Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12613/15.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
COMPETÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
ADEQUAÇÃO FORMAL
Nº do Documento: RP2016020112613/15.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 699, FLS.16-23)
Área Temática: .
Sumário: I- Face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artº 85º, nºs 1 e 2, do CPC.
II- O formalismo sequencial decorrente do estatuído no artº 85º, nºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação, adequação formal ou economia processual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 12613/15.1T8PRT.P1 – APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome(1587)
Adjuntos: Desem. Sousa Lameira
Desem. Oliveira Abreu
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

O BANCO B…, S. A., com sede no …, intentou contra C… e Outra, com os sinais dos autos, acção executiva (execução de sentença), para pagamento de quantia certa, para dos executados obter o pagamento do montante de € 15.045,78, acrescidos de juros de mora legais vincendos, conforme “Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória”, de fls. 2 a 4, aqui dado como reproduzido.
Conclusos os autos, foi proferido o seguinte despacho:
“Ao presente processo executivo é aplicável o disposto no novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Cfr. artigo 6.º, n.º 1 da citada Lei) – diploma ao qual pertencem todos os artigos a seguir citados, salvo indicação em contrário –, pois o requerimento executivo foi apresentado após 01/09/2014.
Ora, de acordo com o estabelecido no novo Código, «na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado» artigo 85º, nº 1, do citado diploma. (Sublinhado nosso).
A execução da sentença nos próprios autos da ação declarativa (nos termos estabelecidos nos artigos 85.º e 626.º) foi uma das inovações da reforma do processo civil de 2013.
Agora, a execução de sentença corre, em regra, no próprio processo onde foi proferida (artigo 85º, nº 1); tal não sucederá, se existir tribunal com competência especializada de execução (artigo 85º, nº 2).
Todavia, mesmo no caso acabado de referir, determina o artigo 85.º, n.º 2 que a execução é instaurada no processo onde foi proferida a sentença que se pretende executar e só em momento ulterior passará a ser tramitada pelo tribunal com competência especializada de execução.
Além disso, não é admissível a sanação do erro cometido pela Exequente, pois tal frustraria o novo regime jurídico estabelecido para a execução de sentença, o objetivo estabelecido pelo legislador de que a sentença seja executada no próprio processo (ao menos num momento inicial), por forma a vincar a continuidade entre a ação declarativa e a execução e a sublinhar a importância do caso julgado. Acresce, também, que o errado (ou desadequado) tratamento informático da informação relativa aos processos poderá conduzir à inoperacionalidade do sistema informático citius.
Em síntese, ainda que na Comarca do Porto existam Secções de Execução (i. e., tribunal de competência especializada executiva), face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma ação executiva baseada em sentença seja diretamente instaurada numa Secção de Execução, ao arrepio do estabelecido no artigo 85º do referido Código. Tal situação configura uma exceção dilatória inominada insuprível que conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo.
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Pelo exposto, indefere-se liminarmente o requerimento executivo (artigos 85º, 576º, nºs 1 e 2, 577º, 578º, 626º, 726º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil).
Condena-se a Exequente a pagar as custas (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).”
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Inconformada, a exequente apelou desse despacho tendo, no termo da sua alegação, concluído:
O despacho recorrido violou o disposto na Portaria 283/2013, de 29 de Agosto, e as Instruções constantes do Anexo ao mesmo, no que respeita ao “Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória”, tendo evidentemente violado o disposto no artigo 85º, nºs. 1 e 2, 577º, 578º, 626º , 726º, nº 2, alínea b), e 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, donde o presente recurso dever ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da presente execução nos precisos termos que requeridos foram, determinando ainda, se tal for o caso, que o Tribunal recorrido solicite ao Tribunal onde foi proferida a sentença dada à execução, caso tenha existido erro do Sistema Informático do Tribunal, que remeta ao Tribunal cópia da sentença dada à execução com a indicação do respectivo trânsito em julgado, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da Lei.

Não houve resposta à alegação.
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Foram colhidos os vistos legais.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. arts. 635º e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil(CPC).

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

Os factos a considerar são os descritos no relatório, designadamente que:
- Existem no Tribunal da Comarca do Porto Juízos de Execução (secções especializadas de execução), isto é, Juízos com competência especializada para execuções.
- No formulário do Requerimento de Execução de Sentença Judicial Condenatória, a exequente indicou como “Tribunal Competente: Comarca do Porto - Porto – Unidade Central”.
- Mais indicou tratar-se de uma acção executiva, sob a espécie de execução de sentença própria dos autos, o Agente de Execução com despacho liminar, o valor da execução, no local respectivo constante do dito formulário, o Tribunal onde correu o processo declarativo, bem como o número do processo onde foi proferida a decisão condenatória que se pretende executar, no caso em concreto o “Processo 8560/13.0TBVNG – Unidade Orgânica – Vila Nova de Gaia – Instância Local – Secção Cível – J5”.
- O requerimento executivo foi deduzido em 14 de Maio de 2015.
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Os princípios da oficiosidade (inquisitório) e da cooperação (arts. 6º, 7º e 411º, do CPC) privilegiam a decisão de fundo em detrimento das questões formais, com o objectivo de propiciar, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
O princípio da adequação formal obriga o juiz a adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (artº 547º, do CPC).
O princípio da economia processual impõe que o resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios, a qual exige que cada processo resolva o maior número possível de litígios (M. Andrade, Noções Elementares Processo Civil, p. 386, e J. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, p. 163).
Dispõe o artº 85º, do CPC (Competência para a execução fundada em sentença):
“1- Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado.
2- Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
3- (…)”.
Estabelece o artº 1º, nº 2, al. b), da Portaria nº 282/2013, de 29/08, que o exequente deve enviar/entregar o “requerimento de execução da decisão judicial condenatória constante do anexo II da presente portaria, da qual faz parte integrante”.
No artº 2º, desse diploma legal, estatui-se sobre os termos de apresentação eletrónica:
“1 - O requerimento executivo é apresentado por mandatário judicial através do preenchimento e submissão do formulário eletrónico de requerimento executivo constante do sítio eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, nos termos do artigo 132.º do Código de Processo Civil e de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes, ao qual se anexam os documentos que o devem acompanhar”.
No artº 4º da referida Portaria regulam-se os “Termos de apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória” do seguinte modo:
“1 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória é efetuada nos termos previstos para as demais peças processuais no Código de Processo Civil e na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, com as especificidades previstas nos números seguintes.
2 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória por via eletrónica deve ser efetuada através do preenchimento do formulário específico constante no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
3 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória em suporte físico é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão em 1.ª instância, e efetuada por qualquer dos meios legalmente previstos, utilizando o modelo de requerimento que consta do anexo II do presente diploma.
4 - O exequente deve indicar, no requerimento de execução da decisão judicial condenatória, a decisão judicial que pretende executar, estando dispensado de juntar cópia ou certidão da mesma.
5 - À execução da decisão judicial condenatória aplica--se, com as necessárias adaptações, o disposto nas secções anteriores, considerando -se o requerimento de execução de decisão judicial condenatória apresentado apenas na data de pagamento das quantias previstas no n.º 6 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, quando sejam devidas.
6 - Quando a parte pretenda executar pedidos com finalidade diversa, é designado apenas um agente de execução para a realização das diligências de execução.”
Analisada a decisão recorrida, visto o alegado/concluído pela apelante e ponderada a matéria de facto apurada bem como a descrita legislação, entende-se que assiste razão à Sr.ª juíza que subscreve o despacho.
Com efeito, impõe o nº 2, do artº 85º, do CPC, que a execução de sentença é instaurada no processo onde foi proferida a decisão judicial que se pretende executar e apenas em momento ulterior passará a ser tramitada pelo tribunal com competência especializada de execução.
Seguramente que, apesar de na Comarca do Porto (Instância Central) existirem Secções de Execução (tribunal de competência especializada executiva), face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artº 85º do CPC.
Além disso, como bem observa a Sr.ª juíza da 1ª instância, o errado ou desadequado tratamento informático da informação relativa aos processos poderá conduzir à inoperacionalidade do sistema informático citius.
Ora, é possível afirmar que a exequente cumpriu o estatuído na Portaria nº 282/2013, não se lhe podendo assacar responsabilidade pela eventual deficiência do sistema electrónico no “encaminhamento” do requerimento executivo?
A nosso ver, a exequente, no item “tribunal competente” do “Requerimento de Execução de Sentença Judicial Condenatória” (fls. 2) onde indicou “Tribunal Competente: Comarca do Porto - Porto – Unidade Central” deveria ter escrito “Unidade Orgânica – Vila Nova de Gaia – Instância Local – Secção Cível – J5” Tribunal – V. N. de Gaia”.
De seguida, caberia ao Tribunal de Gaia dar cumprimento ao preceituado no nº 2, do artº 85º, do CPC.
Decorre do exposto que não é, com o devido respeito, processualmente adequado declarar, como faz a apelante, que ocorreu uma deficiência do sistema electrónico no “encaminhamento” do requerimento executivo, não imputável à exequente.
Apesar disso, é processualmente aceitável, como acentua a recorrente, que “atento o teor do requerimento executivo se impunha providenciar de conformidade, ou seja prosseguir com a execução, requerendo ao Tribunal onde foi proferido a sentença dada à execução a cópia da mesma, com a indicação da data do respectivo trânsito em julgado?
A nosso ver, o formalismo sequencial decorrente do estatuído no artº 85º, nºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação e adequação formal.
Na verdade, o princípio da economia processual ou o da prevalência das razões de mérito sobre as razões de forma não foi levado ao extremo de conduzir à sanação de nulidades processuais ou de excepções dilatórias insupríveis.
Acresce um outro, e não menos importante, motivo, qual seja o apontado na decisão recorrida no sentido de que o errado (ou desadequado) tratamento informático da informação relativa aos processos poderá conduzir à inoperacionalidade do sistema informático citius.
Deve, em suma, manter-se o despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo atento o disposto nos arts. 85º, 576º, nºs 1 e 2, 577º, 578º, 626º, 726º, nº 2, alínea b), do CPC.
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Anexa-se o sumário.
Porto, 01/02/2006
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 663º, nº 7, do CPC):
I- Face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no artº 85º, nºs 1 e 2, do CPC.
II- O formalismo sequencial decorrente do estatuído no artº 85º, nºs 1 e 2, do CPC, não pode ser, no caso concreto, postergado com apelo aos enunciados princípios da oficiosidade (inquisitório), da cooperação, adequação formal ou economia processual.

Caimoto Jácome