Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
481/11.7TXPRT-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Nº do Documento: RP20141105481/11.7TXPRT-G.P1
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Deve ser negada a concessão da liberdade condicional no meio da pena, por a tal obstarem as exigências de prevenção especial, se apesar de beneficiar de enquadramento familiar e ter um projecto de trabalho, o apoio familiar não impediu a pratica do crime de trafico de estupefaciente se o condenado desculpa a sua conduta com o bairro onde morava e o vê como forma rápida de obter receitas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 481/11.7TXPRT-G.P1
_________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo de liberdade condicional n.º 481/11.7TXPRT-G do 1ºJuízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto referente a B… foi proferida decisão que não lhe concedeu o regime de liberdade condicional, nos seguintes termos: [fls.135-139]transcrição:
(…)
I Corre o presente processo de liberdade condicional referente à condenada B…, identificada nos autos.
Foram elaborados os pertinentes relatórios.
Reuniu-se o Conselho Técnico, que emitiu parecer desfavorável (por maioria ponderada, com os votos desfavoráveis da responsável da equipa dos serviços de reinserção social e da direcção do estabelecimento prisional) à concessão da liberdade condicional, e procedeu-se à audição da reclusa, que consentiu na aplicação de tal regime.
O Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional.
Cumpre decidir, nada obstando.
II. Com interesse para a decisão a proferir, consigna-se a seguinte factualidade, resultante do exame e análise crítica do teor da(s) certidão(ões) proveniente(s) dos s) processo(s) da condenação, do CRC da condenada, dos relatórios elaborados em cumprimento do preceituado no artigo 173.°, n.º 1, alíneas a) e b), do CEP, da ficha prisional remetida pelo estabelecimento prisional, da reunião do Conselho Técnico e da audição da reclusa, tudo elementos documentados nos autos:
A condenada nasceu em 11.08.1966 e cumpre a pena única de 5 anos e 10 dez meses de prisão, à ordem do processo n.º 112/02.6SFPRT, da 2.ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do qual foi condenada pela autoria de um crime de tráfico estupefacientes (pena parcelar de 5 anos e 9 meses de prisão) e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa (pena parcelar de 3 meses de prisão), cometidos entre Agosto de 2003 e 20.01.2005 (ao longo desse período, com co-arguido, seu filho, dedicou-se à venda de heroína, cocaína e haxixe; em busca efectuada em 16.09.2003 a apartamento que usava, para além do mais, foram encontradas 75 embalagens de cocaína, peso líquido de 6,722 gr., 129 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 7,361 gr.,240 embalagens de heroína com o peso líquido de 26,138gr; 1 embalagem de cocaína, com o peso líquido de 26,138 gr; 1 embalagem de cocaína, com o peso líquido de 9,058gr; 2 embalagens de heroína com o peso líquido de 25,107 gr; uma pistola de alarme de marca FT, adaptada para uso de munição com calibre 6,35mm; depois dessa operação policial continuou, com o mesmo co-arguido a dedicar-se à actividade de tráfico de estupefaciente e, em 20.01.2005, no decurso de nova busca efectuada no novo do domicílio, a condenada lançou para o exterior dois sacos, contendo 22 embalagens de heroína, com o peso líquido de 4,370 gr., e heroína, com o peso líquido de 51,430 gr.).
Atingiu a metade da pena em 15.02.2014, atingirá os dois terços da mesma em 04.02.2015, estando o seu termo previsto para 15.01.2017.
Encontra-se detida pela primeira vez em cumprimento de pena de prisão efectiva.
Sofreu uma outra condenação, proferida em 16.05.2008, relativa à prática, em 13.06.2007, de um crime de tráfico de menor gravidade de estupefacientes, pelo qual lhe foi imposta a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, extinta em 26.0 1.20 12 sem ocorrência de revogação.
A condenada refere a forma rápida de obter receitas para fazer face às dificuldades económicas do agregado, desculpabilizando-se com o facto de ter filhos e invocando o meio social em que se encontrava, assumindo tratar-se de uma decisão pessoal; avalia as consequências do crime para terceiros (análises técnicas de fls. 70 e 80). Ouvida, declarou que: o bairro onde morava levou-a ao tráfico, apesar de ninguém a ter obrigado a isso; foi uma aventura, tendo andado três meses nisso; se encontra muito arrependida dos factos ilícitos por si praticados, pois depois de depois viu as pessoas a ressacar cá dentro; nunca foi consumidora de drogas.
Denota afastamento do consumo de estupefacientes, sendo seguida nos serviços clínicos do estabelecimento prisional, com adesão a consultas de Psicologia, aceitando a imposição de continuidade de tratamento no âmbito da toxicodependência.
Ao longo da detenção foi alvo da aplicação de duas medidas disciplinares, uma das quais em 23.08.2012, ambas traduzidas em repreensão escrita.
Beneficiou, com êxito, de uma licença de saída jurisdicional, a qual de ocorreu entre os dias 23 e 27 de Dezembro último; foi colocada em RAI em 23·1.2014, regime que tem vindo a decorrer em condições de normalidade.
No decurso da execução da pena tem investido na formação escolar, frequentando o 1.º ciclo do ensino; paralelamente, trabalha na faxina geral, no período da tarde.
Se colocada em liberdade condicional, regime no qual consente, projecta ir residir com a sua irmã e o companheiro desta, dispondo do apoio destes seus familiares; do agregado fazem também parte dois sobrinhos; o seu filho, com quem residia antes de presa, permanece em situação de reclusão, tal como o seu companheiro com quem se reconciliou.
Projecta retomar a sua actividade de feirante conjuntamente com familiares.
No meio social de inserção, situado em zona próxima de bairros sociais camarários conotados com algumas problemáticas sociais e criminais, não são identificados sentimentos de rejeição à sua presença.
III. Apreciando.
. Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (aquisição temporal e consentimento da condenada, este último imposto pelo artigo 61.°, n.º 1, do Código Penal), cumpre avaliar o preenchimento dos respectivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.
Em primeira linha, cumpre considerar que o crime de tráfico de estupefacientes em presença se reveste de acentuada gravidade, aferida, desde logo, pela síntese fáctica acima constante, resultando fortes as (notórias) exigências de prevenção ao nível geral que operam no caso em análise, atento o eleva o número de vezes que tal tipo de crime é cometido entre nós, assim como a correlativa e consabida danosidade social.
Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática desse crime (v., a propósito do requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 61.°, do Código Penal, as Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62), o que se mostra incompatível com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena de prisão, antes demandando acrescido período de prisão efectiva.
Tal como se entendeu no acórdão de 14.07.2010, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do Recurso n.º 2318/10.STXPRT-C.Pl, processo n.º 2318/10.STXPRT-C, do 1.º Juízo deste T.E.P. do Porto, cumpre "que se tenha em consideração que, como se salienta no Ac. R. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. n° 3394106.TXLSB-3, em www.dgsi.pt. "em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico, sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (inc1uindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como o principal regulador da paz social" (v., também, em www.dgsi.pt).
No acórdão do mesmo tribunal superior proferido em 16.05.2012 (Recurso n.º 2412/l 0.2TXPRT-H.P 1), considerou-se que as exigências de prevenção geral "não ficam satisfeitas pela circunstância de não se verificar rejeição social no meio em que a mesma [condenada] se insere, já que o que está em causa é “a suportabilidade comunitária do risco da libertação, entendendo-se aqui a comunidade jurídica e não apenas o meio social restrito em que a arguida se encontra inserida". Na decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 03.07.2012 (Recurso n.º 1350/l1.6TXPRT-D.P1), entendeu-se que o preenchimento do requisito da alínea b) do artigo 61.°, n.º 2, do Código Penal, "não pode satisfazer-se com a mera diluição dos aspectos negativos da sua [do condenado] imagem e com a ausência de sinais de rejeição ao seu regresso no meio comunitário restrito a que pertence e a parte de cujos membros certamente terá laços senão familiares, pelo menos afectivos". E no acórdão, também proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, com data de 13 03.2013 (Recurso n.º 1574/10.3TXPRT-J.P1), quanto ao conceito de comunidade jurídica, considerou-se que "o que releva ao nível da prevenção geral é a sociedade ou comunidade em geral e não unicamente o meio familiar e so1ial em que a condenada se insere".
Noutra vertente, concretamente no que se prende com as circunstâncias do caso sub judice (artigo 61.°, n.º 2, alínea a), do Código Penal), cumpre considerar que o desvalor objectivo dos factos subjacentes ao crime aparece como muito acentuado, manifestado, nomeadamente, no seu prolongamento e repetição no tempo (foi cometido entre Agosto de 2003 e 20.01.2005, tendo sido cometido mesmo após uma primeira intervenção policial), o que revela um muito firme e renovado propósito de tráfico, nas quantidades de estupefacientes envolvidas, bem como na natureza destes (drogas de elevado poder destrutivo, o que faz ressaltar indiferença da condenada pelo bem jurídico protegido).
Por outro lado, a reclusa foi alvo de uma outra condenação, também relativa à prática de um crime de tráfico de estupefacientes, actividade que manteve em 2007. Deste modo, visto todo o descrito quadro, afiguram-se muito acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, as quais demandam acrescido período de prisão efectiva, por forma a ser possibilitada, por parte da condenada, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos da condenação.
Em ordem a esta conclusão concorre a circunstância de a condenada referir a forma rápida de obter receitas para fazer face às dificuldades económicas do agregado, desculpabilizando-se com o facto de ter filhos, invocando o meio social em que se encontrava e minimizando a sua actividade ilícita, reduzindo-a (em claro desvio à realidade judicialmente comprovada) a um período de três meses, realidades que impedem o exercício de autocrítica satisfatória, por deficiente interiorização da culpa.
Todas as circunstâncias desaconselham a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena, não obstante o bom trajecto prisional evidenciado pela reclusa (que não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares de relevo, já beneficiou, com êxito, de licença de saída, foi colocada em RAI e tem procurado valorizar-se pessoalmente, pelo estudo e através do trabalho) e as condições objectivas favoráveis (familiares, habitacionais e, aparentemente, laborais) existentes em meio livre - meio esse que, contudo, está situado em zona próxima de bairros sociais camarários conotados com algumas problemáticas sociais e criminais.
IV. Por todo o exposto, no confronto de todas as realidades descritas e analisadas, entendo não resultarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 61.°, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, razão pela qual decido não colocar a condenada B…, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional.
Notifique e comunique, aguardando os autos renovação da instância para 04·102.2015 (n.º 3 do citado artigo 61.°), devendo, três meses antes da data em referência, ser solicitado o cumprimento do disposto no artigo 173.°, n.º 1, alíneas a) e b), do CEP, fixando-se, desde já, o prazo de um mês para a elaboração dos respectivos relatórios
(…)
*
Inconformada a condenada interpôs recurso, no qual e em síntese coloca as seguintes questões:
(…)
.Que o despacho recorrido incorre em erro notório na apreciação artº 410º nº2 do CPP, “na parte em que presentemente não consome”
.Que a recorrente reúne todos os pressupostos formais, previstos no artº 61º para lhe ser concedida a liberdade condicional.
(…)
A Magistrada do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
O ExmºSrº Juiz manteve a decisão recorrida.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, anotando que não se verifica o vício do erro notório na apreciação, desde logo porque ao despacho que denega ou concede a liberdade condicional não se aplicam os vícios da sentença previstos no artº 410º nº2 do CPP.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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Constam dos autos os seguintes elementos:
A nota Biográfica do EP [fls.68] dá conta:
De uma repreensão escrita por incumprimento normativo nomeadamente a cedência de cartão de aquisição de café.
No relatório de Liberdade condicional elaborado pelos técnicos do estabelecimento prisional [fls.69-72]: é proferida avaliação e parecer nos seguintes termos (transcrição):
Trata-se de uma reclusa com boa adaptação ao sistema prisional, consciente da ilicitude da sua conduta não obstante a sua prática continuada. Dispõe do apoio de familiares, onde se perspectiva que permaneça durante o gozo de LSL para da 23 próximo. Verbaliza arrependimento e vontade de em meio livre adoptar um estilo de vida normativo, cuja consistência de tal pretensão é difícil de avalia. Atendendo que não decorreu ainda a saída exterior, remeto parecer para data do conselho técnico.
O Relatório de liberdade condicional elaborado pelos técnicos do Instituto de Reinserção social [124 -128] conclui: (transcrição)
“B… cumpre pena de prisão pela segunda vez, pelo crime de tráfico de estupefacientes que atribui às dificuldades económicas com que se deparava.
Tem assegurado um adequado enquadramento familiar, social e laboral, factores importantes ao seu processo ressocializador.
A mudança do seu comportamento dependerá essencialmente da efectiva interiorização dos efeitos da pena e da censurabilidade da sua conduta, de forma a prosseguir um projecto de vida conformado aos valores jurídicos em vigor, que carece ser consolidado.”
Ouvida a sós o reclusa prestou o consentimento para a liberdade condicional. [fls.130], tendo expressado ainda que:
“O bairro onde morava levou-a ao tráfico, apesar de ninguém a ter levado a isso;
Nunca foi consumidora de drogas:
Pretende ir residir com a irmã, o cunhado e os sobrinhos a trabalhar nas feiras com os seus familiares;”
Reunido o Conselho Técnico deu Parecer desfavorável à Concessão da Liberdade Condicional.
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
.Saber se a decisão recorrida enferma do vício do erro notório na livre apreciação da prova;
.Saber se se verificam os pressupostos para a concessão da liberdade condicional à recorrente no meio da pena;
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A recorrente alega que a decisão recorrida incorreu no vício de erro notório na apreciação, na parte em que refere que a recorrente “presentemente não consome”.
Efectivamente, escreveu-se a fls. 136, “Denota afastamento do consumo de estupefacientes, sendo seguida nos serviços clínicos do estabelecimento prisional, com adesão a consultas de Psicologia, aceitando a imposição de continuidade de tratamento no âmbito da toxicodependência”.
Como alega a recorrente, tal afirmação não tem qualquer suporte nos elementos constantes dos autos, o que aliás é reconhecido no despacho de sustentação de fls 49, que assume que tal menção nada tem a ver com a situação da recorrente, antes tendo-se ficado a dever a lapso informático.
De todo o modo tal “lapso” não integra o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artº 410º nº2 al.c) do CPP, já que como bem refere o Srº Procurador Geral Adjunto os vícios do artº 410º nº2 do CPP, são vícios relativos à sentença e reportam-se à matéria de facto provada. Como se escreveu no ac. do STJ de 20/6/2002, (..) “os vícios do artº 410º , citado, embora possam em certos casos estender o seu regime aos simples despachos, são claramente vício da sentença final , sobretudo, são vícios da matéria de facto.”[1]
A decisão que nega a liberdade condicional estando embora sujeita à obrigação de fundamentação decorrente do disposto no artº 146º nº1 do CEPMPL e do artº 97º nº5 do CPP, não tem o cariz de uma sentença, no sentido de que atento o regime da liberdade condicional previsto no artº 61º do CP, mercê da imposição de reapreciação imposta no nº3 do mesmo preceito, e da renovação da instância prevista no artº 180º do CEP, não conhece a final do objecto do processo nos termos do artº 97 nº1 al.a) do CPP.
Ademais, os vícios do artº 410º nº2 do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Como tal e sem necessidade de mais considerações improcede a alegação do vício do artº 410º nº2 al.c) do CPP.
Dispõe o artº artigo 61.º, n.º2 do CP:
O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
Prevê-se aqui uma concessão de liberdade condicional facultativa. [2] Subjacente a este comando normativo está a ideia de que a liberdade condicional se traduz numa modificação da pena de prisão ditada pelas próprias finalidades da punição [artigo 40.º e voto de vencido da Cons. Maria Fernanda Palma, no acórdão n.º 184/2007 do Tribunal Constitucional] e, como tal, fixada na protecção dos bens jurídicos e na reintegração do agente. Após um período de acompanhamento, observação e estudo do condenado [mínimo de 6 meses], técnicos de várias valências são chamados a realizar uma avaliação sobre a qual se erguerá um juízo de prognose alusivo ao seu comportamento futuro em liberdade. A este propósito escreve-se no Preâmbulo do Código Penal refere: “ – (…) a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
A recorrente atingiu o meio da pena em 15/2/214 e atingirá os dois terços em 4/2/2015. Estando em causa o meio da pena, a liberdade condicional está dependente de um juízo de prognose que dê garantias mínimas de que o condenado assumirá, em liberdade, uma postura responsável, sem cometer crimes, e por outro que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social. Ou seja estão em causa razões de prevenção especial mas também de prevenção geral.
No caso em análise, a recorrente atingiu metade da pena de 5 anos e 10 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21ºnº1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
A decisão recorrida, fundamentou a negação da liberdade condicional em razões de prevenção geral, face ao desvalor objectivo do crime praticado de tráfico de estupefacientes, atento “o elevado número de vezes que tal crime é cometido entre nós, assim como a correlativa e consabida danosidade social que o mesmo acarreta”, e também considerou muito acentuadas as necessidades de prevenção especial, atento o desvalor objectivo dos factos subjacentes ao crime praticado, “manifestado, nomeadamente no seu prolongamento e repetição no tempo (foi cometido entre Agosto de 2003 e 20/01.2005, tendo sido mantido mesmo após uma primeira intervenção policial) o que revela um muito firme e renovado propósito de tráfico, nas quantidades de estupefacientes envolvidas, bem como na natureza destes (drogas de elevado poder destrutivo, o que faz ressaltar indiferença da condenada pelo bem jurídico protegido”, salientando ainda que a reclusa sofreu já outra condenação por um crime de tráfico de estupefacientes, por factos cometidos em 2007.
A recorrente alega ser esta a 1ª reclusão, manter um bom comportamento prisional, ter investido na formação e exercer actividade, sendo a sua evolução durante o tempo de reclusão um prognóstico muito positivo.
Não obstante os indicadores positivos evidenciados nos relatórios da DGRS e dos técnicos do Estabelecimento prisional, com referências positivas em aspectos relativos à aquisição de competências, ao nível da formação escolar, e a nível exterior, designadamente de inserção familiar, há no entanto que ressaltar que conforme resulta do relatório da DGRS revela “ambivalência crítica face à vítima nos seguintes aspectos- refere a forma rápida de obter receitas para fazer face ás dificuldades económicas do agregado, desculpabiliza-se com o facto de ter filhos e evoca o meio social em que se encontra.” o que dá consistência à conclusão da decisão recorrida de face à gravidade dos factos cometidos de que «afiguram-se muito acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, as quais demandam acrescido período de prisão efectiva, por forma a ser possibilitada por parte da condenada, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos da condenação.»
Acresce que o facto de a condenada beneficiar de enquadramento familiar, e ter um projecto familiar de trabalhar nas feiras, não dirime as razões de prevenção especial, já que o enquadramento familiar não foi impeditivo da prática do crime, e a arguida desculpa a sua conduta com “o bairro onde morava” e refere a forma rápida de obter receitas.
Tudo isto aponta para que face às razões de prevenção especial não se considere ainda sedimentada a formação de um juízo de prognose de que a recorrente, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida pautando-a de acordo ao direito sem cometer crimes ou nas palavras do Prof. Figueiredo Dias “ para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado” [3].
Assim e para além de não se encontrarem verificados os pressupostos a que se refere a alínea a) do nº2 do artº 61 do C Penal, também no que respeita à compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social, artº 61º nº2 al.b) ressaltam no caso fortes exigências de prevenção geral, relativas à necessidade de validação da norma violada e reafirmação dos sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições, face à natureza e circunstâncias do crime praticado –venda de heroína e cocaína e haxixe entre Agosto de 2003 e 20/1/2005 -, que impõem também que nesta fase a concessão da liberdade condicional não se mostre compatível com tais exigências.
Última nota:
Não obstante a referência feita no relatório ao afastamento de consumos por parte da arguida, a verdade é que como também se referiu no despacho de fls 49, tal facto não foi valorado como factor aquando da apreciação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional
Assim pelo exposto, não é possível afirmar que a condenada, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes – artigo 61.º, n.º 2, línea a) do Código Penal, pelo que as exigências de prevenção especial e também as fortes exigências de prevenção geral, artº 61nº2 al.b), impõem que se negue a liberdade condicional, tal como o fez o despacho recorrido.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo d recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 [três] UC.
Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 05/11/2014
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
___________
[1] Acedido in DGSI.pt (relator Pereira Madeira).
[2] Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo 1999 pág. 217.
[3] Cf. Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Requintas, Editorial Notícias, 1993, pág. 539