Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10004/09.2TDPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: INFRAÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCAUSALIDADE
Nº do Documento: RP2015031110004/09.2TDPRT.P2
Data do Acordão: 03/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não afasta a agravação pelo resultado morte decorrente do artigo 285º do Código Penal, a circunstância de a conduta do arguido ser apenas uma de várias causas desse resultado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr10004/09.2TDPRT.P2

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso do douto acórdão da 1ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia que a condenou, pela prática de um crime de infração de regras de construção, p. e p. pelos artigos 277º, nº 1, a), e nº 3, e 285º do Código Penal, na pena de trezentos dias de multa, à taxa diária de cinco euros.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«I - A arguida foi condenada, em sede de julgamento de 1ª instância, como autora material de um crime p. e p. pelos artigos 277.º, n.º 1. al. a) e n.º 2 e remissão ao artigo 285.º, todos do C.P., por referência ao artigo 6º, n.º 6 e Anexo 1, n.ºs 1 e 3 do D.L. 273/2003, de 29.10 e ao artigo 10.º, n.º 1 da Portaria 101/96, de 03.04, na pena de 10 (dez) meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa
II - Dessa decisão foi atempadamente apresentado recurso para o VTRP
III - O VTRP determinou o reenvio parcial do processo para novo julgamento onde deverão ser decididas as questões de saber se:
1 -A presença do “guarda-corpos” a que se faz referência no douto acórdão teria, ou não, evitado a queda do rolo que veio a atingir a infeliz vitima;
2 - Em que fase dos trabalhos foi retirado tal “guarda-corpos”;
3 - Se essa retirada era ou não, necessária para a conclusão dos trabalhos; e
4 - Se essa retirada se deu ou não, com o consentimento da arguida.
IV - Em 13/05/2014 foi efetuada sessão de julgamento para apreciação dos pontos reenviados para julgamento parcial.
V - Pelo tribunal recorrido foi proferido acórdão que condena a arguida como “autora” material de um crime p. e p. pelos artigos 277.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 285.º, do C. P. na pena de multa de 300 dias, à taxa diária de 5 EUR, no total de 1.500 EUR.”
VI - Para tal o Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos factos considerados provados (pontos 1 a 19 do douto acórdão agora recorrido, correspondentes aos pontos 1 a 18 do acórdão inicial; art 21 e 22 (correspondentes aos originais pontos 20 a 21), pontos 23 a 28 (correspondentes aos originais 24 a 26).
VII - De particular relevância para o presente recurso são os pontos:
-20 da matéria de facto dada como provada: “ No momento da queda do rolo não estavam colocados os «guarda-corpos» para permitir a conclusão dos trabalhos de impermeabilização, sendo que se estivessem colocados seriam suficientes para evitarem a queda do rolo para o solo”.
-23 da matéria de facto dada como provada: “Na altura em que o rolo caiu, não era necessária a retirada dos referidos guarda-corpos para os trabalhos prosseguirem”.
VIII - Tal convicção do tribunal recorrido foi alicerçada na prova documental junta aos autos e supra descriminada,
IX - Bem como na prova testemunhal produzida nos presentes autos, designadamente, a produzida em audiência de julgamento de 13/05/2014:
-Depoimento da arguida B… (gravado em suporte digital, com início às 14:29:27 e termo pelas 14:53:09)
-Depoimento do arguido C… (gravado em suporte digital, com início às 14:53:14 e o seu termo pelas 15:07:08)
-Depoimento da testemunha D… (gravado em suporte digital, com início às 15:09:03 e termo pelas 15:32:15)
- Depoimento da testemunha E… (gravado em suporte digital, com início às 15:33:10 e o seu termo pelas 15:56:13)
-Depoimento da testemunha F… (gravado em suporte digital, com início às 15:57:27 e pelas 16:03:19)
-Depoimento da testemunha G… (gravado em suporte digital, com início às 16:03:21 e o seu termo pelas 16:27:16)
-Depoimento da testemunha H… (gravado em suporte digital, com início às16:28:50 e o seu termo pelas 16:44:50)
-Depoimento da testemunha I… (gravado em suporte digital, com início às 16:45:56 e o seu termo pelas 16:56:18)
-Depoimento da testemunha J… (gravado em suporte digital, com início às 16:57:15 e o seu termo pelas 17:08:50)
X - Quanto às quatro questões o douto tribunal recorrido deveria apreciar, salvo melhor opinião, somente uma delas, foi respondida, como resulta do aditamento à matéria de facto provada, sobre o n.º 20 (correspondente à primeira questão a apreciar pelo tribunal a quo).
XI - A nova redação do artigo 23.º da matéria de facto dado como provada “na altura em que o rolo caiu, não era necessária a retirada dos referidos guarda-corpos para aos trabalhos prosseguirem”, nada esclarece às restantes questões colocadas pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.
XII - O tribunal recorrido nunca respondeu à questão de - saber se essa retirada se deu ou não, com o consentimento da arguida – pois a resposta à mesma, não consta, nem na matéria de facto provada, nem na matéria dada como não provada.
XIII - Tal omissão de pronúncia, configura nulidade, e determina a prolação de nova sentença extirpada dessa nulidade, art.º 379.º nº 1 al. c) e 122.º do Código de Processo Penal, que desde já se requer com todas as consequências legais.
XIV - Considerou o tribunal a quo, quanto aos factos referidos no ponto 20.º, referente à primeira questão suscitada pelo VTRP, resulta claro que as testemunhas foram praticamente unânimes ao indicar que: “se os guarda-corpos estivessem colocados evitariam a queda do rolo ou pelo menos tinham a ideia de que poderia assim suceder”, o que se aceita.
XV - Contudo, o mesmo já não se pode dizer quanto à motivação indicada pelo douto tribunal a quo, respeitante os factos aditados.
XVI - No que toca à sua decisão quanto á data da retirada dos guarda corpos, o tribunal recorrido incorreu em erro da apreciação da prova, uma vez que fundamentou tal decisão nos depoimentos das testemunhas H…, E…e G…, interpretando-os num sentido diferente daquele que as testemunhas relataram.
XVII - A saber,
Em particular a testemunha E… nunca indicou cabalmente em que data os guarda corpos foram retirados, tendo inclusive respondido que não sabia qual tal ocorreu.
XVIII - Também do depoimento da testemunha G… não se retira a conclusão a que chegou o tribunal a quo, quando refere que esta testemunha afirmou que tal proteção (guarda corpos) já não estava no local do acidente na semana anterior à queda do rolo.
XIX - Muito pelo contrário, o que esta testemunha efectivamente disse foi que semanalmente se deslocava à obra e, que na semana anterior à do fatídico acidente SEGURAMENTE os guarda-corpos encontravam-se no local, conforme depoimento supra transcrito.
XX - Nunca esta testemunha entrou em contradição quanto a este facto.
XXI - A testemunha H… nunca afirmou conhecer ao certo o momento da retirada dos guarda corpos, conforme depoimento transcrito no presente recurso.
XXII - Facilmente se conclui que a prova que fundamentou a posição tomada pelo tribunal a quo nesta matéria, foi erroneamente interpretada e apreciada, violando o art.º410.º n.º2 c) do CPP impondo-se um verdadeiro reexame da prova testemunhal produzida nos presentes autos.
XXIII - Mal andou também o tribunal a quo na fundamentação do seu acórdão.
XXIV- Pelo disposto no art. 374.º n.º2 do CPP, que da fundamentação da sentença deve constar a “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
XXV - A exigência legal da fundamentação da decisão judicial não fica satisfeita com a mera indicação das provas, que formaram a convicção do tribunal, nem sequer, com descrição do conteúdo dessas provas.
XXVI - O tribunal deve explicitar o processo racional que lhe permitiu, como permitiria ao cidadão comum, extrair de determinada prova a convicção da verdade histórica de determinado facto,
XXVII - O tribunal a quo não explicou como deduziu das provas e do conteúdo das mesmas, as suas conclusões.
XXVIII- Não explicou o processo racional que lhe permitiu extrair da prova produzida, a certeza de ser verdadeiros certos factos.
XXXIX - Assim, após a análise supra, defendemos que de acordo com toda a produção da prova, prova não há, que a arguida B… tenha cometido qualquer ilícito criminal.
XXX - Tanto os arguidos como diversas testemunhas afirmaram que no momento do acidente estaríamos na parte final dos trabalhos de impermeabilização, sendo portanto, necessária a retirada dos guarda-corpos para remates finais.
XXXI - A retirada dos guarda-corpos logicamente implicaria que todos os rolos adstritos à imperialização do telhado, já estivessem descarregados, conforme foi afirmado quer pelos arguidos B… e C… quer pela testemunha H… (conforme depoimentos supra transcritos).
XXXII - A ausência de prova, nos presentes autos, quanto à data exacta da retirada dos guarda corpos não pode ser valorada contra a ora recorrente.
XXXIII - Devendo obrigatoriamente aplicar-se, quanto a esta questão, o principio “in dubio pro reu”., tendo como consequência a absolvição da recorrente.
XXXIV - Para finalizar os trabalhos de impermeabilização que decorriam aquando do acidente seria sempre necessário a remoção dos guarda corpos.
XXXV - A retirada dos guarda-corpos implicava que todos os rolos, já estivessem descarregados, conforme foi afirmado quer pelos arguidos B…, C… e pela testemunha H….
XXXVI - Nenhuma culpa se pode atribuir à aqui arguida quanto esta questão, pois a mesma nunca teve conhecimento, nem do momento da retirada dos guarda corpos, nem que no dia do acidente se iria proceder à descarga de rolos no telhado.
XXXVII - De toda a prova produzia em audiência de julgamento, nenhuma vai no sentido de se poder atribuir à aqui arguida o consentimento quanto à retirada dos supra referidos guarda corpos.
XXXVIII - Por todo o exposto carece de alteração o douto acórdão recorrido.
XXXIX - Por tal razão, e face aos argumentos e motivos supra alegados, deverá o mesmo ser substituído por outro que absolva a arguida recorrente.»

C… veio também interpor recurso do mesmo acórdão da que o condenou, pela prática do mesmo crime, na pena de duzentos e cinquenta dias de multa, à taxa diária de oito euros.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«1.º O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito do Douto Acórdão proferido em 03/06/2014 nos presentes autos que condenou o recorrente como autor material de um crime p. e p. pelos artigos 277.º, n.º 1. al. a) e n.º 3 e 285.º do C.P.
2.º Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não fez, uma vez mais, a adequada ponderação dos factos e uma correcta aplicação do Direito relativamente às duas últimas questões alvo de esclarecimento, visto que a prova produzida na audiência de repetição do julgamento impunha decisão diversa da do Douto Acórdão, razão pela qual, se impugna a matéria de facto e de Direito no presente Recurso e, evidentemente, a condenação do aqui recorrente.
3.º Na sua modesta opinião, o recorrente considera que o Douto Acórdão enferma dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.: existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada/não provada, existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e existe erro notório na apreciação da prova, pretendendo-se a reapreciação da prova gravada.
4.º O Douto Acórdão viola ainda as normas jurídicas contidas no art.º 127.º do C.P.P. – Princípio da Livre Apreciação da Prova, no artigo 355.º do C.P.P. e no n.º 2 do art.º 32.º da C.R.P. – Princípio do In Dubio Pro Reo.
5.º O recorrente impugna a decisão proferida, já que tendo em conta a prova testemunhal, a prova documental e a fundamentação do Douto Acórdão, esta teria de ser diversa.
6.º A fundamentação expendida para alicerçar a presente decisão está envolta em contradições, falácias de raciocínio, hesitações e incertezas que não conseguem sustentar devidamente a condenação.
7.º As duas últimas questões a esclarecer na repetição da audiência permanecem obscuras, devido a evidentes contradições entre os depoimentos testemunhais e entre estes e a prova documental, o que resulta em prova incipiente para sustentar a condenação. Após o esclarecimento testemunhal acerca da sapiência e consentimento por parte do recorrente para serem retirados os guarda-corpos, não pode o Douto Tribunal a quo considerar como não provado que o recorrente “não soubesse que os guarda-corpos tinham sido retirados”.
8.º Entendeu o Venerando Tribunal da Relação que seria necessário apurar e esclarecer os seguintes factos, no que ao aqui Recorrente diz respeito, em audiência de repetição do julgamento:
VI - A presença do guarda-corpos era, ou não, suficiente para evitar a queda do rolo, tendo em conta que este pesava cerca de 40 kg?
VII - A retirada desse guarda-corpos era, ou não, necessária para a conclusão dos trabalhos no momento exacto dessa retirada?
VIII - Em que fase é que tal retirada se deu?
IX - O recorrente C… sabia, ou não, da retirada desses guarda-corpos?
X - A retirada dos guarda-corpos deu-se com o consentimento recorrente C…?
9Após a referida audiência, o Douto Tribunal a quo proferiu Acórdão, decidindo que:
6. A presença do guarda-corpos era suficiente para evitar a queda do rolo para o solo. – Facto provado n.º 20
7. A retirada desse guarda-corpos não era necessária para a conclusão dos trabalhos no momento exacto dessa retirada (para os trabalhos prosseguirem). – Facto provado n.º 23
8. A retirada do guarda-corpos foi prematura. – Decorre do Facto provado n.º 23
9. Não se provou que o aqui recorrente não soubesse da retirada do guarda-corpos. – Facto não provado n.º 6
10. Não se pronuncia sobre a 5.ª questão, embora, neste particular, se compreenda no que concerne ao aqui recorrente C…, decorrente do que se considerou no ponto acima, mas que não se entende relativamente à co-arguida B….
10.º No humilde entender do recorrente, após os esclarecimentos prestados em audiência, deverá concluir-se que:
f) A presença do guarda-corpos era suficiente para evitar a queda do rolo para o solo. – Facto provado n.º 20
g) A retirada desse guarda-corpos não era necessária para a conclusão dos trabalhos no momento exacto dessa retirada (para os trabalhos prosseguirem). – Facto provado n.º 23
h) A retirada do guarda-corpos foi prematura. – Decorre do Facto provado n.º 23
i) O recorrente C… não sabia da retirada do guarda-corpos. – Contrariamente, portanto, ao facto não provado n.º 6
j) A retirada do guarda-corpos deu-se sem consentimento do recorrente C…. – Decorrente da nossa alínea d)
11.º Saudamos a decisão do Douto Tribunal em relação aos factos provados n.º 20 e 23. Porém, discordamos de três pontos essenciais quanto à matéria de facto provada e não provada e à fundamentação expendida.
12.º Relativamente ao 1.º ponto de discordância, há que salientar o nosso desacordo com o facto não provado n.º 6, ou seja, “que o recorrente não soubesse que os guarda-corpos tinham sido retirados”.
13.º A prova testemunhal recolhida contradita nitidamente aquele facto não provado, vejam-se os depoimentos de H…[1], I…[2], J…[3], G…[4] e Declarações do Recorrente C…[5] e da Co-arguida B…[6], deixando claras evidências dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.: da prova produzida em audiência apenas se pode assentar que o recorrente não sabia da retirada dos guarda-corpos.
14.º Assim, não se entende a posição do Douto Tribunal a quo quando refere, na motivação da decisão de facto - factos não provados[7] que: “No que respeita ao desconhecimento do arguido C… sobre a retirada do guarda-corpos, pensamos que não houve produção de prova segura sobre se sabia ou não.” Como pode o Julgador afirmar que inexiste prova segura de que o recorrente sabia ou não da retirada do guarda-corpos e depois considerar como não provado que o aqui recorrente “não soubesse”?
15.º Aqui temos também patente uma contradição entre a fundamentação e a decisão da matéria de facto: estamos perante um vício previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P., que coadjuvado pelo vício previsto na alínea a) do mesmo artigo, conduz a uma má decisão acerca do facto não provado n.º 6.
16.º Ora, esta conclusão é tanto mais fulminante quanto de seguida se afirma: “O arguido negou que o soubesse e sendo coordenador de segurança e não sendo fiscal de segurança da obra, admite-se que o não tenha visto; mas também não se sabe se o terá visto pois nenhuma testemunha o soube afirmar nem há qualquer registo documental que o comprove ou que demonstre que o sabia (por exemplo, ata de reunião onde conste tal menção, registo em livro de obra).” Neste excerto fica patente que o Douto Tribunal a quo tece considerações acerca do ocorrido. A nosso ver, por si só, mal esteve. Sucede que ao fazê-lo acerca de uma factualidade que deu como não provada, abala ainda mais a sua convicção acerca daquela tomada de posição: “admite que não tenha visto”, depois “não se sabe se o terá visto” e considera como não provado que “o arguido não soubesse que os guarda-corpos tinham sido retirados”… não nos faz sentido.
17.º Tendo ficado na dúvida, como ficou, quando muito deveria ter considerado não provado que o arguido C… sabia que tinham sido retirados os guarda-corpos, nunca que “o arguido não soubesse que os guarda-corpos tinham sido retirados”.
18.º Aliás, tendo formulado uma dupla negação (não provado que não soubesse), em nada contribui para um raciocínio escorreito, entorpecendo-se a inteligibilidade do texto. Só compreendemos a razão de ser desta forma de escrita em virtude de o Douto Tribunal a quo se encontrar pleno de dúvidas; dúvidas essas que foram esclarecidas em audiência e que o próprio Tribunal desconsidera, mal decidindo, em manifesto erro notório na apreciação da prova e em contradição insanável da própria fundamentação, o que conduz a uma incorrecta decisão sobre a matéria de facto não provada?
19.º Mais: (1) se o próprio Tribunal a quo afirma que: “(…) mas também não se sabe se o terá visto pois nenhuma testemunha o soube afirmar nem há qualquer registo documental que o comprove ou que demonstre que o sabia (por exemplo, ata de reunião onde conste tal menção, registo em livro de obra).” e (2) se existem exemplos na prova documental junta aos autos de que o recorrente é trabalhador atento e cumpridor, vejam-se, a título de exemplo, as Actas de Reunião de Segurança, onde constam advertências relativas à falta/má colocação de guarda-corpos, constantes nos artigos 76 e 77 das Motivações do “Primeiro Recurso”, bem como no artigo 64 e respectiva nota de rodapé 23 das Conclusões do mesmo[8], (1+2) só nos resta extrair uma única ilação: o recorrente não sabia que os guarda-corpos tinham sido retirados, logo também não pôde consentir na sua retirada.
20.º Porque se tivesse sido disso informado, para além da situação ter sido imediatamente corrigida, constaria documentalmente. Como haveria de constar algo que o recorrente não sabia? O próprio Tribunal levanta a questão do registo documental mas acaba por confundir-se aquando da decisão da matéria.
21.º Há que dar conta de outra contradição insanável da fundamentação: se se refere que[9] “Não estando colocados os guarda-corpos, a arguida teria de ter alertado a situação, procurado ou ela mesma resolvê-lo e/ou, consoante a divisão de tarefas contratualizada ou acordado no local, comunicar a quem tivesse essa responsabilidade para delimitar essa zona. Não o tendo feito (…)”, significa que o recorrente não foi informado, logo nunca poderia ter sido dado como não provado o facto n.º 6.
22.º Nesta sequência, carece também de sentido para a fundamentação que sustenta a decisão, a passagem[10]: “(…) o que se tem é que o arguido era coordenador de segurança não se sabendo se tinha conhecimento daquela falha e se quem o sabia (pelo menos a arguida B…) lho comunicou ou diligenciou por fazer chegar a si esse conhecimento.” Se na transcrição acima o Julgador refere que a arguida teria de ter alertado para a situação mas não o fez, como pode aqui dizer-se que não se sabe se quem tinha conhecimento comunicou o facto ao recorrente?
23.º Mais uma contradição insuprível da fundamentação: se se considera que[11] “Ao contrário da arguida C…, não está provado que competisse ao arguido fiscalizar por si próprio, no terreno, o cumprimento das regras de segurança.”, alguém teria de comunicar-lhe a ocorrência daquela situação, visto que não estava todos os dias em obra. Logo, o recorrente não sabia da retirada do guarda-corpos.
24.º Também o excerto[12]: “Assim, no caso, está em questão uma situação anómala (estava prevista no plano a existência dessa protecção), que escapa à normal atuação do coordenador que não tem de agir, por si, no terreno e que se desconhece se lhe foi comunicada” volta a insistir numa argumentação que já foi acima desconstruída, pelo que não se entende tal consideração; parece apontar inicialmente no sentido certo (“situação anómala (estava prevista no plano a existência dessa protecção), que escapa à normal atuação do coordenador que não tem de agir, por si, no terreno”), mas depois volta a cair, falaciosamente.
25.º Assim, após todos os elementos que supra se descreveu e socorrendo-se das regras de experiência comuns, o Douto Tribunal a quo só poderia ter dado como provado que o recorrente não sabia da retirada dos guarda-corpos e, salvo o respeito devido, esteve mal quando assim não assentou, havendo erro notório na apreciação da prova, para além de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (410/2 b) e c) do C.P.P.).
26.º No que concerne ao 2.º ponto de discordância, este tem que ver com a inexistência de objecto susceptível de cair, ou seja: na parte final dos trabalhos, quando deveria ter sido retirado o guarda-corpos, não existiria já rolo de impermeabilização.
27.º Fundamenta o Douto Tribunal a quo que[13]: “Mas existe falta de cuidado, na nossa perspetiva, da parte do arguido em relação à omissão de previsão no plano da interdição da zona no solo, onde os trabalhos de impermeabilização decorriam (e que posteriormente foi acrescentada). Na realidade, não estava prevista essa interdição e estavam previstas outras medidas que evitavam, previsivelmente a queda de objectos ou pessoas”: os citados guarda-corpos;.os trabalhadores estarem presos por cabos. Mas se se atentar nessas regras elencadas a fls. 285, verso, verifica-se que quando se prevê a impossibilidade de colocação de proteção coletiva nas bordaduras das coberturas, a «única alternativa» é colocar arnês ligado a linha de vida para evitar que os trabalhadores caiam mas esta única medida alternativa não prevenia a queda de objectos (…) prevê-se a segurança dos trabalhadores no telhado mas não se previu a possibilidade de caírem objectos.
28.º Ainda que se considere que a única medida alternativa prevista aquando da retirada dos guarda-corpos não prevenia a queda de objectos, o que não se concede, mas se aventa numa tentativa de acompanhamento do raciocínio do Douto Tribunal a quo, aquela ilação esquece que não seria necessário prever a queda de objectos porque simplesmente, na altura correcta da retirada dos guarda-corpos (aquando dos remates finais), não existiriam objectos para cair! Logo, é impossível que o recorrente tivesse previsto uma coisa que simplesmente inexistia.
29.º Se atentarmos na lógica de raciocínio que o aqui recorrente sempre explicou ao Tribunal, temos que: prever uma medida adicional de vedação de uma zona que não era zona de passagem, e onde não estavam a decorrer quaisquer trabalhos, seria duplamente redundante - estavam colocados os guarda-corpos até à altura em que só existissem tiras de tela para fazer o remate final e ainda existiam andaimes a toda a volta, durante todo o processo reconstrutivo dos edifícios da Escola. Pelo que estavam previstas medidas “a dobrar”, já que os andaimes também constituem uma medida adicional anti-queda, para além dos guarda-corpos. Deste modo, se os guarda-corpos não tivessem sido retirados prematuramente, o acidente não teria ocorrido.
30.º Já em sede do “Primeiro Recurso” se mencionou que a zona do sinistro não era uma zona de passagem, era uma zona de entulho e existia um sinal de proibição de passagem colocado na porta anti-pânico, do interior do edifício para o exterior, sinal esse que foi transposto pelo trabalhador infelizmente sinistrado e o Douto Tribunal a quo desconsiderou este facto[14].
31.º Ora, se:
6. não há rolo para cair;
7. a zona não era de passagem, mas sim de entulho;
8. na zona não havia trabalhos a decorrer;
9. o local de trabalho do trabalhador sinistrado era dentro do edifício;
10. o trabalhador transpôs um sinal de proibição de passagem;
Todos estes factores são decisivos para a tomada de posição do aqui Recorrente relativamente à previsão de regras de segurança:
g. não é necessário vedar uma zona quando esta é de entulho;
h. não se prevê a interdição de uma zona onde não há trabalhos a decorrer;
i. não se prevê a interdição de uma zona que não é zona de passagem;
j. não se prevê que um trabalhador cujo local de trabalho é dentro do edifício se encontre fora deste;
k. não se prevê que os trabalhadores transponham redes de protecção e sinais de proibição de passagem e
l. não se prevê a queda de objectos quando não há objectos para cair…
32.º A colocação do arnês nos trabalhadores em cima do telhado, prevenindo uma possível queda em altura, é lógica e está prevista. A queda de um rolo inexistente é impossível de prevenir porque é irreal.
33.º O recorrente tem plena consciência da importância do seu trabalho e da responsabilidade que ele acarreta, mas inferir uma conclusão de uma premissa imaginária é inexequível.
34.º In casu, não existe sequer negligência inconsciente, em que o agente não chega a representar a possibilidade de realização do facto (alínea b) do artigo 15.º do C.P.). Aqui, não há objecto, logo é impossível de prever o que não existe. Há um total vazio na cabeça do alegado agente que não representa a realização do facto porque simplesmente este não existe.
35.º No limite, nem sequer estamos a falar do chamado “erro intelectual”, em que a pessoa não dispõe do elemento do conhecimento do qual depende para poder valorar o seu comportamento como criminoso. Aqui, o alegado agente não tinha que prever o inexistente.
36.º Assim, não há qualquer possibilidade de imputação, quer objectiva, quer subjectiva, da conduta ao agente e do resultado à conduta. Não era previsível que, naquela situação, aquele resultado fosse verificar-se pois que simplesmente aquela situação não existe. E não existe, obviamente, qualquer laivo de vontade que possa ser imputado ao alegado agente.
37.º As testemunhas referem este facto abertamente, vejam-se os depoimentos de I…[15] e H…[16] e Declarações do Recorrente[17] e da Co-arguida B…[18]: só para a impermeabilização do rebordo da laje é que seria necessário a retirada dos guarda-corpos. Ora, nesta fase, já não existe rolo, pois para aquele remate final apenas são precisas tiras de tela, não um rolo inteiro. O que significa que não se previu a queda de objectos pois, nessa fase final, já não existiriam objectos para cair.
38.º Resta mencionar que, com o devido respeito, nos parece que o Douto Tribunal a quo não sabe o que fazer…toda a fundamentação que desenvolve está envolta em avanços e recuos titubeantes, onde se alinha numa posição inicial de desresponsabilização do recorrente e posteriormente se esvazia aquela mesma ideia, finalizando em sentido divergente.
39.º Compreendemos a posição ingrata do novo Colectivo de não contrariar a linha de raciocínio do anterior, salvaguardando o trabalho dos Colegas. Compreendemos também a missão de “exemplo social” que este caso acarreta e a preocupação do Douto Tribunal a quo em acautelar “as regras de segurança numa obra como vetores fundamentais e que têm de ser cumpridos em diversas vertentes”. Não se entende, no entanto, a imputação de responsabilidade criminal ao Recorrente, quando tudo previu e quando cumpriu escrupulosamente todas as regras de segurança aplicáveis in casu.
40.º No que respeita ao 3.º ponto de discordância, este prende-se com a não credibilidade da Testemunha E… e com as evidentes contradições entre a prova testemunhal e a documental.
41.º Na sequência da existência de uma situação de Concausalidade, já levantada e ora reforçada pelo Venerando Tribunal da Relação, em virtude da existência de “falha humana” por parte dos trabalhadores que manuseavam o rolo, temos que, uma vez mais, o depoimento da Testemunha E… sai, novamente, bastante abalado desta repetição de julgamento.
42.º Desde o início, que a sua postura denota um comprometimento para com a verdade e um “peso na consciência” pela sua quota de responsabilidade no trágico sucedido: existiu um “escorregamento acidental das mãos de um dos trabalhadores” e toda a prova documental dos autos o reflecte. Existe uma evidente contradição entre aquela prova documental e a prova testemunhal e entre esta, que se mantém, nesta sede.
43.º Pelo que não se entende como o Douto Tribunal, considerou, novamente, que E… depôs de forma “isenta e credível”[19] [20]: é leviano nas respostas, incoerente e precipitado. E é claramente contraditado, por exemplo, pela Testemunha H…[21].
44.º Não se alcança também a convicção do Tribunal quando menciona: “Aliás, esta última testemunha, gestor de segurança da empresa executante, referiu que primeiro terão retirado os guarda-corpos, ficando os andaimes e depois terão retirado estes, ficando o telhado sem protecção, eventualmente porque foram precisos noutro local da obra” quando a própria Testemunha G… não é isso que refere[22].
45.º Todas estas dissonâncias são fáceis de verificar (veja-se tudo quanto foi dito a este propósito no “Primeiro Recurso” – artigos 14.º D) e seguintes); para além de assistirmos à contradição da sua versão com todos os documentos dos autos (que contêm uma versão diferente do acidente): vide o ponto 48 do próprio articulado das Assistentes, fls. 87 e 90 do Relatório de Averiguação do Perito da K…, fls. 102 das Declarações da Testemunha F…, fls. 103 do Despacho de Arquivamento e as suas próprias Declarações em sede de Inquérito.
46.º Assim sendo, com o devido respeito, o recorrente considera que o Douto Acórdão enferma, ao longo de todo o texto, dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.: existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada/não provada, existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e existe erro notório na apreciação da prova.
47.º A fim de evitarmos uma fastidiosa repetição de matéria de direito já explanada no “Primeiro Recurso” (a partir dos artigos 104.º e seguintes das Motivações e artigos 80.º e seguintes das Conclusões respectivas), para os quais ora remetemos, e uma vez que o Venerando Tribunal da Relação ainda decidirá questões que encaminhou para apreciação ulterior, vamos abster-nos de reproduzir tudo quanto foi dito acerca: do “Princípio da Confiança”; da Negligência; do Princípio da Livre Apreciação da Prova; do Princípio In Dubio Pro Reo; da Necessária Absolvição do Recorrente e da Escolha e medida da pena.
48.º Apenas acrescentamos algumas considerações: por tudo quanto foi dito, pensamos inexistir nexo de causalidade que permita imputar a factualidade causal à produção do resultado. Pois que, para além de existir uma Interrupção do Nexo Causal, existe também a ocorrência de outras causas para as quais o recorrente em nada contribuiu (Concausalidade).
49.º Ora, no nosso caso, após o acidente, o trabalhador sinistrado foi conduzido ao Hospital e ali permaneceu internado a tratar-se das lesões de “traumatismo craniano e lesão na zona cervical”, segundo as próprias Assistentes. E, sem que nada o fizesse esperar, contraiu uma infecção respiratória nosocomial que lhe provocou o desenvolvimento de uma “pneumonia por agente bacteriano hospitalar”, o que determinou a continuidade do internamento por cerca de um mês, vindo posteriormente a falecer.
50.º Assim, concluiu o Relatório de Patologia Forense junto aos autos, através do seu perito médico, que a morte do trabalhador deveu-se a uma infecção respiratória, não se tendo a certeza que a mesma tenha tido um nexo causal com o acidente, uma vez que entre a “data do evento e a da morte, decorreu cerca de um mês, com internamento hospitalar”. Pelo que, o trabalhador faleceu não em virtude das lesões do acidente, mas de “pneumonia por agente bacteriano hospitalar” decorrente de infecção respiratória nosocomial.
51.º Deste modo, existiu uma interrupção do nexo causal, pois ocorreu um evento superveniente que quebrou a relação causa/efeito inicial, o que exclui a imputação de responsabilidade ao Recorrente.
52.º Fácil é de concluir também que existem diversas causas conjuntas que culminaram no trágico desfecho, sem nunca o recorrente ter concorrido para alguma delas (Concausalidade):
a) Se o trabalhador sinistrado não tivesse transposto a sinalização de proibição, frequentando uma zona de entulho e que não de passagem – Autocolocação em risco;
b) Se os guarda-corpos não tivessem sido retirados prematuramente;
c) Se os dois trabalhadores em cima do telhado não tivessem transgredido (1) quer a regra de “ser necessário uma equipa de três trabalhadores em cima do telhado para executarem correctamente os trabalhos de impermeabilização”, (2) quer a regra de “carregar apenas 30 kg sozinho”, deixando escapar das mãos de um deles o rolo de impermeabilização, o acidente não teria ocorrido.
53.º A corroborar esta convicção temos a Testemunha G… e a co-arguida B…[24]
54.º O recorrente sempre cumpriu escrupulosa e diligentemente todas as normas legais, regulamentares ou técnicas que lhe coubessem observar, no âmbito das funções que lhe estavam adstritas, nomeadamente no que respeita ao acompanhamento da segurança da obra, e todas as regras procedimentais em obra estão patentes no plano de segurança e no plano de trabalho com riscos especiais (PTRE).
55.º Logo, como já se referiu e demonstrou no “Primeiro Recurso”, não é possível assacar-lhe qualquer responsabilidade pelo ocorrido.
56.º Face a tudo quanto foi supra exposto, o recorrente C… terá necessariamente de ser absolvido.»

O Ministério Público apresentou resposta a tais motivações dos recursos, pugnando pelo não provimento dos mesmos.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento dos recursos.

Em resposta a este parecer, o arguido e recorrente C… reiterou a posição assumida na motivação do seu recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, as seguintes:
Quanto ao recurso interposto pela arguida B…:
- saber se o douto acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, tendo em conta que dele não consta a decisão quanto à prova do facto de a arguida ter dado, ou não, consentimento para a retirada do “guarda-corpos” aí referido;
- saber se esse acórdão é nulo por falta de fundamentação;
- saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido quanto à data da retirada desse “guarda-corpos”;
- saber se deve a arguida ser absolvida do crime por que vem acusada, por não se ter provado nenhum comportamento culposo da sua parte;
Quanto ao recurso interposto pelo arguido C…:
- saber se o acórdão recorrido padece de insanável contradição quanto ao facto de o arguido ter, ou não, conhecimento da retirada do “guarda-corpos” a que nele se faz referência;
- saber a prova produzida impõe que se considere que o arguido não tinha esse conhecimento;
- saber se, mesmo que assim não se entenda, não se verificou qualquer violação de deveres de cuidado da parte do arguido, e, portanto, qualquer negligência da sua parte, devendo, por isso, ser ele absolvido do crime por que vem acusado;
- saber se da prova produzida resulta que a causa da morte da vítima não foi o acidente em questão, devendo, por isso, ser ele absolvido da prática do crime por que vem acusado;
- saber se, mesmo que assim não se entenda, deverá considera-se que a conduta do arguido foi apenas umas de várias causas do acidente, devendo, por isso, ser ele absolvido da prática do crime por que vem acusado;
- saber se no acórdão recorrido se verifica violação do princípio in dubio pro reo.
- saber se a pena em que o arguido foi condenado é excessiva faca aos critérios legais.

III – É o seguinte o teor da fundamentação do douto acórdão recorrido:

«(…)

2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos (com exclusão das conclusões, das argumentações, do direito, das menções aos meios de prova e das repetições de factos):
1). No dia 02/06/2009, o sinistrado L…, com a categoria de trolha por conta da sociedade «M…, Lda.», com sede em …, Fafe, que tinha sido contratada pelo consórcio N…, mediante contrato de sub-empreitada celebrado em 02/12/2008, para fazer trabalhos de trolha, encontrava-se a fazer uns trabalhos de trolha nas obras de remodelação que decorriam no interior da O…, sita na …, em Vila Nova de Gaia.
2). Cerca das 9.45 horas, quando o mesmo circulava junto do edifício escolar com cerca de 10 metros de altura, numa zona de passagem adstrita a vários locais de trabalho existentes no interior da obra, foi atingido por um rolo de tela de impermeabilização que caiu do telhado do dito edifício, com cerca de 40 Kgs, que o atirou ao chão e o deixou inanimado.
3). Como consequência direta e necessária da queda do rolo sobre a vítima, o sinistrado L… sofreu várias lesões, as quais foram causa direta da sua morte ocorrida no dia 07/07/2009.
4). A certificação das condições de segurança da obra estavam a cargo do Consórcio P…, Lda. Q…, Lda. nomeado pelo dono da obra.
5). O arguido C… prestava serviços para o Consórcio P…, Lda. Q…, Lda. e, à data dos factos, era coordenador de segurança e de saúde na referida obra, cabendo-lhe a promoção e verificação do cumprimento do plano de segurança e saúde e a validação técnica do desenvolvimento do plano de segurança e saúde e dos planos de trabalho de riscos especiais.
6). À data dos factos a arguida B… era funcionária da S…, Limitada que foi contratada pela entidade executante e a mesma exercia na referida obra as funções de Técnica de Higiene e Segurança no Trabalho, cabendo-lhe auxiliar a equipa da obra (diretores, adjuntos e encarregados), concretamente, na prevenção e análise de riscos, na definição de procedimentos de segurança adequados aos riscos e na verificação e implementação na obra das medidas de segurança.
7). Na obra existia um plano de segurança e saúde e também um plano de trabalho de riscos especiais validados pelo coordenador, o arguido C…, que mereceu parecer favorável do dono da obra, tendo deles conhecimento a arguida B….
8). Dessas medidas, inicialmente, constava um «guarda-corpos» com rodapé, que em data não apurada, mas antes da conclusão da obra foi sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível concluir os mesmos.
9). Nesse plano de segurança inicialmente constava no item «identificação de riscos» que não foram encontrados riscos de queda de objetos a partir do telhado.
10). Os arguidos sabiam que os «guarda-corpos» teriam que ser retirados com o avanço dos trabalhos de impermeabilização para que fosse possível a sua conclusão.
11). Tal «guarda-corpos» protegia quer a queda dos trabalhadores que trabalhavam no telhado, quer a queda de objetos a partir desse local.
12). Após o acidente foram implantadas novas medidas de segurança com vista a assegurar os riscos de queda de objetos que consistiram, designadamente, no aumento do referido batente até aos 20 cms, no afastamento no mínimo de 2 metros dos materiais e equipamentos da periferia da cobertura, no seu armazenamento na zona do caleiro, na utilização de retalhos de tela nos trabalhos de «remate da tela» a realizar na bordadura da cobertura, na retirada gradual do batente e na criação uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização.
13). No local existia uma barreira arquitetónica na bordadura da laje do telhado que consistia num batente inicialmente de 20 cm que, com o revestimento, a sua altura ficou reduzida pelo menos cerca de 8 cm.
14). Tal batente não se destinava a evitar a queda de objetos.
15). No local não existia qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem.
16). Os trabalhos de impermeabilização da cobertura estavam a cargo da Firma «T…, Lda.» e nela trabalhavam dois operários seus, E… e U….
17). Os rolos de impermeabilização eram pousados na cobertura pelo gruísta F… através de sinalização gestual que os dois trabalhadores que se encontravam no telhado lhe faziam, uma vez que o mesmo não tinha visibilidade do local.
18). Os rolos eram depositados aos pares sobre a cume eira da cobertura, cabendo a cada um dos referidos trabalhadores retirá-los um a um do meio da linha sem que esta fosse «desligada» do gancho da grua.
19). No momento em que os dois trabalhadores retiravam mais um rolo, um dos rolos caiu sobre o telhado, entrando em rolamento sobre si mesmo, progredindo ao longo do declive, galgando o batente aludido no ponto 13) dos factos provados e acabou por atingir o sinistrado L… na cabeça, que nesse momento passava no local.
20). No momento da queda do rolo não estavam colocados os «guarda-corpos» para permitir a conclusão dos trabalhos de impermeabilização, sendo que se estivessem colocados seriam suficientes para evitarem a queda do rolo para o solo.
21). A arguida B… sabia que os «guarda-corpos» tinham sido retirados do local onde estavam a ser realizados os trabalhos de impermeabilização.
22). Os arguidos sabiam que, na execução da obra, se estavam a realizar trabalhos de impermeabilização.
23). Na altura em que o rolo caiu, não era necessária a retirada dos referidos guarda-corpos para os trabalhos prosseguirem.
24). A arguida B… deu formação de acolhimento e formação específica para os trabalhos de impermeabilização aos respetivos trabalhadores.
25). No local por onde a vítima circulava aquando da queda do rolo, para além dos trabalhos de impermeabilização do telhado, não existiam na altura quaisquer outros trabalhos a decorrerem.
26). A arguida é licenciada em segurança no trabalho. Encontra-se desempregada desde o início de dezembro de 2011. Vive com a irmã em casa pertencente aos seus pais.
Sustenta-se com algumas poupanças e com o apoio financeiro da sua irmã e dos seus pais.
27). O arguido é licenciado em engenharia civil. Trabalha desde 20/04/2012 na fiscalização de obras, auferindo o salário ilíquido de 1 650 EUR/mês. Vive sozinho.
28). Os arguidos não têm antecedentes criminais.
*
Factos não provados.
Não se provaram todos os demais factos do requerimento de abertura de instrução por remissão da pronúncia, da contestação da arguida B… e da contestação do arguido C…, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Deste modo, não se provou nomeadamente:
§ 1. (Do req. de abertura de instrução por remissão da pronúncia):
1). Que se a platibanda na periferia tivesse sido elevada pelo menos à altura de 20 cm garantiria a prevenção dos riscos de queda de materiais a partir do telhado.
2). Que o rolo que atingiu o sinistrado L… foi desprendido do gancho da grua sem que previamente se tivesse acautelado a sua imobilização e colocação no telhado.
3). Que se o rolo não tivesse sido desprendido do gancho não teria escapado das mãos trabalhador.
§2.(Da contestação da arguida B…).
4). Que o local onde se verificou o acidente estava vedado.
§3. (Da contestação do arguido C…).
5). Que todos os trabalhadores foram advertidos para o facto de o local em que se deu a queda do rolo não ser local de passagem.
6). Que o arguido C… não soubesse que os guarda-corpos tinham sido retirados.
*
Motivação da decisão de facto.
Dos Factos Provados.
§ 1. No que concerne aos factos provados o tribunal alicerçou-se nas regras de experiência comum, em conjugação com o conjunto da prova produzida, nomeadamente:
A). Nas declarações prestadas em audiência pelos arguidos:
1º B… que confessou parcialmente os factos de que vinha pronunciada e informou o tribunal das suas condições pessoais.
2º C… que confessou parcialmente os factos de que vinha pronunciado e informou o tribunal das suas condições pessoais.
B) Nos depoimentos prestados em audiência pelas seguintes testemunhas:
1.º D…, inspetor do trabalho que se deslocou ao local no dia seguinte ao acidente, tendo elaborado o relatório constante a fls. 149 e ss. e deposto de forma livre, isenta e convincente quanto àquilo que presenciou no local e ao modo como acedeu à zona onde ocorreu o acidente.
2.° E…, trabalhador que na altura executava os trabalhos de impermeabilização, tendo deposto de forma isenta e credível quanto às circunstâncias em que se deu a queda do rolo.
3.° U…, trabalhador que na altura executava os trabalhos de impermeabilização, tendo deposto de forma livre e convincente quanto ao circunstancialismo que envolveu a queda do rolo.
4.° F…, manobrador da grua que transportava os rolos de tela para o telhado onde ocorriam os trabalhos de impermeabilização, tendo deposto de forma livre e credível quanto ao modo como tais rolos eram retirados da grua e colocados no telhado.
5.° G…, gestor de segurança na obra, que se deslocou ao local logo que ocorreu o acidente, que depôs de forma isenta e credível quanto às funções exercidas pela arguida.
6.° H…, fiscal de segurança na obra a cargo do dono da obra, tendo-se deslocado ao local logo após o acidente, tendo deposto de forma livre e credível quanto às formas possíveis de se aceder ao local.
7.° I…, coordenador da zona centro e norte do consórcio, que se deslocou ao local no dia do acidente, tendo relatado o que viu de forma isenta e credível.
8.º J…, técnico fiscal da construção civil, que se encontrava na obra no momento do acidente, que descreveu de forma livre e convincente os acessos possíveis de se aceder ao local em causa.
*
No que respeita aos factos aditados - parte do vinte e vinte e três - pensamos que quer arguidos quer todas as testemunhas ouvidas ou foram claras no entendimento de que se os guarda-corpos estivessem colocados evitariam a queda do rolo ou pelo menos tinham a ideia de que poderia assim suceder - D… -.
Estes guarda-corpos são compostos por três barras de madeira sendo que a primeira dista do solo cerca de quinze centímetros com outras duas barras apostas por cima, com noventa centímetros de altura pelo que, em princípio seria, também na nossa visão, suficiente para impedir que o rolo deslizasse pelo telhado e mesmo que tivesse adquirido alguma velocidade com esse deslize, ao embater nessa barreira, caísse.
Acresce que ainda existia a barreira referida no facto 13) que também «amorteceria a velocidade» e mesmo que fizesse saltar o rolo, em princípio bateria na tábua do guarda-corpos.
Como é natural, o tribunal não pode prever com absoluta certeza todas as situações que poderiam ter ocorrido mas de acordo com estes elementos, pensamos haver segurança suficiente para se poder concluir (como as testemunhas, trabalhadoras da área ou de segurança ou de construção civil) que a presença dessa proteção evitava a queda do rolo.
No que respeita ao facto 23), a testemunha E…, trabalhador que estava a colocar a tela de impermeabilização, foi claro ao referir que apesar de se estar na fase final desse trabalho, isso não significava que se estivesse mesmo na última parcela do serviço; na realidade, essa última parcela consistia no colar a tela no rebordo do telhado onde poderia estar o guarda-corpos e só nessa fase é que seria necessária retirar tal proteção, fase essa que ainda não tinha sido atingida.
Ora, repete-se, a testemunha bem como H… (fiscal de segurança), I…, todas elas referiram que essa proteção só nessa fase teria de ser retirada o que não sucedeu no caso pois, como E… e G… referiram, tal proteção já não se encontrava no local há uns dias (oito dias disse a primeira testemunha, na semana anterior, referiu esta).
Aliás, esta última testemunha, gestor de segurança da empresa executante, referiu que primeiro terão retirado os guarda-corpos, ficando os andaimes e depois terão retirado estes, ficando o telhado sem proteção, eventualmente porque foram precisos noutro local da obra.
*
C) No teor dos seguintes documentos:
1.º No relatório de autópsia de fls. 39-41 quanto à morte de L….
2.° No documento de fls. 52-58 no que concerne ao contrato de sub-empreitada aludido no ponto 1) dos factos provados.
3.° No relatório de acidente de fls. 78-82 e no inquérito de acidente de trabalho de fls. 149-201 no que concerne ao estado do local aquando do acidente.
4.° No plano de segurança de fls. 284-287 e no aditamento de fls. 288-291 quanto à factualidade constante nos pontos 7), 8), 9) e 12) dos factos provados.
5.° Nas fotografias de fls. 644-648 que retratam o local aquando do acidente.
6.º Nos certificados de registo criminal de fls. 539 e 540 quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido.
*
II - Dos Factos Não Provados.
§ 1. Quanto aos factos não provados do req. de abertura de instrução por remissão
da pronúncia importa referir que nenhuma testemunha confirmou a factualidade dada como
não provada.
§2. Relativamente aos factos não provados da contestação da arguida B… há que salientar que atentas as contradições entre os depoimentos das várias testemunhas ouvidas em audiência de julgamento quanto ao facto do local estar vedado o tribunal não deu qualquer credibilidade às testemunhas que afirmaram que no local existiam fitas a delimitar o local ou que na porta existia um sinal de proibição de passagem. Note-se que caso existisse essa delimitação não teria sido necessário após o acidente aditar ao plano de segurança uma nova medida que consistiu na criação de uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização (cfr. documento de fls. 288-291).
§ 3. No que concerne aos factos não provados da contestação do arguido C… cumpre assinalar que nenhuma testemunha confirmou a factualidade dada como provada.
Refira-se que as testemunhas E…, U… e F…, trabalhadores na obra, não corroboraram a factualidade em causa, tendo as duas primeiras testemunhas relatado circunstancialismo diverso.
No que respeita ao desconhecimento do arguido C… sobre a retirada do guarda-corpos, pensamos que não houve produção de prova segura sobre se sabia ou não, o arguido negou que o soubesse e sendo coordenador de segurança e não sendo fiscal de segurança na obra, admite-se que o não tenha visto; mas também não se sabe se o terá visto pois nenhuma testemunha o soube afirmar nem há qualquer registo documental que o comprove ou que demonstre que o sabia (por exemplo, ata de reunião onde conste tal menção, registo em livro de obra.),
*
2.2). De direito.
Os arguidos vêm pronunciados pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo artigo 137°, em concurso aparente com o crime p. e p. pelos artigos 277°, n.º 1. al. a) e n.º 2 e remissão ao artigo 285°, todos do C.P., por referência ao artigo 6°, n." 6 e Anexo 1, n.os 1 e 3 do D.L. 273/2003, de 29.10 e ao artigo 10°, n.º 1 da Portaria 101/96, de 03.04.
Em primeiro lugar, na nossa opinião, os arguidos vêm pronunciados pela prática do indicado crime de «infração º1, a), do C. P. já que se existe, no entender do juiz de instrução, um «concurso aparente», é porque há uma consunção de um crime por outro.
Assim iniciaremos e, em segundo lugar, a análise jurídica tendo por base o referido crime do artigo 277.°, do C. P. já que é esse o único crime por que vêm pronunciados os arguidos.
A argumentação jurídica dos nossos colegas, nos casos em que entendemos que pode ser plasmada, fá-lo-emos com enorme respeito e indicando que se está a citar o que os mesmos escreveram.

E desde já, foi anteriormente escrito que «o artigo 15.0 do C. P. define a conduta negligente da seguinte forma: age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
Prevê-se na al. a) a chamada negligência consciente e, na al. b), a inconsciente.
Segundo a norma referida, a conduta negligente consiste na omissão, por parte do agente, de um dever objetivo de cuidado ou diligência, ou seja, que o agente tenha omitido "aqueles deveres de diligência a que, segundo as circunstâncias e os seus conhecimentos e capacidades pessoais, era obrigado, e que em consequência disso, não previu - como podia - aquela realização do crime (negligência inconsciente), ou, tendo-a previsto, confiou em que ela não teria lugar (negligência consciente) - Cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, pág. 421.
Relativamente à violação do dever objetivo de cuidado (segundo pressuposto dos crimes negligentes), há que atender a duas vertentes: uma interna, que consiste em ter o agente uma perceção de que, com a omissão de (ou com) determinada conduta, põe em perigo determinados bens jurídicos; e uma vertente externa, ou seja, a consciência por parte do agente de que um seu comportamento exterior (ou uma omissão) poderá evitar a produção do resultado típico.
Poder-se-á, assim, reconduzir o dever objetivo de cuidado a dois elementos: a previsibilidade e a evitabilidade.
Porém, "não basta esta omissão de dever objetivo de diligência, sendo ainda necessário que ela se complete com o elemento subjetivo da negligência, que verdadeiramente a caracteriza como elemento da culpa: o ser capaz de prestar a diligência devida" (terceiro pressuposto dos crimes negligentes) - cfr. Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Ed. AAFDL, pág. 122.
Já foram referidos, sinteticamente, três dos pressupostos dos crimes negligentes: a verificação de um evento (resultado), a violação objetiva do dever de cuidado e a imputação subjetiva. Resta, pois, o problema da imputação objetiva.
De facto, a ação (ou omissão) que contrarie esse dever de cuidado ou diligência tem de ser a causa do resultado, só podendo esse resultado ser imputado objetivamente ao agente quando teve precisamente como pressuposto especifico a violação desse dever (quarto pressuposto dos crimes negligentes).
Como é sabido, o nosso Código Penal adotou, quanto à imputação objetiva do agente, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual "para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma ação não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta: é necessário que, em abstrato, a ação seja idónea para causar o resultado (... que este sej a uma consequência normal típica daquele" - Cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, pág. 257.».
O artigo 277.°, do C. P., prevê «a punição de quem, no âmbito da sua atividade profissional, infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação e criar perigo para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado.
O tipo incriminador positiva três situações distintas: ação dolosa e perigo doloso (n.º l), ação dolosa e perigo negligente (n.º 2) e ação negligente (n.º 3).

Com tal normativo procura-se garantir a segurança em determinadas áreas de atuação humana e o regular funcionamento de serviços fundamentais contra comportamentos suscetíveis de colocar em perigo a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado (Cfr. Paula Ribeiro de Faria no Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Vol. II, pág. 911 e ss.e na Jurisprudência v. g. os Acs- da ReI. Do Porto de 03.07.2002, CoI. Jur. Ano XXVII, Tomo 4, Pág. 197 e da ReI. De Coimbra de 29.01.2003, CoI. Jur. Ano XXVIII, Tomo 1, pág. 45).
Trata-se de um crime de perigo concreto resultante da ação ou omissão do agente, consoante o mesmo tenha o dever funcional de agir de determinada maneira e omita o cumprimento desse dever.» (fim de citação).
Como se refere naquele «Comentário ...», página 915, por execução de construção ou sua modificação, incluem-se igualmente os dispositivos de segurança pelo que quem não cumprir as regras de segurança nesta fase de execução, modificação ou, anteriormente, no seu planeamento ou na sua direção, pode ser punido pela prática deste crime.
No caso concreto, temos que estavam a ser realizadas obras de modificação (remodelação) de uma escola - facto provado n.º 1 -.
E, no decurso de tais obras, em que havia que impermeabilizar um telhado, os rolos de impermeabilização eram pousados na cobertura por um operador de grua através de sinalização gestual que os dois trabalhadores que se encontravam no telhado lhe faziam, uma vez que o mesmo não tinha visibilidade do local (facto provado 17).
Os rolos eram então depositados aos pares sobre a cumeeira da cobertura, cabendo a cada um dos referidos trabalhadores retirá-los um a um do meio da linha sem que esta fosse «desligada» do gancho da grua (facto provado 18).

No momento em que os dois trabalhadores retiravam mais um rolo, um dos rolos cam sobre o telhado, entrando em rolamento sobre si mesmo, progredindo ao longo do declive, galgando o batente aludido no ponto 13) dos factos provados e acabou por atingir o sinistrado L… na cabeça, que nesse momento passava no local que acaba por falecer devido a tal traumatismo - factos 18 e 3 -.
A arguida B… tinha como funções na obra ser «técnica de higiene e segurança no trabalho e cabia-lhe auxiliar a equipa da obra (diretores, adjuntos e encarregados), concretamente, na prevenção e análise de riscos, na definição de procedimentos de segurança adequados aos riscos e na verificação e implementação na obra das medidas de segurança.» - facto provado 6 -.
Assim, uma das suas responsabilidades consistia em verificar e implementar na obra as medidas de segurança, ou seja, na nossa perspetiva, «no terreno», controlar se essas mesmas regras de segurança eram cumpridas.
Provou-se que quando ocorre o acidente, não estavam colocados guarda-corpos que impediriam a queda do rolo para o solo - facto provado 20 -.
Acresce que a colocação de tais guarda-corpos estava prevista como medida de segurança - facto provado 8 -, o que também resulta do artigo 44.°, regulamento de segurança no trabalho da construção civil aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11/08, de 1958.
Tais guarda-corpos foram retirados prematuramente pois só o poderiam ser numa fase final da impermeabilização (impermeabilização dos remates da cobertura, dos «rebordos») e foram-no anteriormente - factos provados 8 e 23 -.
Por fim, a arguida sabia que os guarda-corpos tinham sido retirados - facto provado 21 -.

Houve assim violação de uma regra de segurança - colocação e manutenção dos guarda-corpos - que visava, também, impedir a queda de objetos no solo o que inclui o rolo que caiu do telhado já que se aí estivessem colocados evitavam essa mesma queda - facto provado 20 -.
À arguida competia fiscalizar essa falha de segurança e colmatá-la sendo que sabia que a mesma falha ocorria.
Não o fez pelo que infringiu uma regra legal e técnica de segurança que, no seu caso, consiste em não ter colmatado uma falha de segurança e que, por ter sido inobservada, foi parte de um processo causal que provou a morte de um trabalhador.
Como referem os nossos colegas, a conduta da arguida «fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido», ou seja, com a omissão, aumentou-se risco de ocorrer uma lesão na vida/integridade física de terceiros, criando-se assim uma situação de perigo concreto para a vida do, no caso, sinistrado - «bastou» cair um rolo e deslizar pelo telhado para que esse risco de lesão estivesse tão aumentado que o mesmo caiu para o solo o que não sucederia, pelo menos na normalidade das situações.
O que está em causa é uma atuação natural numa obra - descarregarem-se materiais, colocarem-se objetos em locais altos - pelo que as condições de segurança oferecidas pelo guarda-corpos eram as adequadas. Houve assim negligência na morte do sinistrado por violação desta regra de segurança pela arguida.
Existe uma outra violação de segurança também pela arguida.

Num local onde decorrem trabalhos em altura, pode suceder a queda de objetos ou pessoas pelo que, como regra básica de segurança, deve evitar-se a circulação de pessoas na área que pode ser afetada pela queda, se não definitivamente, pelo menos quando decorrem os trabalhos de onde pode resultar uma mais iminente queda de objetos - no caso, o descarregar dos rolos -.
Resultou provado que «no local não existia qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem» - facto provado 15 - no que se entende como no solo, junto ao edifício onde se estavam a realizar as obras de impermeabilização no telhado, não havia sinais a proibir a passagem no mesmo local o que, depois do acidente, foi efetivado - facto provado
12 -.
Como referem os colegas, «o regime jurídico do enquadramento da segurança do trabalho foi objeto de regulamentação através do D.L. 155/95, de 01.07 que entretanto foi revisto pelo D.L. n.º 273/2003, de 29.10 que preceitua que o plano de segurança e saúde deve concretizar os riscos evidenciados e as medidas preventivas a adotar, tendo em consideração, nomeadamente, a identificação das situações suscetíveis de causar riscos e que não puderam ser evitadas em projeto, bem como as respetivas medidas de prevenção e a delimitação, acessos, circulações horizontais e verticais e permanência de veículos e pessoas (artigo 6°, n.º 2, al. f) e Anexo 1, n.os 1 e 3).
Ora, sabendo a arguida que não existiam guarda-corpos e estando a decorrer trabalhos de impermeabilização no telhado, algo que a arguida também teria de saber pois se conhecia a ausência da proteção, também conhecia os trabalhos que aí se realizavam quanto mais não fosse por ver uma grua em movimento junto desse local, tinha de providenciar pela interdição de circulação de pessoas no solo junto do edifício onde tais trabalhos decorriam ou iam decorrer.
Seria a imposição de uma regra de segurança natural para quando não existe a proteção no telhado para evitar a queda de objetos ou seres humanos: evitar a circulação de pessoas nos locais onde possam ocorrer essas quedas.
E tão natural é que, depois do acidente, foi escrita essa mesma regra de segurança que, do que se vislumbra, antes não estava prevista - facto provado 12, parte final e fls. 284 a 291 -.
Não estando colocados os guarda-corpos, a arguida teria de ter alertado a situação, procurado ou ela mesma resolvê-lo e/ou, consoante a divisão de tarefas contratualizada ou acordada no local, comunicar a quem tivesse essa responsabilidade para delimitar essa zona.
Não o tendo feito também violou uma regra de segurança que se integra igualmente na zona de «implementação do risco permitido» pois se a zona estivesse vedada à circulação de pessoas, ou ninguém aí circularia ou se circulasse, afastava a responsabilização da arguida pois estava em causa, em princípio, uma atitude exclusivamente culposa da vítima.
Pensamos que a sua atuação é negligente e a criação de perigo também.
A violação das regras de segurança da sua parte é omissiva, ou seja, não mandou colocar, de novo, os guarda-corpos e não vedou a zona no solo como acima referido ou não diligenciou por essa vedação.
Ora, para se concluir que atuava dolosamente, teria que se admitir que ou queria ter retirado os guarda-corpos ou teria querido não vedar a zona sabendo do perigo que estava a criar e pelo menos conformando-se com o mesmo (veja o referido «Comentário ...» a fls. 928, quando refere que o dolo também tem de abranger o perigo concreto criado por este fazer parte do tipo legal em causa).
Não se afigura que assim seja; não sabemos quando é a arguida soube que os guarda-corpos não estavam no local o que impede de se concluir que se tratasse, por exemplo, de uma situação demorada e que sem justificação, a arguida fosse aceitando.
O que se nos afigura será aquela situação mais corrente de, profissionais de boa- fé, facilitarem o cumprimento dos seus deveres ou pelo menos não esgotarem toda a energia para que o que seja para cumprir tem de ser verificado em todos os seus detalhes; ou seja, a arguida sabia que os guarda-corpos não estavam no local mas não lhe atribuiu a relevância devida pois os trabalhos estavam a decorrer, do que se percebe, na sua parte quase final, não teria havido notícia de qualquer incidente, está em causa não só este serviço como outros (remodelação de uma escola e não de um seu pavilhão) o que também lhe ocupa a atenção.
Assim, para nós, negligentemente, a arguida não atentou que a falta de cumprimento daquela regra de segurança podia criar perigo para a vida de pessoas que circulassem no solo, criando assim esse perigo também de forma negligente. E igual conclusão se retira sobre a não interdição da zona no solo, regra que não estava prevista no plano de segurança e que a arguida devia ter implementado da forma acima referida atenta a retirada dos guarda-corpos; mas não pensamos que dolosamente a arguida não o tenha querido criar mas antes que nem sequer o previu eventualmente por entender que não havia perigo por não existirem trabalhos a serem realizados nesse local (facto não provado mas que a arguida alega na sua douta contestação).
Assim, também aqui há a uma atuação negligente que cria um perigo negligente.
Subsume-se assim a sua atuação no artigo 277.°, nºs. 1 e 3 e 285.°, do C.P..
*
No que respeita ao arguido C…, este arguido era coordenador de segurança e de saúde na referida obra, cabendo-lhe a promoção e verificação do cumprimento do plano de segurança e saúde e a validação técnica do desenvolvimento do plano de segurança e saúde e dos planos de trabalho de riscos especiais - facto provado 5 -.
Ao contrário da arguida B…, não está provado que competisse ao arguido fiscalizar por si próprio, no terreno, o cumprimento das regras de segurança.
É um coordenador de segurança, definido pelo Decreto-Lei n.º 273/03, de 28/10, como a pessoa singular ou coletiva que executa, durante a realização da obra, as tarefas de coordenação em matéria de segurança e saúde.
coordenador de segurança em obra deve no que respeita à execução desta:
E as suas funções são as definidas no artigo 19.°, n.º 2, do mesmo diploma legal:
. apoiar o dono da obra na elaboração e atualização da comunicação prévia de abertura do estaleiro;
. apreciar o desenvolvimento e as alterações do plano de segurança e saúde para a execução da obra e, sendo caso disso, propor à entidade executante as alterações adequadas com vista à sua validação técnica;
. analisar a adequabilidade das fichas de procedimentos de segurança e, sendo caso disso, propor à entidade executante as alterações adequadas;
. verificar a coordenação das atividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais;
. promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro, ao sistema de emergência, às condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, aos trabalhos que envolvam riscos especiais, aos processos construtivos especiais, às atividades que possam ser incompatíveis no tempo ou no espaço e ao sistema de comunicação entre os intervenientes na obra;
. coordenar o controlo da correta aplicação dos métodos de trabalho, na medida em que tenham influência na segurança e saúde no trabalho;
. promover a divulgação recíproca entre todos os intervenientes no estaleiro de informações sobre riscos profissionais e a sua prevenção;
. registar as atividades de coordenação em matéria de segurança e saúde no livro de obra, nos termos do regime jurídico aplicável ou, na sua falta, de acordo com um sistema de registos apropriado que deve ser estabelecido para a obra;
. assegurar que a entidade executante tome as medidas necessárias para que o acesso ao estaleiro sej a reservado a pessoas autorizadas;
. informar regularmente o dono da obra sobre o resultado da avaliação da segurança e saúde existente no estaleiro;
. informar o dono da obra sobre as responsabilidades deste;
. analisar as causas de acidentes graves que ocorram no estaleiro;
. integrar na compilação técnica da obra os elementos decorrentes da execução dos trabalhos que dela não constem.
Está assim prevista a sua responsabilidade em promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde que, no caso, não foi cumprido quanto à retirada prematura dos guarda-corpos.

Mas para que se possa concluir que o arguido foi negligente teria que se apurar, de
entre as diversas possibilidades que este tipo de atividade pode dar azo, que:
. o arguido sabia que os guarda-corpos tinham sido retirados e permitiu que assim sucedesse confiando que nada sucederia;
. o arguido sabia que os guarda-corpos tinham sido retirados e nem sequer pensou nas consequências dessa omissão.
Estas duas situações poderiam fazer concluir que atuava ou negligentemente ou com negligência grosseira; no entanto, não se provou que o arguido soubesse da retirada dos guarda-corpos pelo que não se pode concluir por tal ocorrência.
. o arguido, mesmo não se sabendo se tinha conhecimento, teria de saber e só não soube porque não cumpriu as suas obrigações: não reunia com outros responsáveis, não cuidava de saber do estado da obra, não a via com olhos de técnico, não impunha regras para ser regularmente informado do cumprimento das regras de segurança.
Também estes itens não podem, por nós, ser concluídos como estando verificados pois o que se tem é que o arguido era coordenador de segurança não se sabendo se tinha conhecimento daquela falha e se quem o sabia (pelo menos a arguida B…) lho comunicou ou diligenciou por fazer chegar a si esse conhecimento.
Não temos resposta para saber qual o concreto dever de cuidado que o arguido não cumpriu pois existem fiscais em obra, técnicos, como a arguida, que estão no local precisamente para serem os olhos dos coordenadores pelo que, salvo a possibilidade de se tratar de algo que não podia escapar a um normal controlo desse coordenador, não se consegue atribuir negligência ao mesmo sob pena de se responsabilizar alguém «só» porque se é coordenador de segurança e ocorreu um acidente devido a uma falha de segurança.

Está em causa a falta de guarda-corpos num dos edifícios em obras, num estaleiro composto por uma escola secundária na sua totalidade, num trabalho que consiste em colocar telas num telhado e onde está prevista a colocação daquela proteção.
Assim, no caso, está em questão uma situação anómala (estava prevista no plano a existência dessa proteção), que escapa à normal atuação do coordenador que não tem de agir, por si, no terreno e que se desconhece se lhe foi comunicada.
Mas existe uma falta de cuidado, na nossa perspetiva, da parte do arguido em relação à omissão de previsão no plano da interdição da zona, no solo, onde os trabalhos de impermeabilização decorriam (e que posteriormente foi acrescentada). Na realidade, não estava prevista essa interdição e estavam previstas outras medidas que evitavam, previsivelmente a queda de objetos ou pessoas:
. os citados guarda-corpos;
. os trabalhadores estarem presos por cabos.
Mas se se atentar nessas regras e1encadas a fls. 285, verso, verifica-se que quando se prevê a impossibilidade de colocação de proteção coletiva nas bordaduras das coberturas, a «única» alternativa é colocar arnês ligado a linha de vida para evitar que os trabalhadores caiam mas esta única medida alternativa não prevenia a queda de objetos.
Não sabemos o que é a «impossibilidade» de usar guarda-corpos porque será sempre possível nem que se tenham de fabricar mais se houver falta, mas entendemos isso como não estando colocados os guarda-corpos, prevê-se a segurança dos trabalhadores no telhado mas não se previu a possibilidade de caírem objetos.

Daí que, no novo plano elaborado após acidente, se preveja não só a ligação dos trabalhadores com amês como a delimitação da zona de circulação na área de influência dos trabalhos - fls. 290 -.
Temos assim a omissão de uma previsão de norma de segurança essencial e que poderia ter evitado o acidente que só aconteceria, neste conjunto de circunstâncias em análise, se o sinistrado desrespeitasse regras de conduta.
Deste modo, também o arguido C… violou uma regra técnica de segurança que devia ter feito implementar no plano de segurança conforme as suas funções de apreciar o desenvolvimento e as alterações do plano de segurança e saúde para a execução da obra e, sendo caso disso, propor à entidade executante as alterações adequadas com vista à sua validação técnica.
Dito de outro modo, para o arguido demonstrar que tinha cumprido todas as regras de cuidado exigíveis, teria de ter proposto à entidade executante que se aditasse a interdição da área em causa, o que não fez e que só propôs depois do acidente.
Temos aqui então, no nosso entendimento, a prática pelo arguido deste crime de infração de regras de construção, também na dupla vertente negligente: porventura nem sequer pensando na necessidade de se implementar a vedação de circulação de pessoas na área em causa, criou-se de forma descuidada, um perigo para quem aí circulasse naquele momento que se revelou fatal.
Conclui-se que também este arguido pratica o crime do artigo 277.°, nºs. 1 e 3 e 285.°, do C. P. que afasta, por especialidade, a prática do crime de homicídio negligente.
*
Escolha e medida da pena.

Este crime tem moldura legal fixada em pena de prisão até 4 anos ou multa de 10 a 480 dias.
Aos arguidos foi aplicada pena de prisão de 300 dias, substituídas por pena de multa, penas estas que são o limite máximo para este tribunal por estar em causa a realização de um julgamento após recurso dos arguidos.
No caso, tendo em atenção a boa integração dos arguidos, o estar em causa a prática de um crime negligente e numa obra com relevante dimensão, entende-se que a falta de cuidado em causa não revela, quer para a sociedade quer para os arguidos, a necessidade de aplicação de uma pena de prisão.
Pensamos que o mais relevante é que haja uma sanção para que a sociedade entenda que as regras de segurança numa obra são vetores fundamentais e que têm de ser cumpridos em diversas vertentes e, por outro lado, tendo em atenção as características pessoais dos arguidos, o tribunal tem a certeza que a ocorrência da morte em causa também pesará nas vidas dos arguidos como algo que sempre procurarão evitar que possa vir a suceder de novo.
Assim, decide-se pela aplicação de uma pena de multa a título principal.
Em relação à arguida B…, pondera-se em seu desfavor o ter violado duas regras de segurança e a seu favor, a dimensão da obra em causa, o ter atuado com negligência e estar bem integrada na sociedade e a ausência de antecedentes criminais.
Decide-se assim aplicar a pena de multa de 300 dias, à mesma taxa diária de 5 EUR atenta a sua condição económica.
Em relação ao arguido C…, pondera-se em seu desfavor ter mais responsabilidade a nível de hierarquia pois já se encontra num patamar de coordenação da segurança e a seu favor as mesmas atenuantes gerais ponderadas em relação à arguida B… e ainda a sua falha não resultar de qualquer opção deliberada de restrição de segurança errada mas de uma falha de previsão.
Decide-se assim aplicar a pena de multa de 250 dias, à mesma taxa diária de 8 EUR.

(…)»

IV 1. - Cumpre decidir.
Vem a arguida e recorrente B… alegar que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, tendo em conta que dela não consta a decisão quanto à prova do facto de ela ter dado, ou não, consentimento para a retirada do “guarda-corpos” aí referido. A decisão quanto a esse facto decorrerá da exigência do acórdão desta Relação que anteriormente ordenou o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, por se verificar na sentença anterior insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do mesmo Código.
Como bem refere o Ministério Público, na sua resposta à motivação deste recurso e no seu parecer, não estaremos, em qualquer caso, perante uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, c), do Código de Processo Penal, mas perante um eventual incumprimento da decisão de reenvio. A questão reside, porém, em saber se agora se mantém, ou não, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, nos termos do referido artigo 410º, nº 2, a), que justificou o reenvio.
É verdade que do acórdão recorrido não consta a decisão sobre se a arguida e recorrente deu o seu consentimento para a retirada do “guarda-corpos” em questão, mas apenas que ela teve conhecimento dessa retirada (o que não é exatamente o mesmo). Mas a prova do conhecimento pela arguida dessa retirada, juntamente com a do conhecimento por ela de que estavam a realizar-se na altura trabalhos de impermeabilização, assim como a do facto de que a colocação desse “guarda-corpos” evitaria a queda do rolo que veio a atingir a vítima (prova que agora foi produzida e não o tinha sido na sentença anterior, o que justificou o reenvio) e a de que à arguida cabia fiscalizar e colmatar essa falha de segurança, é suficiente para concluir pela verificação de uma infração de uma regra regulamentar e técnica de segurança do trabalho numa construção, que faz a arguida incorrer na prática do crime p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a), do Código Penal. Para essa decisão, não se afigura agora necessária a prova de que a arguida deu o seu consentimento para a retirada dos “guarda-corpos”, basta que se prove que teve conhecimento dessa retirada (mesmo que não tenha dado consentimento para ela) e nada fez para evitar a realização de trabalhos de impermeabilização que poderiam dar origem a quedas como a que veio a verificar-se (sendo que essa retirada também não era necessária para a realização desses trabalhos – prova que também agora foi produzida e não o tinha sido na sentença anterior, o que justificou o reenvio).
Deixa, pois, de verificar-se a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do Código de Processo Penal, que justificou o anterior reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º, nº 1, do mesmo Código.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida quanto a este aspeto.

IV 2. –
Vem a arguida e recorrente alegar, por outro lado, que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, a), do Código de Processo Penal. Tece considerações sobre a exigência de fundamentação da sentença, seu sentido e razão de ser.
Não vislumbramos, porém, onde reside a falta de fundamentação do acórdão em apreço. Dele constam, de forma completa e exaustiva, e como exige o referido nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, a enumeração dos factos provados e não provados, assim como uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão não se limita a indicar as provas em que baseia a sua decisão, designadamente as testemunhas, mas indica também as razões de ciência e credibilidade das mesmas, isto é, os motivos por que têm conhecimento dos factos em apreço e por que merecem credibilidade.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida também quanto a este aspeto.

IV 3. –
Alega, por outro lado, a arguida e recorrente que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, quanto à data da retirada do “guarda-corpos” em questão. Alega que esse acórdão se baseia, quanto a este aspeto, nos depoimentos das testemunhas H…, E… e G…, interpretando-os erradamente. Isto porque a testemunha E… nunca indicou cabalmente em que data foram esses “guarda-corpos” retirados, a testemunha H… nunca afirmou conhecer ao certo essa data e a testemunha G… afirmou (contra o que se afirma no acórdão recorrido), que na semana anterior ao acidente ainda os “guarda-corpos” não tinham sido retirados.
Vejamos.
É verdade que a testemunha E… começou por afirmar perentoriamente que a retirada do “guarda-corpos” havia ocorrido oito dias antes da ocorrência do acidente (aos 2.00 do seu depoimento gravado no C.D. junto aos autos), mas veio a afirmar, depois, que se tratava penas de uma suposição (aos 12.00 e os 15.25 do mesmo depoimento). E também é verdade que a testemunha G… afirmou que na semana anterior à ocorrência do acidente o “guarda-corpos” não havia sido retirado (17.24 do seu depoimento gravado no mesmo C.D.).
Na fundamentação do acórdão recorrido afirma-se que as testemunhas E… e G… referiram que, à data do acidente, o “guarda-corpos” «já não se encontravam no local há uns dias (oito dias, disse a primeira testemunha, na semana anterior, referiu esta)».
No entanto, daí não se retira qualquer conclusão segura quanto à data exata de retirada do “guarda-corpos”. Considera tal acórdão que essa retirada se deu «gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos», «em data não apurada, mas antes da conclusão da obra» (ponto 8 do elenco dos factos provados).
Assim sendo, fica prejudicada a análise desta questão. A eventual imprecisão da fundamentação do acórdão quanto ao teor das declarações das testemunhas em nada se refletiu na decisão sobre prova dos factos. Considerou-se que a data exata da retirada do “guarda-corpos” não se apurou, sendo certo que já estava retirado no momento em que o acidente se deu. E quanto a este facto (que o “guarda-corpos” tinha sido retirado antes do acidente), nenhuma dúvida se suscita
Assim, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida também quanto a este aspeto.

IV 4. -
Vem a arguida e recorrente alegar que deve ser absolvida do crime por que foi condenada, por não ter sido provado qualquer comportamento culposo da sua parte. Alega que a ausência de prova quanto à data exata da retirada do “guarda-corpos” não deve ser valorada (por imperativo do princípio in dubio pro reo) contra si. Alega que essa retirada era necessária na parte final dos trabalhos. E alega que a retirada dos “guarda-corpos” implicaria que todos os rolos adstritos à impermeabilização do telhado já estivessem retirados, sendo que ela nunca teve conhecimento nem do momento d retirada dos “guarda-corpos”, nem que no dia do acidente se iria proceder à descarga de rolos no telhado.
Vejamos.
A questão da determinação da data exata da retirada do “guarda-corpos” em questão não é relevante. E, por isso, não pode dizer-se que a não determinação dessa data foi valorada contra a arguida ao arrepio do princípio in dubio pro reo. Certo é que essa retirada se deu antes da ocorrência do acidente e sobre isso não se suscitam dúvidas. E essa retirada anterior (independentemente da determinação da data exata da mesma) é suficiente para se concluir, como conclui o douto acórdão recorrido, que à arguida, como responsável pela segurança no trabalho da obra em apreço, cabia colmatar tal falha de segurança (independentemente da questão de saber quem foi responsável por tal retirada e se a mesma teve o seu consentimento), diligenciando pela recolocação de tal “guarda-corpos” ou impedindo a continuação dos trabalhos antes dessa recolocação.
Alega a arguida que a retirada do “guarda-corpos” era necessária para a conclusão dos trabalhos de impermeabilização. Mas, como afirmou com clareza a testemunha E…, que executava esses trabalhos, a fase que estava a decorrer ainda não exigia tal retirada (15.45 a 16.30 d0 seu depoimento gravado no C.D. junto aos autos).
Alega a arguida que desconhecia que estavam a ser executados tais trabalhos de impermeabilização. No entanto, também a testemunha E… foi clara ao afirmar que a arguida acompanhava diariamente o andamento dos trabalhos, incluindo os de impermeabilização, e mesmo no próprio dia em que ocorreu o acidente (3.30 a 3,40 e 7.00 a 7.08 do seu depoimento gravado no C.D. junto aos autos).
É verdade que a testemunha H… não afirmou o mesmo, mas esta também afirmou que não viu que tinha sido retirado o “guarda-corpos” (3.25 a 3.50 do seu depoimento gravado no C.D. junto aos autos), facto cuja ocorrência não suscita dúvidas, sendo esse desconhecimento revelador de algum distanciamento da situação.
Não merece, assim, reparo o douto acórdão recorrido no que se refere à qualificação desta aspeto da conduta da arguida como violação negligente de uma regra regulamentar e técnica de segurança no trabalho que a faz incorrer na prática do crime p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a), do Código Penal.
É de salientar, por outro lado, que, como se refere no douto acórdão recorrido, a conduta da arguida também viola essas regras por não ter vedado à circulação de pessoas a zona do solo junto de edifício onde decorriam, ou iam decorrer, os trabalhos. E sobre isto nada é alegado na motivação do recurso.
Assim, dever ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida também quanto a este aspeto.

V. 1-
Vem o arguido C… alegar que o acórdão recorrido padece (nos termos do artigo 410º, nº 2, b), do Código de Processo Penal), de insanável contradição quanto ao facto de ele ter, ou não, conhecimento da retirada do “guarda-corpos” a que nele se faz referência. Invoca, para tal, o excerto onde, a esse respeito, se afirma: «O arguido negou que o soubesse e sendo coordenador de segurança e não sendo fiscal de segurança da obra, admite-se que o não tenha visto; mas também não se sabe se o terá visto pois nenhuma testemunha o soube afirmar nem há qualquer registo documental que o comprove ou que demonstre que o sabia (por exemplo, ata da reunião onde conste tal menção, registo em livro de obra)».
Vejamos.
O acórdão recorrido considerou não provado que o arguido não soubesse que os “guarda-corpos” tinham sido retirados.
Admite-se que teria sido preferível evitar a dupla formulação negativa e considerar não provado que o arguido soubesse da referida retirada. Mas não vislumbramos onde possa residir alguma contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão.
De qualquer modo, o acórdão recorrido tira todas as conclusões pertinentes que decorrem dessa ausência de prova. Ao arguido não é imputada qualquer infração de regras de segurança atinentes à retirada desse “guarda-corpos”, precisamente porque não se provou que soubesse dessa retirada, sendo certo que, de acordo com as funções a que estava adstrito, não lhe era exigível que o soubesse.
Por este motivo, fica prejudicada a análise das questões suscitadas pelo arguido e recorrente relativas à prova positiva desse desconhecimento, ou a qualquer infração a ele imputável relativa à retirada do “guarda-corpos” em questão.
O que está em causa, quanto ao arguido, é apenas o comportamento negligente que, nos termos do acórdão recorrido, lhe é imputável e o faz incorrer na prática do crime p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a) e nº 3, do Código Penal: o facto de não ter proposto à entidade executante que se interditasse a circulação de pessoas na área em causa (o que só veio a fazer depois do acidente).
Para tal, não é relevante que soubesse, ou não, da retirada dos “guarda-corpos”
A questão de saber se a retirada desses “guarda-corpos” era, ou não, necessária na fase dos trabalhos em curso, que ainda não seria a da conclusão sem deslocação de rolos, já foi acima (em IV.4) analisada.
Assim, deve ser negado provimento ao recurso do arguido quanto a estes aspetos.

V. 2. –
Vem o arguido alegar, na motivação do recurso ora interposto, que remete para a motivação do recurso interposto do acórdão inicial, que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido no que se refere ao facto de a zona onde se deu o acidente não ser zona de passagem e de nela estar assinalada a proibição dessa passagem. Invoca os depoimentos da arguida e das testemunhas D…, H…, G… e J…. Devendo considerar-se provados esses factos, não poderá o arguido ser condenado pela prática de alguma infração às regras de segurança da construção em causa.
Estamos perante uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto considerada provada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal. Não está em causa algum dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo Código, pois estes teriam de decorrer do próprio texto da decisão recorrida (não do confronto entre esta e a prova efetivamente produzida), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte.
Como se refere nos doutos acórdão do S.T.J de 15/12/2005 e de 9/3/2006 (procs. Nº 2951/05 e 461/06, respectivamente, ambos relatados por Simas Santos e acessíveis in www.dgsi.pt), e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (assim, o acórdão do S.T.J. de 21/1/2003, proc. nº 02ª4324, rel. Afonso Correia, também acessível in www.dgsi.pt).
E, como se refere no douto acórdão da Relação do Porto de 26 de Novembro de 2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, pg.s. 176 e segs.), «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância». A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (assim, o citado acórdão do S.T, J. de 21/1/2003), fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (assim, o acórdão do S.T.J. de 9/7/2003, proc. nº 3100/02, rel. Leal Henriques, acessível em www.dgsi.pt).
Deste modo, o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
Quando, no artigo 412º, nº 3, b), do C.P.P., se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
Por este motivo, não nos cabe nesta sede avaliar, contra o que pretende o arguido e recorrente, que sobre isso tece várias considerações na motivação do recurso, o juízo de credibilidade (sobre questões diferentes da que está agora em análise) da testemunha E....
O acórdão ora em apreço considerou não credíveis os depoimentos (invocados pelo arguido e recorrente) das testemunhas que afirmaram estar a zona onde ocorreu o acidente delimitada com fitas para impedir a passagem, ou que na porta por onde terá passado a vítima existia um sinal de proibição de passagem. Poder-se-á dizer, desde logo, à luz das considerações acima tecidas, que não nos cabe, nesta sede, pôr em causa o juízo de falta de credibilidade a respeito de depoimentos de arguidos ou testemunhas formulado pelo Tribunal a quo na base de elementos que dependem, nalguma medida, da imediação.
De qualquer modo, esse juízo de falta de credibilidade também assenta, basicamente, numa razão de ordem lógica que se afigura perfeitamente aceitável: se já existisse alguma interdição de passagem antes da ocorrência do acidente, não seria necessário, depois dessa ocorrência, aditar ao plano de segurança uma nova medida que consistiu na criação de uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização (como resulta do documento junto a fls. 288 a 291 e não é objeto de discussão).
Assim, o douto acórdão recorrido não é, a este respeito, merecedor de reparo.
Deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido também quanto a este aspeto.

V.3 –
Vem o arguido alegar, por outro lado, que da prova produzida resulta que a causa da morte da vítima não foi o acidente em questão, devendo, por isso, ser ele absolvido da prática do crime por que vem acusado. Alega que essa morte se ficou dever a uma infeção respiratória nosocomial que lhe provocou o desenvolvimento de uma pneumonia por agente bacteriano hospitalar. Estaremos, pois, perante uma interrupção do nexo causal.
Vejamos.
Convém esclarecer, antes de mais, que a inexistência de nexo causal entre a infração das regras de segurança da construção em causa e a morte da vítima não afasta a prática do crime p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a), e nº 3, do Código Penal. Estamos perante um crime de perigo, não perante um crime de resultado (como seria se de um crime de homicídio, ofensas à integridade física ou dano se tratasse). Esse crime consuma-se com a simples criação de perigo para a vida ou integridade física de outrem ou para bens patrimoniais de valor elevado. Já a agravação desse crime pelo resultado morte, nos termos do artigo 285º do mesmo Código, por que os arguidos também foram condenados, dependerá da verificação de um nexo de causalidade (ou de imputação objetiva) entre a infração em causa e esse resultado (ver, neste sentido, Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, I, Verbo, 1985, Lisboa, pgs. 201 a 203). Está em causa, pois, a este respeito, apenas a agravação do crime p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a) e nº 3, do Código Penal, nos termos do artigo 285º do mesmo Código.
No entanto, do relatório de autópsia junto a fls. 39 a 41 não resulta que a causa da morte da vítima tenha sido uma infeção respiratória independente das lesões sofridas em consequência direta do acidente em apreço, mas antes uma infeção respiratória que surgiu como complicação dessas lesões (ver fls. 41, verso). Não estamos, pois, perante uma interrupção do nexo causal; o nexo causal mantém-se o mesmo; a causa da morte continua ser as lesões diretamente causadas pelo acidente em apreço.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

V. 4 –
Vem o arguido alegar, por outro lado, que a sua conduta do arguido terá sido apenas umas de várias causas do acidente, devendo, por isso, ser ele absolvido da prática do crime por que vem acusado. Outras causas, a ele alheias, serão a retirada prematura do “guarda-corpos” em questão, a violação, pela vítima, de uma proibição de acesso e a violação, pelos trabalhadores que procediam à impermeabilização, de regras relativas a este trabalho. Estaremos, pois, perante uma situação de concausalidade.
Também a este respeito, convém esclarecer que a questão do nexo de causalidade entre a infração das regras de segurança da construção em causa e o acidente (com a consequente morte da vítima) releva para o efeito da agravação prevista no artigo 285º do Código Penal, não para o efeito do preenchimento do tipo de crime p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, e nº 3, do mesmo Código. Este crime consuma-se com a simples criação de perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais de valor elevado. E não há dúvida que a conduta omissiva do arguido (não ter proposto à entidade executante que se interditasse a circulação de pessoas na área em causa) é suficiente para criar tal perigo, independentemente do facto de outras condutas culposas terem concorrido para aquele resultado.
Quanto a tal resultado, estamos, n verdade, perante uma situação de concausalidade. Já vimos que não se provou que tenha sido causa do acidente (e da morte) a conduta da própria vítima de desrespeito por uma proibição de circulação n zona onde ocorreu o acidente. Mas também já vimos que foi causa do acidente a retirada antecipada do “guarda-corpos”, a qual não pode ser, de algum modo, imputável ao arguido. Pelo menos esta causa, concorre com a causa que é imputável ao arguido (a inexistência de uma interdição de circulação na área).
Estaremos, pois, perante uma causalidade cumulativa, concausalidade ou concorrência de causas, ou seja, a concorrência conjunta de cursos causais que em separado não seriam suficientes para a produção do resultado. Para saber se nestes casos o agente responsável pela ocorrência de uma dessas causas concorrentes pode ser responsabilizado pela ocorrência do resultado, impõe-se a análise das várias teorias relativas à imputação objetiva que têm sido propostas pela doutrina.
Justifica-se, pois, que aqui se reproduzam considerações a este respeito já tecidas no acórdão anterior.
De acordo com a teoria da condição ou da equivalência, todas a condições que contribuem para a produção do resultado têm o mesmo valor, sendo causa em sentido jurídico-penal toda a condição que não pode ser suprimida sem que desapareça o resultado (fórmula da conditio sine qua non). À luz desta teoria, qualquer das causas concorrentes seria condição sine qua non da produção do resultado: sem ela este não teria ocorrido.
No entanto, esta teoria foi, desde há muito, superada pela doutrina e pela jurisprudência, que criticaram o exagero e as desigualdades (o célebre exemplo de escola da morte de um hemofílico por efeito de um golpe que nunca provocaria a morte de uma pessoa que não sofra dessa doença) a que pode conduzir e o pressuposto puramente naturalista de que parte. A causalidade humana não se confunde com a causalidade física. Só se justifica a imputação objetiva quando estamos perante condutas que representam o domínio de forças naturais pela vontade humana (ver, entre outros, Manuel Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral, I, Verbo-U.C.P., Lisboa, 1982, pgs. 248 a 252, e Eduardo Correia, Direito Penal, I, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, pgs.253 a 257).
Com reacção a essa teoria, teve grande acolhimento na doutrina e na jurisprudência a teoria da causalidade adequada. Para esta teoria, causa em sentido jurídico-penal é apenas aquela ação humana que se traduz numa condição que, em conformidade com a experiência comum, é em abstrato adequada à produção do resultado, quando este é uma consequência normal e típica dessa ação (ver, entre outros, Manuel Cavaleiro Ferreira, op. e loc. cits., e Eduardo Correia, op. cit., pgs. 257 a 266).
Esta teoria encontra ainda algum acolhimento na doutrina portuguesa atual (assim, Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pgs. 301 a 308). E pode considerar-se refletida na redação do artigo 10º, nº 1, do Código Penal quando, a propósito da comissão por ação e por omissão, se alude à «ação adequada» a produzir o resultado e à «ação adequada a evitá-lo».
À luz desta teoria, poderia fazer-se o seguinte raciocínio.
Ao contrário da teoria da equivalência das condições, a teoria da causalidade adequada distingue, de entre as várias condições (todas aquelas sem as quais não se produz o resultado), as que são causa (adequada) desse resultado. Em caso de causas cumulativas, poderá dizer-se que qualquer delas poderá ser condição de produção do resultado, mas nenhum deles será, por si só, causa dessa produção (só em conjunto o serão). A situação é semelhante à do exemplo de escola das duas doses de veneno, ministradas por duas pessoas diferentes que actuam independentemente uma da outra, que só em são conjunto (e não isoladamente) provocam, a morte. A ação de cada uma das pessoas que ministra cada uma das doses será condição, mas não causa (adequada) da morte da vítima.
No entanto, também já tem sido defendido, no âmbito desta teoria, que se verifica um nexo de causalidade adequada quando uma condição não é a única a contribuir para a produção do resultado, mas aumenta a possibilidade de ocorrência do mesmo de modo não irrelevante (ver Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, tomo I, tradução castelhana da 2ª edição alemã, Editorial Civitas, Madrid, 1997, pg. 360).
Mas mais do que a teoria da causalidade adequada, tem tido acolhimento recente na doutrina a teoria da conexão do risco, ou teoria do incremento do risco (ver, entre outros, Claus Roxin, op. cit., pgs. 342 e segs., e Problemas Fundamentais do Direito Penal, tradução portuguesa, Vega, Lisboa, 1986, pgs. 145 a 168 e 235 a 272; Hans Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, tradução castelhana da 3ª edição alemã, Bosch, Barcelona, 1981, vol. I, pgs 391 e segs., e vol. II, pgs. 805 e segs; e Günter Jakobs, Derecho Penal, Parte General, tradução castelhana da 2ª edição alemã, Marcial Pons - Ediciones Jurídicas S.A., Madrid, 1997, pgs. 250 e segs.; e, entre nós, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I – Questões Fundamentais; A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pgs. 331 e segs.). Para esta teoria, haverá imputação objetiva do resultado à conduta do agente quando este, com a sua ação, tenha criado um risco não permitido, ou tenha aumentado um risco já existente, e que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto.
À luz desta teria, pode dizer-se que se verificará um nexo de imputação objetiva em casos de causalidade cumulativa e em relação a qualquer das causas, pois cada uma das ações, embora não seja causa única de produção do resultado, incrementou o risco dessa produção. Assim se verificará no exemplo de escola de um camionista que, ao ultrapassar um ciclista que conduzia embriagado, por não respeitar a distância regulamentar, o faz tombar, sendo este resultado consequência quer da embriaguez, quer da inobservância de tal regra de ultrapassagem (assim, Claus Roxin, Problemas Fundamentais…, cit., pgs. 256 a 261; e Güntther Jakobs, op, cit, pg. 278). Ou também no caso de um atropelamento causado por um veículo que, conduzindo em excesso de velocidade, o provocou para se desviar de outro que não respeitou a regra da prioridade; situação em que também são duas condutas não permitidas (o excesso de velocidade e o desrespeito pelas regras de prioridade) a produzir o resultado, sendo que cada uma delas incrementou o risco dessa produção (assim, Günther Jakobs, op. cit., pg. 278).
Debruçando-nos agora sobre o caso em apreço, poderemos dizer que a conduta do arguido, por si só, e independentemente da verificação de outras causas do acidente, incrementou de modo não irrelevante o risco de ocorrência desse acidente (e, portanto, da morte da vítima). À luz das considerações acima tecidas, quer optemos pela clássica teoria da causalidade adequada (na perspetiva de Claus Roxin), quer optemos pela teoria do incremento do risco, deveremos concluir que se verifica um nexo de imputação objetiva entre a conduta omissiva do arguido e o acidente (com a consequente morte da vítima).
É de salientar que o dever de cuidado que sobre o arguido impendia também se justifica precisamente porque se devem prever outras violações do dever de cuidado a ele alheias. A implementação de uma proibição de circulação de circulação em determinada área também se justifica, precisamente, como forma de prevenir acidentes causados por outras violações de deveres de cuidado, como sejam as relativas à existência de “guarda-corpos”, ou à deslocação de rolos de grande porte.
De salientar que estas mesmas considerações deverão ser tecidas quanto à conduta da arguida. Também esta conduta concorre com condutas culposas de outras pessoas (desde logo a da pessoa, cuja identidade não se apurou, que retirou prematuramente os “guarda-corpos”) no que à causa do acidente (e consequente morte da vítima) diz respeito.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, também quanto a este aspeto.

V 5. –
Vem o arguido alegar que no acórdão recorrido se verifica violação do princípio in dubio pro reo.
Não vislumbramos, porém, onde resida tal violação.
Esse acórdão baseia-se, no que à decisão da matéria de facto diz respeito (é a tal decisão que se aplica este principio), em juízos de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), não em juízos de mera suspeita, ou mera probabilidade.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

V 6. –
Vem o arguido alegar, por último, que a pena em que foi condenado é excessiva faca aos critérios legais. Alega que tal pena deve ser reduzida aos mínimos legais.
Vejamos.
A moldura da pena correspondente ao crime por que o arguido foi condenado (o crime p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277º, nº 1. a) e nº 3, e 285º do Código Penal) é de prisão até quatro anos ou multa até quatrocentos e oitenta dias (tendo em conta também o disposto no artigo 47º, nº 1, do mesmo código).
Na fixação da pena concreta a aplicar ao arguido, dentro desta moldura, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do artigo 70º, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
O arguido foi condenado na pena de duzentos e cinquenta dias de multa, em medida que se situa, aproximadamente, no meio da moldura respetiva, sendo que o crime também é punível com pena de prisão até quatro anos.
Considerando o grau de gravidade da negligência da conduta do arguido (que, não sendo elevado, também não é diminuto) e a ausência de antecedentes criminais, parece-nos adequada a pena em que ele foi condenado, não se justificando a sua redução ao mínimo legal, como ele pretende.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, também quanto a este aspeto..

Cada um dos arguidos e recorrentes deverá ser condenado em taxa de justiça, levando-se em consideração a situação económica respetiva (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

VI - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimentos aos recursos interpostos pela arguida e pelo arguido, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

Condenam a arguida em 3 U.Cs de taxe de justiça e o arguido em 4 U.C.s de taxa de justiça.

Notifique.

(processado em computador e revisto pelo signatário)

Porto, 11/03/2015
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo
__________
[1] Registo 162848, minutos 00:03:50, 00:06:15, 00:09:50, 00:12:38 e 00:14:05.
[2] Registo 164554, minuto 00:06:20.
[3] Registo 165713, minutos 00:04:18, 00:09:50 e 00:10:14.
[4] Registo 160318, minuto 00:14:15.
[5] Registo 145312, minutos 00:00:37, 00:02:18 e 00:13:05.
[6] Registo 142953, minutos 00:08:47, 00:10:06, 00:16:35 e 00:17:05.
[7] Vide Acórdão, pg. 6, II – Dos Factos Não Provados, § 3, parágrafo 3.
[8] 76. Cumpre salientar também que existiram diversas advertências, por parte da Coordenação de Segurança (na pessoa do recorrente), relativamente a incumprimento de procedimentos na obra, ao longo dos trabalhos, prova expressa de que o aqui recorrente estava atento a todos os pormenores da obra.
77. Veja-se, a título de exemplo, designadamente no tocante aos guarda-corpos, o ponto 4.6 da Acta de Reunião de Segurança n.º 28/09/Seg., datada de 27/04/2009, junta com a Contestação do ora Recorrente como Documento n.º 2: “Verificou-se na visita de Coordenação de Segurança que foram retirados os Guarda Corpos na zona do Auditório, Corpo A. Estes devem ser imediatamente repostos.” e ponto 4.2 da Acta de Reunião de Segurança n.º 30/09/Seg., datada de 11/05/2009, Documento n.º 4 da Contestação do Recorrente: “Verificou-se durante a visita de Coordenação de Segurança da existência de um guarda corpos mal colocado e executado, no patamar superior da escada de ferro, no Corpo B. A Fiscalização solicitou a intervenção da Entidade Executante de modo a solucionar o problema.”
[9] Vide pg. 10, 5.º parágrafo.
[10] A pg. 12, 3.º parágrafo a contar do fim.
[11] Vide pg 11.
[12] Vide pg. 13, 1.º parágrafo.
[13] Vide pg. 13, 2.º e 3.º parágrafos.
[14] vide artigos 78.º a 93.º das Motivações do referido Recurso, bem como artigos 65.º a 74.º e respectivas notas de rodapé.
[15] Registo 164554, minutos 00:03:30, 00:04:17 e 00:09:20.
[16] Registo 162848, minutos 00:10:38, 00:12:38 e 00:13:24.
[17] Registo 145312, minutos 00:05:23, 00:11:26, 00:11:52 e 00:13:24.
[18] Registo 142953, minutos 00:10:06, 00:17:05 e 00:22:20.
[19] Vide pg. 4 do Douto Acórdão – Motivação da decisão de facto – Dos Factos Provados §1 B) 2.º.
[20] Vejam-se as passagens do registo 153308: minutos 00:00:06, 00:02:00, 00:09:30, 00:11:29, 00:12:15, 00:14:57, 00:02:19, 00:03:55, 00:06:14, 00:07:22 e 00:13:39.
[21] Registo 162848, minuto 00:03:14.
[22] Vide Registo 160318, minuto 00:17:00.
[23] Registo 160318, minutos 00:02:25, 00:06:50 e 00:16:43.
[24] Registo 142953, minutos 00:09:32, 00:12:33, 00:13:34, 00:14:13, 00:17:05 e 00:20:18.