Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
747/13.1TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RECURSO À VIA EXTRAJUDICIAL OU JUDICIAL
Nº do Documento: RP20140506747/13.1TBPVZ.P1
Data do Acordão: 05/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em caso de mora superior a dois meses, o senhorio para a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda, pode fazê-lo extrajudicialmente, através de comunicação ao arrendatário, ou, em alternativa, recorrer à via judicial.
II - Porque assim é, em tais circunstâncias, ao senhorio que instaure acção judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento, deve ser-lhe reconhecido interesse em agir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº 747/13.1TBPVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- B…, residente na Rua …, n.º .., ..º P, Póvoa de Varzim, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra, C…, S.A., com sede na Rua …, …, …, Marco de Canaveses, D…, residente na …, n.º …, ..º Dr. Fr, …, e E…, residente na …, n.º …, ..º Dr. Fr., …, alegando, em breve resumo, que é dono do prédio composto de cave, rés do chão e 1.º andar, sito na Rua …, n.º .., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 663 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º 7211, e que em 20/06/2011, deu o referido prédio de arrendamento à primeira Ré, tendo sido acordado o pagamento de uma renda de 700,00€ mensais, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele que dissesse respeito.
Porém, primeira Ré não cumpriu pontualmente com o pagamento das rendas acordadas, tendo a última renda, referente ao mês de Maio de 2012, sido paga no mês de Setembro desse ano, encontrando-se em dívidas as rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2012 e de Janeiro a Abril de 2013, num total de 7.700,00€.
Por outro lado, os segundos e terceiros RR. assumiram a qualidade de fiadores e principais pagadores no referido contrato de arrendamento.
Termina pedindo que seja declarada a resolução imediata do referido contrato de arrendamento e, consequentemente, seja a primeira Ré condenada a desocupar, de imediato, o arrendado e restituir-lho.
Pede ainda que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 7.831,01€, referente a rendas já vencidas e não pagas, na qual estão incluídos os juros já vencidos, e as rendas vincendas até efectiva entrega do locado. Além disso pede ainda que os RR sejam condenados, a título de sanção pecuniária compulsória, a pagar-lhe 50% sobre o valor da última renda, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhes vierem a ser impostas pela sentença que vier a ser proferida, a partir da data em que a mesma puder ser executada, bem como os RR. condenados no pagamento dos juros legais que se vierem a vencer.
2- Sem contestação dos RR, apesar de citados, seguiu-se sentença, proferida no dia 24/05/2013, na qual se decidiu, em sede de saneamento, que “[o] Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Não existem nulidades que invalidem todo o processado. As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas. Não há nulidades, excepções dilatórias ou peremptórias ou outras questões prévias de que cumpra conhecer ou que obstem à apreciação de mérito da causa”.
Termina essa sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Decretar a resolução do contrato de arrendamento vigente entre o autor, B…, e os réus, “C…, S.A.”, D…, e E…, relativo ao prédio composto de cave, rés do chão e 1.º andar, sito na Rua …, n.º .., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 663 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º 7211, na Póvoa de Varzim;
b) Condenar a referida ré “C…, S.A.” a desocupar o arrendado e restituí-lo ao autor;
c) Condenar todos os referidos réus a pagar ao autor a quantia de € 7.831,01 (sete mil, oitocentos e trinta e um euros e um cêntimo), referente a rendas vencidas e não pagas dos meses de Junho a Dezembro de 2012 e de Janeiro a Abril de 2013, na qual estão incluídos os juros de mora já vencidos até à data da propositura da acção - 20-03-2013 - , e os valores das rendas vincendas até efectiva entrega do locado, bem como nos juros de mora vincendos, calculados à taxa legal de 4%, até efectivo pagamento.
Custas pelos réus, nos termos do artigo 446.º do C.P.Civil (e dado que o pedido julgado improcedente não tem relevo no valor económico da acção).
Registe e notifique”.
3- No dia 28/06/2012, o F…, Advogado com escritório na …, n.º …, 1º, em Vila Nova de Famalicão, juntou aos autos procuração forense a seu favor passada pelo A., na qual este último declara que constitui aquele como seu bastante procurador, concedendo-lhe “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, bem como os especiais para ratificar o processado até à presente data no âmbito da Acção de Despejo (Sumário) que com o número 747/13.1TBPVZ.P1 corre os seus termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Póvoa do Varzim”.
4- Inconformada com a sentença proferida nestes autos, dela recorre a Ré, C…, S.A., terminando as suas alegações recursivas com as seguintes conclusões:
“1) A sentença recorrida é nula porque viola o disposto nos artigos 660º nº 1 e 668º nº 1 al. d) do C.P.C., por omissão de pronúncia quanto a excepções dilatórias.
2) Caso assim não se entenda, haverá sempre erro de julgamento, pois estamos perante uma errada interpretação das normas aplicáveis ao caso concreto.
3) O Recorrido alega na sua petição, como causa de pedir, a existência de um contrato de arrendamento habitacional, cujas rendas não lhe foram pagas, pedindo, por isso, a resolução do contrato, desocupação do locado e condenação (e os seus fiadores, 2º e 3º RR.) ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como juros e sanção pecuniária compulsória.
4) Foi única e exclusivamente pela falta de pagamento de rendas, que o Recorrido justificou ter lançado mão do Processo.
5) Nenhuma outra causa foi alegada pelo Recorrido para justificar a presente acção.
6) O Tribunal considerou que a causa de pedir desta acção foi a falta de pagamento das rendas.
7) Salvo melhor entendimento, o Recorrido teria, imperativamente, que lançar mão da comunicação, nos termos dos artigos 1084º nº2 C. Civil e 9º nº 7 do NRAU.
8) Não utilizando a via extrajudicial, que no caso concreto, é imperativa, há falta de interesse em agir no presente processo, falhando, por isso, um dos pressupostos processuais.
9) A julgar de modo diferente, isto é, ao considerar (ainda que parcialmente) procedentes os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido, a sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma da nulidade prevista no artigo 668º nº 1 alínea d) do C.P.C., por não se ter pronunciado acerca desta excepção dilatória inominada e de conhecimento oficioso, que teria determinado a absolvição dos Réus da instância, nos termos dos artigos 288º, 493º, 494º e 495º do C.P.C.
10) Dispõe o artigo 1080º do referido diploma que “As normas sobre a resolução, caducidade, e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.”
11) No caso concreto, para operar a resolução por parte do senhorio por falta de pagamento de rendas, nos termos do artigo 1083º nº 3 do C. Civil, o senhorio deve seguir o disposto no artigo 1084º nº 2 do Código Civil, normas imperativas, por força do artigo 1080º do Código Civil.
12) Concluindo, a resolução do contrato de arrendamento com base no artigo 1084º nº 2 do C.C. faz-se hoje imperativamente por comunicação à contraparte.
13) Não restam dúvidas da falta de interesse em agir, excepção dilatória inominada, que deveria ter sido conhecida oficiosamente pelo Tribunal, nos termos dos artigos 288º, nº 1 alínea e) e 495º do C.P.C.
14) Quanto ao interesse em agir, ensina a Escola de Coimbra que o interesse em agir é um pressuposto processual referente às partes, cuja falta consubstancia uma excepção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso (vide Antunes Varela in “Manual de Processo Civil – 2ª Edição – Coimbra Editora – pág. 179 e seg; Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil – Coimbra Editora – 1979, pág. 79 e seg; Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório – Vol. II, Almedina – Coimbra – paginas 251 a 255).
15) Deste modo, uma vez que Recorrido veio a Juízo para obter a resolução do contrato de arrendamento que celebrou com ora Recorrente, apenas com o fundamento na falta do pagamento das respectivas rendas, não tem interesse em agir, pois não necessita do Tribunal para fazer valer o seu direito.
16) Neste sentido foi o Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 30-04-2009 (consultado em www.dgsi.pt) e pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 15-04-2008 (consultado em www.dgsi.pt).
17) Pelo exposto, caso assim não se entenda, o Tribunal a quo interpretou então erradamente os artigos 1080º, 1083 nº 3 e 1084º nºs 2 do Código Civil e 9º, 14º e 15º do NRAU.
18) Além da falta de pronúncia relativamente à já referida excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir, também o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à falta de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a acção.
19) No caso em apreço, foi proferida sentença condenatória de que se recorre, sem que o Autor tivesse juntado procuração por parte do mandatário que propôs a acção.
20) Estamos, assim, perante a excepção dilatória prevista no artigo 494º alínea h) do C.P.C., excepção essa que deveria ter sido conhecida oficiosamente pelo Tribunal a quo e que levaria a tomada de decisão oposta, no sentido de que tal excepção obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, tudo nos termos dos artigos 288º, nº 1 e), 493º, 494º alínea h) e 495º, todos do C.P.C.
21) A não pronúncia sobre questões que devesse apreciar constitui causa de nulidade da sentença, nulidade que aqui se invoca, pela leitura conjugada dos artigos 660º nº 1 e 668º nº 2 alínea d) do C.P.C.
22) Em consequência de tudo o que se expôs, deveria ser o Autor a responder pelas custas, nos termos do artigo 449º do C.P.C.
23) Por tudo exposto, e salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo considerou erradamente que não existem nulidades, contudo existem excepções dilatórias a conhecer oficiosamente, pelo que a decisão é nula nos termos dos artigos 660 nº 1 e 668 nº 1 alínea d), primeira parte do C.P.C.”
Pede, por estas razões, a procedência deste recurso e a absolvição dos RR. da presente instância.
5- O A. respondeu em apoio do julgado.
6- Realizado o julgamento, importa decidir:
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II- Do mérito do recurso
1- O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, é constituído pela questão de saber se a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado expressamente sobre a alegada falta de interesse em agir do A. e ainda sobre a pretensa falta de mandato forense do seu indigitado patrono.
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2- Posto que não foi impugnada, nem deve haver lugar a qualquer alteração, nos termos do artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil actual[1], remete-se, quanto à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância.
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3- A questão enunciada, como vimos, redunda em duas sub-questões, tantas são as causas de nulidade imputadas à sentença recorrida.
No que à primeira diz respeito, ou seja, a alegada falta de interesse em agir, a Apelante fá-la derivar da utilização da presente acção pelo A. sem que para isso tivesse necessidade. Isto porque, a seu ver, a resolução do contrato de arrendamento mantido entre ambos deveria ter sido concretizada por via extrajudicial e não através deste processo.
Na verdade, a sentença recorrida não assumiu posição expressa sobre essa matéria. Considerou tabelarmente a instância regular, mas não se pronunciou expressamente sobre essa temática, até porque a mesma não tinha sido suscitada pelos RR., que, aliás, não contestaram esta acção. Ainda assim, o Tribunal recorrido, perante a nulidade da sentença recorrida, arguida pela Apelante, não deixou de assumir posição contrária à desta última. E, a nosso ver, adiantamo-lo desde já, bem.
Do que se trata de saber, no fundo, é se, podendo a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda, em caso de mora superior a dois meses, ser feita extrajudicialmente, através da comunicação ao arrendatário pela forma prevista no artigo 9º, nº 7, do NRAU[2], é, ainda assim, lícito ao senhorio recorrer à via judicial, instaurando a acção de despejo prevista no artigo 14º, nº 1 do mesmo diploma legal.
A esmagadora maioria da doutrina e jurisprudência tem respondido afirmativamente a esta questão[3][4]. E esse é também o nosso ponto de vista.
Com efeito, resulta inequivocamente do disposto no artigo 20.º n.º1 da CRP, que qualquer cidadão tem o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos. O que significa que ninguém pode ser privado desse direito, pelo menos como último recurso[5].
Ora, deve ser justamente tendo como pano de fundo esta garantia constitucional que deve ser interpretado o regime jurídico do arrendamento urbano, no que à questão em apreço diz respeito.
O contrato de arrendamento urbano, di-lo o artigo 1079.º do Código Civil, cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei. Em qualquer caso, as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento são, salvo disposição legal em contrário, imperativas. É o que decorre do disposto no artigo 1080.º do Código Civil. Com base neste preceito, houve quem entendesse, a partir da alteração da redacção do artigo 1084.º n.º 2 do Código Civil, que a imperatividade da lei se estendia também ao modo de operar a resolução aí previsto, considerando que o mesmo era exclusivo.
Cedo, porém, se percebeu que assim não podia ser. Além da garantia constitucional que começámos por enunciar, há outras razões para considerar que diversa foi a intenção do legislador.
Comecemos por recordar o que se refere no Ponto 1 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano nº 34/X. Nele se menciona o seguinte: “O regime jurídico manterá a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. E continua o ponto 2, sob a epígrafe de “agilização processual”: “nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a 3 meses, ou devido a oposição do arrendatário à realização de obra … se o senhorio proceder à notificação judicial avulsa do arrendatário e este mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial”.
É, pois, inequívoco que esta alteração legislativa visou acrescentar aos mecanismos de resolução do contrato já existentes uma nova via da formação de título executivo extrajudicial, possibilitando ao senhorio o recurso imediato à acção executiva. Acrescentar - dizemos nós -, porque além de ser essa, como vimos, a motivação expressa pelo legislador, é essa também a conclusão que se retira da comparação de ambos as formas de resolução (judicial e extrajudicial), que não são equiparáveis.
Efectivamente, se recorrer à via judicial, ou seja, à acção de despejo, o senhorio: a) não tem de aguardar que se completem dois meses de mora, como sucede com a resolução por comunicação extrajudicial; b) não tem de aguardar mais um mês pela eventual purgação da mora pelo arrendatário (artigo 1084º, nº 3 do Código Civil) e para exigir a desocupação do prédio (artigo 1087º); c) pode ultrapassar eventuais dificuldades na concretização da notificação judicial avulsa ou comunicação por contacto pessoal com o arrendatário; d) afasta a suspensão dos termos da acção executiva pela via prevista no artigo 863.º, nº2 do Código de Processo Civil; e) permite que o arrendatário formule pedido reconvencional para ser indemnizado pela eventual realização de benfeitorias, sendo desnecessário o recurso, para esse fim, a uma acção judicial autónoma, ou que tal questão seja discutida em sede de oposição à execução; f) torna mais rápida a purgação da mora, já que na acção judicial só pode ser feita até ao termo do prazo para a contestação, esgotando-se, com o seu exercício, essa faculdade, que só pode ser usada uma única vez (artigo 1048º, nºs 1 e 2 do Código Civil);e, g) fica com acesso ao incidente do despejo imediato previsto no artigo 14º, nºs 4 e 5 do NRAU[6].
Bem se vê, assim, cremos nós, quão diversas são as características de cada uma das vias de resolução contratual (a resolução judicial e a extrajudicial).
Sob pena, pois, de se coarctar ilegitimamente o direito de acção que começámos por enunciar, tais vias apenas podem ser consideradas como alternativas e não como excludentes uma da outra; melhor dito, a possibilidade de resolução extrajudicial nunca pode ser encarada como susceptível de eliminar o direito à resolução judicialmente exercido.
Acresce que, verificando-se o depósito das rendas por parte do arrendatário, a lei (n.º 2 do artigo 21º do NRAU), obriga o senhorio que pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de rendas, a cumular a impugnação daquele depósito na acção de despejo. Mas só, note-se, “quando o senhorio pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda”, o que pressupõe que o senhorio pode optar pela resolução extrajudicial, caso em que se seguirá procedimento diverso. Ora, não vemos qualquer razão justificativa para a lei conceder esta alternativa neste âmbito e exclui-la nas restantes hipóteses. Antes cremos que, “tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas”, assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (artigo 9.º do Código Civil) [7].
Ora, sendo assim, como é, bem evidente fica o interesse processual do A. em agir, no caso presente. Tratando-se de um caso de resolução contratual com fundamento na falta de pagamento de rendas relativas a um locado urbano, assistia-lhe o direito - constitucionalmente garantido, de resto -, de obter essa resolução por recurso a juízo.
A necessidade desse recurso “não tem que ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial. O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção – mas não mais que isso”[8].
Ora, como vimos, é isso que sucede no caso presente, em que a pretensão do A., face à lei, se mostra perfeitamente justificada. Daí que o mesmo tenha o necessário interesse em agir e não se verifique, por isso, qualquer nulidade na sentença recorrida, a este respeito, uma vez que não tinha de conter pronuncia sobre uma excepção cujos pressupostos não se verificam.
Passemos à questão do mandato.
Nesta parte, a Apelante tem razão quando afirma que foi proferida sentença, sem que o A. tivesse junto aos autos procuração forense a favor do mandatário judicial que propôs a acção. Simplesmente, dias depois, mais exactamente, no dia 28/06/2012, o referido mandatário juntou aos autos essa procuração, na qual o A. declara, não só que constitui aquele mandatário como seu procurador, concedendo-lhe “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”, como ainda os especiais para ratificar todo o processado praticado até essa data, no âmbito desta acção.
Ora esta junção por parte do aludido mandatário contém inequivocamente a vontade tácita de realizar a referida ratificação (artigo 217º n.ºs 1 e 2 do Código Civil). Com efeito, sendo a ratificação uma declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o acto jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação[9] (artigo 268º do Código Civil) a junção da procuração em tais termos sana a falta de mandato e valida o processado que entretanto se desenvolveu. Daí que, nesta parte, também não haja qualquer obstáculo à confirmação da sentença recorrida.
Esta é de manter, pois, assim improcedendo na íntegra este recurso.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
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Porque decaiu na totalidade, as custas deste recurso serão pagas pela Apelante – artigo 527ºnºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Porto, 06/05/2014
João Diogo Rodrigues
Rui Moreira
Henrique Araújo.
_______________
[1] Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[2] Abreviatura por que designaremos o Novo Regime do Arrendamento Urbano, constante da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, objecto da Declaração de Rectificação n.º 24/2006, de 17 de Abril, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que, por sua vez, foi também objecto da Declaração de Rectificação n.º 59-A/2012 de 12 de Outubro.
[3] Cfr. neste sentido, Ac STJ de 06/05/2010, Proc. 438/08.5YXLSB.LS.S1, Ac. RP de 25/10/2012, Proc. 1867/11.2TBMTS.P1, Ac RP de 14/03/2013, 799/09.9TJPRT.P2, Ac RP de 17/10/2013, Proc. 2541/11.5TBOAZ.P1, Ac RLx de 13/09/2012, 459/11.0T2MFR.L1-6, Ac RG de 31/05/2012, 6856/11.4TBBRG.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt; e, na doutrina, Fernando Gravato Morais, em anotação ao Ac.RLx de 23/10/2007, Cadernos de Direito Privado, n.º 22, pág. 65, e em, Novo regime do Arrendamento Comercial, 2.ª edição, pág. 219, Paulo Soares do Nascimento, em, O Incumprimento da obrigação de pagamento de renda …, Estudos de Homenagem ao Prof. I. Galvão Teles, 2007, pág. 1016, Soares Machado e Regina Santos Pereira, em, Arrendamento Urbano, 2.ª edição revista e aumentada, pág. 132, França Pitão, em, Novo Regime do Arrendamento Urbano, 2.ª edição, actualizada, pág. 612.
[4] Cfr. em sentido contrário, Ac. RC de 15/04/2008, Proc. 937/07.6TBGRD.C1 e TRG de 30/04/2009, Proc. 5967/08.8TBBRG.G1, consultáveis em www.dgsi.pt e, na doutrina, Pinto Furtado, Manual do Arrendamento urbano, 4.ª edição actualizada, Vol.II, pág. 1027.
[5] Cfr. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol I, 4ª edição revista, págs. 408 e 408.
[6] Enumeração descrita no Ac RP de 17/10/2013, já citado, que aqui temos seguido de perto.
[7] Ac. RP de 14/03/2013, 799/09.9TJPRT.P2, já citado.
[8] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 180.
[9] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª Edição, pág. 453 e 454.