Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
152/16.8T8LSB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE
CASO JULGADO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20170314152/16.8T8LSB.P1
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 757, FLS. 122-127)
Área Temática: .
Sumário: I – A solução doutrinal que afirmava que a responsabilidade da seguradora se manteria sempre e enquanto se mantivesse a responsabilidade do segurado, independentemente, v.g., da verificação de factos extintivos de possível alegação pela seguradora, por via de uma responsabilidade estritamente contratual baseada no contrato de seguro, expunha as seguradoras fosse a conluios entre o segurado e o respectivo credor, fosse simplesmente ao descurar da defesa por parte do segurado.
II – No seguro de responsabilidade civil, a seguradora responde nos mesmos termos que o segurado, por força do firmado no contrato de seguro, podendo assumir, perante terceiros, uma posição de devedora solidária com o seu segurado muito embora as prestações de ambos sejam tratadas de forma, separada, individual e isolada.
III – Se a Ré interveio, na acção anterior intentada contra o segurado, na qualidade de assistente, a sentença proferida constitui, para a Ré, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.
IV – No conspecto da norma do artº 1044º CCiv, encontramo-nos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv, e, neste sentido, em face de responsabilidade civil contratual do segurado.
V – O prazo curto de prescrição do artº 498º nº1 CCiv, por razões sistemáticas e da diferente natureza dos institutos, não é aplicável à responsabilidade civil contratual, para a qual rege o prazo geral de prescrição do artº 309º CCiv.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: • Rec. 152/16.8T8LSB.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância de 28/11/2016.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo comum de declaração nº152/16.8T8LSB, da Instância Central da comarca do Porto, 2ª secção cível (Póvoa de Varzim).
Autora – B….
– Cª de Seguros C…, S.A.

Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar à Autora:
a) € 37.375,00, a título de indemnização pelos danos causados;
b) € 14.372,48, a título de juros vencidos, bem como os juros vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Tese da Autora
Até Outubro de 2014 foi proprietária de um prédio urbano, composto de dois pavimentos, na freguesia e concelho de Matosinhos.
O espaço de rés-do-chão esteve arrendado à sociedade D…, Ldª, que aí explorava um estabelecimento de restauração, até 3/5/06.
Em 17/9/05 ocorreu um incêndio no arrendado, com origem no exaustor/extractor de fumos da cozinha, o qual causou danos profundos em todo o prédio, e na sequência do qual, para ressarcimento de danos, a ora Autora demandou judicialmente a arrendatária, em processo no qual a ora Ré interveio como parte acessória.
Por decisão transitada em julgado (em Maio de 2011), aquela sociedade arrendatária foi condenada a pagar à ora Autora a quantia de € 37.375,00, acrescida de juros de mora, a contar da citação.
Todavia, a execução de sentença foi, para a aqui Autora, infrutífera, posto que a executada não possuía qualquer património, tendo, de resto, sido entretanto liquidada.
A dita arrendatária tinha celebrado com a aqui Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil, decorrente do exercício da indústria hoteleira, sendo por isso a aqui Ré igualmente responsável pelo ressarcimento dos ditos danos, perante a Autora.
Mesmo que assim não fosse, sempre o direito da Autora decorreria do disposto no artº 606º CCiv.

Tese da Ré
Excepcionou a respectiva ilegitimidade processual, na sequência de decisão em matéria idêntica antes tomada na acção nº 3874/06.8TBMTS, do ex-1º Juízo Cível de Matosinhos (não é titular da relação material controvertida, nem nos encontramos no âmbito de seguro obrigatório).
Impugna motivadamente o direito invocado pela Autora.
Por fim, invoca a prescrição do direito invocado, face à data do acidente, considerando igualmente o disposto no artº 498º CCiv e a data em que a aqui Ré foi citada para contestar no processo judicial anterior, de Matosinhos.

Sentença
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, decidiu-se julgar procedente a excepção peremptória da prescrição e, em consequência, foi a Ré absolvida do pedido.

Conclusões do Recurso de Apelação
1. A decisão em crise faz um equívoco enquadramento jurídico da responsabilidade que nos autos se pretende assacar, promovendo, em consequência, uma errada aplicação do Direito vigente;
2. A Autora não imputa à Ré a prática de quaisquer factos ilícitos nem sustenta nesses mesmos factos o pedido formulado;
3. É nas obrigações decorrentes do contrato de seguro celebrado e no mesmo expressamente previstas que radica a responsabilidade assacada nos presentes autos;
4. A presente ação não “visa, em primeira linha, a condenação da Ré Seguradora com base nos factos consubstanciadores da referida responsabilidade civil extra-contratual”, mas sim obrigar a Ré Seguradora a cumprir as obrigações estabelecidas a favor da aqui Autora (enquanto lesada) no contrato de seguro celebrado com a sociedade D…, Ld.ª;
5. Embora na origem da indemnização em que foi condenada a sociedade D…, Ld.ª esteja a prática de factos consubstanciadores da responsabilidade extra-contratual, tal circunstância é já alheia às obrigações que (só) o contrato de seguro constituiu para a Seguradora a favor da entidade lesada; não fosse o referido contrato e as obrigações da Seguradora ante a lesada não existiriam;
6. As obrigações da Seguradora perante terceiros não decorrem da lei, radicando no seguro contratado e consubstanciando a contrapartida contratual da Seguradora face ao pagamento do prémio do seguro;
7. A responsabilidade em causa nos autos é uma responsabilidade (exclusivamente) decorrente de um contrato que estabelece para a Seguradora, de forma originária, obrigações a favor de terceiros, e que deve, como tal, ser enquadrada no regime jurídico da responsabilidade contratual, com a consequente aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos;
8. Mesmo seguindo o pressuposto constante da douta decisão recorrida, nos termos do qual a seguradora responde em termos idênticos aos do segurado, a verdade é que a obrigação da Segurada D…, Ld.ª (também) não se encontra prescrita, já que foi judicialmente reconhecida por decisão judicial proferida em 2011, com a consequente submissão ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, por força da previsão do art. 311º, nº 1, parte final do C.C.;
9. Se a seguradora responde em termos idênticos aos do segurado e se a respetiva obrigação se trata “duma obrigação que terá de acompanhar a do segurado, enquanto existir. Só assim se respeita o fim social do seguro e a sua natureza de contrato a favor de terceiro” (vide Dário de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, Almedina, 3.ª ed., 1987, nota 1, pág. 286), então também a obrigação da Seguradora não pode julgar-se prescrita;
10. A consideração da prescrição do crédito apenas quanto à Seguradora confronta, de forma intolerável, a finalidade do contrato de seguro, uma vez que atira – à margem de qualquer exclusão contratual – quer a Segurada, quer a lesada para a situação de desamparo que a própria contratação do seguro visou prevenir;
11. A diferenciação entre a responsabilidade da Seguradora e a responsabilidade da Segurada – como sugere o Tribunal recorrido – viola, ainda, as previsões estabelecidas pelas próprias partes no contrato de seguro celebrado, designadamente, a constante do seu citado art. 2º, nº 1, nos termos da qual “A Seguradora garante, dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado”;
12. Nos termos do disposto no artigo 2º, nº 1 das Condições Particulares do contrato de seguro em causa nos autos, se o crédito indemnizatório não prescreveu (e, como tal, ainda é exigível) quanto à Segurada, a Seguradora é igualmente responsável pelo respetivo pagamento;
13. Para além do exposto nas conclusões que antecedem, a solução apontada pelo Tribunal recorrido – quanto à prescrição da obrigação (apenas) da Seguradora – agride o mais elementar sentido de justiça;
14. Tendo a Autora visto o seu crédito reconhecido por Sentença logo nos primeiros autos (cfr. doc. nº 2 junto com a P.I.) – em cujo âmbito, de resto, demandou a Seguradora, que aí (e ainda que admitida a intervir apenas como parte acessória) produziu defesa e foi notificada da decisão proferida –, não pode entender-se que o mesmo crédito só se ache judicialmente reconhecido em relação à Segurada e já não em relação à Seguradora e que, consequentemente, seja vedada à Autora a possibilidade de efetivar o respetivo direito ante a Seguradora nos mesmos termos em que o poderia fazer junto da Segurada;
15. Para além de não salvaguardar a justiça que ao caso concreto se impunha administrar, a douta decisão recorrida viola, em concreto, as previsões quer do art. 309º, quer do art. 311º, nº 1, ambos do C.C., que deveriam ter sido interpretados e aplicados – pelas diversas vias acima destacadas – no sentido de determinarem a improcedência da invocada exceção de prescrição.

Por contra-alegações, a sustenta a confirmação da sentença recorrida.

Factos Apurados
1) Entre Agosto de 2003 e Outubro do ano de 2014, a autora foi proprietária do prédio urbano composto de casa com dois pavimentos, sito na Rua …, n.ºs … a …, freguesia e concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 2416;
2) Aquando da aquisição do referido prédio por parte da Autora e do seu ex-marido, o respectivo R/C encontrava-se arrendado à sociedade comercial D…, Ld.ª, pessoa colectiva nº ………, com sede na Rua …, …, ….-… Matosinhos, tendo-se mantido arrendado, pelo menos, até 17 de Setembro de 2005;
3) No espaço em questão, a sociedade D…, Ld.ª explorou um estabelecimento de restauração e bebidas denominado Restaurante “E…”;
4) Naquele espaço comercial ocorreu, em 17 de Setembro do ano de 2005, um incêndio que teve origem na parte eléctrica no sistema de exaustão, num dos dois motores junto da hote da cozinha de apoio do restaurante que teve um curto-circuito e deu ignição e subsequente desenvolvimento de chama”;
5) O incêndio ocorreu pelas 13 horas, em período de maior labor na confecção de refeições;
6) Incêndio esse que veio a causar danos profundos no prédio onde se encontrava instalado;
7) O valor dos danos sofridos pela autora no rés-do-chão do referido prédio é de € 37.375,00;
8) À data do sinistro, encontrava-se em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil geral pelo qual a segunda Ré garantiu à primeira ré a responsabilidade civil decorrente do exercício da atividade de Indústria Hoteleira e de Restaurante e Café no estabelecimento da primeira denominado “E…”, sito na referida Rua …, nº …, em Matosinhos até ao limite por anuidade de € 49.880,00, o qual foi titulado pela apólice nº …......, conforme fotocópias da proposta de seguro assinada pela primeira ré em 22 de Junho de 1992, da apólice e suas condições;
9) No art. 2º das Condições Gerais do referido contrato de seguro, o respectivo âmbito é delimitado nos seguintes termos:
“ARTIGO 2º Objecto do Contrato
O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da Lei Civil, seja imputável ao Segurado enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas respectivas Condições Especiais e Particulares.”
- Nas Condições Especiais do mesmo contrato – na parte aplicável à indústria hoteleira –, o âmbito do seguro prestado é assim fixado:
“ARTIGO 1º Objecto do Contrato Por esta Condição Especial e de harmonia com o disposto nas Condições Gerais, este contrato tem por objecto a garantia pela Seguradora, da responsabilidade civil decorrente do exercício da actividade de Indústria Hoteleira designada nas Condições Particulares.
ARTIGO 2º Garantias e Exclusões
1. A Seguradora garante, dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que, no exercício da actividade hoteleira no estabelecimento designado nas Condições Particulares, sejam causadas a Clientes e/ou Terceiros pelo Segurado, seus mandatários e pessoal ao seu serviço e pelos quais seja civilmente responsável.
10) A autora contactou a ora ré, reclamando o ressarcimento dos danos que o prédio apresentava;
11) Após peritagem levada a cabo pela aqui ré, a mesma informou a autora que não aceita pagar os prejuízos desta;
12) A Autora demandou judicialmente a dita sociedade e a aqui ré como partes principais através da acção judicial que, sob o nº 3874/06.8TBMTS, correu termos no 1º Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial de Matosinhos, pela qual reclamava a aqui autora a condenação ao pagamento (entre outros) da quantia de € 80.500,00 (oitenta mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento – pedido esse posteriormente ampliado para a quantia de € 109.250,00 (cento e nove mil duzentos e cinquenta euros);
13) Tendo a final, em sede de sentença proferida naqueles autos, vindo a ser declarada a ilegitimidade da então ré seguradora para ocupar a posição de parte principal;
14) Sendo, contudo, admitida a sua intervenção apenas como parte acessória, ou seja, como auxiliar da ré sociedade D…, Ld.ª;
15) Nos termos da sentença proferida naqueles autos – cuja cópia está junta a fls. 129 e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - a sociedade D…, Lda, única parte principal, foi condenada a pagar à Autora, entre outras, a quantia de € 37.375,00 (trinta e sete mil trezentos e setenta e cinco euros),acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa de juro supletiva legal aplicável aos juros civis, que é de 4% ao ano, para indemnização dos danos sofridos no rés-do-chão do seu prédio;
16) A referida sentença transitou em julgado em julgado em 9 de Maio de 2011;
17) A sociedade «D…, Ld.ª» foi dissolvida já em Setembro de 2009, por decisão dos sócios respectivos que declararam que a mesma não tinha activo ou passivo a liquidar;
18) A decisão de dissolução e encerramento da liquidação desta sociedade encontra-se registada na competente Conservatória do Registo Comercial pela inscrição n.º 3, através da ap. 67/……..;
19) A sociedade «D…, Ldª» não procedeu ao pagamento do valor dos danos materiais sofridos no rés-do-chão do seu prédio em consequência do incêndio acima mencionado.

Os Factos e o Direito
A questão colocada pelas doutas alegações de recurso de apelação é a de saber se se verifica a prescrição do direito invocado pela Autora, como afirmado na douta sentença recorrida, sendo que, no caso de resposta negativa, caberá extrair as consequências quanto ao conhecimento de mérito da acção.
Apreciemo-la seguidamente.
I
A matéria dos autos põe em causa a Autora e lesada, por via de responsabilidade civil extra contratual, e o seguro de responsabilidade civil, cobrindo o risco de responsabilidade do tomador do seguro e autor da lesão.
Note-se que a fonte da responsabilidade do tomador do seguro é uma “responsabilidade civil geral”, em conformidade com o título das condições gerais e especiais do contrato em causa nos autos.
Não abrange, por assim dizer, directamente, a responsabilidade civil a ou b, como é caracterizada pela lei civil (v.g., responsabilidade civil contratual ou extra contratual), mas o seguro tem por objecto a responsabilidade do segurado “enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas condições especiais e particulares”.
Nestas últimas condições especiais destaca-se a garantia dada pela seguradora relativamente à responsabilidade civil decorrente do exercício da actividade da indústria hoteleira designada nas condições particulares”.
Portanto, a cobertura do seguro prende-se com uma “actividade” e com a “responsabilidade” dela decorrente, independentemente da respectiva caracterização ou enquadramento na dogmática do direito civil.
Neste ponto divergimos, salvo o devido respeito, do entendimento da douta sentença recorrida, que caracteriza o contrato de seguro como cobrindo tão só a responsabilidade civil extra contratual e, nessa decorrência, resolve a questão da prescrição do direito da Autora com base na norma do artº 498º nº1 CCiv.
II
Esta matéria da prescrição do direito da Autora não pode ser analisado à luz da Lei do Contrato de Seguro (D-L nº72/2008 de 16/4, entrado em vigor em 1/1/2009), posto que o novo regime jurídico do contrato de seguro apenas se passou a aplicar aos contratos novos ou aos contratos que subsistissem em 1/1/2009 – cf. artº 2º nº1 da Lei Preambular.
Prescreve esta lei em vigor, que não é aplicável ao caso dos autos, mas cuja interpretação se reveste de utilidade exegética, que “aos direitos do lesado contra o segurador se aplicam os prazos de prescrição regulados no Código Civil” – artº 145º LCS, o que significa, em suma, que, nos casos em que ao lesado seja lícito demandar directamente o segurador, a prescrição aplicável será a que estiver associada à fonte da obrigação de que é credor – neste sentido, Dr. José Vasques, Lei Anotada, 2009, pg. 413.
Diferente foi, até um certo período, o entendimento da doutrina – disse-se desde logo que a responsabilidade da seguradora se manteria sempre e enquanto, como é o caso dos presentes autos, se mantivesse a responsabilidade do segurado.
É que a seguradora não era demandada (nunca seria demandada, saliente-se) na base da responsabilidade civil extra contratual, mas antes na base da responsabilidade estritamente contratual baseada no contrato de seguro, através do qual a seguradora se compromete a assegurar o pagamento da indemnização devida pelo seu segurado a terceiros, cumprindo-lhe assumir esse encargo enquanto a obrigação do segurado permanecer, designadamente enquanto se não mostrar prescrita – veja-se o Ac.R.C. 3/12/85 Col.V/30, relatado pelo Consº Marques Cordeiro, e a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, ali citada; igualmente, Ac.R.C. 15/4/80 Col.II/48, relatado pelo Consº Dario Martins de Almeida, Ac.R.C. 15/3/88 Bol.375/454, relatado pelo Desemb. Vítor Rocha, e o Ac.R.L. 24/11/88 Bol.381/732, relatado pelo Consº Abranches Martins.
No caso dos autos, existe caso julgado formado na acção que correu termos contra o segurado da Ré, pelo que a respectiva obrigação se encontrava, para todos os efeitos, sujeita à prescrição ordinária do artº 309º CCiv, de 20 anos.
A solução doutrinal era violenta para as seguradoras e expunha-as fosse a conluios entre o segurado e o respectivo credor, fosse simplesmente ao descurar da defesa por parte do segurado (neste sentido, Prof. Menezes Cordeiro, Dtº dos Seguros, 2013, pg. 758).
Mas mesmo que se não levasse tão longe a responsabilidade da seguradora em face da responsabilidade do seu segurado (ou seja, não existindo um vínculo de mútua representação entre os obrigados), outra construção passou a dizer-nos que a seguradora responde nos mesmos termos que o segurado, por força do firmado no contrato de seguro estabelecido entre ambos, podendo assim assumir, perante terceiros, uma posição de devedora solidária com o seu segurado muito embora as prestações de ambos sejam tratadas de forma, separada, individual e isolada – assim, Prof. Antunes Varela, Revista Decana, 123º/44, cit. in S.T.J. 28/10/97 Col.III/104, relatado pelo Consº Lopes Pinto.
Importa salientar que se mostra ultrapassada a questão da possibilidade de demanda da seguradora pela Autora lesada, ainda que esta não seja parte no seguro, matéria essa resolvida no argumentário da douta sentença recorrida e não foi colocada em causa nas doutas alegações (ou contra-alegações) de recurso, pelo que, se a seguradora responde então, simplesmente, nos mesmos termos do segurado, sendo com ele devedora solidária, a matéria se colocará, simplesmente, na natureza da responsabilidade envolvida – se contratual, aplicando-se o prazo geral de prescrição de 20 anos, do artº 309º CCiv, se outro prazo mais curto não for previsto em concreto; se aquiliana, aplicando-se o prazo de 3 anos, do artº 498º nº1 CCiv.
III
A ora Ré seguradora interveio na acção que correu termos anteriormente, entre a Autora e a respectiva arrendatária, nos termos de cuja decisão, já transitada em julgado, a ali Ré foi condenada a pagar à Autora a mesma e idêntica indemnização relativamente àquela que se mostra peticionada nos presentes autos.
E interveio a ora Ré nessa acção, nos termos do despacho judicial transitado, na qualidade de assistente.
Nesse sentido, a sentença constituiu, para a Ré ali assistente, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.
Desta forma, formou-se caso julgado contra a Ré relativamente à declaração dos fundamentos de direito, no processo anterior, relativamente à responsabilidade da segurada da Ré, como tendo por fundamento o disposto no artº 1044º CCiv, nos termos do qual “o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa” (ressalvadas as deteriorações ligadas à prudente utilização) “salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela”.
Ora, independentemente de se considerar esta responsabilidade do locatário como “uma espécie de responsabilidade objectiva” (consoante Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, II, 3ª ed., pg. 405), ou antes uma responsabilidade fundada em culpa (Prof. Pereira Coelho, Arrendamento – Lições, 1984, pg. 160), a verdade é que, no conspecto da norma citada do artº 1044º, nos encontramos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv.
Neste sentido, o caso julgado formado pela acção anterior, que obriga o assistente, caracteriza a responsabilidade do segurado, que define e limita a responsabilidade da seguradora, como responsabilidade civil contratual (veja-se, em abono da conclusão, o Ac.S.T.J. 15/2/01 Col.I/123, relatado pelo Consº Simões Freire).
O Prof. Vaz Serra (Prescrição do Direito de Indemnização, Bol.87/47ss.) ponderou se o fundamento do prazo curto de prescrição de 3 anos, do artº 498º nº1 CCiv, permitiria abranger também as hipóteses de responsabilidade contratual. Escreveu, entre o mais:
“(…) Em certos casos podem realmente verificar-se, na responsabilidade contratual, razões tão aceitáveis para a prescrição de curto prazo como na responsabilidade extra contratual. As circunstâncias podem ser de difícil determinação, como nesta última. E o aplicar-se às obrigações derivadas de contrato (ou, de um modo geral, de relação pré-existente) a prescrição ordinária não leva necessariamente a fazer-se a mesma aplicação às obrigações resultantes do não-cumprimento dele, pois aquelas, constantes do contrato (ou da relação), são geralmente mais difíceis de apreciar.”
“(…) De modo que: ou se amplia à responsabilidade contratual a prescrição de curto prazo, ou se não faz essa ampliação. Destas duas soluções parece preferível a segunda. Embora o lesado por facto ilícito extra contratual, que pode ser muito mais grave que o não cumprimento de uma obrigação, fique sujeito à prescrição de curto prazo, o mesmo não parece deva acontecer com o lesado pelo não cumprimento de obrigações. Não só a lei estabelece vários prazos curtos de prescrição de obrigações negociais, como seria chocante que a obrigação de indemnização prescrevesse em prazos mais curtos que as demais obrigações contratuais. O mesmo se daria com a obrigação de indemnização resultante do não cumprimento de qualquer outra obrigação pré-existente.
Com a doutrina citada encontra-se a maioria dos Autores: o Prof. Vaz Serra, Revista Decana, 106º/14ss e 110º/87, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I, 3ª ed., pg. 477, Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pg. 506, e o Prof. Almeida Costa, Dtº das Obrigações, 3ª ed., pg. 363, nota 3.
Na verdade, a prova no aspecto contratual é usualmente feita para durar, com utilização, substancial ou voluntária, da forma escrita; na responsabilidade civil, a explicação fica a maior parte das vezes na memória das pessoas que poderão testemunhar, exigindo maior rapidez no exercício dos direitos.
Como se salientou no Ac.R.C. 15/10/91 Col.IV/109, relatado pelo Desemb. Cunha Gil, sendo as responsabilidades contratual e extra contratual de natureza diferente, a ser aplicável o prazo curto de prescrição da segunda à prescrição da primeira, seria normal e em boa técnica necessário que a lei, no lugar próprio, remetesse para ele – v.g., como nos artºs 227º nº2, 499º ou 799º nº2 CCiv.
Ainda no mesmo sentido, S.T.J. 8/2/94 Col.I/97, relatado pelo Consº Fernando Fabião, citando ainda outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, com o devido respeito, aqui nos dispensamos de elencar, S.T.J. 24/11/87 Bol.371/446, relatado pelo Consº Alcides de Almeida, ou Ac.R.L. 25/6/85 Col.III/174, relatado pelo Consº Miguel Montenegro.
Em sentido idêntico, mais recentemente, veja-se o Ac.R.P. 20/11/2014 Col.V/192, relatado pelo Des. Aristides Rodrigues Almeida, bem como o Ac.R.C. 2/10/07, pº 2502/05.3TBCBR.C1, relatado pelo Consº Cardoso de Albuquerque, na base de dados oficial.
Defendendo a opinião contrária, embora de forma sensivelmente isolada, veja-se o artigo do Prof. Pedro de Albuquerque, ROA, 1989, III, pgs. 793ss.
Pode contestar-se a existência de um prazo de prescrição de 20 anos, como o do artº 309º CCiv – para o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado – Parte Geral, IV, 2005, pg.173, trata-se de um prazo muito longo, que retira razão de ser ao instituto, irrealista. Não pode porém deixar de se dizer que a redução do prazo ordinário de prescrição apenas se pode hipotizar de jure condendo.
Sendo assim o prazo de prescrição do direito da Autora de 20 anos, é manifesto que o mesmo prazo não tinha decorrido quando a Ré foi citada nos presentes autos, e sendo certo que tal prazo deve contar-se apenas a partir do trânsito da decisão proferida no processo anterior, no qual a Ré foi demandada pela Autora como responsável pela indemnização e parte principal, pelo lado passivo – apenas a decisão judicial transitada em 9/5/2011 (momento a partir do qual se devem contar os citados 20 anos) declarou a ilegitimidade da ora Ré, naquela outra acção, admitindo a respectiva intervenção nos autos apenas como assistente, tudo nos termos dos artºs 326º nº1 e 327º nº1 CPCiv.
IV
A fixação da indemnização a cargo da Ré seguradora deve levar em conta não apenas o demonstrado nos presentes autos, nos factos provados 4 a 7, como ainda o caso julgado formado na acção anterior, na qual a Ré interveio como assistente, nos termos do artº 332º CPCiv (caso julgado este que fundamentou, de resto, a fixação da matéria de facto nos presentes autos).
A Autora demonstra inequívoco jus à quantia indemnizatória que peticiona.
Já quanto à quantia referente aos juros de mora, que a Autora reporta à data da citação da Ré na primeira acção, deverá a Autora decair, posto que, quanto à pretensão antes ali deduzida, foi a Ré julgada parte ilegítima e apenas admitida a intervir na qualidade de assistente.
O caso julgado que se forma, relativamente ao assistente, tem a ver com a causa posterior que se vier a intentar contra o assistente – agora, na causa posterior, como parte principal.
Daí que os juros em causa e a mora da Ré se devam reportar ao momento em que esta Ré foi citada nos presentes autos – artº 805º nº1 CCiv.

Para resumir a fundamentação:
I – A solução doutrinal que afirmava que a responsabilidade da seguradora se manteria sempre e enquanto se mantivesse a responsabilidade do segurado, independentemente, v.g., da verificação de factos extintivos de possível alegação pela seguradora, por via de uma responsabilidade estritamente contratual baseada no contrato de seguro, expunha as seguradoras fosse a conluios entre o segurado e o respectivo credor, fosse simplesmente ao descurar da defesa por parte do segurado.
II – No seguro de responsabilidade civil, a seguradora responde nos mesmos termos que o segurado, por força do firmado no contrato de seguro, podendo assumir, perante terceiros, uma posição de devedora solidária com o seu segurado muito embora as prestações de ambos sejam tratadas de forma, separada, individual e isolada.
III – Se a Ré interveio, na acção anterior intentada contra o segurado, na qualidade de assistente, a sentença proferida constitui, para a Ré, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.
IV – No conspecto da norma do artº 1044º CCiv, encontramo-nos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv, e, neste sentido, em face de responsabilidade civil contratual do segurado.
V – O prazo curto de prescrição do artº 498º nº1 CCiv, por razões sistemáticas e da diferente natureza dos institutos, não é aplicável à responsabilidade civil contratual, para a qual rege o prazo geral de prescrição do artº 309º CCiv.

Dispositivo (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se parcialmente procedente, por provado, o interposto recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a douta sentença recorrida, condenando agora a Ré pagar à Autora a quantia de € 37.375,00, a título de indemnização pelos danos sofridos pela Autora, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar da citação nos presentes autos.
Custas por Autora e Ré, na proporção de vencido, em ambas as instâncias.

Porto, 14/III/2017
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença