Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
351/15.0GAFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ABSOLVIÇÃO
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Nº do Documento: RP20170712351/15.0GAFLG.P1
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 724, FLS 111-126)
Área Temática: .
Sumário: I - Não é exigível qualquer comunicação de alteração não substancial de factos descritos na acusação que se compreendam, somente, numa lógica de absolvição de arguidos, por tal informação consubstanciar um ato processual que se destina a assegurar os direitos de defesa dos arguidos e não "os interesses da acusação".
II - Não constitui consequência jurídica necessária da presunção de inocência que a versão declarada pelos arguidos corresponda inteiramente à verdade mas, apenas e tão-só, que a versão da acusação seja considerada não provada, a não ser que haja prova(s) produzida(s) em julgamento que a demonstrem de forma segura.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 351/15.0GAFLG.P1
Data do acórdão:12 de Julho de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Origem: Comarca do Porto Este
Juízo Criminal Local de Felgueiras

Sumário:
1. Não é exigível qualquer comunicação de alteração não substancial de factos descritos na acusação que se compreendam, somente, numa lógica de absolvição de arguidos, por tal informação consubstanciar um ato processual que se destina a assegurar os direitos de defesa dos arguidos e não "os interesses da acusação".
2. Não constitui consequência jurídica necessária da presunção de inocência que a versão declarada pelos arguidos corresponda inteiramente à verdade mas, apenas e tão-só, que a versão da acusação seja considerada não provada, a não ser que haja prova(s) produzida(s) em julgamento que a demonstrem de forma segura.

Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos em que figura como recorrente o Ministério Público;
I - RELATÓRIO
1. No dia 26 de Janeiro de 2017 foi proferida a sentença recorrida no âmbito dos presentes autos, que terminou com a absolvição dos arguidos nos seguintes termos:
"Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se:
1) ABSOLVER ambos os arguidos B... e C... da prática, como autores materiais, e cada um deles, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art. 348°-A, n°1 do Código Penal.
2) ABSOLVER o arguido C..., da prática como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 292° e 69° do Código Penal.
(...)"
2. Inconformado com a decisão absolutória, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos:
"Nem na acusação, nem nas contestações, são alegados factos que correspondam àquele dado como provado sob o n.° 8, que não foi aditado pelo Tribunal a quo nos moldes permitidos pelos arts. 358.° e 359.° do Código de Proc. Penal, pelo que se trata de aditamento verdadeiramente surpreendente, e nos determina a invocar para todos os efeitos a nulidade da sentença recorrida por condenação de factos diversos, nos termos do disposto pelo art. 379.°, n." 1, aL b) do mesmo Código.
Sem embargo, o Ministério Público entende que a decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto pelo art 410.", n." 2, al. c) do Código de Proc. Penal, vício que se verifica quando o próprio texto da decisão evidencia a um cidadão medianamente experiente, de média formação e características, que ocorreu uma flagrante, de fácil demonstração, violação da lógica, das regras da experiência e da normalidade.
Descendo ao caso da decisão recorrida concreta, o Tribunal, na motivação, contrapondo a versão das testemunhas de defesa com as de acusação, mormente os dois militares da G.N.R. D... e E..., afirmou que o seu depoimento "não foi muito ou nada coincidente com o teor da restante da prova efectuada em sede de julgamento, e dos restantes elementos constantes dos autos.", deixando firmar a aparência para quem ler o texto - e o que não se aceita, e com certeza não seria essa a intenção, mas assim ficou plasmada - que se tratou de uma decisão aritmética, de adesão à tese da maioria.
Ademais, depois de trilhar um caminho argumentativo em que deixa abundantemente exposta a dúvida - ainda que não possamos secundar o Tribunal, como se verá, porque a dúvida só existe porque os factos foram incorrectamente julgados -, afirmando até "em jeito de conclusão" que ficaram dúvidas quanto aos crimes imputados aos arguidos vem a dar provada a matéria de facto sob os n.°s 1 a 8, a qual não permite concluir pela existência de dúvida alguma (pois que a condução é sim atribuída a outro arguido, firmando assim uma versão dos factos) sem que tivesse explicado então porque é que deu como provados tais factos (e visto que na fundamentação o Tribunal nunca ultrapassou a dúvida originária).
Mais foi imprecisa, e indutora de confusão ao leitor, e ilustrativa do vício alegado, a seguinte conclusão da decisão recorrida: "pese embora o afirmado pelos Srs. Agentes de Autoridade, quer em sede de julgamento, quer em sede de auto de noticia, o que é certo é que, o depoimento dos mesmos, não foi muito ou nada coincidente com o teor da restante da prova efectuada em sede de julgamento, e dos restantes elementos constantes dos autos. "Com efeito (...) os GNR 's não foram também eles totalmente credíveis quanto às pessoas que estavam no local, o que é normal, dado que, é normal e após um acidente, se junte um aglomerado de pessoas, e dentre essas nem sempre é possível ver quem é que está ou não está ou eventualmente chega depois".
Parecendo considerar o Tribunal que, para contrariar a testemunha D... (nada coincidente, afirma o Tribunal, com a restante prova testemunhal...), seria suficiente citar as demais testemunhas que, aparentemente, contra a versão deste, referiram a existência no local do arguido B..., mas a verdade é que concluiu depois sobre a testemunha D...: "Mais afirmou ser sua convicção de que o arguido B... lá teria chegado uns minutos depois e que lhes teria começado a dizer que era ele o condutor da viatura
A conclusão do Tribuna] neste tocante é assim imprecisa, e induz em confusão o leitor, pois que a questão não é que mais testemunhas tivessem visto o arguido B... no local (também o D... o viu!); com todo o respeito, a questão é saber se ele lá estava quando o acidente se deu, nos momentos imediatamente seguintes, quando está a ser atendido pelos Bombeiros, e se foi ou não o condutor da viatura.
Depois, ainda, sobre o vidro da viatura acidentada, alongou-se o Tribunal a quo numa explanação que faz uso de mera especulação, nada convincente em especial após ter vertido por escrito a existência de dúvidas, para concluir: "talvez devido à violência do embate que fez com que o capot do carro encarquilhasse e atingisse o vidro; o que de certa forma é corroborado pelas fotos que depois foram juntas aos autos a fls. 177 e 192 a 195 e relativas à viatura acidentada, onde tal é mais visivel.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova reside ainda na completa desconsideração na motivação dos antecedentes criminais do arguido C... (facto sob o n.° 10, al. e), e que se resumem, para além do mais, a 2 crimes de condução sem habilitação legal, 1 deles concomitante com um crime de ofensa negligente (em acidente de viação), e 4 crimes de condução sob o efeito do álcool, condenado aquele em prisão suspensa, e a última condenação transitada em julgado a 03/11/2014, condenando-o em 5 meses de prisão por dias livres, que terá cumprido no final daquele ano, e no início de 2015 (os factos aqui em causa são de 04/04/2015!).
Ora, para incluir aquele trecho na motivação, teria certamente o Tribunal a quo em mente alguma anotação nuclear a fazer, demonstrativa do seu raciocínio, não tendo no entanto fornecido qualquer explicação para a irrelevância de tais antecedentes, o que espanta quem leia este segmento do recurso, pois que se conclui que assim sendo o Tribunal bebeu de inequívoca desatenção às regras da experiência e da normalidade.
Os arguidos são irmãos, o arguido B... sendo o mais velho, tendo resultado notório que imperam laços de solidariedade entre ambos, de resto normais entre irmãos, podendo antecipar-se que os antecedentes criminais do arguido C... consubstanciarão um motivo de intensa preocupação para a família e, in extremis, da tomada da decisão por parte do arguido B... em falsear a verdade dos factos que nos conduziu ao libelo acusatório, pelo que não convence a completa irrelevância dos antecedentes como o julgou o Tribunal...
Caso assim se não entenda, e em todo o caso porque o Ministério Público considera que mesmo em caso de deferimento do alegado vício pode a causa ser julgada na segunda instância, sem reenvio do processo, conforme o possibilita o art. 426.°, n.° 1 do Código de Proc. Penal, o Ministério Público recorre da sentença absolutória, impugnando a matéria de facto, por entender que a prova produzida, pelo contrário, obriga à condenação dos arguidos.
Entendemos que andou mal o Tribunal a quo, ao arrepio das mais flagrantes considerações lógicas, das regras da experiência e da normalidade, e de um modo assaz viciado (como se tentou demonstrar, com desatenção às regras da experiência e da normalidade), desistindo de alcançar a verdade material, resguardando-se num pouco convincente "in dúbio pro reo".
Os factos não provados sob os n.'s 1) a 7) foram incorrectamente julgados como não provados, como melhor será explanado, devendo antes ter sido julgados como provados, o facto provado sob o n.° 8), em conformidade, não podia conter o trecho "seguia na viatura ali melhor identificada, mas no lugar do passageiro os factos provados sob os n."s 1) a 3), não podiam ter sido provados como o foram, e devem ser alterados para reflectir a inversão supra mencionada, não podendo ser fixados como provados nesse sentido.
Sem prejuízo do já alegado, tal é imposto pela prova documental junta aos autos, designadamente o auto de notícia com o NUIPC 351/15. OGAFLG, junto a fls. 3-6, sendo autuante o GUARDA PRINCIPAL D..., acompanhado do GUARDA PRINCIPAL E..., auto esse redigido no dia 18/04/2015, pelas 14h26m, ficando vertido a versão que os dois militares vieram a reproduzir em audiência de julgamento, de um modo consistente, e impressivo, logo demonstrando como foi percebido o logro entretanto montado pelos arguidos para proteger o arguido C... de prováveis penosas consequências penais. 
Do mesmo modo, na participação do acidente de viação com o NPAV 0189/2015, elaborada a 16/04/2015, pelas llh04m, antes do auto de notícia supra indicado, portanto, junta a fls. 7-9, na reportagem fotográfica a fls. 11, tirada no dia da ocorrência, a qual permite verificar uma fragmentação mais evidente do lado do condutor, mas que é totalmente contraditória com aquela junta a requerimento dos arguidos por requerimento efectuado em audiência de julgamento no dia 10/11/2016 (e que denotam fragmentação do lado do condutor, alegando o arguido B..., que se disse o condutor, que tal se deveu à queda de uma pedra, conveniente por este não ter ferimentos, mas o seu irmão C... sim).
Baseia-se ainda a posição do Ministério Público no atendimento urgente ao arguido C..., a fls. 176, descrevendo-se na história clínica, da qual releva que o mesmo estava consciente, e a falar, e além do mais que o arguido C... teve lesões ao nível do tórax, havendo preocupação com o esterno, o que é mais compatível com a hipótese de ter batido com a zona do peito no volante, quando se dá o embate, do que com a versão dos arguidos, e demonstram ser convincente a versão de D... (que, ver-se-á, disse ter falado com este c verificar que do lado do condutor era notório o embate do arguido).
Releva ainda o requerimento dirigido ao Comandante do Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana, não datado, e cuja nota manuscrita indica ter sido recebido no dia 11/05/2015, junto a fls. 14, quase um mês depois dos factos e do auto de notícia e participação do acidente de viação, no qual ficou narrada uma surpresa que se não entende, e não sendo indicadas as testemunhas já indicadas na contestação (F..., G..., H..., I...) e que, nas declarações do arguido B... em audiência de julgamento, são referidas como logo se tendo apercebido no local que a G.N.R. não se convencera da versão dos arguidos.
Acresce-lhe, a impugnação da matéria de facto se baseia ainda nos depoimentos produzidos, e nas declarações do arguido B..., a indicar de seguida de acordo com o consignado nas Actas dos dias 10/11/2016 e 05/12/2016, e transcritas nas partes mais impressivas e relevantes no corpo da motivação do recurso, impondo-se a nosso ver a sua consideração integral.
São assim as seguintes, de acordo com a gravação permitida através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal: [da acta do dia 10/11/2016] D..., Militar (início ocorreu pelas 15 horas e 30 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 57 minutos); E... (inicio ocorreu pelas 16 horas e 05 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 22 minutos); J..., (inicio ocorreu pelas 16 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 59 minutos); F... (inicio ocorreu pelas 17 horas e 01 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 21 minutos); G... (00:00:01 a 00:04:59); I... (00:00:01 a 00:05:42); H... (inicio ocorreu pelas 17 horas e 23 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 41 minutos); ARGUIDO B... (inicio ocorreu pelas 15 horas e 01 minutos e o seu termo peias 15 horas e 20 minutos; [e da acta do dia 05/12/2016] L... (00.00:01 a 00:06:41); M... (00:0i:0i a 00:02:46), encontrando-se indicadas e transcritas as concretas passagens no corpo do recurso.
O Tribunal a quo deu total credibilidade a testemunhas que a nosso ver, porque comprometidas, foram totalmente incredíveis (J..., F..., G..., H..., I..., Arguido B...; não dando (na verdade, embora sem o afirmar) nenhuma credibilidade a D... e E..., equivocando-se na análise do depoimento de L... e M..., analisado erradamente a prova documental e testemunhal, não tendo dedicado à análise da prova a profunda ponderação que merecia, assim optando por analisar pequenos pormenores de menor importância a que atribuiu valor suficiente para neles se resguardar na motivação.
O depoimento do militar autuante, D..., secundado pelo militar E..., foi extenso, pormenorizado, seguro, preciso, objectivo, absolutamente consistente com a sua posição no processo, isto é, com a prova documental que produziu, e com a demais prova produzida, não permitindo fundamentar qualquer dúvida.
O depoimento de J..., por seu turno, permite por um lado demonstrar como é incredível a versão dos arguidos, ao indicar o arguido B... como estando à beira do irmão, como que invisível aos militares da G.N.R. e Bombeiros Voluntários, e foi ademais um depoimento comprometido, hesitante, protector dos arguidos, admitindo a testemunha com custo que era amigo do pai destes. 
Os Bombeiros Voluntários L... e M..., por seu turno, prestaram depoimentos consistentes, ainda que não totalmente lembrados do ocorrido, e foram equivocamente citados e lidos pelo Tribunal a quo. O primeiro, contra o que considerou o Tribunal, nunca disse com certeza alguma que o arguido C... estava nas traseiras da viatura, e também não depôs neste aspecto com grandes certezas, e igualmente não referiu que estava o arguido molhado, porque disse que não se recordava disso, o que é absolutamente diferente da percepção do Tribunal a quo.
Deu ainda a testemunha a conhecer outros elementos importantes: que encontraram no local a vítima, sendo ajudados pelos militares, e nada disseram espontaneamente sobre a presença de um irmão, sendo que o arguido B... diz que os ajudou, e por isso disso se poderiam recordar. Não é legítimo perguntar quão estranho soa esta ausência da memória da testemunha? Acaso lá se encontrasse o irmão de C..., este prostrado no chão, não estaria o irmão à sua beira, não teria falado com esta testemunha, a ajudado como os militares ajudaram?
Disse ainda a testemunha que a vítima (arguido C...) estava consciente, e falava, o que também credibiliza a versão do militar da G.N.R. autuante: D... (que supra transcrito, disse ter falado com o arguido C..., conclusão igualmente permitida pelo documento de fls. 176, de que aquele esteve consciente). Também disse que a G.N.R. chegou pelo menos ao mesmo tempo, o que também credibiliza a versão do militar autuante.
Já as testemunhas de defesa F..., G..., H..., e I..., revelaram-se comprometidas com a versão dos arguidos, sendo pessoas do seu círculo de conhecidos ou amigos (algumas com maior, outras com menor grau de aproximação, é certo), sendo a primeira notoriamente incredível, hesitante, e confusa, quando as perguntas incidiram sobre se conhecia ou não os arguidos, e sobre os motivos de naquele dia ter passado no local dos factos, revelando surpresa e inabilidade em adaptar-se a estas perguntas, e no entanto considerada credível pelo Tribunal.
Ademais, ver-se-á da versão do arguido B..., como este pelo contrário manifesta que logo no local, uma das testemunhas de defesa lhe dá o contacto, e como este explica que isto teria ocorrido porque ouviram o militar da G.N.R. duvidar da sua versão, o que contradita esta testemunha F..., pois que não sentiu necessidade de contactar os militares da G.N.R. no local, ficando genuinamente surpreso com esta indagação em audiência de julgamento.
Por seu turno, G... foi totalmente incredível, dizendo ser o proprietário do estabelecimento a que se dirigiram os arguidos para, na versão destes, comprar tabaco, tendo ido até à montra ver quem ali se apresentava, porque ... é um local perigoso (não é!), afirmando ter reparado na cor específica do veiculo (referida em concreto, como sendo de vinho), apesar de ser um veículo escuro, estar noite e ter dito que não conseguia ver quem o conduzia por causa do escuro e das luzes ligadas, e reparado ainda que o arguido C... saiu do lugar dos passageiros, e nele reentrou depois de comprar o tabaco.
Finalmente, o arguido B..., cuja versão totalmente incredível foi acolhida como credível pelo Tribunal a quo, demonstra que o julgamento da matéria de facto se alheou totalmente das regras da experiência e da normalidade, tendo o arguido começado as suas declarações por especular sobre as causas do acidente, sinal demonstrativo da necessidade de recorrer à imaginação, estando claramente comprometidas, e não oferecem qualquer rasto razoável de credibilidade.
Finalmente, não servindo o recurso para rebater a motivação do Tribunal a quo, relembramos que para o Ministério Público a decisão recorrida não se afigurou racionalmente motivada e convincente, não tendo partido da situação concreta do arguido C... como potencialmente geradora do logro montado, ignorando a versão das testemunhas D... e E..., que foi consistente, coerente, conjugada ainda com a prova documental que produziram logo a seguir aos factos (o auto de notícia e participação do acidente de viação), e demais prova documental (que ilustra que o arguido C... estava consciente após o acidente, que se magoara no tórax, com preocupação de lesões no esterno, compatível com o embate na zona do volante), sento totalmente incredível a versão dos dois arguidos e da prova testemunhal que os suportou.
Razão pela qual, o Ministério Público impugna nos sobreditos moldes a matéria de facto, entendendo que os factos não provados sob os n.°s 1) a 7) foram incorrectamente julgados como não provados, devendo antes ter sido julgados como provados, que o facto provado sob o n.° 8), em conformidade, não podia conter o trecho "seguia na viatura ali melhor identificada, mas no lugar do passageiro", que os factos provados sob os n.°s 1) a 3), não podiam ter sido provados como o foram, e deviam ser alterados para reflectir a inversão supra mencionada, não podendo ser fixados como provados nesse sentido, o que significa, a proceder o presente recurso, nesta parte, que devem os dois arguidos ser condenados nos termos do libelo acusatório.
33. Nesse circunspecto, é especialmente relevante a situação concreta do arguido C..., e as elevadas necessidades preventivas especiais que o seu caso reclama, exigentes da determinação de pena de prisão efectiva, nos termos concretos, em todo o caso, e quanto aos crimes de que foram acusados os arguidos, e em merecendo provimento o recurso, que o Venerando Tribunal da Relação do Porto entender ajustados."

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo.
4. O arguido C... apresentou resposta à motivação do recurso, na qual concretizou as seguintes conclusões:
A pretensão do recorrente nunca poderá obter provimento.
Inexiste nos autos elementos que impunham uma decisão diversa da proferida, quer em termos de facto, quer em termos de direito.
A sentença recorrida contém uma correta valoração da matéria de facto, e uma correta aplicação do direito.
Não padecendo de erro na sua apreciação, não padece de nulidades, nem de qualquer erro, não merecendo reparo, censura, ou critica,
A sentença recorrida deve manter-se tal qual foi doutamente proferida."

5. O arguido C... também apresentou resposta ao recurso, qual concretizou as seguintes conclusões:
O recurso do recorrente não poderá obter provimento.
Inexistem nos autos elementos de facto concretos, que por si ou conjugados com as demais provas produzidas, imponham uma decisão diversa da que foi proferida, quer em termos de facto, quer em termos de direito.
A sentença recorrida efetuou uma correta valoração da matéria de facto, uma análise criteriosa da prova produzida, analisada criticamente à luz das regras de experiência comum, e analisada entre si, ponderando as suas vicissitudes, as suas discrepâncias entre os vários depoimentos produzidos, por forma a explicitar a convicção do julgador.
A douta decisão recorrida fez, igualmente, uma correcta aplicação do direito aos factos.
Não padece de erro notório na apreciação da prova;
Não se surpreendem na douta decisão recorrida quaisquer das nulidades apontadas;
Não merece a douta sentença recorrida qualquer reparo, censura ou critica.
Devem ser julgadas improcedentes todas as conclusões do recurso do recorrente.
A sentença recorrida deverá manter-se tal qual foi doutamente proferida."

6. O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer, concluindo pela procedência do recurso pelos motivos já expostos na sua motivação.
7. O arguido B... apresentou uma resposta ao parecer, reiterando, no essencial, os termos da sua resposta à motivação de recurso.
8. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso -, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum:
1ª: Da nulidade da sentença (artigo 379º, 1, b), do Código de Processo Penal);
2ª: O vício formal de erro notório na apreciação da prova;
3ª: A impugnação ampla da decisão da matéria de facto;
II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
Perante as questões suscitadas no recurso da sentença, torna-se essencial - para a devida apreciação do seu mérito - recordar a fundamentação da decisão em matéria de facto recorrida:
Extrato da sentença recorrida:
«1) Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
- Factos Provados:
1. No dia 12/04/2015, pelas 22h00, o arguido B... conduzia o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-..-QL, na via pública, na Rua ..., em frente ao n.° ..., nesta cidade e instância local de Felgueira.
2. Na verdade, o arguido B... acabou por se despistar, sendo que do mesmo apenas resultaram danos materiais no veículo automóvel por si conduzido e propriedade de seu pai, N..., e lesões corporais no arguido C... seu irmão.
3. No mesmo dia e nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, pouco tempo depois do despiste, chegaram ao local os Militares da GNR D... e E..., devidamente fardados e identificados que verificaram estar o arguido C... inanimado no chão junto da referida viatura.
4. O arguido B... abordou os referidos militares, tendo declarado ser o condutor do veículo acidentado e tendo dito que o arguido C... era seu irmão e que seguia como passageiro no banco direito dianteiro.
5. O arguido B... foi advertido pelo militar D... de que se faltasse com a verdade incorria na prática de um crime de falsas declarações. Não obstante, o arguido B... renovou as declarações anteriormente prestadas de que seria ele o condutor da viatura acidentada.
6. Em 12.05.2015 ambos os arguidos subscreveram requerimento aos autos, dirigido ao Comandante do Posto da GNR de Felgueiras, através do qual declaram que o condutor do veículo, à data dos factos, era o arguido B... e não o arguido C... — Cfr. fls. 14 dos autos.
7. Em 24.11.2015, aquando do seu interrogatório como arguido, o arguido C...r declarou não ser o condutor do veículo acidentado na data dos factos mas sim o seu irmão, o arguido B..., sendo que ele seguia no banco dianteiro do passageiro.
Mais se provou:
8. Na data, hora e local referido em 1), o arguido C..., seguia na viatura ali melhor identificada, mas no lugar do passageiro, e apresentou uma TAS de 1,91 g/l, cfr. resultado do exame sanguíneo de pesquisa de álcool no sangue efectuado no Hospital, para onde foi transportado.
9. O Arguido B...:
a) é sócio-gerente de uma empresa de calçado, auferindo uma remuneração mensal de cerca de € 1.200,00;
b) é casado e a esposa é operária fabril, auferindo um vencimento mensal de € 700,00;
c) têm um filho menor;
d) vivem em casa própria;
e) tem o 9° ano de escolaridade;
f) do seu CRC não constam antecedentes criminais.
10. O Arguido C...:
a) é empregado fabril, auferindo um vencimento mensal de cerca de € 535,00;
b) é solteiro e não tem filhos;
c) habita em casa dos seus pais;
d) tem o 8° ano de escolaridade;
e) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 26 a 37, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- Factos não provados:
Não se provou que:
f) que fosse o arguido C... a conduzir, no dia, hora e local referidos em, 1) a viatura ali melhor identificada.
g) que o arguido C... estivesse inanimado no chão junto à porta do condutor da referida viatura.
h) que o arguido B... tivesse chegado ao local passados cerca de 10 a 15 minutos após a chegada da ambulância que transportou o arguido C....
i) que o arguido C... sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, que se encontrava influenciado pelas mesmas, que, em virtude disso, não se encontrava em condições de conduzir na via pública, atento o teor alcoólico ingerido e que a condução nas descritas circunstâncias e com uma T.A.S. superior à legalmente permitida constituía ilícito penal, querendo, não obstante esse conhecimento, conduzir o veículo automóvel em causa na via pública naquelas circunstâncias e condições.
j) que o arguido C... tenha agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
k) que os arguidos C... e B... tivessem actuado ainda de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não estavam a prestar declarações de forma verdadeira perante militares da GNR no exercício das suas funções, pois que bem sabiam que quem conduzia o veículo era o arguido C... e não o arguido B..., para deste modo evitar a responsabilização criminal do arguido C... pelo crime de condução sob o estado de embriagues, atendendo a que este havia ingerido bebidas alcoólicas e tinha já sofrido várias condenações em processo penal por crime idêntico.
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados e não provados, baseou-se, fundamentalmente, no facto de não se ter efectuado uma prova plena, bastante ou segura de que tivesse sido o arguido C... o condutor da referida viatura, e por arrastamento, que os arguidos, afinal, não tivessem prestado falsas declarações.
Vejamos porquê.
Antes de mais, cumpre referir que a prova para condenar ou absolver os arguidos, além de ter de ser produzida em sede de audiência de julgamento, tem de ser uma prova bastante, segura e efectiva, de molde a que da mesma não possam resultar quaisquer dúvidas para o tribunal.
De facto, e neste caso concreto, o Tribunal não conseguiu ultrapassar as dúvidas que do processo e da audiência de julgamento resultaram.
Em 1° lugar, cumpre referir e constatar que ninguém viu como o acidente aconteceu.
Em 2° lugar, os arguidos, e ambos os arguidos, foram peremptórios em afirmar, e até já antes da acusação, e em declaração por si prestada a fls. 14, que, de facto, o condutor da viatura era o B... e não o C...; sendo que, em sede de julgamento mantiveram essa mesma versão dos factos, acrescentando e explicando que estavam numa festa de anos, e que decidiram vir comprar tabaco, e que quem conduziu a viatura foi o B..., e que, já depois de terem comprado o tabaco, se despistou e embateu no muro, sendo que o arguido C... ficou ferido na cabeça dado que não levava cinto de segurança.
Em 3° lugar, algumas testemunhas inquiridas em sede de julgamento, de certa forma corroboraram a versão apresentada pelos arguidos:
- a testemunha de acusação, J..., reformado, e proprietário da habitação em cujo muro a viatura acabou por embater, de uma forma que se afigurou credível, referiu que estava a dormir e que ouviu um estrondo, e veio à janela e abriu a mesma, tendo-se deparado com a viatura acidentada e já com duas viaturas paradas à beira da mesma, e sugeriu se não era melhor ligar para o INEM, ao que alguém lhe terá respondido afirmativamente; o que fez. Mais afirmou não ter conseguido ver as pessoas do carro acidentado, porque não dava para ver. Acrescentou que depois de ligar para o INEM, abeirou-se do local e viu o arguido C... já deitado no chão, para trás da viatura acidentada, e viu pessoas a auxiliar o ferido, e já lá se encontravam a ambulância e a GNR, afirmando ainda que também viu o arguido B... junto do seu irmão. Afirmou desconhecer quem vinha dentro do veículo e que o mesmo ficou em cima do muro, e rebentou um cano de água, mas à frente da viatura, esclarecendo que a água jorrava para a frente.
- a testemunha de defesa, F..., o qual chegou após o acidente, dado que ia a passar no local, e de uma forma que se afigurou credível, referiu que viu no local os dois aqui arguidos, um fora da viatura e o outo dentro da viatura no lado do passageiro, e até o ajudou a tira para fora da viatura; sendo que identificou como tal, o arguido C.... Mais referiu que ele, o arguido B.... e outra pessoa que entretanto chegou ao local, o H..., colocaram o ferido C... no chão, para trás da viatura acidentada, o qual estava ferido na testa. Mais referiu que o veículo acidentado estava em cima do muro, e que havia arrebentado um cano de água que fazia com que a mesma jorrasse na frente da viatura. Mais acrescentou que o arguido B... estava preocupado com o irmão e pouco falava, dado que estava mais interessado em ajudar o mesmo.
- a testemunha H..., a qual também chegou ao local após o acidente, dado que ia a passar no local, afirmando que foi o 1° a chegar, e o que o fez parar foi ver um carro acidentado, embatido contra um muro e em cima do mesmo, e uma pessoa cá fora, e que se recorda estava a mexer na pessoa que ainda estava dentro da viatura, no lado do passageiro. Mais referiu que depois pararam uma série de carros, sendo que num deles também vinha a testemunha anterior, e que o ajudou mais o arguido B... a retirar o arguido C... do lugar do passageiro, tendo o colocado para trás da viatura; tendo-lhe colocado, inclusive, um tapete por baixo da cabeça. Confirmou que foram interpelados pelos Sr. da casa, acerca da necessidade de chamar o INEM. Mais afirmou que 1° chegaram os bombeiros na ambulância, e depois a GNR. Mais referiu que o arguido B... sempre esteve no local, e que o mesmo estava impaciente, desconcentrado e sem reacção. Referiu que o carro estava com a frente desfeita e o vidro da frente partido, e que quando chegou o passageiro estava inconsciente. Referiu que a água estava jorrar para a frente do carro. 
- a testemunha de defesa O..., esposa do arguido B..., apenas veio confirmar o pelos mesmo afirmado, ou seja, de que estavam numa festa de anos, por acaso do C..., e que saíram os dois irmãos, o aqui seu marido B... e o irmão C... para irem comprar tabaco, e que quem foi a conduzir a referida viatura era o seu marido. Confirmou igualmente que o seu marido não levava documentos e que, posteriormente, foi lá um rapaz buscar os documentos do mesmo. Tal pessoa foi a inquirida também testemunha de defesa J..., o qual, em sede de inquirição se limitou a relatar isso mesmo, ou seja, que também esteve no local do acidente e que o arguido B... lhe pediu para ele ir buscar os seus documentos a casa.
- a testemunha de defesa G..., gerente de restauração, o qual tem a churrasqueira "P...", em ..., o qual se limitou a confirmar que num domingo à noite, cerca das 9h30m, chegou ao seu estabelecimento o Mercedes desportivo e cor de vinho; sendo que ao aperceber-se de tal viatura veio à janela, por curiosidade, e reparou que quem saiu da mesma, e do lado do passageiro foi o arguido C..., o qual ali se deslocou afim de comprar tabaco. Mais reparou também que após tal compra o mesmo entrou igualmente para o lugar do passageiro. Afirmou não ter visto quem era o condutor da viatura.
No que concerne às duas testemunhas inquiridas ao abrigo do disposto no art. 340° do C.P.P., nomeadamente, os bombeiros que ocorreram ao acidente e prestaram o socorro, L... e M..., ambos bombeiros no BV Felgueiras, os mesmos, e no que concerne à presença dos arguidos no local, não se recordavam de tal, afirmando que desconheciam os arguidos, e que se limitaram a prestar socorro a uma das vítimas. Ambos foram coerentes em afirmar que a vítima estava para trás da viatura acidentada e não estava molhada.
Restam os depoimentos dos Srs. Agentes da GNR, e que elaboraram o auto de notícia constante de fls. 3 a 6, a PAV de fls. 7 a 10, e tiraram as fotos de fls. 11.
De facto, a testemunha de acusação e agente da GNR, D..., a prestar serviço no Posto da GNR de Felgueiras, relatou que estava de patrulha e foram chamados ao local, porque havia um acidente, que tinha consistido num despiste com um ferido; sendo que relatou que chegou ao local e viu que estava um individuo deitado junto da viatura, ao lado da porta do condutor, a qual estaria aberta, o qual estava consciente, e que falou com o mesmo e que ele lhe teria dito que era o condutor e que se havia despistado. Mais referiu que estavam todos molhados devido ao rebentamento do cano de água, e daí ter participado o acidente como sendo o ferido o condutor, tanto mais que das fotos, o vidro até estava estilhaçado do lado do condutor. Mais afirmou que quando chegou ao local estariam lá mais 3 pessoas já de idade, e que não estaria o irmão do ferido; sem contudo deixar de afirmar, que entretanto, se juntou lá no local bastante gente. Mais afirmou ser sua convicção de que o arguido B... lá teria chegado uns minutos depois e que lhes teria começado a dizer que era ele o condutor da viatura, mas que não acreditou nele, uma vez que, e na sua opinião o mesmo não estava nervoso com o sucedido, e descreveu o acidente de uma forma vaga. Este agente de autoridade acabou por referir que, não viu o acidente de viação, e que elaborou o auto de notícia que juntou aos autos na convicção e na percepção de que teve dos factos à altura. No entanto, confirmou que quando lá chegaram já lá estava uma outra viatura com os 4 piscas ligados — a qual seria da testemunha H....
Por seu turno, o agente da GNR e testemunha de acusação, D..., corroborou o depoimento do seu colega, no essencial, confirmando que a vítima estava junto à porta do condutor, e que depois veio um senhor que se intitulou como condutor da viatura, e que foi o colega que fez o expediente.
De facto, e pese embora o afirmado pelos Srs. Agentes de Autoridade, quer em sede de julgamento, quer em sede de auto de notícia, o que é certo é que, o depoimento dos mesmos, não foi muito ou nada coincidente com o teor da restante da prova efectuada em sede de julgamento, e dos restantes elementos constantes dos autos.
Com efeito, nenhuma das testemunhas viu o acidente, e das que chegaram ao local (testemunhas H... e F...) ou estavam no local (testemunha J..., dono da casa), à altura do acidente, as mesmas não foram totalmente esclarecedoras quanto ao condutor, mas não tiveram dúvidas que ambos os aqui arguidos estavam no local do acidente; sendo que os GNR's não foram também eles totalmente credíveis quanto às pessoas que estavam no local, o que é normal, dado que, é normal e após um acidente, se junte um aglomerado de pessoas, e dentre essas nem sempre é possível ver quem é que está ou não está ou eventualmente chega depois.
Depois há que atentar nos pormenores e nas discrepâncias.
Os Srs. Agentes da GNR afirmaram que a vítima estava deitada ao lado da viatura e ao lado da porta do condutor, quando as restantes testemunhas e todas elas referiram, inclusive, os bombeiros, que a vítima estava atrás da viatura.
Os Srs. Agentes também afirmaram que as pessoas estavam molhados, inclusive a vítima; por sua vez as restantes testemunhas e todas elas referiram, inclusive, os bombeiros, que a vítima não estava molhada e que a água jorrava para a frente da viatura e não para cima da mesma.
No que concerne aos estilhaços no vidro, ou seja, que o vidro teria um estilhaço que corresponderia a uma cabeçada do condutor da viatura do vidro: de facto e das fotos juntas a fls. 11, e tiradas na altura do acidente, tal não será completamente visível, antes de podendo, e s.m.o., vislumbrar de facto, o vidro estilhaçado, mas talvez devido à violência do embate que fez com que o capot do carro encarquilhasse e atingisse o vidro; o que de certa forma é corroborado pelas fotos que depois foram juntas aos autos a fls. 177 e 192 a 195 e relativas à viatura acidentada, onde tal é mais visível.
Depois, não será pelo facto de o arguido C... ter apresentado uma TAS e já ter antecedentes criminais pela prática de vários ilícitos de condução de veículo em estado de embriaguez que se pode concluir que tal será mais um factor para considerar ou ponderar que, afinal teria sido o mesmo, o condutor da viatura; e que ambos ao arguidos estariam a prestar falsas declarações à GNR.
Ou seja, e em jeito de conclusão, de facto, as convicções são uma coisa, mas o que vale para condenar ou absolver pessoas são as provas, ou melhor, é a prova ou não dos factos em sede de julgamento, o que, neste caso concreto, não se efectuou com a certeza, clareza ou para além de qualquer dúvida razoável, que se impunha e, assim, e à mingua de outros elementos, ficaram dúvidas quanto aos crimes imputados aos arguidos, dúvidas essas, que, e atento o principio in dúbio pro reo, tem de ser resolvidas a favor dos arguidos."
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Perante o exposto, importa apreciar e decidir as questões submetidas à apreciação deste Tribunal – sem prejuízo das questões de apreciação oficiosa -.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), cumpre apreciar, primeiramente, o vício formal arguido pela recorrente.

A – Da alegada nulidade da sentença [artigo 379º, 1,b), do Código de Processo Penal]:
O Ministério Público imputa à sentença recorrida a nulidade tipificada na alínea b) do número 1 do artigo 379º por, no seu entender, o facto provado nº 8 configurar um aditamento inadmissível, por não constar da acusação, nem das contestações.
Apreciando.
De jure
§ 1º A nulidade invocada pelo recorrente consiste numa sentença condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.
Porém, a tese do recorrente não tem o menor fundamento, uma vez que a verificação da nulidade depende, desde logo, da circunstância de ter sido proferida uma sentença condenatória, conforme resulta da letra do próprio artigo 379º, 1, b), do Código de Processo Penal invocado, ao prever "uma sentença que condenar por…".
§ 2º Ora, tendo a sentença sido absolutória, a sentença nunca poderia padecer dessa nulidade.
§ 3º Esta conclusão está de acordo com o sistema garantístico processual penal, não sendo exigível, legalmente, qualquer comunicação de alteração de factos que se compreendam, somente, numa lógica de absolvição de arguidos, por tal informação consubstanciar um ato processual que se destina a assegurar os direitos de defesa dos arguidos e não "os interesses da acusação".
Nestes termos, improcede a alegada nulidade parcial da sentença.

B – Do alegado erro notório na apreciação da prova;
O recorrente também imputa à sentença recorrida o vício formal de erro notório na apreciação da prova, que consubstancia nos seguintes termos:
a) ao contrapor a versão das testemunhas de defesa com as de acusação, a fundamentação da convicção do tribunal aparenta ter realizado uma simples operação aritmética, dando prevalência probatória ao maior número de testemunhos;
b) ao mesmo tempo que o tribunal considera provados os factos números 1 a 8 – factos que, no essencial, desmentem que os arguidos cometeram os crimes pelos quais vieram, acusados -, na fundamentação da convicção do tribunal ficou expresso que "ficaram dúvidas quanto aos crimes imputados aos arguidos", o que não permite concluir, sem mais, pela prova dos factos números 1 a 8.
Apreciando.
De jure
§ 1º O erro notório na apreciação da prova integra um vício da decisão (artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal), que só ocorre quando a convicção do julgador (fora dos casos de prova vinculada) for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum.
§ 2º Deve assim tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Trata-se de um vício de decisão e não de julgamento que, enquanto subsistir, não permite que a causa seja decidida.
§ 3º Analisada a fundamentação da convicção do tribunal, conclui-se existir uma contradição lógica entre a fundamentação da convicção do tribunal e o facto considerado provado número 1, bem como a primeira parte dos factos provados 2 e 8, uma vez que o tribunal concluiu, expressamente, que "neste caso concreto, (…) ficaram dúvidas quanto aos crimes imputados aos arguidos, dúvidas essas, que, e atento o principio in dubio pro reo, tem de ser resolvidas a favor dos arguidos", ao mesmo tempo que considerou provada a versão da defesa dos arguidos nos factos atrás assinalados. Das duas uma: ou o tribunal teve dúvidas em relação aos factos descritos na acusação e, nessa modalidade, limita-se a considera-los não provados, ou então não teve dúvidas na falsidade dos factos descritos na acusação, sendo verdadeiros os factos alegados pelos arguidos no âmbito das suas declarações e, neste caso, considera estes últimos provados.
O que um tribunal não pode fazer é concluir, perante a prova produzida, ter dúvidas em relação ao sucedido e, simultaneamente, por isso, considerar provada a versão declarada pelos arguidos consubstanciada em factos relativamente aos quais o tribunal entende não terem resultado apurados da prova produzida em julgamento. Não constitui consequência jurídica necessária da presunção de inocência que a versão declarada pelos arguidos corresponda inteiramente à verdade mas, apenas e tão-só, que a versão da acusação não seja considerada provada, a não ser que haja prova(s) produzida(s) em julgamento que a demonstrem de forma segura.
§ 4º Por conseguinte, o recorrente tem razão, quando afirma existir um erro notório na apreciação da prova.
§ 5º Quais serão as consequências jurídicas emergentes de tal erro? A lei processual penal prevê que se proceda ao reenvio do processo para novo julgamento, sempre que haja tal erro, desde que este tribunal de recurso não possa apreciar o mérito da causa. Por conseguinte, tendo-se percebido a razão de ser do erro notório na apreciação da prova, que ficou bem evidenciada na fundamentação da decisão, este tribunal superior deve corrigir a decisão da matéria de facto, em conformidade, passando a considerar não provados os seguintes factos, por não terem resultado da prova produzida em julgamento:
1. No dia 12/04/2015, pelas 22h00, o arguido B... conduzia o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-..-QL, na via pública, na Rua ..., em frente ao n.° ..., nesta cidade e instância local de Felgueira.
2. Na verdade, o arguido B... acabou por se despistar (…).
3. (…)
4. (…)
5. (…).
6. (…).
7. (…).
8. Na data, hora e local referido em 1), o arguido C..., seguia no lugar de passageiro da viatura ali melhor identificada.

§ 6º Além do erro notório atrás apreciado, o recorrente ainda invoca um outro, que consiste na completa desconsideração na motivação dos antecedentes criminais do arguido C...), referentes a dois crimes de condução sem habilitação legal, um deles concomitante com um crime de ofensa negligente (em acidente de viação) e quatro crimes de condução sob o efeito do álcool, condenado aquele em prisão suspensa, e a última condenação transitada em julgado a 03/11/2014, condenando-o em 5 meses de prisão por dias livres, que terá cumprido no final daquele ano e no início de 2015.
§ 7º Sem dúvida que tais antecedentes permitem considerar adquirido que o arguido já conduziu diversas vezes sem habilitação legal e sob a influência de álcool, tendo já incorrido, inclusivamente, num acidente de viação. Tal factualidade objetiva permite concluir que o arguido C... tem uma personalidade e hábitos de conduta compatíveis com a conduta que lhe era imputada em sede de acusação no âmbito dos presentes autos, mas não permite, sem mais, considerar provados os factos respetivos. A omissão de referência a tais antecedentes na fundamentação da convicção do tribunal não constitui um erro notório na apreciação da prova, mas apenas uma omissão que fragiliza a decisão.
C – Da impugnação ampla da decisão da matéria de facto:
§ 1º Para aferir o mérito da impugnação da decisão da matéria de facto, nos pontos identificados na motivação de recurso, interessa recordar, primeiramente, os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo -.
Esta regra concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Essa liberdade não é, pois – de todo - absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo. Tal impossibilita que o julgador possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
Para os cidadãos – e os Tribunais superiores – poderem controlar a formação dessa convicção, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença deverá conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova. Como decorre claramente da fundamentação da decisão da matéria de facto, acima reproduzida, a sentença recorrida satisfez plenamente tais exigências, podendo, por conseguinte, ser sindicada a convicção do Tribunal a quo em relação às provas produzidas em julgamento.
A livre apreciação da prova – ou, melhor, do livre convencimento motivado - não pode ser, pois, confundida com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova: a lei exige um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso.
O princípio da livre apreciação da prova não equivale ao livre arbítrio.
§ 2º Tendo o tribunal a quo procedido a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tal permitiu ao recorrente impugnar o processo de formação da convicção do tribunal a quo e o tribunal ad quem só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando tal convicção não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, o que deverá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento.
Como é consabido, o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.
A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo (ou seja, que a prova oral gravada, as fotografias e a restante prova documental não corresponderem ao seu teor identificado na fundamentação da convicção do tribunal, ou se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto: no recurso da decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal ad quem em resultado da apreciação de toda a prova produzida).
§ 3º Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa de recorrentes interessados, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no artigo 412.º, 3 e 4, do Código de Processo Penal, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelos pontos questionados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja ratio legis assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
a) os pontos sob censura na decisão recorrida; e
b) as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no artigo 364º, 2, do Código de Processo Penal e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Por conseguinte, impõe-se apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de obter uma nova convicção do tribunal ad quem assente na apreciação da globalidade da prova produzida.
Assentes estes pressupostos genéricos cumpre, pois, descer ao caso concreto.
§ 4º Além da matéria de facto que já foi objeto de alteração, mediante a correção do erro notório na apreciação da prova, o Ministério Público também entende que os factos não provados sob os n.°s 1) a 7) foram incorretamente julgados como não provados, devendo antes ter sido julgados como provados.
As provas concretas que, em seu entender, devem fundamentar decisão diversa, são as seguintes:
a) O auto de notícia com o NUIPC 351/15. OGAFLG, junto a fls. 3-6, sendo autuante o GUARDA PRINCIPAL D..., acompanhado do GUARDA PRINCIPAL E..., auto esse redigido no dia 18/04/2015, pelas 14h26m, ficando vertido a versão que os dois militares vieram a reproduzir em audiência de julgamento, de um modo consistente, e impressivo, logo demonstrando como foi percebido o logro entretanto montado pelos arguidos para proteger o arguido C... de prováveis penosas consequências penais;
b) na participação do acidente de viação com o NPAV 0189/2015, elaborada a 16/04/2015, pelas llh04m, antes do auto de notícia supra indicado, portanto, junta a fls. 7-9, na reportagem fotográfica a fls. 11, tirada no dia da ocorrência, a qual permite verificar uma fragmentação mais evidente do lado do condutor, mas que é totalmente contraditória com aquela junta a requerimento dos arguidos por requerimento efectuado em audiência de julgamento no dia 10/11/2016 (e que denotam fragmentação do lado do condutor, alegando o arguido B..., que se disse o condutor, que tal se deveu à queda de uma pedra, conveniente por este não ter ferimentos, mas o seu irmão C... sim).
c) o atendimento urgente ao arguido C..., documentado a fls. 176, descrevendo-se na história clínica, da qual releva que o mesmo estava consciente e a falar, e além do mais que o arguido C... teve lesões ao nível do tórax, havendo preocupação com o esterno, o que é mais compatível com a hipótese de ter batido com a zona do peito no volante, quando se dá o embate, do que com a versão dos arguidos, e demonstram ser convincente a versão de D... (que, ver-se-á, disse ter falado com este e verificar que do lado do condutor era notório o embate do arguido).
d) o requerimento dirigido ao Comandante do Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana, não datado, e cuja nota manuscrita indica ter sido recebido no dia 11/05/2015, junto a fls. 14, quase um mês depois dos factos e do auto de notícia e participação do acidente de viação, no qual ficou narrada uma surpresa que se não entende, e não sendo indicadas as testemunhas já indicadas na contestação (F..., G..., H..., I...) e que, nas declarações do arguido B... em audiência de julgamento, são referidas como logo se tendo apercebido no local que a G.N.R. não se convencera da versão dos arguidos.
e) O depoimento de D... (início ocorreu pelas 15 horas e 30 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 57 minutos); E... (inicio ocorreu pelas 16 horas e 05 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 22 minutos); J..., (inicio ocorreu pelas 16 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 59 minutos); F... (inicio ocorreu pelas 17 horas e 01 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 21 minutos); G... (00:00:01 a 00:04:59); I... (00:00:01 a 00:05:42); H... (inicio ocorreu pelas 17 horas e 23 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 41 minutos); ARGUIDO B... (inicio ocorreu pelas 15 horas e 01 minutos e o seu termo peias 15 horas e 20 minutos; [e da acta do dia 05/12/2016] L... (00.00:01 a 00:06:41); M... (00:0i:0i a 00:02:46);
f) O depoimento do militar autuante, D..., secundado pelo militar E..., foi extenso, pormenorizado, seguro, preciso, objectivo, absolutamente consistente com a sua posição no processo, isto é, com a prova documental que produziu, e com a demais prova produzida, não permitindo fundamentar qualquer dúvida.
g) O depoimento de J..., por seu turno, permite por um lado demonstrar como é incredível a versão dos arguidos, ao indicar o arguido B... como estando à beira do irmão, como que invisível aos militares da G.N.R. e Bombeiros Voluntários, e foi ademais um depoimento comprometido, hesitante, protector dos arguidos, admitindo a testemunha com custo que era amigo do pai destes.
h) os Bombeiros Voluntários L... e M..., por seu turno, prestaram depoimentos consistentes, ainda que não totalmente lembrados do ocorrido, e foram equivocamente citados e lidos pelo Tribunal a quo. O primeiro, contra o que considerou o Tribunal, nunca disse com certeza alguma que o arguido C... estava nas traseiras da viatura, e também não depôs neste aspecto com grandes certezas, e igualmente não referiu que estava o arguido molhado, porque disse que não se recordava disso, o que é absolutamente diferente da percepção do Tribunal a quo; a testemunha ainda revelou que encontraram no local a vítima, sendo ajudados pelos militares e nada disseram espontaneamente sobre a presença de um irmão, sendo que o arguido B... diz que os ajudou, e por isso disso se poderiam recordar. Não é legítimo perguntar quão estranho soa esta ausência da memória da testemunha? Acaso lá se encontrasse o irmão de C..., este prostrado no chão, não estaria o irmão à sua beira, não teria falado com esta testemunha, a ajudado como os militares ajudaram?
i) a mesma testemunha ainda referiu no seu depoimento que a vítima (arguido C...) estava consciente, e falava, o que também credibiliza a versão do militar da G.N.R. autuante: D... (que supra transcrito, disse ter falado com o arguido C..., conclusão igualmente permitida pelo documento de fls. 176, de que aquele esteve consciente). Também disse que a G.N.R. chegou pelo menos ao mesmo tempo, o que também credibiliza a versão do militar autuante.
j) as testemunhas de defesa F..., G..., H..., e I..., revelaram-se comprometidas com a versão dos arguidos, sendo pessoas do seu círculo de conhecidos ou amigos (algumas com maior, outras com menor grau de aproximação, é certo), sendo a primeira notoriamente incredível, hesitante, e confusa, quando as perguntas incidiram sobre se conhecia ou não os arguidos, e sobre os motivos de naquele dia ter passado no local dos factos, revelando surpresa e inabilidade em adaptar-se a estas perguntas, e no entanto considerada credível pelo Tribunal.
k) G... foi totalmente incredível, dizendo ser o proprietário do estabelecimento a que se dirigiram os arguidos para, na versão destes, comprar tabaco, tendo ido até à montra ver quem ali se apresentava, porque ... é um local perigoso (não é!), afirmando ter reparado na cor específica do veiculo (referida em concreto, como sendo de vinho), apesar de ser um veículo escuro, estar noite e ter dito que não conseguia ver quem o conduzia por causa do escuro e das luzes ligadas, e reparado ainda que o arguido C... saiu do lugar dos passageiros, e nele reentrou depois de comprar o tabaco.
l) o arguido B..., cuja versão totalmente incredível foi acolhida como credível pelo Tribunal a quo, demonstra que o julgamento da matéria de facto se alheou totalmente das regras da experiência e da normalidade, tendo o arguido começado as suas declarações por especular sobre as causas do acidente, sinal demonstrativo da necessidade de recorrer à imaginação, estando claramente comprometidas, e não oferecem qualquer rasto razoável de credibilidade.

§ 5º Apreciando.
Analisada a fundamentação da convicção do tribunal plasmada na decisão recorrida, constata-se que foram desconsiderados os depoimentos das testemunhas D... e E..., militares da G.N.R. - que evidenciaram no respetivo depoimento recordar-se perfeitamente o que observaram no momento em que chegaram ao local do acidente, nos termos que constam do auto de notícia constante dos autos a folhas 3 a 6, bem como na participação de acidente de viação (fls. 7 a 9) e nas fotografias captadas logo após o acidente (fls.11).
Resulta inequívoco de tais depoimentos que na altura em que a patrulha da G.N.R. chegou ao local, os militares D... e E... apenas encontraram cinco pessoas idosas (entre os 60 e os 70 anos de idade) encostadas junto de uma casa próxima e dois indivíduos juntos ao porta-bagagem do veículo acidentado (que eram desconhecidos do sinistrado), a tentarem desligar a bateria do veiculo, bem como um indivíduo deitado no chão, junto à porta do lado do condutor do referido veiculo (o arguido, sinistrado, C...).
De tais depoimentos resulta claro e seguro que o irmão de C... – o também arguido B... - não se encontrava presente no local do sinistro quando aí chegaram os militares da G.N.R. e os bombeiros que vieram na ambulância.
De acordo com as duas testemunhas – e o teor do auto de notícia - o arguido B... apenas chegou ao local do acidente posteriormente, cerca de dez ou quinze minutos após a chegada da patrulha da G.N.R. e dos bombeiros.
O arguido B... afirmou em julgamento ter sido ele o condutor da viatura sinistrada – o que é notoriamente falso pelas circunstâncias a seguir concretizadas:
a) o arguido B... não evidenciava o menor vestígio de ter estado no veículo sinistrado, pois não se encontrava lesionado, não tinha vidros no cabelo ou indumentária, estava calmo – apesar do seu irmão se encontrar ferido, estando a ser assistido pelos bombeiros – e não soube explicar nem sequer em julgamento a razão da colisão, tendo ainda gaguejado quando lhe foi perguntado se falou com os bombeiros no local, dizendo "É assim, não falei, eles, falei, ou seja, eles perguntaram como é que tiramos (imperceptível) que era para eles saberem aquilo que iam, que iam, que iam fazer. Depois ajudei os bombeiros a pô-lo direito para o colocarmos na na maca...", o que não foi confirmado nos depoimentos dos bombeiros que testemunharam em julgamento;
b) o teor da resposta do arguido e o modo como esta foi produzida revelam, claramente, que o mesmo estava a mentir, por não ter nexo, ter sido produzida de forma titubeante, ter entrado em contradição na mesma frase e contrariar as regras da experiência comum: os bombeiros não necessitavam de instruções do arguido para saberem o que fazer;
c) os depoimentos dos bombeiros, ao explicarem em julgamento o que sucedeu na sua presença, não mencionaram qualquer ajuda, ou sequer, presença no local do arguido B... – sendo ainda certo que se teriam recordado dessa circunstância, caso o mesmo tivesse estado presente, uma vez que as testemunhas em causa revelaram muitos pormenores do sucedido e, caso o irmão da vítima tivesse estado presente no momento da chegada dos bombeiros e da G.N.R., certamente que teria sido a primeira pessoa a dirigir-se a estes, no sentido de promover o socorro do seu irmão, o que não aconteceu;
d) o arguido C... estava deitado fora do carro, junto da porta do condutor, quando lá chegou a patrulha da G.N.R. (como resulta dos depoimentos de ambos os militares e se encontra documentado no auto de notícia, não tendo sido contrariado, de forma consistente, por qualquer outro meio concreto de prova, designadamente depoimento de testemunha que evidenciasse recordar-se da posição do sinistrado com o mesmo grau de segurança evidenciado pelos militares);
e) o arguido C... apresentava lesões compatíveis com a circunstância de ter estado sentado ao volante do automóvel no momento da colisão (fratura da costela esquerda – vide relatório clínico junto a folhas 176 -, conjugada com as fotografias do automóvel juntas a folhas 11, nas quais se encontra documentado que não foi acionado qualquer "airbag", designadamente na zona do volante, tendo a colisão tido alguma violência, pelos danos gerados no capot e no para-brisa);
f) a lesão física do arguido C... não teria sido possível estando sentado no lugar do passageiro – uma vez que para colidir com a costela esquerda no tablier, a sua cabeça tinha que atravessar, forçosamente, o para-brisas, o que não sucedeu, como resulta evidente nas fotografias juntas aos autos a folhas 11 e emerge da ausência de lesões no seu crânio;
g) contrariamente ao referido na fundamentação da convicção do tribunal, os bombeiros que ocorreram ao acidente e prestaram o socorro, L... e M..., ambos bombeiros no BV Felgueiras, não referiram nos respetivos depoimentos que quando chegaram ao local, o arguido C... se encontrava atrás da viatura sinistrada e não estava molhado. O que estas testemunhas referiram foi não se lembrarem se o arguido se encontrava molhado – não tendo afastado essa possibilidade – e que o mesmo se encontrava do lado esquerdo da viatura, quando chegaram ao local o que terá coincidido, também, sensivelmente, com a chegada da patrulha da G.N.R.; e
h) a mentira defendida pelos arguidos – e apurada nos termos acima referidos – pode ser explicada por terem ambos como motivação pessoal o conhecimento da existência de antecedentes criminais do arguido C... por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, receando por isso uma nova condenação penal por crime idêntico.
A restante prova produzida oralmente em julgamento, que divergiu de forma inconsistente da realidade apreendida e transmitida em julgamento pelos militares da G.N.R. e pelos bombeiros que compareceram no local do acidente de viação, não permite instalar qualquer dúvida a respeito do sucedido num julgador objetivo: perante a realidade física acima descrita, impõe-se concluir que os factos descritos na acusação correspondem à verdade, eliminando-se da listagem de factos considerados não provados, passando a considerar-se provado (além do que ainda subsiste provado) , o seguinte:
1. "No dia 12 de Abril de 2015, pelas 22h00, o arguido C... conduzia na via pública o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-..-QL, na Rua ..., em frente ao n.º ..., em Felgueiras, com uma T.A.S. de 1,91 g/l.
2. Quando chegaram ao local os militares da GNR, o arguido C... encontrava-se inanimado no chão, perto da porta do condutor da referida viatura.
3. Passados cerca de 10 a 15 minutos após a chegada da ambulância e dos militares da G.N.R. chegou ao local o arguido B... que abordou os militares e declarou ser ele o condutor do veículo acidentado e que o arguido C... era seu irmão e que este seguia como passageiro no banco direito dianteiro.
4. Por todas as evidências apontarem em sentido diverso, foi o arguido B... advertido pelo militar D... de que se faltasse com a verdade incorria na prática de um crime de falsas declarações.
5. Não obstante, o arguido B... renovou as declarações anteriormente prestadas de que seria ele o condutor da viatura acidentada.
6. O arguido C... sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, que se encontrava influenciado pelas mesmas e que, em virtude disso, não se encontrava em condições de conduzir na via pública, atento o teor alcoólico ingerido e que a condução nas descritas circunstâncias e com uma T.A.S. superior à legalmente permitida constituía ilícito penal.
7. Não obstante esse conhecimento, quis conduzir o veículo automóvel em causa na via pública naquelas circunstâncias e condições,
8. O arguido C... agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
9. Os arguidos atuaram ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não estavam a prestar declarações de forma verdadeira perante militares da GNR no exercício das suas funções, pois bem sabiam que quem conduzia o veículo era o arguido C... e não o arguido B... para, deste modo, evitarem a responsabilização criminal do primeiro pelo crime de condução sob o estado de embriaguez, tendo já sofrido várias condenações em processo penal por crime idêntico.
10. Os arguidos bem sabiam que com a sua conduta obstruíam a ação da justiça.
11. Mais sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal."
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§ 6º Perante as alterações introduzidas por este Tribunal na decisão da matéria de facto, tanto por erro notório na apreciação da prova por parte do tribunal a quo, como no âmbito da procedência da impugnação, também em sede de recurso, dos factos considerados não provados, impõe-se, ora, extrair todas as consequências jurídicas penais, enquadrando juridicamente os factos provados e aplicando as respetivas penas concretas.
§ 7º No entanto, esta operação não poderá ser realizada por este Tribunal, por existirem insuficiências para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal], que não podem ser reparadas por este tribunal superior, a saber:
Para a determinação das penas concretas, torna-se essencial apurar o seguinte:
a) As circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidos os crimes pelos quais o arguido C... já foi julgado e condenado.
b) Se o arguido C... tinha e mantém problemas de alcoolismo.
c) Em caso de resposta positiva à questão anterior, se o mesmo arguido está na disposição de realizar um tratamento, com acompanhamento médico, a essa dependência.
d) O valor das despesas correntes do agregado familiar do arguido B....
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Pelo exposto, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento, circunscrito ao apuramento de tais factos e subsequente decisão da causa, tendo em conta, também, a nova decisão da matéria de facto emergente deste recurso (artigos 426º, 1 e 426-A, ambos do Código de Processo Penal).
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Das custas:
Sendo o recurso do Ministério Público julgado somente parcialmente provido, com a oposição dos arguidos, não há lugar à condenação destes últimos nas custas, nos termos previstos nos artigos 513°, 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal.
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IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes signatários acordam por unanimidade, em conferência, julgar parcialmente provido o recurso do Ministério Público e, em consequência:
a) julgam improcedente a alegada nulidade da sentença recorrida;
b) alteram a decisão da matéria de facto, transitando para os factos considerados não provados os seguintes:
"1) No dia 12/04/2015, pelas 22h00, o arguido B... conduzia o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-..-QL, na via pública, na Rua ..., em frente ao n.° ..., nesta cidade e instância local de Felgueira.
2) O arguido B... acabou por se despistar (…).
8) Na data, hora e local referido em 1), o arguido C..., seguia no lugar de passageiro da viatura ali melhor identificada."
c) alteram a decisão da matéria de facto, transitando para os factos considerados provados, os seguintes:
"No dia 12 de Abril de 2015, pelas 22h00m, o arguido C... conduzia na via pública o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula ..-..-QL, na Rua ..., em frente ao n.º ..., em Felgueiras, com uma T.A.S. de 1,91 g/l.
Quando chegaram ao local os militares da GNR, o arguido C... encontrava-se inanimado no chão, perto da porta do condutor da referida viatura.
Passados cerca de 10 a 15 minutos após a chegada da ambulância e dos militares da G.N.R. chegou ao local o arguido B... que abordou os militares e declarou ser ele o condutor do veículo acidentado e que o arguido C... era seu irmão e que este seguia como passageiro no banco direito dianteiro.
Por todas as evidências apontarem em sentido diverso, foi o arguido B... advertido pelo militar D... de que se faltasse com a verdade incorria na prática de um crime de falsas declarações.
Não obstante, o arguido B... renovou as declarações anteriormente prestadas de que seria ele o condutor da viatura acidentada.
O arguido C... sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, que se encontrava influenciado pelas mesmas e que, em virtude disso, não se encontrava em condições de conduzir na via pública atento o teor alcoólico ingerido e que a condução nas descritas circunstâncias e com uma T.A.S. superior à legalmente permitida constituía ilícito penal.
Não obstante esse conhecimento, quis conduzir o veículo automóvel em causa na via pública naquelas circunstâncias e condições,
O arguido C... agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Os arguidos atuaram ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não estavam a prestar declarações de forma verdadeira perante militares da GNR no exercício das suas funções, pois bem sabiam que quem conduzia o veículo era o arguido C... e não o arguido B... para, deste modo, evitarem a responsabilização criminal do primeiro pelo crime de condução sob o estado de embriaguez, tendo já sofrido várias condenações em processo penal por crime idêntico.
Os arguidos bem sabiam que com a sua conduta obstruíam a ação da justiça.
Mais sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal."
d) determinam o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto nos artigos 426º, 1 e 426-A, ambos do Código de Processo Penal, circunscrito ao apuramento dos factos seguidamente enunciados e subsequente decisão da causa, tendo em conta, também, a nova decisão da matéria de facto emergente deste recurso:
- As circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidos os crimes pelos quais o arguido C... já foi julgado e condenado.
- Se o arguido C... tinha e mantém problemas de alcoolismo.
- Em caso de resposta positiva à questão anterior, se o mesmo arguido está na disposição de realizar um tratamento a essa dependência, com acompanhamento médico.
- O valor das despesas correntes do agregado familiar do arguido B....
Sem custas.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 12 de Julho de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.