Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
259/20.7T8SJM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP20220404259/20.7T8SJM-B.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Os tribunais portugueses (concretamente, o Juízo de Família e Menores de S. João da Madeira) têm competência internacional para tramitar e decidir incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais e ordenar as diligências para tornar efectiva a prestação de alimentos fixada por sentença de tribunal suíço, revista e confirmada pela Relação do Porto por decisão transitada em julgado, tendo o requerido residência habitual em Albergaria-a-Velha, apesar de a requerente e o menor continuarem a residir na Suíça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 259/20.7 T8SJM-B.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de Família e Menores de S. João da Madeira


Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Através de requerimento apresentado em 13.05.2020 no Juízo de Família e Menores de S. João da Madeira, AA, devidamente identificada nos autos, veio deduzir incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais contra BB, para o que alegou, em síntese, o seguinte:
Por sentença de 26.07.2018, proferida no Tribunal da Comarca de Est Vaudois, Suíça, foi decretado o divórcio entre requerente e requerido e pela mesma sentença foi homologado acordo de regulação do poder paternal do filho de ambos, CC.
A sentença do tribunal suíço, da qual é parte integrante o acordo do exercício das responsabilidades parentais, foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto (processo n.º 357/18.7YRPRT) por decisão que transitou em julgado em 06.03.2019.
Nos termos do homologado acordo do exercício das responsabilidades parentais, o menor CC ficou a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas em comum por ambos os progenitores.
Porém, o requerido, a partir de Março de 2019, deixou de pagar a prestação de alimentos, no valor de 300.00 francos suíços (CHF), bem como metade das despesas extraordinárias com o menor, a que ficou obrigado.
Pretende, então, que o requerido seja compelido ao cumprimento dessa obrigação e condenado em multa e indemnização.
Em 22.04.2021, na sequência de pedido formulado pela requerente para que se desse cumprimento ao disposto na al. c), do nº 1, do art. 48.º do RGPTC, veio o requerido apresentar requerimento alegando o seguinte:
Como já consta dos autos, neste momento, existe um processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais a correr termos na Suíça.
Por outro lado, como consta da sentença que fez chegar aos autos (Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 559/19.8T8SJM), o menor CC, nasceu na Suíça, onde reside e sempre residiu, pelo que, tendo em consideração o disposto no artigo 5.º, n.º 1 da Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças, «compete ao Tribunal Helvético conhecer do mérito do pedido de regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes à criança».
É o que resulta da jurisprudência indicada naquela sentença. Até porque «tendo-se este Juízo de Família e Menores declarado internacionalmente incompetente para o conhecimento do mérito da causa naqueles autos – Regulação das Responsabilidades Parentais – conforme artigos 9º, nºs 1 e 7, a contrario sensu e 10º, nº 1, todos do RGPTC, prejudicado fica a apreciação nestes autos do incumprimento das responsabilidades parentais. Ou, tal como propugna o Ministério Público a fls. --- (promoção de 08.09.2020), este Juízo de Família e Menores é incompetente territorialmente nos presentes autos, uma vez que a criança reside e sempre residiu na Suíça, tal como resulta dos documentos constantes dos autos, nomeadamente, a petição inicial, artigos 2º e 3º.»
Concluiu pedindo que o tribunal (Juízo de Família e Menores de S. João da Madeira) se declare territorialmente incompetente «nos termos do artigo 10º, nº 1, do RGPTC» e que a pretensão da requerente seja «negada, por inadmissível».
Facultado o exercício do contraditório, em 26.05.2021 foi proferido despacho do seguinte teor (reprodução integral):
«Da excecionada incompetência internacional deste Juízo para o conhecimento do presente incidente de incumprimento da obrigação alimentar:
Repare-se que não está aqui e agora em causa a regulação ex novo do exercício das responsabilidades ou a sua alteração - caso em que o Tribunal competente é o da residência da criança -, mas, sim, o incumprimento de uma regulação já efetuada, mais concretamente da obrigação de alimentos fixada por sentença proferida por um Tribunal estrangeiro, no caso concreto da Suíça, país onde reside atualmente a criança, sentença aquela revista e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
No caso concreto, não obstante a criança residir com a mãe na Suíça, o pai, devedor de alimentos por força daquela condenação por sentença - revista e confirmada para valer em Portugal - reside em Portugal, sendo, portanto, aqui, em território nacional, que se deverá lançar mão e acionar os competentes mecanismos legais executivos e pré-executivos disponíveis para a cobrança de alimentos.
Repare-se que a norma especial do art.º 48º do RGPTC não impõe a instauração do incidente para cobrança de alimentos no tribunal da residência atual da criança, sendo que, por força do art.º 41º, nº 2 do RGPTC, residindo a criança no estrangeiro, regerá, então, no caso concreto, a competência alternativa prevenida na norma constante do art.º 9º, nº 7 do RGPTC, a qual enuncia:
“Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido”.
Residindo o devedor em Portugal, e estando a mãe munida de título executivo, o Tribunal português é internacionalmente competente para a cobrança.
Por isso, sem quebra do devido respeito por opinião contrária, julgo improcedente a invocada exceção de incompetência internacional deste Juízo, cuja competência internacional para o caso aqui afirmo.
Incumprimento das Responsabilidades Parentais
Notifique, sendo ainda as partes para, no prazo de 10 dias, informarem se já foi proferida alguma decisão, ainda que provisória, no processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança que corre seus termos no Tribunal Suíço.»
Inconformado com esta decisão, o requerido BB veio interpor recurso, com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:
«1. O ora recorrente, por requerimento de fls. --- dos autos, alegou a incompetência internacional do Juízo de Família e Menores de São João da Madeira, por entender que competente no caso em apreço, é o Tribunal Suíço.
2. O Tribunal a quo, por douto despacho de fls. --- dos autos, julgou improcedente a invocada excepção de incompetência internacional.
3. Por não concordar com tal decisão o requerido interpõe o presente recurso.
4. Assim,
Estão assentes nos autos, por declarações das partes ou por documentos juntos, os seguintes factos:
a) Requerente e requerido encontram-se divorciados desde 26-07-2018, conforme sentença de Tribunal da Comarca de Est Vaudois, Suíça;
b) O referido tribunal suíço, na mesma data, homologou o acordo quanto à regulação do poder paternal do filho do casal, CC;
c) Nos termos daquele acordo o menor ficou a residir com a mãe, isto é, na Suíça (Rue ...);
d) O requerido ficou obrigado a contribuir com uma pensão mensal de alimentos de 300,00 francos suíços;
e) Encontra-se a correr termos no tribunal suíço um processo em que as partes discutem a pensão alimentar, despesas e visitas, apenso ao de divórcio, interposto pelo requerido;
f) O menor nasceu, sempre residiu e ainda reside na Suíça.
5. Ora, desde logo, o art. 59º, do CPC, dispõe o seguinte: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63 ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º.”
6. Por outro lado, sobre a matéria da execução de alimentos há várias Convenções internacionais
7. Desde logo, a Convenção dos Direitos da Criança que, no seu art. 27º, nº 4, estatui o seguinte: “Os Estados partes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar devida à criança, aos seus pais ou de outras pessoas que tenham a criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro. Nomeadamente, quando a pessoa que tem economicamente a seu cargo vive num Estado diferente do da criança, os Estados Partes devem promover a adesão a Acordos Internacionais ou a conclusão de tais acordos, assim como a adopção de quaisquer medidas julgadas convenientes.”
8. Ora, atentos os factos assentes nos autos, a questão em causa situa-se no âmbito do direito internacional, sendo que os Estados português e suíço estão vinculados pela Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956, e aprovada, para adesão, pelo artigo único do Decreto-Lei 45942, de 28 de Setembro de 1964.
9. Nessa Convenção são Estados Contratantes, quer Portugal, quer a Suíça, sendo que tal Convenção, atento o disposto no artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (“As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”) tem primazia sobre o direito interno, havendo uma entidade intermediária competente para instruir o pedido de cobrança de alimentos, que não o tribunal.
10. Nos termos do art. 1º, nº 1, da referida Convenção: “A presente Convenção tem por objecto facilitar a uma pessoa, designada aqui como credora, que se encontra no território de uma das Partes Contratantes, a prestação de alimentos a que se julgue com direito em relação a outra, designada aqui como devedora, que está sob a jurisdição de outra Parte Contratante. Os organismos que serão utilizados para este efeito são designados por autoridades expedidoras e instituições intermediárias.”
11. Ainda, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 da referida Convenção: “Agindo dentro dos limites dos poderes conferidos pelo credor, a instituição intermediária toma, em nome deste, todas as medidas adequadas a assegurar a cobrança de alimentos.”
12. Vale dizer que, perante a situação dos autos, em que a requerente dispõe de uma sentença de um tribunal suíço que regulou as responsabilidades parentais, nomeadamente, os alimentos devidos ao menor, não tem que instaurar num tribunal português acção de incumprimento das responsabilidades parentais, na medida em que dispõe de um meio expedito para o efeito, isto é, deve dirigir-se à entidade intermediária suíça competente para instruir o pedido de cobrança de alimentos.
13. O próprio Tribunal a quo solicita regularmente às partes informações sobre o processo a decorrer no Tribunal Suíço.
14. Como se diz no Acórdão do STJ de 30-04-2015 (Relator: Tavares de Paiva), in www.dgsi.pt:
“Havendo instrumentos jurídicos relativos à cobrança de alimentos no estrangeiro, estes devem ser accionados, (…) sob pena de se desvalorizar ou ignorar em absoluto os instrumentos jurídicos que o Estado Português subscreveu/ratificou sobre a matéria e, por isso, fazendo também parte integrante do nosso sistema jurídico.”
15. Assim, a conclusão será a de que o Juízo de Família e Menores de São João da Madeira não é competente internacionalmente para a causa em apreço nos autos.
16. A incompetência internacional é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que gera a absolvição da instância (artigos 96º, 97, 576º, n.º 2, 577º, alínea a), e 578.º CPC).
17. Não entender assim é, pois, violar a Constituição da República Portuguesa no seu art. 8º, nº 2, sendo inconstitucional tal entendimento.
18. O douto despacho judicial recorrido violou o disposto no artigo 59º, 96º, 576º, nº 2, 577º, a) e 495º, do CPC, a Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20-06-1956 e vigente em Portugal pelo DL nº 45942, de 28-09-1964, bem como o disposto no artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
19. O douto despacho ora em causa deve ser revogado, declarando-se a incompetência internacional do Juízo de Família e Menores de São João da Madeira para julgar o presente caso.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido (com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo) por despacho de 01.09.2021.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como se assinalou no antecedente relatório, o recorrente começou por pedir que o tribunal se declarasse territorialmente incompetente, mas no despacho que recaiu sobre esse requerimento julgou-se improcedente a excepção de incompetência internacional.
No recurso que interpôs, o recorrente vem questionar essa competência.
É pressuposto processual incontornável a competência do tribunal em razão da nacionalidade.
Como refere o recorrente, a inobservância das regras da competência internacional consubstancia uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que tem como consequência a absolvição da instância (artigos 96.º, al. a), 576.º, n.º 2, 577.º, al. a), e 578.º do CPC).
A única questão que é submetida à apreciação deste tribunal consiste, justamente, em saber se o tribunal português (concretamente, o Juízo de Família e Menores de S. João da Madeira) é internacionalmente competente para se ocupar deste procedimento que a requerente denominou de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais pelo requerido.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Os factos e vicissitudes processuais relevantes para a decisão (que decorrem do conteúdo dos próprios autos a que se acedeu através da funcionalidade do citius de seguimento de processos, que têm força probatória plena) são os seguintes:
1) A requerente AA e o requerido BB foram casados entre si e o casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 26.07.2018, proferida no Tribunal da Comarca de Est Vaudois, Suíça;
2) Pela mesma sentença, foi homologado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho de ambos, CC, nos termos do qual essas responsabilidades seriam exercidas em comum por ambos os progenitores, ficando o menor a residir com a mãe e obrigando-se o pai a contribuir, mensalmente, com a quantia de 300.00 francos suíços (CHF) a título de pensão de alimentos, bem como a suportar metade das despesas extraordinárias com o menor;
3) Essa sentença foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, por decisão de 29.01.2019, que transitou em julgado em 06.03.2019.
4) O menor CC nasceu e reside (sempre residiu) com a progenitora, na Suíça;
5) Actualmente, o requerido BB reside em Albergaria-a-Velha;
6) A partir de Março de 2019, o requerido BB deixou de pagar regularmente a pensão de alimentos fixada.
7) O requerido pediu no processo do tribunal suíço a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, mas não há, ainda, decisão sobre esse requerimento.

1. Fundamentos de direito
Em termos muito singelos, pode dizer-se que a competência de um tribunal é a parcela do poder de julgar, a parcela de jurisdição que, nos termos da lei, lhe cabe.
A distribuição desse poder de julgar pelos diferentes órgãos judiciários faz-se em função de determinadas regras: em razão da matéria, da hierarquia, do território, da forma de processo e do valor (artigo 60.º, n.º 2, do CPC). Mas este fracionamento do poder jurisdicional tem pressuposta a competência internacional dos tribunais portugueses.
Verificada uma situação que apresente elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, a questão da competência internacional tem de ser equacionada para se apurar da susceptibilidade do exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses.
Ora, em face dos termos em que o legislador se expressou na primeira parte do artigo 59.º do CPC («Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes…»), é perfeitamente claro que para se determinar essa competência impõe-se, antes de mais, apurar se existem tratados ou convenções internacionais ou regulamentos comunitários que vinculem o Estado português, pois as disposições neles contidas prevalecem sobre as normas processuais de direito interno[1], concretamente, sobre os segmentos normativos dos artigos 62.º, 63.º e 94.º, a que se alude na segunda parte daquele preceito legal.
Mas a consonância com o argumentário explanado pelo recorrente em defesa da incompetência internacional do tribunal português fica-se por aqui.
Na verdade, nenhuma das convenções (e os dispositivos citados) invocadas pelo recorrente (Convenção dos Direitos da Criança e Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956 – conclusões 7.ª e 8.ª) excluem a competência internacional dos tribunais portugueses nesta matéria.
Por via do princípio da coincidência, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes se, de acordo com as regras da competência em razão do território, algum deles for territorialmente competente para a acção a propor (artigo 62.º, al. a), do CPC).
Neste âmbito, há que ter em consideração a Convenção[2] relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças (abreviadamente designada por “Convenção de Haia de 19 de Outubro de 1996”) que aqui foi aprovada pelo Decreto n.º 52/2008, de 13 de Novembro[3].
Nos termos do seu artigo 1.º, al a), a Convenção tem por objecto «determinar qual o Estado cujas autoridades têm competência para tomar as medidas orientadas à protecção da pessoa ou bens da criança» e, em matéria de competência, o artigo 5.º, n.º 1, estabelece que «as autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à protecção da pessoa ou bens da criança».
Em sintonia com essas normas de direito internacional, o artigo 9.º, n.º 1, do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro), estatui que «para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado» e entre estas providências está, naturalmente, «a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes» (artigo 3.º, al. c), do mesmo RGPTC).
Na altura em que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais em relação ao menor CC, este residia na Suíça, tal como os seus progenitores, e por isso era o tribunal suíço o internacionalmente competente para esse efeito. E continua a sê-lo para decidir da alteração desse regime requerida pelo aqui recorrente.
Mas, como bem se sublinha na decisão recorrida, aqui e agora não está em causa «a regulação ex novo do exercício das responsabilidades ou a sua alteração».
Do que se trata aqui é de tornar efectiva a prestação de alimentos fixada pelo tribunal suíço, providência que se tornou necessária devido ao incumprimento do requerido/recorrente.
Tendo a sentença do tribunal suíço sido revista e confirmada por decisão desta Relação transitada em julgado, tornou-se eficaz e, portanto, os efeitos que lhe são próprios operem, plenamente, na ordem jurídica interna.
Para o referido efeito de tornar efectiva a prestação de alimentos, já não é a residência do menor que, necessariamente, releva. Da conjugação do disposto nos artigos 41.º, n.os 1 e 2, e 9.º, n.º 7, do RGPTC decorre que é territorialmente competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
Estando assente que, no momento em que foi apresentado o requerimento em que é deduzido incidente de incumprimento das responsabilidades, o requerido tinha (e tem) residência habitual em Albergaria-a-Velha, forçoso é concluir que o tribunal português, concretamente, o Juízo de Família e Menores de S. João da Madeira é territorialmente competente para conhecer desse incidente e, de harmonia com o disposto no artigo 62.º, al. a), do CPC, também é internacionalmente competente.
Aliás, se as normas sobre a competência nesta matéria visam facilitar a cobrança coerciva da prestação de alimentos, estando o devedor a residir e a trabalhar em Portugal, não faria qualquer sentido que se impusesse a instauração do processo em tribunal estrangeiro.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.

III - Dispositivo
Pelas razões vindas de expor, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação de BB e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Tendo decaído, o recorrente suportará as custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).
Porto, 4/4/2022
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
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[1] Embora tal não decorra do artigo 8.º da CRP, a doutrina é praticamente unânime na defesa do princípio da primazia do direito internacional (cfr. J.J Gomes Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, págs. 260-261).
[2] De que a Suíça é signatária.
[3] Nos países da UE, sobre esta mesma matéria (competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria de responsabilidade parental), vigora, também, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.