Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
458/17.9GALSD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Nº do Documento: RP20210623458/17.9GALSD.P2
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O argumento do despacho recorrido, de que “o local de trabalho não pode, seja por que (motivo) for, levar a que o arguido se exima das suas obrigações decorrentes da prática de um crime”, não é exacto. Na verdade, o que verdadeiramente está aqui em causa não é local de trabalho, mas a subsistência da relação laboral.
II - Após a condenação proferida nos autos, o arguido conseguiu emprego estável em França (onde reside e constituiu família, composta por si, cônjuge e um filho menor), o qual perderá se tiver que cumprir um programa que pressupõe a frequência de 20 sessões, a realizar seguidas e semanalmente. Ou seja, o cumprimento da condição imposta à suspensão da execução da pena torna impossível a manutenção da relação laboral. Os interesses a ponderar, no essencial, não se limitam a uma questão geográfica (local de trabalho): finalidade da obrigação imposta à suspensão da execução da pena e preservação da relação laboral do condenado.
III - Também não é exacto que a decisão relativa ao anterior incumprimento da condição e que prorrogou o prazo da suspensão da execução da pena faça caso julgado relativamente à actual pretensão do arguido/condenado. A pretensão do arguido (de alteração dos termos do cumprimento da condição/frequência do programa) só foi, em rigor, rejeitada pelo despacho ora recorrido. Assim, não tendo tal pretensão sido apreciada no anterior despacho, não existe quanto a ela caso julgado.
IV- Está em causa o cumprimento de uma condição da suspensão da execução da pena de prisão, imposta ao abrigo do art. 52º, 1, b) do C. Penal. Ora, por força do art. 51º, 2 e 3, aplicável por remissão do art. 52º, 3 do C. Penal, “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir” (art. 51º, 2 CP), podendo tais deveres ser modificados “sempre que ocorram circunstâncias supervenientes” (art. 51º, 3 CP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 458/17.9GALSD.P2

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, arguido devidamente identificado nos autos acima referenciados, inconformado com o despacho que indeferiu a sua pretensão, de 27-11-2020, recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
I. Por sentença transitada em julgado, foi o Arguido, aqui Recorrente, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1 b) e nº 2 do Código Penal, pelo qual lhe foi atribuída uma pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e ainda, na pena acessória de proibição de contactos, pelo período de um ano, aí se incluindo o afastamento da ofendida e da sua residência num raio nunca inferior a 350 metros, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.
II. Sucede que, após a referida condenação, o Recorrente, por consequência de circunstâncias laborais a este não imputáveis, teve oportunidade de refazer a sua vida num outro país, mais concretamente em França, pelo que se submeteu a uma entrevista de emprego em novembro de 2018, tendo sido selecionado para integrar a equipa da empresa C…, sediada em …, ….. Paris – França.
III. Assim, o Recorrente iniciou as suas funções na referida empresa francesa no dia 8 de novembro de 2018, pois é um direito do Arguido refazer a sua vida e por isso decidiu procurar trabalho no estrangeiro, onde trabalha e constituiu família, composta por si, a sua cônjuge e um filho menor.
IV. Sucede que, no âmbito da condenação do Recorrente, decidiu sujeitar-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, à condição de o mesmo frequentar o Programa para agressores de violência doméstica da DGRS, um programa dirigido a agressores de violência conjugal, que visa promover a consciência da assunção da responsabilidade do comportamento violento e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, objetivando a diminuição da reincidência.
V. A integração do Recorrente no referido programa da DGRS, pressupõe que o mesmo frequente, presencialmente, vinte sessões a realizar seguidas e semanalmente, implicando assim, uma estadia do Recorrente em Portugal por um período não inferior a quatro meses.
VI. Posto isto, consciente da sua condenação e de que a mudança de toda a sua vida para um outro país, poderia alterar o modo de cumprimento da injunção aplicada, o Recorrente informou o Tribunal a quo de tal mudança e depois de obter parecer da DGRS nesse sentido, juntou aos presentes autos requerimento datado de 27/11/2020. (sublinhado nosso).
VII. Deste modo, requereu a sua integração em programa individual, adequado às suas circunstâncias pessoais e profissionais, através de realização de entrevista com um técnico da DGRS especializado em violência doméstica, direcionada para a problemática da mesma, às quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal.
VIII. Isto porque, tal como alegado pelo Recorrente junto do Tribunal a quo, a sua integração no referido programa, implicaria que o mesmo prolongasse a sua estadia em Portugal por um longo período, tendo como consequência a perda de toda a estabilidade pessoal e profissional que o mesmo, com muito esforço e dedicação ao longo dos últimos anos, conseguiu alcançar.
IX. Apesar do alegado pelo Recorrente, bem como do parecer da DGRS junto aos autos, o Tribunal a quo, indeferiu a sua pretensão, proferindo despacho que determinou que “o local onde trabalha o arguido não pode, seja porque for, levar a que se exima das suas obrigações decorrentes da prática de um crime”, indeferindo assim, sem ulteriores considerações, o requerido pelo ora Arguido, aqui Recorrente.
X. O Recorrente não pode em absoluto e com todo o respeito que deve ao Tribunal a quo, conformar-se com a decisão que resulta de tal despacho, por a mesma se revelar desadequada e não fundamentada, o que importa a sua nulidade.
XI. Isto porque, junto aos presentes autos, consta um parecer da DGRS, em e-mail enviado pela referida entidade no dia 24/06/2019 e no qual refere especificamente que “(…) às quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal, dos quais deverá antecipadamente informar estes serviços.” (sublinhado nosso).
XII. Ora, a DGRS, entidade responsável pela execução da medida aplicada, em momento algum referiu que, para frequentar o programa em causa o Recorrente terá de viver em Portugal. (sublinhado nosso), pelo contrário, a DGRS, indica uma alternativa para execução da medida, sugerindo que o Recorrente frequente o Programa para agressores de violência doméstica, nos seus períodos de permanência em Portugal.
XIII. Sugestão esta que, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, este parece ter ignorado, uma vez que, não obstante tal parecer por parte da DGRS, o Tribunal a quo, indeferiu, por despacho de que agora se recorre, a pretensão do aqui Recorrente.
XIV. E não percebe o ora Recorrente, nem com tal se conforma, porque indefere o Tribunal a quo tal pretensão, uma vez que a DGRS, entidade responsável pela execução da medida, não vê qualquer inconveniente no facto de o Recorrente viver num outro país, sem qualquer fundamentação, alegando apenas o Tribunal a quo que, “o local onde trabalha o arguido não pode, seja porque for, levar a que se exima das suas obrigações decorrentes da prática de um crime.”
XV. Na verdade, é inquestionável a falta de fundamentação do referido despacho, em matéria de especial relevância para o aqui Recorrente, violando assim o disposto no 97º nº 5 do Código de Processo Penal, pelo que a falta de fundamentação do despacho recorrido configura nulidade do mesmo.
XVI. Desde a sua condenação, o Recorrente adotou um comportamento exemplar e esteve sempre em contacto com a DGRS, entidade com quem e por sua iniciativa, procurou solução para conjugar as obrigações processuais com a sua vida pessoal e profissional
XVII. No caso concreto, a reintegração do agente na sociedade foi perfeitamente alcançada, pois refez a sua vida, num outro país, encontrando-se profissional, social e familiarmente bem inserido.
XVIII. Na verdade, em momento algum foi intenção do Recorrente eximir-se das suas obrigações decorrentes da prática do crime pelo qual foi acusado e posteriormente condenado, pois tem total consciência da pena em que foi condenado e por conseguinte, da obrigatoriedade de frequentar o Programa para agressores de violência doméstica da DGRS.
XIX. E não pretende eximir-se a frequentar tal programa, pretende apenas que tal frequência seja em moldes que lhe permitam manter a estabilidade pessoal e profissional que o mesmo alcançou em França.
XX. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao considerar, que o aqui Recorrente parece estar valer-se de uma desculpa, para não cumprir com a sua obrigação de frequentar o programa para agressores de violência doméstica, uma vez Recorrente tem perfeito conhecimento de tal plano e não manifesta qualquer oposição à sua execução.
XXI. Na verdade, frequentar tal programa em vinte sessões a realizar seguidas e semanalmente, implicando assim, uma estadia do Recorrente em Portugal por um período não inferior a quatro meses, poria em causa toda essa estabilidade, designadamente a estabilidade profissional do aqui Recorrente.
XXII. Ora, a boa conduta do arguido, aqui Recorrente, revela-se em factos indiciadores da sua ressocialização, e ter no momento uma vida pessoal e profissional estável, num outro país é, salvo o devido respeito por opinião diversa, suficientemente revelador dessa ressocialização.
XXIII. O Recorrente tem total liberdade para determinar a sua vida pessoal bem como a sua vida profissional e o Tribunal a quo, ao proferir o despacho de que agora se recorre, coloca em risco a liberdade de exercício profissional do aqui Recorrente.
XXIV. Assim, atendendo a tal liberdade do Recorrente, bem como à finalidade que a pena visa alcançar, foi sugerido pelos serviços da DGRS, em ofício junto aos presentes autos em 24/06/2019, que “…caso permaneça no estrangeiro, não será possível a integração no programa PAVD, na medida em que este pressupõe a frequência de vinte sessões a realizar seguidas e semanalmente. Contudo, poderá sugerir a realização de entrevista com o técnico da DGRSP, especializado em violência doméstica, direcionados para a problemática da mesma, ás quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal, dos quais deverá antecipadamente informar estes serviços.” (sublinhado nosso).
XXV. Impõe-se, assim, que o Recorrente seja integrado em programa individual, adequado às suas circunstâncias pessoais e profissionais, através de entrevista com técnico da DGRSP especializado em violência doméstica, ficando assim o Recorrente vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal e comprometendo-se a informar antecipadamente a DGRSP.
XXVI. Acresce que atentos os atuais impedimentos relacionados com a Pandemia Covid 19, o Recorrente encontra-se impedido de viajar para Portugal.
XXVII. Com efeito, atento tudo o supra exposto e a falta de ponderação e fundamentação do despacho que antecede, deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que autorize o Recorrente a frequentar o Programa para agressores de violência doméstica da DGRSP, de forma individualizada, durante os períodos de tempo que permanecer em Portugal.
1.2. O MP junto do Tribunal de 1ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo por seu turno:
I- Por sentença transitada em julgado em 13/07/2018, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de o arguido frequentar o programa para agressores de violência doméstica da DGRSP.
II- Por decisão proferida 04/11/2019, transitada em julgado, o Tribunal prorrogou o período de suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente por mais 14 meses, por forma a permitir ao arguido frequentar o programa de violência doméstica da DGRSP, decisão com a qual se conformou, não obstante se encontrar já em França trabalhar.
III- Por decisão datada de 16/02/2021, foi indeferida a pretensão do recorrente, efectuada por mais um requerimento datado de 27/11/2020, de cumprir a condição de suspensão da pena, nos seus termos e condições.
IV- Embora perfunctória, a decisão proferida em 16/02/2021 não padece de qualquer nulidade por falta de fundamentação, como se observa da análise dos arts. 119 e 120º do CPP, pelo que, quando muito, padece de irregularidade, a qual deveria ter sido invocada pelo recorrente no prazo de três dias, o que não sucedeu, pelo que tal irregularidade tem de ser considerada sanada.
V- A indiferença e desrespeito demonstrado pelo arguido pela sentença proferida desde 2018, encontra-se bem evidenciada nos autos, desde a prolação da sentença, não tendo este cumprido a pena acessória nos termos fixados na sentença, e pretende agora cumprir nos seus termos e condições a pena principal aplicada.
VI- Não restam dúvidas para nós que a deslocação do arguido para França, onde ainda se mantém, teve por única finalidade não cumprir a sentença proferida, pois o mesmo tinha trabalho aqui em Portugal, como o mesmo bem referiu na sua audição em 28/10/2019 e resulta do relatório social anterior à sentença.
VII- O arguido já se encontrava em França na data em que foi proferida a decisão de prorrogação da suspensão e conformou-se com esta decisão, pelo que permitir agora que o arguido cumpra tal obrigação nas suas próprias condições, sem qualquer sacrifício inerente, é manifestamente abusivo, é premiar o infractor, ao mesmo tempo que desvirtua de sentido a sentença e decisão proferidas.
VIII- A douta decisão recorrida fez pois uma correcta interpretação dos normativos legais e não violou qualquer disposição legal e/ou constitucional.
1.3. O Ex.mo Procurador-geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta do MP na primeira instância, “já que se trata de uma peça que aborda todas as questões versadas na minuta de recurso, rebatendo certeira e sustentadamente os fundamentos e argumentos esgrimidos nessa minuta. Reiterando, pois, aqui, a referida peça de resposta em amparo da decisão recorrida, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Para o julgamento do presente recurso, consideramos relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais:
a) O arguido B… apresentou, em 27-11-2020, o seguinte requerimento:
1. Compulsados os presentes autos verifica o Arguido que foi a DGRS questionada sobre o relatório periódico da execução da medida aplicada ao mesmo.
Porém,
2. Tal como resulta do ofício da DGRS datado de 24/06/2019 e com a referência Citius 5594361, bem como resulta das declarações do Arguido na última diligência nos presentes autos, o mesmo reside e trabalha em França, país onde se estabeleceu e constitui família, composta por si, sua cônjuge e filho menor.
3. Ora, a integração do Arguido no programa da DGRS “PAVD”, pressupõe que o mesmo frequente, presencialmente, 20 sessões a realizar seguidas e semanalmente, o que implica a sua estada em Portugal por um período superior a 4 (quatro) meses.
4. Com efeito, a integração do Arguido no referido programa implica que o mesmo prolongue a sua estada em Portugal pelo longo período referido, tendo como consequência a perda de toda a estabilidade profissional e pessoal que alcançou.
5. Pelo que tal solução não é possível.
6. Com efeito, sempre deverá o Arguido ser integrado em programa individual, adequado às suas circunstâncias pessoais e profissionais, através da realização de entrevista com o técnico a DGRSP especializado em violência doméstica direcionadas para a problemática da mesma, às quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal, dos quais deverá antecipadamente informar os referidos serviços.
7. Tal como sugerido pela DGRS no ofício datado de 24/06/2019 e com a referência Citius 5594361.
8. Nesse sentido, ultrapassadas os impedimentos de circulação relacionados com a Pandemia COVID-19, que impedem o Arguido neste momento de viajar para Portugal, o mesmo obriga-se e compromete-se a viajar para Portugal com a frequência de duas vezes anuais, informando sempre a DGRS da sua presença em território nacional para que lhe sejam marcadas as sessões.”
b) Face a tal requerimento, o MP promoveu o seguinte:
Requerimento do arguido que antecede:
P. se indefira, porquanto a questão suscitada foi já decida quer em sede de sentença, quer em sede de eventual revogação da suspensão da pena, decisões estas, já transitadas em julgado.
c) A decisão invocada na promoção do MP (como tendo já conhecido a questão suscitada) é do seguinte teor:
“(…)
Por sentença proferida em 13/07/2018, transitada em julgado em 14/08/2018, foi o arguido B… condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do Código Penal:
-na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição do arguido frequentar o programa para agressores de violência doméstica da DGRSP;
-na pena acessória de proibição de contactos, pelo período de 1 (um) ano, aí se incluindo o afastamento de D… e da residência desta, fixando-se, desde já, um raio de protecção de 350 metros, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.
Em 24/08/2018, a equipa de vigilância da DGRSP comunicou nos autos que, no dia 14/08/2018, pelas 21,05 horas, o arguido retirou deliberadamente o dispositivo de identificação pessoal (pulseira electrónica), por revolta face à sua situação processual (o que o arguido confirmou no seu requerimento de 29/10/2018) e que a reposição da normalidade ocorreu às 22,40, com a deslocação do técnico responsável ao local onde se encontrava o arguido.
Em 05/11/2018, o arguido requereu a alteração do modo de cumprimento da pena acessória aplicada com a consequente retirada do dispositivo de identificação, alegando que arranjou emprego em França (em Paris) iniciando as suas funções no dia 08/11/2018 e que a colocação por emprego do arguido no estrangeiro, além de tornar desnecessária a utilização do dispositivo de identificação pessoal (DIP) instalado para cumprimento da pena acessória aplicada, uma vez que deixará de existir o risco de aproximação e contacto com a ofendida, revela-se incomportável para o desenvolvimento da sua atividade profissional no estrangeiro.
Por despacho proferido em 12/02/2019, foi indeferido o requerido pelo arguido em 05/11/2018.
Entretanto, em 26/03/2019, a equipa de vigilância da DGRSP comunicou nos autos que, Em 07Nov2018, estes serviços verificaram que o condenado deixou de proceder ao carregamento do equipamento que lhe foi atribuído - Unidade de Posicionamento Móvel (UPM).
No contacto estabelecido com B…, este informou que se encontra a trabalhar em França, desde 12Nov2018, com contrato de trabalho pelo período de um ano, afirmando que remeteu cópias do contrato de trabalho e de arrendamento de habitação ao seu mandatário, para ser enviado ao Tribunal.
Importa salientar que aquando das deslocações para fora do país, as comunicações da Unidade de Posicionamento Móvel (UPM) atribuída ao condenado são interrompidas, não se tornando possível a monitorização fora do território nacional.
Neste contexto, e porque se mantém inalterada a situação, os equipamentos em uso pela vítima, tornam-se inúteis, encontrando-se efectivamente interrompida a monitorização, porquanto a mesma apenas é possível em conjugação com o equipamento entregue ao condenado.
Na sequência da informação solicitada por este tribunal, a DGRSP comunicou nos autos em 24/06/2018 que não foi possível iniciar a medida de acompanhamento uma vez que o arguido está a trabalhar em França e faltou à entrevista agendada pela DGRSP; que, caso permaneça no estrangeiro, não será possível a integração do arguido no programa “PAVD”, na medida em que este pressupõe a frequência de 20 sessões a realizar seguidas e semanalmente, adiantando que se poderia sugerir a realização de entrevista com o técnico a DGRSP especializado em violência doméstica direccionadas para a problemática da mesma, às quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal.
A Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que o arguido está a incumprir dolosa, consciente e totalmente as obrigações fixadas como condição de suspensão da pena aplicada, requereu que a audição do mesmo, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 495.º do CPP, o que foi deferido.
Procedeu-se à audição do arguido, que confessou que emigrou para Paris, França, no final do mês de Setembro de 2018 e que aí tem permanecido a residir e a trabalhar; que foi várias vezes (cerca de 4 ou 5) contactado pelos técnicos dos serviços de reinserção social (DGRSP) durante este ano, mas que nunca compareceu a qualquer entrevista; e que não pretende deixar o seu emprego em Paris, cidade onde reside com a sua actual companheira, embora tenha acrescentado que está disposto a comparecer nos serviços de reinserção social sempre que puder.
Quanto à sua situação económica e pessoal, referiu que trabalha nas limpezas, auferindo o vencimento mensal de € 1.300; que vive, com a sua companheira, que trabalha igualmente nas limpezas e aufere o vencimento mensal de € 1.300, em casa arrendada pela qual pagam mensalmente a renda de € 800.
A Digna Magistrada do Ministério Público reafirmou a posição já anteriormente expressa nos autos no sentido de que o arguido tem reiteradamente incumprido a sentença, designadamente a condição imposta para a suspensão da pena de prisão aplicada.
Por seu turno, o Ilustre Defensor do arguido pronunciou-se no sentido da manutenção da suspensão da pena de prisão, argumentando que o arguido revelou disponibilidade para cumprir a sentença.
Como decorre do exposto nos parágrafos anteriores, pese embora a sentença condenatória ter transitado em julgado em 14/08/2018, o arguido até à data de hoje, decorridos que são mais de 14 meses, não iniciou a condição imposta para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, ou seja, não iniciou o programa para agressores de violência doméstica da DGRSP.
O arguido não iniciou o referido programa (que pressupõe a frequência de 20 sessões, a realizar seguidas e semanalmente) porque se ausentou do país em Setembro de 2018, emigrando para França (país onde desde então trabalha e reside habitualmente), e não compareceu a qualquer entrevista nos serviços de reinserção social, não obstante os vários contactos (pelo menos 4 ou 5) durante o ano de 2019 dos técnicos da reinserção social.
Com o seu comportamento descrito, o arguido não só impediu o controlo e fiscalização da pena acessória de afastamento da vítima que lhe foi aplicada, como também entrou em incumprimento, que pretende ver justificado com alegação de que foi trabalhar para França para melhorar a sua vida, da condição imposta para a suspensão da pena de prisão.
O incumprimento pelo arguido da condição imposta para a suspensão da pena de prisão é culposo porque o arguido podia e devia ter agido de outro modo, não se ausentando do nosso país (o arguido, como o próprio reconheceu, tinha emprego em Portugal) ou deslocando-se a Portugal sempre que tal fosse necessário para cumprir o programa que lhe foi imposto.
Vejamos então quais as consequências de tal incumprimento.
Estatui o art.º 55.º do CP que se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão e impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do art.º 50.
Por seu turno, o n.º 1 do art.º 56.º do C.P prevê a revogação da suspensão da execução da pena de prisão sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Não obstante o arguido estar a incumprir a condição da suspensão imposta e tal incumprimento ser culposo, entendemos que a suspensão da execução da pena apenas poderia ser revogada se as restantes medidas, previstas no cit. art.º 55.º, fossem ineficazes para o fazer cumprir a sentença condenatória ou se se mostrassem esgotadas.
Afigura-se-nos, contudo, que tal não sucede no caso dos autos.
Com efeito, não obstante o lapso temporal decorrido desde o trânsito em julgado da sentença condenatória (14 meses), a prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão nos termos da al. d) do cit. art.º 55.º, por mais 14 meses, ainda permite ao arguido frequentar o referido programa.
Por outro lado, estamos em crer que o arguido, confrontado na sua audição presencial com a possibilidade real da sua prisão efectiva (caso não cumpra a condição imposta), irá arrepiar caminho e iniciar a frequência do programa para agressores de violência doméstica da DGRSP, comparecendo nos serviços de reinserção quando para tal for convocado.
Atento o exposto, decido prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido B… por mais 14 (catorze) meses.
Determino ainda que a DGRSP comunique ao tribunal a data de início do programa “PAVD” que o arguido terá de frequentar e a data da realização das sessões a realizar.
Notifique e comunique o presente despacho à DGRSP.
Lousada, 04/11/2019
e) A pretensão do arguido (requerimento de 27-11-2020) foi indeferida pelo despacho ora recorrido, do seguinte teor:
“O local onde trabalha o arguido não pode, seja por que for, levar a que se exima das suas obrigações decorrentes da prática de um crime. Indefere-se pois, sem ulteriores considerações, o requerido. Notifique.
f) Relativamente à pena acessória (proibição de contacto com a ofendida) foi proferido em 12-12-2019, o seguinte despacho:
“(…)
Verifica-se que decorreu já um ano desde o trânsito em julgado da sentença proferida, período durante o qual o arguido estava proibido de contactar a assistente, aí se incluindo o afastamento da residência desta, cuja fiscalização seria efectuada por meios técnicos de controle à distância.
Considerando o requerimento da assistente a informar que o arguido não a contactou neste período, declara extinta a pena acessória de proibição de contactos.
Notifique.
Comunique ao registo criminal.
2.2. Matéria de direito
2.2.1. Delimitação do objecto do recurso.
É objecto do presente recurso o despacho que indeferiu a pretensão do arguido, relativamente ao cumprimento de uma condição imposta à suspensão da execução da pena de prisão, mais precisamente a frequência de um programa para agressores de violência doméstica da DGRSP.
Importa notar que o arguido foi condenado na pena principal de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de o arguido frequentar o programa para agressores de violência doméstica da DGRSP. Na mesma sentença, o arguido foi ainda condenado na pena acessória de proibição de contactar a assistente, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento, como decorre da alínea f) da matéria de facto.
Assim, subsiste apenas (neste recurso) a questão do cumprimento da obrigação imposta ao arguido, de frequentar o programa para agressores de violência doméstica da DGRSP, como condição da suspensão da execução da pena de dois (2) anos e dez (10) meses de prisão.
É ainda certo que, por despacho proferido nos autos - transcrito na matéria de facto sob a alínea d)- foi decidido prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido B… por mais 14 (catorze) meses, visando desse modo possibilitar a frequência do programa imposto ao arguido como condição dessa suspensão.
A pretensão do arguido, indeferida pelo despacho recorrido, consiste, em rigor, na possibilidade de cumprir aquela condição, em termos específicos e compatíveis com a manutenção da sua relação laboral em França.
É esta a questão essencial a decidir no recurso, impondo-se assim saber se é legalmente admissível a pretensão do arguido/condenado (autorização a frequentar o Programa para agressores de violência doméstica da DGRSP, de forma individualizada, durante os períodos de tempo que permanecer em Portugal).
2.2.2. Análise dos fundamentos do recurso e despacho recorrido.
A nosso ver, o argumento do despacho recorrido, de que “o local de trabalho não pode, seja por que (motivo) for, levar a que o arguido se exima das suas obrigações decorrentes da prática de um crime”, não é exacto. Na verdade, o que verdadeiramente está aqui em causa não é local de trabalho, mas a subsistência da relação laboral.
Efectivamente, após a condenação proferida nos autos, o arguido conseguiu emprego estável em França (onde reside e constituiu família, composta por si, cônjuge e um filho menor), o qual perderá se tiver que cumprir um programa que pressupõe a frequência de 20 sessões, a realizar seguidas e semanalmente. Ou seja, o cumprimento da condição imposta à suspensão da execução da pena torna impossível a manutenção da relação laboral. Os interesses a ponderar, no essencial, não se limitam a uma questão geográfica (local de trabalho): finalidade da obrigação imposta à suspensão da execução da pena e preservação da relação laboral do condenado.
Por outro lado, também não é exacto que a decisão relativa ao anterior incumprimento da condição e que prorrogou o prazo da suspensão da execução da pena faça caso julgado relativamente à actual pretensão do arguido/condenado. A pretensão do arguido (de alteração dos termos do cumprimento da condição/frequência do programa) só foi, em rigor, rejeitada pelo despacho ora recorrido. Assim, não tendo tal pretensão sido apreciada no anterior despacho, não existe quanto a ela caso julgado.
Por último, julgamos que a pretensão do arguido merece provimento. Está em causa o cumprimento de uma condição da suspensão da execução da pena de prisão, imposta ao abrigo do art. 52º, 1, b) do C. Penal. Ora, por força do art. 51º, 2 e 3, aplicável por remissão do art. 52º, 3 do C. Penal, “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir” (art. 51º, 2 CP), podendo tais deveres ser modificados “sempre que ocorram circunstâncias supervenientes” (art. 51º, 3 CP).
Face a este quadro legal e ao facto de, posteriormente à condenação, ter ocorrido uma circunstância superveniente, ou seja, o condenado estar actualmente a trabalhar em França, onde reside e constituiu família, não é razoável exigir o cumprimento da frequência do programa da DGRSP, nos termos determinados na sentença, uma vez que tal implicará a extinção da relação laboral. A ocorrência desta circunstância superveniente deve portanto ser ponderada, tendo em conta que, para além da subsistência da relação laboral em França, o condenado constituiu família e cumpriu integralmente a pena acessória de proibição de contacto com a ofendida.
Nestas condições, e permitindo o art. 51º, 3 do CP a modificação dos deveres impostos ao condenado, julgamos que a pretensão do arguido devia ter sido deferida e encontrada uma forma de alcançar as finalidades prosseguidas pela condição imposta e as actuais circunstâncias (vivencias e profissionais) do condenado, designadamente “(...) a realização de entrevista com o técnico da DGRSP especializado em violência doméstica direccionadas para a problemática da mesma, às quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal (…)”.
Impõe-se, deste modo, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que defira a pretensão do arguido/condenado, nos termos acima expostos.
3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e consequentemente revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que defira a pretensão do arguido /condenado, modificando a condição da suspensão nos termos sugeridos pela DGRSP, isto é, substituindo a frequência do programa pela realização de entrevista com o técnico da DGRSP especializado em violência doméstica direccionada para a problemática da mesma, às quais ficaria vinculado nos seus períodos de permanência em Portugal.
Sem custas.

Porto, 23 de junho de 2021
Élia São Pedro
Donas Botto