Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
295/15.5YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: TRIBUNAL ECLESIÁSTICO
REVISÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP20160707295/15.5YRPRT
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO/CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA
Decisão: REVISTA E CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 629, FLS.2-9)
Área Temática: .
Sumário: I - A revisão de uma sentença estrangeira está sujeita ao sistema de revisão formal ou da delibação, devendo levar-se em conta apenas a decisão (dispositivo) nela contida, e não os respectivos fundamentos.
II - Não compete ao Tribunal da Relação apreciar matérias atinentes à nulidade do matrimónio canónico, nem impôr o formalismo do Código de Processo Civil (CPC) nos actos e termos próprios do Direito Processual Canónico, que foi observado pelo Tribunal Eclesiástico, no processo que conduziu à prolação da sentença revidenda (ver arts. 1625º do CC, e do Cân. 1671 do Código de Direito Canónico (CDC).
III - Ao Tribunal da Relação, enquanto Tribunal Revisor, apenas cabe analisar se o requerido (parte demandada) foi citado regularmente segundo o direito processual canónico e verificar se, no processo canónico, foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 295/15.5YRPRT – REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

Relator: Desem. Caimoto Jácome (1605)
Adjuntos: Desem. Sousa Lameira
Desem. Oliveira Abreu
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

B…, residente em Rua …, n.º .. – Hab. .., ….–… Porto, tendo obtido, através do Tribunal Eclesiástico do Porto, sentença declaratória da nulidade do seu casamento com C…, residente, actualmente, na Rua …, ….-…, Lisboa, veio requerer, nos termos do artigo 1626º, n.º 1, do Código Civil (CC), e do art. 979º, do Código de Processo Civil (CPC), a competente REVISÃO e CONFIRMAÇÃO.
Mais requer que, APÓS REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA REVIDENDA, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 16º N.º 1 e 2, DA CONCORDATA DE MAIO DE 2004, DO ART.º 1626º DO COD. CIVIL E DOS ART.ºS 979º E SEGS. DO COD. PROCESSO CIVIL, SE TORNE EXECUTÓRIA A SENTENÇA SUPRA REFERIDA EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL, ORDENANDO-SE EXPRESSAMENTE QUE A MESMA SEJA AVERBADA NO REGISTO CIVIL DAS PARTES AQUI INTERVENIENTES, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
Citado, o requerido veio deduzir oposição (fls. 46-65), invocando o estatuído no artº 980º, alíneas a), parte final, e) e f), do Código de Processo Civil (CPC), concluindo que dever ser recusada a revisão/confirmação solicitada.
A requerente respondeu (fls. 76-82), juntando diversa documentação sobre a qual o requerido se pronunciou.
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Realizou-se a produção de prova (depoimento/declarações das partes e de testemunhas).
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As partes e o Ministério Público alegaram (artº 982º, nº 1, do CPC).
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Foram colhidos os vistos legais.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS

Consideram-se provados os seguintes factos:
1-Foi proferida, em 07/06/2013, sentença definitiva pelo Tribunal Eclesiástico da Diocese do Porto na causa de nulidade matrimonial que a requerente ali intentou para obtenção da declaração de nulidade do seu casamento com C….
2- Tal sentença mereceu total confirmação, em grau de Apelação, pelo Tribunal Metropolitano Bracarense, conforme Decreto homologatório anexo.
3- A sentença transitou em julgado e obteve o necessário decreto de verificação do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, em conformidade com o disposto no artigo 16º da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, em 18 de Maio de 2004.
4- O requerido casou civilmente, em 14/11/2011, com D…, em conformidade com a certidão de casamento junta a fls. 67-68, constando da mesma que o casal tem a sua residência no Largo …, nº .., …., em …, Lisboa;
5- O requerido, entre Maio e Junho de 2011, residiu em Oeiras, na Rua …, nº .. – …, que é, desde, pelo menos 2009, a casa de morada da mãe do requerido.
6- A partir de Julho de 2011, o requerido passou a residir no Largo …, n.º .., …, em …, Lisboa, onde permaneceu até Março de 2014.
7- Desde Abril de 2014, o requerido reside na Rua …, nº .., …, ….-… Lisboa.
8- Desde 2009, o domicílio profissional do requerido é no E…, onde, desde então, exercia e exerce funções de director, situado na avenida …, nº …, ….-…, Lisboa, cuja actividade se traduz na função jurisdicional de apreciação de processos administrativos.
9- O requerido sabia da intenção da requerente de pedir, no competente tribunal eclesiástico, a anulação do casamento católico que haviam celebrado em 30/05/2009, tendo ambos conversado e trocado e-mails sobre o assunto em 2011, pelo menos até Outubro desse ano;
10- A requerente enviou ao requerido, em 09/05/2011, um e-mail no qual, além do mais, refere:
(…) Face às últimas conversas telefónicas mantidas fiquei, contudo, sem saber se afinal também tu irás colaborar no processo canónico”.
11- O requerido enviou à requerente, em 12 de Maio de 2011, um e-mail do seguinte teor:
Mantenho na íntegra o que disse a este respeito: colaborarei com a anulação canónica se o fundamento for erro na formação da vontade, ilusão de ambos quanto às caracteristicas essenciais da outra pessoa, desconhecimento de todas implicações de um casamento católico, da vida em comum, imaturidade de ambos. Se o fundamento for qualquer outro, ou se o fundamento acima for utilizado de forma a atentar contra o meu bom nome, não terás a minha colaboração. Não tenhas nenhuma dúvida a respeito disto.
Independentemente disso, eu quero o divórcio civil. Agradeço portanto que coloques no correio o requerimento assinado e compareças na conservatória quando for marcada a audiência. Se a tua vontade estiver dependente da minha colaboração na anulação canónica em termos diversos dos acima indicados, então não terei outra alternativa que a de dar entrada do processo de divórcio litigioso em tribunal quanto antes.”.
12- O requerido enviou à requerente, em 24 de Maio de 2011, um e-mail do seguinte teor:
Só me voltarei a pronunciar sobre a anulação canónica depois de completamente concluído o processo de divórcio civil. Se quiseres que seja por mútuo consentimento envia-me o requerimento. C…”.
A requerente respondeu ao aludido e-mail enviando ao requerido outro e-mail do seguinte teor:
Relativamente ao teu e-mail infra, pedia-te que por favor me esclarecesses o seguinte:
Processo de declaração de nulidade:
- Sendo invocado o erro em qualidade invalidante do matrimónio (que também me parece estar em questão no nosso caso), pedia-te então que me indicasses quais os factos que, na tua óptica, integram esse fundamento de nulidade. Como jurista que és, saberás tão bem como eu que não basta invocar as normas, é pois necessário expor os factos que integram a norma que in CGSU se está a alegar;
- Como é evidente, da minha parte, não estou interessada em atentar contra a tua honra e bom -nome, apenas em ser totalmente fiel à verdade;
- Achas que seria verdadeiro dizer que houve cumprimento das (normais) responsabilidades e obrigações essenciais do matrimónio, quando tu próprio já me reconheceste, várias vezes, que não gostavas de mim "como um homem deve gostar de uma mulher"? Ou achas que essa matéria não deverá ser sequer trazida à colação?
Quanto ao divórcio civil, parece-me pouco lógico enveredares pelo litigioso, uma vez que ambos o queremos. Será como sabes, mais moroso e dispendioso. Conta com a minha colaboração.”.
12- O requerido, em diversos e-mails dirigidos à requerente, em Abril e Junho de 2011, indicou a morada referida em 5 (Rua …, nº .. – …, Oeiras) como o endereço para receber a sua correspondência respeitante à dissolução do casamento de ambos.
13- No processo que decorreu no Tribunal Eclesiástico do Porto (causa de nulidade matrimonial B…/C…) foram efectuadas as seguintes diligências para notificação/citação e audição da Parte Demandada:
– Foi enviada, em 03/11/2011, para a Rua …, nº .. – …, Oeiras, carta registada com Aviso de Recepção, com uma cópia do libelo introdutório, não tendo foi recebida nem reclamada e foi devolvida, em 16/11/2011, com a indicação escrita no frontal de "Remetente".
- Em 21/11/2011, foi enviada a mesma correspondência em correio ordinário. Esta voltou a ser devolvida, em 29/11/2011, com a mesma indicação no frontal "Remetente".
- Em 07/12/2011, foi enviada nova correspondência, em correio ordinário, com o Decreto de Fixação da Dúvida. Foi devolvida com a mesma indicação no frontal de "Remetente”.
- Em 14/12/2011, foi enviada uma Notificação comunicando a nomeação de um Auditor para a Causa de Nulidade sobre dita. Também esta foi devolvida com a indicação no frontal de "Remetente".
- Em 16 de Janeiro de 2012, foi enviada uma Carta Rogatória ao Tribunal Patriarcal de Lisboa solicitando a audição da Parte Demandada – C…;
– No dia 5 de Março de 2012, foi enviada, pelo Tribunal Patriarcal de Lisboa, dirigida à Parte Demandada, uma carta registada com aviso de recepção, para o E…, na avenida …, nº …, ….-… Lisboa, para a citar e a fim de prestar o seu depoimento no dia 14 de Março de 2012, às 14,30 horas;
- No dia 14 de Março, foi lavrada em Lisboa (Tribunal Patriarcal de Lisboa) uma Acta em que consta que o Demandado não compareceu nem justificou a sua falta;
- Nesse mesmo dia 14 de Março, o Tribunal Patriarcal de Lisboa decidiu citar de novo a Parte Demandada para o dia 21 de Março de 2012, em carta registada com aviso de recepção, para a mesma referida morada. Conforme nota aposta pelo carteiro em 12/03/2012, a carta enviada em 05/03/2012 foi recusada, tendo os correios procedido à sua devolução em 15/03/2012;
14- Em face dos factos referidos em 13, foi proferido, em 02/04/2012, pelo respectivo Auditor, no aludido processo eclesiástico, o “DECRETO-Declaração de Parte Ausente”, do seguinte teor:
Nos termos do cânon 1592, § 1;
DECLARO Parte Ausente o mesmo C…, Parte Demandada nesta causa de nulidade.
E DECRETO que a causa, observando-se o que está determinado, prossiga os seus trâmites até à sentença definitiva e sua execução.”.
15- O Tribunal Eclesiástico do Porto enviou, em 25/07/2013, para a aludida morada do E…, para notificação da Parte Demandada, cópia da sentença proferida naquele Tribunal, tendo a carta sido devolvida com a nota aposta pelo carteiro, em 26/02/2013, “Recusado pelo Destinatário”.
16- Também uma carta enviada, para a Rua …, nº …, Oeiras, ao Demandado, pelo Tribunal Metropolitano Bracarense, com cópia da sentença proferida nesse Tribunal de Braga foi devolvida ao remetente, em 13/02/2014.
17- A requerente soube que o requerido havia voltado a casar civilmente e residia, algures, em Lisboa.
18- O requerido foi citado no presente processo de revisão e confirmação, nos termos do disposto no artº 971º, do CPC, na morada indicada em 9 (E…).

Factualidade não provada:

Não ficou provado que o facto de o E… ser objeto de diversas notificações para tribunais para efeitos de arbitragem e onde se recepcionam diariamente processos, seja impeditivo da citação de carácter pessoal de um dos seus dirigentes e motivo de rejeição in limine, pelos serviços administrativos, de cartas dirigidas, para citação, ao seu director, designadamente, pelos Tribunais Eclesiásticos.

Motivação:

A credibilidade que o julgador atribuiu ao depoimento de cada testemunha ou declarante assenta no contacto directo que estabelece dialecticamente com as partes e testemunhas em que, para além da razão da ciência e da expressão verbalizada, traduzida nas respostas dadas a cada pergunta, intervêm um conjunto de outros elementos físicos e psicológicos inerentes à postura mantida em audiência por cada testemunha ao longo do seu depoimento e que no seu conjunto integram o que se designa por “linguagem silenciosa do comportamento”.
A convicção do Tribunal ao decidir sobre a antecedente matéria de facto fundou-se na análise crítica e conjugada das declarações da requerente, dos depoimentos do requerido e das testemunhas inquiridas bem como dos documentos juntos aos autos, análise essa feita à luz das regras da experiência comum e norteada pelo princípio da livre apreciação da prova (artº 396º, do Código Civil (CC)).
Deve, obviamente, ter-se presente que o princípio da livre apreciação da prova está sujeito a limites, quais sejam, os meios de prova cujo valor probatório é fixado na lei: documentos autênticos (371º, nº,1, do CC), documentos particulares (376º, nº 1, do CC), confissão judicial escrita (358º, nº 1, do CC) e presunções legais stricto sensu (artº 350º, do CC).
A convicção do Tribunal, quanto à factualidade provada e não provada, alicerçou-se, pois, na conjugação de toda a prova produzida, de natureza documental, por depoimento e declarações de parte do requerido e requerente e testemunhal, com recurso a juízos de normalidade e experiência comum.
Assim, concretizando, os factos vertidos em 1, 2, 3, 4, 10 a 16 e 18 basearam-se no teor dos documentos de fls. 8 a 34, 67-68, 84-89, 90-110 e 44-45, respectivamente (documentação autêntica e particular não impugnada).
Saliente-se, a propósito, que o requerido afirmou que foi a sua mãe quem não quis receber ou recusou as diversas cartas que foram enviadas pelos tribunais eclesiásticos para a residência (Oeiras) da progenitora, dirigidas ao requerido. Referiu, ainda, sem convencer o Tribunal, que a sua mãe lhe ocultou o não recebimento/recusa dessas cartas. Disse que a sua mãe procedeu desse modo para o proteger, o que, a nosso ver, não é razoável ou concebível, sendo quase inverosímil.
Os factos descritos em 5 a 8 têm suporte nos depoimentos do requerido e das testemunhas D… e F… bem como no teor do documento de fls. 67-78. Esses depoimentos foram, nesse particular, credíveis e convincentes.
O facto indicado em 9 assenta nas declarações, coincidentes, da requerente e nos depoimentos do requerido e das testemunhas G…, D… e F…, bem como no teor dos documentos de fls. 84-89.
O facto vertido em 17 baseia-se nas declarações da requerente (afirmou saber do facto por terceiros) e nos depoimentos do requerido e da testemunha G…, pai da requerente e que ouviu dizer, à sua filha e a terceiros, que o requerido havia voltado a casar civilmente e residia, algures, em Lisboa.
Relativamente à restante matéria alegada importa, desde logo, referir que, na sua maior parte, não é susceptível de prova, uma vez que é constituída por meros juízos de valor ou conclusivos, sem aptidão individualizadora, como é próprio dos factos (dos factos ou enunciados de facto deve distinguir-se toda aquela operação que não consiste na perceção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual, as denominadas formulações conclusivas).
No que concerne à factualidade considerada não provada, a convicção negativa do Tribunal decorre da falta de suficiente consistência do relatado pelo requerido e pela testemunha F… no sentido de que no E… existiam ordens expressas para que não fossem recebidas cartas dirigidas em nome pessoal do seu director (o ora requerido) ou de outros funcionários do E….
Na verdade, o certo é que a carta para citação do requerido nos presentes autos, dirigida em nome do requerido para o seu domicílio profissional, no E…, foi recebida pelo mesmo.

2.2- O DIREITO

Nas relações entre o Estado Português e a Igreja Católica vigora a Concordata de 2004, de 18/05/2004, estabelecida entre a Santa Sé e a República Portuguesa (Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, publicada no Diário da República I-A, n.º 269, de 16/11/2004, com início de vigência em 18/12/2004).
Estabelece o artigo 16º da Concordata:
“1- As decisões relativas à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado pelas autoridades eclesiásticas competentes, verificados pelo órgão eclesiástico de controlo superior, produzem efeitos civis, a requerimento de qualquer das partes, após revisão e confirmação, nos termos do direito português, pelo competente tribunal do Estado”.
2- Para o efeito, o tribunal competente verifica:
a) – Se são autênticas;
b) – Se dimanam do tribunal competente;
c) – Se foram respeitados os princípios do contraditório e da igualdade;
d) – Se os resultados não ofendem os princípios de ordem pública internacional do Estado Português”.
Dispõe o artº 1625º, do Código Civil(CC) (Competência dos tribunais eclesiásticos):
“O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.”.
No mesmo sentido dispõe o Cânon 1671, do Código de Direito Canónico (CDC):
“As causas matrimoniais dos batizados competem por direito próprio ao juiz eclesiástico.”
Estatui o artº 1626º, do CC:
“1 - A decisão relativa à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado, tomada pela autoridade eclesiástica competente e verificada pelo órgão eclesiástico de controlo superior, é notificada às partes, produzindo efeitos civis, a requerimento de qualquer uma delas, após revisão e confirmação, nos termos da lei processual, pelo competente tribunal do Estado, que determina o seu averbamento no registo civil.
2 - O requerimento referido no número anterior pode ser apresentado à autoridade eclesiástica onde o processo canónico iniciou os seus termos, a qual, no prazo de 20 dias após o seu recebimento, o remete, por carta registada com aviso de recepção, ao tribunal indicado pela parte requerente, notificando em seguida esta, no prazo máximo de 10 dias, da devolução do aviso de recepção.
3 - Os tribunais eclesiásticos e as repartições eclesiásticas competentes podem requisitar aos tribunais judiciais a citação ou notificação das partes, peritos ou testemunhas, bem como diligências de carácter probatório ou de outra natureza, só podendo o pedido ser recusado caso se verifique algum dos fundamentos que, nos termos da lei processual, legitimam a recusa de cumprimento das cartas rogatórias.”.
Por outro lado, preceitua-se no artº 978º do CPC (Necessidade da revisão):
“1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.”
Pois bem.
Importa ter presente, antes de mais, que a revisão da sentença não é uma revisão de mérito, mas antes uma revisão formal, nos termos do art.º 980º do CPC, com a excepção do estatuído na al. f).
Com efeito, vigora entre nós o sistema da revisão formal ou delibação. Mesmo as sentenças constitutivas só são apreciadas à luz da lei reguladora do processo constitutivo, escapando a outro tipo de revisão, a de mérito (José João Gonçalves de Proença, “Direito Internacional Privado–Conflitos de Jurisdições e Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras”, 2ª ed., p. 94).
Quer dizer, a revisão de uma sentença estrangeira está sujeita ao sistema de revisão formal ou da delibação, devendo levar-se em conta apenas a decisão nela contida, e não os respectivos fundamentos (ver, entre outros, os Acs. do STJ de 15/01/2015 e 26/05/2015, e da RP de 18/09/12, 17/04/2012 e 07/05/2009, acessíveis em www.dgsi.pt).
A restrição/excepção constante da alínea f), do art.º 980º, do CPC, relaciona-se também com um requisito de ordem formal que é o da decisão constante da sentença em revisão não ser contrária aos princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Como vimos, o requerido baseou a oposição à revisão/confirmação da sentença proferida no Tribunal eclesiástico no disposto nas alíneas a), parte final, e) e f), do artº 980º, do CPC.
Dispõe o artº 980º (Requisitos necessários para a confirmação)
Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”.
Relativamente ao estatuído na al. a) do normativo, entende-se que o legislador ao aludir a “decisão”, está a reportar-se à parte dispositiva da sentença, à parte onde se contém o comando nela emitido.
Analisando as condições de confirmação das sentenças estrangeiras, observa o Professor Ferrer Correia que “quanto ao requisito da inteligência (ou inteligibilidade) da decisão, sempre temos entendido que o que se pretende é que o tribunal ad quem possa compreender o que foi decidido (isto é, o dispositivo da sentença), sem ter de se preocupar com a coerência lógica entre as premissas e a conclusão.” (Lições de Direito Internacional Privado, I, Almedina, 2000, p. 477).
Ora, afigura-se-nos perfeitamente inteligível o dispositivo da decisão revidenda proferida pelo mencionado Tribunal Eclesiástico, declarando nulo o casamento católico celebrado entre a requerente e o requerido.
No que concerne à alegada falta de citação da parte demandada, ora requerido, e a não observância, no processo canónico, dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumpre dizer que não compete ao Tribunal da Relação do Porto apreciar matérias atinentes à nulidade do matrimónio canónico, nem impôr o formalismo do Código de Processo Civil (CPC) nos actos e termos próprios do Direito Processual Canónico, que foi observado pelo Tribunal Eclesiástico do Porto, no processo que conduziu à prolação da sentença revidenda (arts. 1625º do CC, e do Cân. 1671 do Código de Direito Canónico (CDC).
Ao Tribunal da Relação, enquanto Tribunal Revisor, cabe analisar se o requerido (parte demandada) foi citado regularmente segundo o direito processual canónico e verificar se, no processo canónico, foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes (ver Cân. 1507 a 1516).
Os aludidos princípios estão consagrados nos arts. 3º e 4º da na lei processual civil portuguesa (CPC).
Resulta, a nosso ver, da matéria de facto apurada, nomeadamente do constante dos números 13 a 15, da fundamentação de facto, que a parte demandada, ora requerido, foi adequadamente considerada legitimamente citada face ao disposto no Cân. 1510 do CDC.
Parece, aliás, resultar do disposto no artº 984º, do CPC, que incumbe ao requerido/demandado no processo especial de revisão de sentença estrangeira, ilidir a presunção de que se verifica o requisito da al. e), do artº 980º do mesmo Código.
Acresce que, constando de documentos emanados do tribunal que profere a sentença revidenda, ter sido a parte demandada formalmente citada, a alegação da sua falta de citação não pode proceder desde que não tenha sido validamente posto em causa o valor probatório dos documentos que suportam o entendimento do Tribunal Eclesiástico (ver cartas referidas em 13 a 15, da fundamentação de facto).
Da regularidade dessa citação decorre a conclusão de que foram observados/respeitados, no processo canónico, os mencionados princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Com efeito, a parte demandada se não deduziu oposição nem participou no processo canónico, com pleno estatuto de igualdade com a Autora (parte demandante), no concernente ao exercício de faculdades e uso de meios de defesa, foi porque decidiu, livremente, não o fazer (ver o iter processual descrito na sentença revidenda).
Por fim, o requisito previsto na al. f) do artº 980º, do CPC.
A ordem pública internacional funciona como um impedimento à aplicação da lei competente, como exceção às regras de conflito da lex fori.
A ordem pública internacional do Estado Português, distinta da ordem pública de direito interno, é constituída por aquele conjunto de normas e conceções sobre a vida em sociedade que servem de base ao nosso sistema ético-jurídico e que devem respaldar a prolação de decisões jurisprudenciais equitativas, independentemente dos fundamentos que as sustentam
“(…) Sintetizando o que podemos colher da análise destes contributos, sem quaisquer preocupações dogmáticas e com fito meramente operacional, cremos estar em condições de considerar que a ordem pública internacional do Estado Português é integrada por uma amálgama de valores basilares e conceitos dominantes de índole social, ética, política e económica expressos em princípios e regras que o aplicador deve, em cada momento histórico, interpretar e reconhecer a fim de apreciar se os mesmos se podem ter como afrontados pelo resultado a que se chegou na sentença arbitral revidenda” (Ac. do STJ de 23/10/2014, e a doutrina e jurisprudência citadas no mesmo, acessível em www.dgsi.pt).
A nosso ver, a decisão proferida pelo Tribunal Eclesiástico do Porto não colide com os valores essenciais básicos do ordenamento jurídico nacional, ou algum interesse de precípua grandeza da comunidade local e, consequentemente, não viola os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Por isso, não se verifica a exceção da ordem pública internacional, como limite à eficácia da sentença revidenda.
Nada obsta, assim, à revisão e confirmação da sentença revidenda.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente, por provada, a presente acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira instaurada por B… contra C… e, em consequência, decide-se rever e confirmar a sentença proferida, em 07/06/2013, pelo Tribunal Eclesiástico da Diocese do Porto, declaratória da nulidade do casamento católico das partes.
Custas pelo requerido.
*
Oportunamente, cumpram-se os artigos 78º e 79º, do Código do Registo Civil.
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Anexa-se o sumário.

Porto, 07/07/2016
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 663º, nº 7, do CPC):
I- A revisão de uma sentença estrangeira está sujeita ao sistema de revisão formal ou da delibação, devendo levar-se em conta apenas a decisão (dispositivo) nela contida, e não os respectivos fundamentos.
II- Não compete ao Tribunal da Relação apreciar matérias atinentes à nulidade do matrimónio canónico, nem impôr o formalismo do Código de Processo Civil (CPC) nos actos e termos próprios do Direito Processual Canónico, que foi observado pelo Tribunal Eclesiástico, no processo que conduziu à prolação da sentença revidenda (ver arts. 1625º do CC, e do Cân. 1671 do Código de Direito Canónico (CDC).
III- Ao Tribunal da Relação, enquanto Tribunal Revisor, apenas cabe analisar se o requerido (parte demandada) foi citado regularmente segundo o direito processual canónico e verificar se, no processo canónico, foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Caimoto Jácome