Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
364/12.3TUGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DESPACHO SANEADOR
TRÂNSITO EM JULGADO
EXCEPÇÃO DA CADUCIDADE
ACIDENTE IN ITINERE
TENTATIVA DE ROUBO
Nº do Documento: RP20170302364/12.3TUGDM.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEITADO EM PARTE E NEGADO PROVIMENTO EM OUTRA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 253, FLS.11-17)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o Tribunal a quo julgado improcedente, no despacho saneador, a excepção da caducidade do direito de acção, a Ré deveria logo ter impugnado essa decisão em recurso imediato e autónomo.
II - Como assim não procedeu, só vindo agora impugná-la no recurso da sentença final, aquela decisão é insucesptível de recurso e, logo, transitou em julgado, nos termos do art.º 628.ºdo Código de Processo Civil.
III - Na Lei 100/97 - e do mesmo modo na actual Lei n.º 98/2009 de 04/9, aqui aplicável – não se exige que o acidente in itinere seja consequência de particular perigo de percurso normal ou de outras circunstâncias que agravem o risco do mesmo percurso.
IV - O evento que consistiu no facto da autora, quando se prestava a entrar no Centro Comercial onde exercia a sua actividade laboral ao serviço da entidade empregadora, ter sido agarrada pelas costas por um indivíduo com o propósito de lhe subtrair a carteira, que depois a empurrou provocando a sua queda no solo, em consequência da qual sofreu as lesões descritas nos autos, é qualificável como acidente de trabalho in itinere, nos termos do art.º 9.º n.º 1 al. a) e n.º 2, al. b), da lei 98/2009, de 04 de Setembro, assistindo-lhe o direito à reparação nos termos previstos nessa mesma Lei (art.º 2.º).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 364/12.3TUGDM.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Valongo - Inst. Central - frustrada a tentativa de conciliação na fase conciliatória, B…, intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra C… Seguros, S.A., e D…, Lda, pedindo que as RR sejam condenadas a pagarem-lhe o seguinte:
A ré C… Seguros, SA:
i. A pensão anual e vitalícia de €:459,08, devida desde o dia 2013.04.05, dia seguinte ao da alta, sem prejuízo da I.P.P. que vier a ser fixada em sede de junta médica que também requer;
ii. A quantia de €:2.114,04 referente às indemnizações devidas pelos referidos períodos de incapacidades temporárias;
iii. A quantia de €:20,00 referente às despesas de transportes ao INML e ao Tribunal;
iv. Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento.
A 2.ª R., entidade patronal:
i. A pensão anual e vitalícia de €:68,61, devida desde o dia 2013.04.05, dia seguinte ao da alta, sem prejuízo da I.P.P. que vier a ser fixada em sede de junta médica;
ii. A quantia de €:315,93, referente às indemnizações devidas pelos referidos períodos de incapacidades temporárias;
iii. Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento.
Alega que no dia 22/9/2012 sofreu um acidente de trabalho, quando se dirigia para o seu local de trabalho, situado no Centro Comercial E…, na …, afim de aí exercer as suas funções – como cozinheira - que na ocasião prestava para a ré D…, lda, acidente esse que consistiu em ter sido agarrada por um indivíduo, que lhe procurou subtrair a carteira que levava ao ombro, e tendo a autora gritado por socorro, o referido indivíduo largou-a e deu-lhe um empurrão, atirando-a ao chão, onde caiu desamparada e se magoou, e que lhe causou lesões que foram determinantes da incapacidade, tanto temporária como definitiva, que refere, assim como foram causa das despesas com transportes que suportou, por via das deslocações que teve de efectuar quer em razão dos tratamentos médicos a que foi sujeita quer em deslocações ao INML e ao tribunal.
A entidade empregadora tinha transferido a sua responsabilidade infortunística, através de contrato de seguro, para a seguradora ora primeira ré, conquanto não cobrindo a totalidade da retribuição que auferia.
As Rés foram regularmente citadas para a acção.
A ré seguradora veio contestar para, em síntese, em primeiro lugar deduzir a excepção da caducidade do direito de acção, e quanto ao fundo aceitando existir, tal como alegado pela autora, um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho e que a retribuição transferida era aquela também alegada na petição (€520,50 x 14 meses/ano), negar que o acidente seja caracterizável como acidente de trabalho – para tanto, e fundamentalmente, alega que a autora, admitindo o evento que descreve, foi vítima de um crime, não constituindo a tentativa de roubo/agressão de que foi alvo ao deslocar-se de casa para o trabalho “um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização desse trajecto” - e impugnar o invocado nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.
Requereu a realização de junta médica.
A ré entidade empregadora não contestou.
Elaborou-se despacho saneador, julgando-se verificados os necessários pressupostos processuais e o processo isento de quaisquer nulidades, excepções ou outro tipo de questões que obstassem ao conhecimento de mérito.
Conheceu-se então da excepção da caducidade, que foi julgada improcedente.
Procedeu-se à selecção da matéria de facto, alinhando-se a matéria assente e fixando-se a base instrutória.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente acção procedente, por provada, condenando-se as rés, C… Seguros, S.A. e D…, Lda, a pagar à autora, B…, a quantia de €2.399,89 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e oitenta e nove cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária;
- sendo responsabilidade da seguradora quanto ao valor de €2.087,88 e da entidade empregadora quanto ao valor de €312,01 -, o capital de remição correspondente a uma pensão no valor anual de €879,48 (oitocentos e setenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos) - sendo responsabilidade da seguradora quanto ao valor de €765,14 e da entidade empregadora quanto ao valor de €114,34 - e com início em 05/04/2013, e a seguradora a quantia (global) de €103,60 (cento e três euros e sessenta cêntimos) respeitante ao pagamento de transportes, sendo que o capital de remição e demais quantias são acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da alta e sempre até efectivo e integral pagamento.
Valor da acção: €12.854,09.
Custas pela seguradora e empregadora, na proporção das respectivas responsabilidades.
Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição.
Registe e notifique.
Valongo, 11.07.2016
(..)».
I.3 Inconformada com a sentença a Ré seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1 - O acidente dos autos ocorreu em 22/09/2012, data na qual a demandante passou a ter conhecimento do seu direito e teve alta clínica em 04/04/2013, como pela própria demandante é alegado; em 23/10/2013 foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou, concluindo-se pela necessidade do recurso à fase contenciosa; porém, a petição inicial da presente acção entrou em Juízo em 17/12/2014, conforme consta do Relatório de Entrega com a Referência n° 2467.
2 - O direito de acção relativamente às prestações emergentes de acidente de trabalho caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica do sinistrado, nos termos e para os efeitos do n° 1 do art° 179° da Lei 98/2009, de 04109; sendo assim, ocorreu a caducidade em 04/04/2014 (um ano depois da alta) ou, pelo menos, em 23/10/2014 (um depois da tentativa de conciliação frustrada), sempre antes de a acção entrar em Juízo.
3 - Encontra-se, assim, caducado o direito que a demandante pretende fazer valer contra a demandada C…, o que a demandada C… desde já expressamente alega em seu benefício.
4 - Esta questão, na modesta opinião da demandada, não pode ter outro entendimento que não este, sob perigo de criar uma insustentável incerteza no ordenamento jurídico português; com efeito, há que atender às razões que levaram o legislador a estipular um prazo de caducidade (que não de prescrição) de um ano para o sinistrado fazer exercer o seu direito de acção judicial.
5 - Desde logo a estipulação de um prazo certo e determinado para que o sinistrado aja, combatendo, assim, uma certa tendência para a inércia; mas, fundamentalmente, para criar um sentimento de estabilidade jurídica na entidade responsável, decorrente da certeza da existência de um prazo certo e determinado.
6 - Existindo um prazo de um ano a contar da comunicação formal da alta clínica para apresentação da participação em juízo, não se vê nem se concebe que, feita essa participação, e após a tentativa de conciliação, frustrada, não tenha o sinistrado que, pelo menos em igual espaço temporal (um ano), dar o impulso processual que lhe compete, através da instauração da competente petição inicial.
7 - Nos presentes autos, entre a tentativa de conciliação frustrada e a data da entrada da petição inicia decorreu mais de um ano, que apenas é imputável à demandante, que não alegou nenhuma causa ou motivo para tal demora. - Sendo certo que o n° 1 do art.º 119° do Código de Processo do Trabalho até menciona um prazo de 20 dias, embora prorrogável.
8 – Sendo que o n.º1 do art.º 119.º do Código de Processo do trabalho até menciona um prazo de 20 dias, embora prorrogável.
9 - Tendo a alta ocorrido em 04/04/2013, e a tentativa de conciliação em 23/10/2013, data na qual a demandante tomou conhecimento da posição da demandante, podia e devia a demandante ter, no prazo de 20 dias a contar da frustrada tentativa de conciliação, apresentado a petição inicial em juízo; até porque os presentes autos não apresentam qualquer tipo de complexidade que justificasse a prorrogação do prazo de 20 dias; e, lembre-se, a demandante demorou mais de um ano para apresentar a petição inicial.
10- Por outro lado, há, ainda, que atender ao disposto no n° 1 do art.º 281° do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto na alínea a) do n° 2 do art.º 1° do Código de Processo do Trabalho; tal dispositivo determina a deserção da instância quando, POR NEGLIGÊNCIA DAS PARTES, o processo se encontre a aguardar impulso processual HÁ MAIS DE SEIS MESES.
11 - A demandante demorou mais de um ano a dar o impulso processual que lhe competia, com a apresentação da petição inicial em juízo; estando, pois, caducado o seu direito de acção.
12 - A demandante não sofreu, nem foi vítima, de qualquer acidente de trabalho, pois o acidente por si sofrido não se enquadra no âmbito do conceito de acidente de trabalho, nomeadamente no âmbito do conceito de acidente de trabalho "in itinere".
13 - Conforme resulta da factualidade dada como provada, no dia e hora indicados na douta petição inicial, a demandante foi vítima, não de um acidente de trabalho, mas sim de um crime, leia-se, tentativa de roubo/agressão; como tal, não cabe à demandada C…, enquanto seguradora de acidentes de trabalho, a reparação das respectivas consequências.
14 - E nem se argumente, conforme se faz na Douta Sentença recorrida, que, tendo essa tentativa de roubo/agressão ocorrido no trajecto de casa para o trabalho, estamos perante um acidente "in itinere"; pois se é certo que essa tentativa de roubo/agressão ocorreu no trajecto de casa para o trabalho, não é menos certo que tal crime não constitui um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização desse trajecto.
15 - Riscos normais do trajecto "in itinere" são, por exemplo, uma queda, um atropelamento, um acidente de viação; isto é, acontecimentos cuja normalidade e previsibilidade se aceita.
16 - O mesmo já não se pode dizer do crime do qual a demandante foi vítima; pois, além de não representar um risco inerente ao trajecto "in itinere" (passe a redundância); não é um acontecimento que seja encarado como possível, previsível nem expectável; dada, até, a localização das instalações da entidade patronal da demandante (isto é, do seu local de trabalho), altamente movimentada.
17 - Assim sendo, o acidente não tem qualquer enquadramento nos art.ºs 8° e 9°, n° 1, alínea a), ambos da Lei 98/2009, de 04/09.
18 - O furtou ou roubo (actividade criminosa) não decorreu das próprias funções da demandante, ao contrário do caso tratado no Douto Acórdão do STJ de 08/02/1995, no qual o trabalhador é assaltado, já fora do local de trabalho, mas por ser o director comercial de um restaurante.
19 - Diferente seria se o trajecto casa/trabalho e trabalho/casa implicasse a passagem por alguma zona problemática, que fosse conhecida por questões de marginalidade, o que não é o caso.
20 - A Douta Sentença recorrida violou, pois, os art.ºs 8º, 9° e 179°, n° 1, todos da Lei 98/2009, de 04/09, bem como o n° 1 do art.° 119° do Código de Processo do Trabalho.
NESTES TERMOS, dando provimento ao recurso e, em consequência, considerando caducado o direito da demandante, ou, se assim se não entender, determinando que a demandante não sofreu qualquer acidente de trabalho, em qualquer dos casos, com a absolvição da demandada de todos os pedido contra ela formulados.
I.4 A Recorrida autora apresentou contra alegações, finalizadas com conclusões.
É sabido que as conclusões consistem na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões porque se pede o provimento do recurso, devendo ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o Tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados (art.º 639.º do CPC). Mas como preveniu o legislador, pode acontecer que as conclusões não cumpram aqueles requisito e se apresentem deficientes, obscuras, complexas ou com omissão de especificações, caso em que o juiz relator deverá ponderar a prolação de despacho convidando o recorrente a corrigi-las, suprindo as deficiências de que padeçam, no prazo de cinclo dias, sob pena de não se reconhecer do recurso na parte afectada (art.º 639.º n.º3, do CPC).
No que respeita às contra-alegações de recurso, a lei não exige a formulação de conclusões e, para os casos em que estas sejam apresentadas e se mostrem deficientes, designadamente por se mostrarem prolixas, não prevê também a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento. Este despacho apenas está previsto relativamente às alegações do recorrente, “o que se compreende pois é da respectiva actuação que decorre a delimitação do objecto do recurso” [António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 121].
Contudo, caso se verifique que a parte recorrida apresentou contra-alegações finalizadas com conclusões relativamente às quais não foi cumprido o dever de sintetização, se é certo que o relator não poderá convidar a parte recorrida a aperfeiçoá-las, tal não significa, em contraponto, que deva proceder à sua transcrição integral, ou mesmo parcial, apesar de se mostrarem deficientes.
Nesses casos, poderá o relator simplesmente não as transcrever ou, se assim o entender, extrair delas o essencial e deixar essa nota.
No caso em apreço consta-se que as conclusões são praticamente a reprodução das alegações, significando isso que não houve o cuidado de sintetização por parte da recorrida autora. Justamente por isso não se procede à transcrição.
No essencial, defende a recorrida o seguinte:
- Invoca a ré C… Seguros, S.A. no seu recurso a caducidade do direito de ação da autora, e que já havia decorrido o prazo de um ano previsto no art.º 32.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, contado a partir da primeira daquelas datas.
- Tratando-se aqui da caducidade do direito de acção, o acto que a poderia impedir seria apenas a propositura da ação especial de acidentes de trabalho.
- Dispõe o art.º 26.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho que esta ação se considera instaurada com a apresentação da participação em tribunal.
- A participação deu entrada neste tribunal em 28/11/2012. Nesta data ainda não havia sequer alta clínica e tinham decorrido apenas dois meses desde a data do acidente, pelo que não pode considerar-se esgotado o prazo de um ano previsto no citado art.º 179.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
- A Ré vem negar que o acidente seja caracterizável como acidente de trabalho pondo o enfoque no facto de a tentativa de roubo/agressão de que a autora foi alvo ao deslocar-se de casa para o trabalho não constituir “um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização desse trajecto”.
- A ré não questiona a normalidade do trajecto utilizado ou a «habitualidade» do tempo gasto.
- Como é entendimento da doutrina e jurisprudência, a Autora foi sujeita a um acidente que é de caracterizar como acidente de trabalho, sendo a ré seguradora responsável pela reparação do acidente a que se reportam os autos quanto às prestações infortunísticas. A sentença não violou as normas legais que a recorrente alega.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso.
I.5 A Digna Procuradora da República Adjunta junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso. No essencial refere o seguinte:
- A alta clínica é o evento a partir do qual se conta o prazo da caducidade, sendo que no caso a alta foi a considerada pelo IML; assim, tendo o sinistro sido participado em Tribunal antes daquela data, não caducou o direito de acção.
- O acidente dos autos, face ao entendimento da doutrina e jurisprudência citadas na sentença, deve qualificar-se como acidente de trabalho.
I.6 Cumpriram-se os vistos legais e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pela recorrente para apreciação consistem em saber o seguinte:
i) Se caducou o direito que a demandante pretende fazer valer contra a demandada C…;
ii) Se o evento participado não é qualificável como acidente de trabalho , nomeadamente no âmbito do conceito de acidente de trabalho "in itinere", dado que as lesões sofridas pela sinistrada resultaram de um crime que não constitui um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização do trajecto para o local de trabalho.
I.8 Questão prévia: recurso sobre a decisão que decidiu a excepção de caducidade do direito de acção
Nas conclusões 1 a 9 vem a recorrente sustentar a caducidade do direito de acção da autora, dizendo que faz essa alegação expressa em “seu benefício”.
Não se encontra nas conclusões, nem tão pouco nas alegações, qualquer referência ao facto do tribunal ter apreciado e decidido essa questão logo no despacho saneador.
Com efeito, no despacho saneador o Tribunal a quo equaciona a questão, dizendo “[I]nvoca a ré C… Seguros, S.A. na sua contestação a caducidade do direito de ação da autora, dizendo que esta teve alta no dia 04/04/2013 e a tentativa de conciliação foi realizada em 23/10/2013, tendo a petição inicial dado entrada apenas em 17/10/2014, data em que já havia decorrido o prazo de um ano previsto no art.º 32.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, contado a partir da primeira daquelas datas”, para depois proceder à sua apreciação, concluindo pela decisão seguinte:
- “julgo totalmente improcedente a exceção de caducidade invocada pela ré C… Seguros, S.A. na sua contestação”.
Coloca-se, pois, a questão de saber se aquela decisão pode ser impugnada no presente recurso da sentença que pôs termo à causa ou, pelo contrário, se deveria ter sido imediatamente impugnada, em recurso autónomo.
Se bem atentarmos no artigo 79.º A, do CPC, dele resulta uma clara distinção entre dois tipos de decisões: as sujeitas a impugnação imediata, previstas no n.º 1 e nas diversas alíneas do n.º2; e aquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior, mais precisamente, as restantes decisões, conforme refere o n.º3, do mesmo artigo.
Como elucida o senhor Conselheiro Abrantes Geraldes, com as alterações introduzidas ao regime recursivo em processo civil pelo Decreto-Lei n.º303/07, de 24 de Agosto, a lei passou a admitir dois regimes diversos: as decisões que ponham termo ao processo e as decisões tipificadas no n.º 2 do art.º 79.º A do CPT são passíveis de recurso imediato, de tal modo que se este não for interposto dentro do prazo legal (20 ou 10 dias, nos termos do art.º 80.º n.ºs 1 e 2) formarão caso julgado material ou formal; as restantes decisões que sejam impugnáveis podem sê-lo juntamente com o recurso da decisão final (art.º 79.º n.º 3 do CPT) [Recursos no Processo do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 33].
Não suscita qualquer dúvida que a decisão em causa não pôs termo ao processo.
Portanto, para que a decisão fosse imediatamente recorrível terá que enquadrar-se nas decisões tipificadas nas alíneas do n.º2, do art.º 79.º A. do CPT. E, se assim se concluir, não tendo a Ré recorrido imediatamente, tal significará que a mesma transitou em julgado, não sendo já recorrível.
Em suma, é essa a questão que se coloca.
O artigo 79.º A do CPT, foi introduzido com as alterações operadas ao Código de Processo do Trabalho através do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, as quais, como elucida o respectivo preâmbulo, visaram adequar a lei adjectiva às alterações introduzidas com a revisão do Código do Trabalho, pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, “e pela conformação de várias normas de processo do trabalho aos princípios orientadores da reforma processual civil, nomeadamente em matéria de recursos (..)”.
Em poucas palavras, o art.º 79.ºA visou harmonizar o regime de recursos laboral com a reforma dos recursos processuais civis efectuada pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Em conformidade com o estabelecido no n.º2, al. i), do art.º 79.º A, cabe recurso de apelação imediato nos casos previstos nas alíneas ai indicadas do n.º2, do art.º 691.º do pretérito CPC, entre eles contando-se os previstos na alínea h), nomeadamente, do “Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa”.
À luz desta norma entendia-se que o despacho saneador incide sobre o “mérito da causa”, entre outras situações, quando apreciasse “no sentido da procedência ou da improcedência, qualquer excepção peremptória, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade”, estando sujeito a recurso imediato [Abrantes Geraldes, op. cit., p. 42].
Mas como se sabe, o pretérito Código de Processo Civil foi revogado com a entrada em vigor do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, a qual ocorreu a 1 de Setembro de 2013 (art.º 8.º/Lei 41/2013).
E, como a presente acção foi instaurada após essa data, é este novo Código Processo Civil a lei adjectiva subsidiária aplicável aos casos omissos no Código do Processo do Trabalho, nos termos estabelecidos no art.º 1.º n.º2 deste diploma.
Ao artigo 691.º do pretérito CPC, para o qual remete o art.º 79.º A, do CPT, corresponde no novo CPC o artigo 644.º, com a epígrafe “Apelações Autónomas”, continuando a prever-se a possibilidade de recurso mediato do despacho saneador que “sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa “ [n.º 1 al. b)].
Mas acontece que o legislador não cuidou de alterar o artigo 79.º A, do CPT, de modo a assegurar que a remissão para o art.º 691.º do anterior CPC, passasse a ser feita expressamente para o art.º 644.º do actual CPC, o que suscita a questão de saber se a remissão feita para o art.º 691.º do CPC, deve ser entendida como dirigida ao correspondente artigo 644.º do actual CPC.
A situação não é inédita. As alterações ao regime recursivo introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto ao pretérito CPC, suscitaram igualmente dúvidas na sua aplicação subsidiária, posto que o legislador não procedeu à revogação expressa das normas do CPT que regulavam o regime de recursos, nem introduziu qualquer modificação expressa no regime dos recursos laborais. Referindo essa situação, observava Abrantes Geraldes que “(..) atenta a autonomia substancial e formal do processo do trabalho, na falta de clara indicação do legislador em sentido diverso, importava concluir, antes da revisão do processo do trabalho, que o regime dos recursos cíveis instituído pelo Dec. Lei n.º 303/07 não prejudicava a regulamentação que especificamente constava do CPT, a que prioritariamente deveria recorrer-se, revertendo para o CPC apenas em situação de lacuna legis” [Op. Cit., p. 12].
Como se deixou dito, ao introduzir o art.º 79.º A no CPT, com a revisão operada pelo DL 295/2009, o legislador pretendeu, para além do mais, harmonizar o regime de recursos laboral com o regime dos recursos processuais civis introduzidos pelo DL 303/2007. Foi esse propósito que levou à remissão feita na al. i), do n.º2, do artigo 79.ºA, para as diversas alíneas do artigo 691.º do CPC ali mencionadas, isto é, para todos esses casos previstos no CPC, pretendeu o legislador que também no domínio dos recursos em processo laboral, aquelas decisões fossem recorríveis de imediato.
É com base nesta ordem de considerações, particularmente nesta última, que vem sendo defendido que a remissão do art.º 79.º A, al. i), do CPT, para as alíneas que se especificam do n.º 2 do artigo 691.º, do CPC, deverá ter-se por efectuada agora, para as correspondentes alíneas do n.º 2 do actual artigo 644.º, que continuam a admitir o recurso autónomo deste tipo de decisões.
Entende-se, assim, que a norma deve ser interpretada numa perspectiva actualista que não a esvazie de conteúdo, significando isso, portanto, que a questão de saber se o recurso é admissível deve ser apreciada à luz do disposto no art.º 644º do CPC, designadamente, no que ao caso importa, atendendo ao disposto na al. b), do n.º1.
Debruçando-se sobre essa norma, António Abrantes Geraldes, na consideração de que o conceito de decisão que incida sobre o “mérito da causa”, embora actualmente não esteja delimitado na lei, se encontra definitivamente estabilizado sem necessidade de expressa consagração legal, defende que “pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa (…) outrossim quando independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nela se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade (…)”, estando a decisão sujeita a recurso imediato [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 152].
Subscrevemos este entendimento, significado isso que tendo o Tribunal a quo julgado improcedente, no despacho saneador, a excepção da caducidade do direito de acção, a Ré deveria logo ter impugnado essa decisão em recurso imediato e autónomo.
Como assim não procedeu, só vindo agora impugná-la no recurso da sentença final, aquela decisão é insucesptível de recurso e, logo, transitou em julgado, nos termos do art.º 628.ºdo Código de Processo Civil.
Assim, quanto a esta questão rejeita-se a apreciação.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou os factos provados e não provados seguintes:
A) Factos provados:
1 – No dia 22 de Setembro de 2012, pelas 07:45 horas, a autora B… dirigia-se para o seu local de trabalho, situado no Centro Comercial E…, sito em …, …, ….
2 - Ali exercia as funções de cozinheira de 3.ª ao serviço de D…, Lda., mediante a retribuição mensal de 520,50€, percebidos 14 vezes ao ano, acrescida de um subsídio de alimentação que lhe era fornecido em espécie ao qual, por força do CCT, se atribui o valor de 99,00€ por 11 meses.
3 - Quando se aprestava para entrar no Centro Comercial vinda duma paragem de autocarros, foi agarrada pelas costas por um indivíduo do sexo masculino com a finalidade de lhe subtrair a carteira que levava ao ombro, endo começado a gritar, chamando a atenção de um vigilante do Shopping, o que levou esse indivíduo a largá-la e a dar-lhe um empurrão, atirando-a ao chão onde caiu desamparada e se magoou.
4 - À data do acidente, a ré D…, Lda. tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidente de trabalho transferida para a ré C… Seguros, S.A., pelo vencimento mensal de 520,50€, percebidos 14 vezes ao ano, através da apólice n.º …/……/…, na modalidade de prémio variável.
5 - Em consequência do descrito em 3, a autora sofreu traumatismo da região lombar.
6 - Tais lesões determinaram para a autora:
- uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho (ITA) no período compreendido entre 23/09/2012 e 07/02/2013 (138 dias);
- uma incapacidade temporária parcial (ITP) de 20% no período compreendido entre 08/02/2013 e 04/04/2013 (57 dias);
- uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 15%, a partir 05/04/2013, dia seguinte ao da alta.
7 - Por força das lesões que sofreu, a autora recorreu aos serviços do Hospital F…, mais concretamente a consultas de ortopedia, para onde teve que se deslocar inicialmente de táxi e depois, já no final dos tratamentos, por transportes públicos colectivos, com o que despendeu as quantias de 78,20€ em táxi e 5,40€ em transportes públicos colectivos.
8 - Em deslocações I.N.M.L. do Porto e ao Tribunal do Trabalho, a autora suportou despesas no montante de 20,00€.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a sentença, defendendo que o evento participado não é qualificável como acidente de trabalho, nomeadamente no âmbito do conceito de acidente de trabalho "in itinere", dado que as lesões sofridas pela sinistrada resultaram de um crime que não constitui um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização do trajecto para o local de trabalho.
Pronunciando-se sobre esta questão, o Tribunal a quo deixou consignado na sentença o seguinte:
A questão controvertida fundamental consiste, pois, em saber se estamos, ou não, perante um acidente de trabalho, e como tal susceptível de reparação.
Só respondendo afirmativamente a esta pergunta importará averiguar do âmbito das prestações.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art. 9.º nº 1, al. a) da Lei 98/2009 de 04/9 (a Lei de Acidentes de Trabalho – LAT -, aqui aplicável) “Considera-se também” (para além dos ocorridos no circunstancialismo previsto no número 1 do art. 8.º da mesma lei, e onde se exige para a qualificação do acidente como de trabalho, nomeadamente, que o mesmo produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte) “acidente de trabalho o ocorrido: No trajecto de ida para e do local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;”
No número seguinte (número 2) estabelece-se que “A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:” (designadamente) “b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;”.
Refira-se que já a anterior LAT (Lei 100/97 de 13/9) dispunha de forma semelhante pois, conforme o disposto no art. 6.º nº 2, al. a) da mesma, igualmente prescrevia que “Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: No trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior;” e regulamentando a Lei 100/97 – no que respeita à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho –, e na parte que para aqui importa, estabelecia já o art. 6.º nº 2 al. a) do DL 143/99 de 30/4, “Na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da lei estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador: a) Entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho;”.
Como deflui do relatório supra exarado, a ré seguradora põe o enfoque no facto de a tentativa de roubo/agressão de que a autora foi alvo ao deslocar-se de casa para o trabalho não constituir “um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização desse trajecto.
Contudo, equacionando os factos pertinentes – pontos 1 a 3 da lista dos factos provados - com as normas legais acabadas de citar, temos de concluir que, em princípio, o acidente sofrido pela autora é de qualificar como acidente de trabalho.
Com efeito, dos factos assentes decorre que a autora, aquando do acidente, dirigia-se da sua residência para o seu local de trabalho, naturalmente afim de aí iniciar o dia de trabalho.
E a ré, como se deixou dito, não o questiona nem, aliás, a normalidade do trajecto utilizado ou a «habitualidade» do tempo gasto.
Além do mais, como é hoje entendimento que se crê pacífico, a legislação infortunística não pressupõe, na situação regra – art. 8.º, n.º 1, da LAT: aquele acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho – a culpa da empregadora para que haja obrigação de reparar o trabalhador sinistrado, assentando antes essa obrigação na responsabilidade social ou na chamada teoria da autoridade ou do risco económico, bastando para que o acidente caia na alçada da Lei dos Acidentes de Trabalho que ocorra quando um trabalhador está a prestar a sua actividade sob a autoridade de outrem, mesmo que a génese do acidente não tenha nenhuma relação com qualquer risco específico da respectiva profissão, não obstante se saiba que, como é natural, na grandessíssima maioria dos casos essa relação existe (falando em risco específico, também é certo que a actual LAT, assim como já a Lei 100/97 e o seu falado Regulamento, deixaram de exigir, para a caracterização de um acidente como acidente de trabalho in itinere, o “risco específico”, ou o “risco genérico agravado”, do percurso); ora, se assim são as coisas, como se nos afigura que são, não se vislumbra qualquer razão para, no domínio dos acidentes in itinere, aditar qualquer exigência de relacionação do acidente com a prestação laboral, para além da relação que já decorre da lei e que é inerente ao facto de os acidentes in itenire só respeitarem a determinados percursos, v.g. da residência do trabalhador para o trabalho de trabalho e vice – versa, não sendo nomeadamente relevante, e com o devido respeito por diverso entendimento, que uma tentativa de roubo/agressão, nos termos que decorrem da factualidade provada, não seja de qualificar – o ainda que admitimos (ao menos enquanto se mantiver o nível de criminalidade que vem sendo publicitado pelas autoridades competentes) – como um acontecimento previsível/expectável.
Como escreveu Luís Meneses Leitão, e cuja pertinência se mantém, “A protecção da lei é restringida a certo tipo de riscos. Mas esses não são os derivados da actividade da entidade patronal. São antes os que o próprio trabalhador corre ao colocar no mercado a sua força de trabalho.” – in, “Acidentes de Trabalho e Responsabilidade Civil (A natureza jurídica da reparação de danos emergentes de ac. de trabalho e a distinção entre responsabilidade obrigacional e delitual), Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, Dezembro 1988, pág. 817.
De resto, o entendimento que sufragamos tem, de há muito e à luz de sucessivos regimes legais, sido defendido em diversos arestos dos nossos tribunais superiores.
Por exemplo, com base no que a propósito dispunha a Lei 2127 de 03.8.1965, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 08.02.1995, e valendo-nos da síntese inserta no sumário respectivo, que “constitui acidente de trabalho indemnizável o ataque a um director comercial de um restaurante, onde exercia as suas funções, quando, cerca da 1 hora, tendo terminado o trabalho, se dirigia para o seu automóvel, estacionado a 4/5 metros da porta de entrada principal, por onde tinha saído, foi atacado por dois encapuzados que lhe exigiram as chaves, acabando um deles por disparar dois tiros com armas de fogo que lhe causaram lesões que foram a consequência necessária da sua morte.” – CJ, Acórdãos do STJ, Ano III, 1995, TI, pág. 271 e ss.
Mais recentemente (19-12-2005), e à luz da Lei 100/97 e respectivo Regulamento, veio o Tribunal da Relação do Porto a proferir acórdão em cujo sumário outrossim se consignou “O acidente sofrido por um trabalhador no seu percurso normal de regresso a casa, provocado por um “roubo por esticão” é um acidente “in itinere”, considerado por lei como acidente de trabalho - arts. 6º, n.º 1 al. a) da Lei 100/97, de 13 de Setembro e 6º, n.º 2 do Dec. Lei 143/99, de 30 de Abril.” – in www.gde.mj.pt/jtrp Processo: 0543388.
Reiterando tal entendimento, decidiu o STJ “Ora, como também se afirma no acórdão recorrido, «um assalto por esticão, como sucedeu na hipótese vertente, não é configurável como um acontecimento anormal no local de trabalho, um distúrbio laboral, pois estamos perante um evento ocorrido na via pública, não compaginável com um assalto, uma greve ou uma alteração da ordem pública, no local de trabalho” – Ac. do STJ de 28/03/2007, de que foi Relator o Sr. Conselheiro Pinto Hespanhol, in Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Colectânea de Jurisprudência, Edições, pág. 174.
Em suma, e concluindo, o acidente é de caracterizar como acidente de trabalho.
(..)».
Como se extrai das conclusões, a recorrente argumenta que “se é certo que essa tentativa de roubo/agressão ocorreu no trajecto de casa para o trabalho, não é menos certo que tal crime não constitui um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização desse trajecto”, dado que “até, a localização das instalações da entidade patronal da demandante (isto é, do seu local de trabalho), (é) altamente movimentada”. E, remata, dizendo que “Diferente seria se o trajecto casa/trabalho e trabalho/casa implicasse a passagem por alguma zona problemática, que fosse conhecida por questões de marginalidade, o que não é o caso”.
No essencial, esta posição é exactamente a que foi defendida pela recorrente na contestação, como logo se percebe pela fundamentação do tribunal a quo, quando assinala que «a ré seguradora põe o enfoque no facto de a tentativa de roubo/agressão de que a autora foi alvo ao deslocar-se de casa para o trabalho não constituir “um risco normal ou sequer expectável decorrente da realização desse trajecto”».
Portanto, a recorrente reitera a sua linha de argumentação, agora apenas pretendendo reforça-la sustentando que a situação seria diferente “se o trajecto casa/trabalho e trabalho/casa implicasse a passagem por alguma zona problemática, que fosse conhecida por questões de marginalidade, o que não é o caso”. Para além disso não traz nenhum outro argumento novo à discussão.
Adianta-se já acompanhar-se a fundamentação do Tribunal a quo, visto corresponder à interpretação da lei que temos por correcta, como de resto é entendimento firmado na jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente a expressa nos acórdãos invocados na sentença. Ilustra-o o sumário do Acórdão do STJ de 28 de Março de 2007, aresto citado na sentença, que pela similitude do caso ai tratado com o que nos debruçamos tem aqui inteira aplicabilidade, onde se lê o seguinte:
1.A noção de acidente de trabalho reconduz-se a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho.
2.No domínio da LAT de 1997, para que se qualifique um acidente in itinere como acidente de trabalho basta que ocorra no trajecto normalmente utilizado de ida e regresso para e do local de trabalho e durante o período ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador, mesmo quando esse trajecto tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
3.A circunstância do acidente de trabalho ter resultado de um roubo por esticão perpetrado por terceiro, quando a trabalhadora regressava ao seu domicílio, após ter terminado o trabalho, a pé e pelo trajecto habitualmente utilizado, não exclui o direito à sua reparação.
[proc.º 06S3957, Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt].
Acresce que o único argumento da recorrente, se assim se pode dizer dado limitar-se àquela afirmação conclusiva sem que verdadeiramente coloque uma questão concreta de direito, também não merece acolhimento, sendo até despropositado, pois como se elucida naquele mesmo aresto, diferentemente da lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, na Lei 100/97 – e do mesmo modo na actual Lei n.º 98/2009 de 04/9, aqui aplicável – não se exige que o acidente in itinere seja consequência de particular perigo de percurso normal ou de outras circunstâncias que agravem o risco do mesmo percurso. Para que melhor se perceba, escreve-se no aresto em causa o seguinte:
A anterior Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965, também contemplava expressamente o acidente in itinere, “ocorrido na ida para o local do trabalho ou no regresso deste”, porém, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 da sua Base V, para que tal acidente fosse qualificado como acidente de trabalho impunha-se que tivesse sido utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou que o acidente fosse consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que agravassem o risco do mesmo percurso.
Essas condições foram eliminadas na actual LAT, diploma aplicável no caso e segundo o qual, como já se disse, para que se considere um acidente de trajecto como acidente de trabalho basta que ocorra no trajecto normalmente utilizado e durante o período ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador, mesmo quando esse trajecto sofra interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito».
Neste mesmo sentido, reportando-se também à pretérita Lei 100/97, de 13 de Setembro, mais precisamente ao respectivo regulamento, Júlio Vieira Gomes defende que os “(..) acidentes de trajecto, tal como hoje vêm definidos no artigo 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei 143/99,(..) não são a expressão de um qualquer especial risco conexo com a prestação do trabalhador. (..) não é esse o desiderato da lei: o que se pretende é que o empregador suporte as consequências em sede de perda de capacidade de trabalho ou de ganho de um acidente que o trabalhador sofreu porque tinha de trabalhar e tinha de se deslocar para o seu local de trabalho”[Breves reflexões sobre a noção de acidente de trabalho no novo (mas não muito), regime dos acidentes de trabalho - Acidentes de trabalho e doenças profissionais, Introdução, Centro de Estudos Judiciários, 2013, p. 53 (disponível em www.cej.mj.pt/cej)].
Por conseguinte, como bem decidiu o tribunal a quo, o evento que consistiu no facto da autora, quando se prestava a entrar no Centro Comercial onde exercia a sua actividade laboral ao serviço da entidade empregadora, ter sido agarrada pelas costas por um indivíduo com o propósito de lhe subtrair a carteira, que depois a empurrou provocando a sua queda no solo, em consequência da qual sofreu as lesões descritas nos autos, é qualificável como acidente de trabalho in itinere, nos termos do art.º 9.º n.º 1 al. a) e n.º 2, al. b), da lei 98/2009, de 04 de Setembro, assistindo-lhe o direito à reparação nos termos previstos nessa mesma Lei (art.º 2.º).
Concluindo, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação o seguinte:
i) Em rejeitar o recurso na parte em que impugna a decisão sobre a excepção de caducidade do direito de acção, decidida no despacho saneador.
ii) Em julgar o recurso improcedente quanto ao mais, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 1, do CPC).

Porto, 2 de Março de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
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SUMÁRIO
I - Tendo o Tribunal a quo julgado improcedente, no despacho saneador, a excepção da caducidade do direito de acção, a Ré deveria logo ter impugnado essa decisão em recurso imediato e autónomo.
II - Como assim não procedeu, só vindo agora impugná-la no recurso da sentença final, aquela decisão é insucesptível de recurso e, logo, transitou em julgado, nos termos do art.º 628.ºdo Código de Processo Civil.
III - Na Lei 100/97 - e do mesmo modo na actual Lei n.º 98/2009 de 04/9, aqui aplicável – não se exige que o acidente in itinere seja consequência de particular perigo de percurso normal ou de outras circunstâncias que agravem o risco do mesmo percurso.
IV - O evento que consistiu no facto da autora, quando se prestava a entrar no Centro Comercial onde exercia a sua actividade laboral ao serviço da entidade empregadora, ter sido agarrada pelas costas por um indivíduo com o propósito de lhe subtrair a carteira, que depois a empurrou provocando a sua queda no solo, em consequência da qual sofreu as lesões descritas nos autos, é qualificável como acidente de trabalho in itinere, nos termos do art.º 9.º n.º 1 al. a) e n.º 2, al. b), da lei 98/2009, de 04 de Setembro, assistindo-lhe o direito à reparação nos termos previstos nessa mesma Lei (art.º 2.º).

Jerónimo Freitas