tal tratamento diferenciado de credores. Bem pelo contrário. Estamos inquestionavelmente perante situações desiguais, marcadas pelo distinto regime legal específico dos créditos tributários e da segurança social, cujos traços mais significativos deixámos enunciados no ponto que antecede, e do qual decorre a proibição de redução ou extinção dos ditos créditos. Neste conspecto, o que podemos concluir é que se o plano em apreço tivesse sido aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto na LGT relativamente aos créditos tributários, sempre seria ineficaz em relação ao credor Fazenda Nacional.[15] Falece, pois, a razão do Apelante neste particular. Também não vemos que os invocados critérios de proporcionalidade possam no caso constituir entrave à homologação do plano. Pese embora a diferença de tratamento entre os “créditos garantidos” e os “créditos comuns” se apresente flagrante, na medida em que para os primeiros resulta o dever de pagamento de 100% do respetivo capital, enquanto para os segundos tão só 10%, a verdade é que tal medida não pode, a nosso ver, considerar-se arbitrária. É que, para além de radicar na distinta categoria de créditos, distinção que, como sabemos, conduz as mais das vezes à impossibilidade de satisfação dos créditos comuns em qualquer medida (o que só por si nos parece suficiente para justificar a medida), no caso, tal tratamento diferenciado foi aceite por todos os credores[16], com exceção do aqui Apelante, representando este apenas 0,88% do passivo. A vontade quase plena dos credores não pode de modo algum ser menosprezada na ponderação da justa composição dos interesses em jogo. O interesse dos credores encontra-se no desenvolvimento da atividade da Requerente, no sentido em que esta será viável, e à partida só o será, para todos os credores com exceção da Recorrente, mediante a execução do plano nos termos em que foi aprovado. Refira-se também que, com todo o respeito por entendimento diverso, julgamos que comparar simplesmente as grandezas de 100% e 10%, pagamento de créditos garantidos e comuns, respetivamente, não deixa em si mesmo de constituir afinal um critério mais formal do que substancial, na medida em que não considera a radical distinção entre uma e outra categoria de créditos no que se refere à real expetativa de satisfação. Assim, ponderando o conjunto das circunstâncias que vimos referindo, julgamos que a homologação do plano em causa não constituição violação do princípio da igualdade dos credores, visto este também à luz de critérios de proporcionalidade no sacrifício imposto aos créditos comuns em face dos créditos garantidos. 2.3. Argumenta ainda o Apelante que “não existem elementos que permitam concluir que a situação prevista no plano é igual ou melhor para o Recorrente do que aquela que resultaria na sua ausência, e que, nessa sequência, deveria ser recusada a homologação do plano nos termos do disposto no art. 216.º, n.º 1, al. a) do CIRE”. Dispõe o art. 216.º, n.º 1, al. a): “O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis (…) que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas”. Como se deixou bem explicitado no já cit. acórdão desta Relação, de 07.04.2016, relatado por CARLOS QUERIDO, “a prova da eventualidade referida na al. a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE incumbe ao reclamante, pressupondo um complexo exercício intelectual de prognose, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor. Quanto aos credores, reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele”. No requerimento apresentado em 13.03.2023 (referência 35038045), pugnando pela não homologação do plano, o agora Recorrente, nesta matéria, limitou-se a alegar que “considerando que o montante dos créditos ascenderá a 7.366.662,46 € e que, de acordo com o plano, o activo, em 2022, seria de 7.487.441,97 €, é difícil não concluir que a situação da Reclamante ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano”. Em primeiro lugar, há que dizer que, nos termos do balanço previsional que se fez constar no plano em apreço, em 2022, o total do ativo da sociedade devedora ascendia a 7.012.767,00€, dos quais 6.092.445,00€ correspondiam a “ativos fixos intangíveis”. Consideram-se ativos intangíveis da sociedade o seu património imaterial, como a marca, a imagem que tem no mercado, o know how, a clientela, o aviamento, entre outros. O Apelante não deixará certamente de reconhecer a dificuldade que seria, em caso de liquidação do património da sociedade devedora, subsequente à insolvência, de fazer corresponder o dito ativo intangível a valores líquidos e distribuíveis pelos credores. É por isso que bem se entende a posição assumida pela Sra. AP quando, no seu parecer fundamentado, se expressa assim: “Em face da especificidade da atividade da devedora, afigura-se que a perspetiva da sua recuperação, com o consequente cumprimento do plano aprovado, seja a via mais vantajosa para a generalidade dos credores, uma vez que, numa situação de insolvência, parte expressiva dos ativos da devedora poderiam apresentar um valor nulo ou diminuto, mas que, numa perspetiva de prosseguimento da sua atividade, podem ter uma valorização expressiva, como o passe de jogadores, que em competição podem ver o seu valor subir, com as consequentes mais-valias, o que está expresso na avaliação do plantel da sociedade intermediária B... e tem sido relatado pela administração da devedora sobre o interesse no passe se alguns dos seus jogadores” (realce e sublinhado nossos). É também de realçar a posição singular do Apelante nesta matéria, num universo de 178 credores, o que nos leva a admitir do que mais do que uma visão otimista do futuro, do que se trata é antes de uma crença sem virtualidade para poder ser partilhada por mais quem quer que seja. Concluímos assim ter o Recorrente ficado longe de alegar e demonstrar a factualidade inerente à “eventualidade” prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 216.º, o que vale por dizer que terá a pretensão recursiva de improceder também nesta parte, justificando-se por isso a manutenção da bem fundamentada decisão recorrida. 2.4. Tendo dado causa às custas deste recurso, o Apelante constituiu-se na obrigação de as suportar (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPCivil, e 1.º do RCP). IV. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente e, em consequência, decidimos: a) Manter a decisão recorrida; e b) Condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso. *** Porto, 12 de setembro de 2023Os Juízes Desembargadores, Fernando Vilares FerreiraJoão Proença João Ramos Lopes _______________ [1] São deste Código todas as normas doravante citadas sem menção diversa. [2] Ver ponto 5) do Relatório deste acórdão. [3] Cf. DANIELA MARTINS, “O Princípio da Igualdade dos Credores no âmbito do Processo Especial de Revitalização – Uma Análise Crítica às suas Concretizações e Desvios na Jurisprudência Portuguesa”, acessível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/39349/1/ulfd139108_tese.pdf. [4] Idem, p. 50. [5] Idem, p. 45. [6] Lições de Direito da Insolvência, 2021, 2.ª Edição, Almedina, pp. 135-136. [7] Cf. DANIELA MARTINS, ob. cit., p. 47. [8] Relatado por VIEIRA e CUNHA no processo 1529/14.9TBPRD.P1, acessível em www.dgsi.pt. [9] Relatado por CARLOS QUERIDO no processo 1709/15.0T8AVR.P1, acessível em www.dgsi.pt. [10] Ob. cit., pp. 61-62. [11] Relatado por EMÍDIO FRANCISCO SANTOS no processo 4703/21.8T8LRA.C1, acessível em www.dgsi.pt. [12] Cf. DANIELA MARTINS, cit., p. 71. [13] Idem, p. 78. [14] Neste sentido, Ac. do STJ, de 04.17.2018, relatado por PINTO DE ALMEIDA no processo n.º 5781/16.7T8VIS-D.C1.S1; no sentido de que a inclusão de cláusulas em violação do disposto naquelas normas conduz à nulidade de todo o plano, Ac. do STJ, de 13.11.2014, relatado por SALRETA PEREIRA no processo 970/12.2TJVNF-A.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. [15] Neste sentido, entre outros, o cit. Ac. da RP, de 14.04.2015, relatado por VIEIRA E CUNHA. [16] Foram reconhecidos 178 credores. |