Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19/14.4T2ALB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ACÓRDÃO ARBITRAL
RECURSO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
BENFEITORIAS
Nº do Documento: RP2019062719/14.4T2ALB.P1
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 179, FLS 39-49)
Área Temática: .
Sumário: I - Ao acórdão arbitral devem ser aplicadas, em matéria de recursos, as mesmas disposições contidas no código de processo civil, sendo o seu objecto definido pelas alegações do recorrente e pelo que no mesmo acórdão ficou decidido.
II - O mesmo acórdão arbitral transita em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente, envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros.
III - A avaliação de um terreno como apto para construção não exclui necessariamente o ressarcimento das benfeitorias existentes, podendo, todavia, não ser de atribuir qualquer indemnização no caso concreto, por a mesma vir a corresponder a um enriquecimento ilegítimo do expropriado.
IV - Critério decisivo para solucionar, caso a caso, a questão de saber se deve ou não atribuir-se indemnização por qualquer benfeitoria existente na parcela expropriada (avaliada como terreno apto para construção) é o da determinação da necessidade ou inevitabilidade da inutilização/destruição da mesma benfeitoria, no caso de a parcela ser aproveitada para construção.
V - Deve ser qualificada como benfeitoria voluptuária e por isso não indemnizável, uma piscina em fibra, pré-fabricada, a qual na sequência dos trabalhos de expropriação tinha condições para poder ser removida e reinstalada na parte sobrante da parcela expropriada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº19/14.4T2ALB.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha
Relator: Carlos Portela (944)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
Por despacho do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, de 26 de Junho de 2009, publicado no DR n.º 128, II Série, de 6 de Julho de 2009, foi declarada a utilidade pública da expropriação, para execução da obra de “Beneficiação da EN 1, entre o IP 5 e Albergaria-a-Nova”, foi autorizada a tomada de posse administrativa a favor de “EP – Estradas de Portugal, SA” da parcela de terreno nº .., com a área de 63 m2 (a confrontar do Norte com Ramo da EN 1, do Sul com Lote ., do Nascente com parte sobrante e do Poente com EN 1), a destacar do prédio urbano sito na freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha, inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o art.º 1421, a confrontar do Norte com caminho, do Sul com Lote ., do Poente com Estrada Nacional 1 e do Nascente com Estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o nº …/19881214.
Foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam a que alude o art.º 21º, C. Expropriações, nos termos constantes de fls.39 a 46.
Procedeu-se à arbitragem a que alude o art.º 38º, C. Expropriações, a qual atribuiu à parcela expropriada o valor de € 3.207,33 e o valor do encargo autónomo ao inquilino comercial B…, Lda. de € 4.440 – fls.11 a 18.
A propriedade da parcela de terreno em causa foi adjudicada à entidade expropriante “EP – Estradas de Portugal, SA”, por despacho de 21 de Janeiro de 2014 (art.º 51º, 5, C. Expropriações) – fls.69-70.
A fls.87 e seguintes a entidade expropriante veio interpor recurso, pugnando pela fixação da indemnização a pagar pela expropriação no máximo de € 2.448 e pela inexistência de arrendamento.
A interessada B…, Lda. respondeu ao recurso interposto, pugnando pela improcedência do mesmo – fls.138 e ss..
Procedeu-se à diligência instrutória de avaliação (arts. 61º, 2, e 62º, C. Expropriações), na qual os Srs. Peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados atribuíram os seguintes valores indemnizatórios: € 1.603,98 ao proprietário e € 1.440 ao arrendatário – fls. 201 a 204.
A interessada B…, Lda. apresentou reclamação ao relatório pericial, invocando lapso no valor atribuído, por omissão da valoração da piscina que tinha instalada na parcela expropriada e que foi demolida pela entidade expropriante, devendo tal benfeitoria, avaliada em € 10.000, ser contabilizada – fls.208-209.
A entidade expropriante respondeu à reclamação, pugnando pelo indeferimento da mesma, a reiterar a inexistência de prova do arrendamento invocado pela interessada – fls.210-211.
Nessa sequência, os Srs. Peritos apresentaram esclarecimentos, com as seguintes conclusões (fls. 215 a 217):
- Os Engenheiros C… e D… entenderam que o valor da indemnização a atribuir pela piscina é de € 5.000;
- O Engenheiro E… entendeu dever manter-se o relatório pericial;
- O Engenheiro F… (perito da expropriante) entendeu dever manter-se o relatório pericial;
- O Engenheiro G… (perito da expropriada) entendeu que o valor da indemnização a atribuir pela piscina é de € 10.000.
Após, a interessada B…, Lda. apresentou as alegações a que alude o art.º 64º, C. Expropriações, pugnando pelo arbitramento da indemnização total de € 11.840 – fls. 219 a 221.
A entidade expropriante também apresentou alegações, nas quais, em súmula, aceitou o valor de indemnização ao proprietário de € 1.603,98 e pugnou pela inexistência de fundamento para atribuição de indemnização à interessada B…, Lda., dizendo que a mesma não comprovou ser arrendatária do prédio expropriado – fls. 222 a 225.
A fls.233 decidiu-se suscitar incidente onde se questionou a qualidade de arrendatária da B…, Lda., o qual deu origem ao respectivo apenso (nos termos previstos pelo art.º 53º C. Expropriações), no âmbito do qual foi proferida decisão, transitada em julgada, que reconheceu legitimidade àquela empresa para intervir nestes autos de expropriação na qualidade de arrendatária do prédio expropriado.
Foi então proferida sentença na qual se definiram os factos provados com interesse para a decisão da causa e se decidiu:
a) Fixar em € 1.603,98 (mil seiscentos e três euros e noventa e oito cêntimos) o montante indemnizatório a pagar pela entidade expropriante EP – Estradas de Portugal, SA ao expropriado H…, pela expropriação da parcela de terreno nº .., com a área de 63 m2 (a confrontar do Norte com Ramo da EN 1, do Sul com Lote ., do Nascente com parte sobrante e do Poente com EN 1), a destacar do prédio urbano sito na freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha, inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o art.º 1421, a confrontar do Norte com caminho, do Sul com Lote ., do Poente com Estrada Nacional 1 e do Nascente com Estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o nº …/19881214, sem prejuízo do acerto a realizar quanto à quantia já recebida por conta da indemnização;
b) Fixar em € 6.440 (seis mil quatrocentos e quarenta euros) o montante indemnizatório a pagar pela entidade expropriante EP – Estradas de Portugal, SA à interessada arrendatária B…, Lda. a título de benfeitorias;
c) Determinar a actualização das quantias fixadas de acordo com os índices de preços do INE, desde a data da declaração de utilidade pública até à data da prolação da presente sentença, nos termos do art.º 24º C. Expropriações;
d) Condenar entidade expropriante e interessada B…, Lda. nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527º, 1 e 2, CPC).
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A entidade expropriante IP. S.A. veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A interessada arrendatária B…, Lda. veio contra alegar.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela apelante/expropriante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do COC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
Em conclusão, o valor a atribuir ao arrendatário não poderá ser superior ao de 1.440,00€.
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Quanto à interessada/arrendatária esta concluiu do seguinte modo as suas contra alegações:
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Perante o antes exposto, resulta evidente ser a seguinte a única questão suscitada no âmbito deste recurso:
A redução do valor da indemnização arbitrada à interessada arrendatária a título de benfeitorias.
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Como todos já vimos, neste recurso não se questiona a decisão de facto que foi proferida e que é a seguinte:
“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1- Por despacho do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, de 26 de Junho de 2009, publicado no DR n.º 128, II Série, de 6 de Julho de 2009, foi declarada a utilidade pública da expropriação, para execução da obra de “Beneficiação da EN 1, entre o IP 5 e Albergaria-a-Nova”, foi autorizada a tomada de posse administrativa a favor de “EP – Estradas de Portugal, SA” da parcela de terreno nº .., com a área de 63 m2 (a confrontar do Norte com Ramo da EN 1, do Sul com Lote ., do Nascente com parte sobrante e do Poente com EN 1), a destacar do prédio urbano sito na freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha, inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o art.º 1421, a confrontar do Norte com caminho, do Sul com Lote ., do Poente com Estrada Nacional 1 e do Nascente com Estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o nº …/19881214;
2- A parcela expropriada corresponde à expropriação parcial de um prédio de maiores dimensões, com a área total de 1.200m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1421, no …, da freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha;
3- O prédio de onde a parcela é a destacar confronta a norte com EN 1, a sul com Lote ., a nascente com Rua … e a poente com EN 1;
4- Tem as seguintes infra-estruturas:
- Rua …: via pavimentada a betuminoso com 7m de largura, passeios, rede de abastecimento de água, rede de saneamento, rede de energia eléctrica, rede de drenagem de águas pluviais, estação depuradora com ligação à rede de colectores de saneamento e rede telefónica;
- EN 1: via pavimentada a betuminoso com 15m de largura, rede de abastecimento de água, rede de energia eléctrica e rede telefónica;
5- A parcela com 63m2, de formato trapezoidal, situa-se na parte norte/ poente do prédio mãe e constitui a expropriação parcial de um prédio urbano, logradouro da habitação de rés chão e andar, com uma S.C. de 101,5m2 e S.D. de 1098,5m2, utilizado como expositor de venda de equipamento para jardim a céu aberto;
6- O prédio situa-se em espaço urbano e tem sobre ele constituída uma servidão administrativa “non aedificandi”, retirando-lhe qualquer possibilidade de aptidão construtiva;
7- A parcela confronta a Norte com Ramo da EN 1 (IC2), a Sul com Parte sobrante, a Nascente com Parte sobrante e a Poente com EN 1 (IC2);
8- O acesso ao prédio faz-se pelo arruamento inicial (Rua …);
9- A parte restante continua com o acesso inicial a assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos e a manter o mesmo interesse económico para o expropriado;
10- São as seguintes as benfeitorias lá existentes: vedação em rede DIN com 1,5m de altura, suportada por prumos de ferro T, dobrados na ponta para suportar 3 fiadas de arame farpado, numa extensão de 30m; soco de apoio à vedação descrita anteriormente, em alvenaria de blocos rebocada com a dimensão de 0,40m x 0,20m, numa extensão de 30m; placar com a dimensão de 3m x 4m, simples metalizado, suportado por prumos metálicos, assentes em blocos de betão; piscina em fibra, pré-fabricada, apoiada no terreno, ocupando uma área de 9m x 6m, revestida em murete de alvenaria de blocos cerâmicos, dotada de dispositivo de iluminação e de circulação de água, e de cobertura de plástico deslizante com 5m x 6m; pavimento em mosaico de cimento com 63m2;
11- A piscina tinha o valor estimado de € 10.000;
12- Na sequência dos trabalhos de expropriação a piscina tinha condições para poder ser reaproveitada, por se tratar de uma estrutura pré-fabricada em fibra, com cobertura de plástico deslizante, constituindo uma estrutura amovível, susceptível de ser removida e reinstalada na parte sobrante da parcela, que constitui o actual logradouro do prédio;
13- Para tal, haveria necessidade de demolir, remover e construir de novo o murete de apoio, em alvenaria de blocos cerâmicos, reajustar a tubagem da circulação de água e o dispositivo de iluminação, desmontar o equipamento existente, nivelar e reforçar a base de assentamento sobre o solo, estrutura de apoio com respectiva fundação, ajustamentos das redes técnicas de entrada e saída da água, da rede eléctrica, e outros trabalhos de acabamento, incluindo a reposição da cobertura deslizante;
14- O Plano Director Municipal do Concelho de Albergaria-a-Velha classifica a Parcela .. como “Espaço Urbano A”.
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Está visto que na decisão recorrida ficou consignado que a seria de € 6.440,00 o montante indemnizatório a pagar pela expropriante à arrendatária a título de benfeitorias.
Mais se verifica que de tal valor total, € 5.000,00 dizem respeito à piscina e € 1.440,00 correspondem às restantes benfeitorias indemnizáveis (vedação em rede, soco de apoio à vedação e pavimento em mosaico).
Ora como todos sabemos, neste seu recurso a expropriante questiona tal segmento da decisão proferida, sugerindo que a indemnização a atribuir a este título (benfeitorias) não poderá ser superior ao supra referido de € 1.440,00.
E fundamenta esta sua pretensão nos seguintes argumentos:
Desde logo no argumento de que a decisão arbitral deve ser equiparada a decisão judicial com natureza jurisdicional.
Por outro na circunstância de que não tendo nesta matéria sido interposto recurso de tal decisão, a mesma e a indemnização ali fixada transitou em julgado, vinculando assim o Tribunal “a quo”.
Vejamos, pois, se tais argumentos merecem ou não ser acolhidos.
Conforme é entendimento corrente, os acórdãos arbitrais não são simples arbitramentos, assumindo natureza judicial.
Ora diversas normas do Código das Expropriações aludem a “decisão” dos árbitros (cf. por exemplo: os artigos 13º, 24º, 38º e 49º).
Mais, todos aceitam que lhes é aplicável em matéria de recursos, as disposições do CPC, para as decisões judiciais, salvo disposição em contrário.
Assim e havendo recurso, o poder de cognição do juiz, está delimitado pelas alegações do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral e as questões definitivamente decididas transitam, nos termos legalmente previstos.
A decisão arbitral, como se afirmou na fundamentação do Assento do STJ de 24/7/79, BMJ nº 289, pág. 135, é um verdadeiro julgamento - e não um simples arbitramento - integrando o primeiro dos três graus de jurisdição no sistema geral de recursos.
Também o Tribunal Constitucional, nos acórdãos nºs 757/95 e 262/98, afirma que a decisão arbitral deve qualificar-se como decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, uma vez que os árbitros, dispondo de independência funcional, intervêm para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa. Assim, a sua decisão visa tornar certo um direito ou uma obrigação, não constituindo por isso um simples arbitramento.
Ainda sobre esta questão se pronunciou o mesmo Tribunal, agora no acórdão de 5/3/1998, publicado no DR, II Série, de 9/7/1998, nos seguintes termos:
“(...) Não restam dúvidas de que os árbitros, dispondo de independência funcional (eles são de facto designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários), intervêm “in casu” para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa. Eles compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do montante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tornar certos um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento.”.
Deste modo, sendo a decisão dos árbitros no processo de expropriação, por utilidade pública uma verdadeira decisão judicial, é ela susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expropriado, se não for por este adequada e tempestivamente impugnada.
Sobre os limites do caso julgado, é por demais conhecida a divisão que ainda separa a doutrina, defendendo uns que os limites objectivos do caso julgado se confinam à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma e outros que reconhecem que a decisão estar abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos.
No entanto, também sabemos todos que a posição predominante actual se mostra favorável a uma mitigação do referido conceito restritivo de caso julgado, no sentido de, considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.
Para esta e ponderadas que sejam as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, afigura-se que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem e o fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidas por aquele critério ecléctico, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
Em suma, da conjugação das disposições aplicáveis do processo expropriativo e da lei processual civil, podemos concluir o seguinte:
- Ao acórdão arbitral são aplicáveis, em matéria de recursos, as mesmas disposições que se contêm no código de processo civil, sendo o seu objecto demarcado pelas alegações do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral;
- O acórdão arbitral transita em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente, envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros.
Desta forma se dá cabal cumprimento ao legalmente definido na lei adjectiva e se evita que fiquem defraudadas as expectativas dos recorrentes quanto às partes que pretendem ver apreciadas.
Deste modo, se o resultado da avaliação assenta em toda uma séria de premissas que são decididas pelos árbitros, a força de caso julgado há-de estender-se àquelas premissas, àqueles parâmetros que determinam o resultado final da avaliação.
Ora, no caso em apreço e como se mostra de fls.11 e seguintes foi proferido Acórdão Arbitral no qual foi feito constar que na parcela expropriada existiam as seguintes benfeitorias que os Árbitros concluíram pertencerem ao Arrendatário:
- 1) Vedação em rede DIN com 1,50 m de altura (…);
- 2) Soco de apoio à vedação (…);
- 3) Piscina de fibra, pré-fabricada, apoiada no terreno, ocupando uma área de 9m x 6 m, revestida em murete de alvenaria de blocos cerâmicos, dotada de dispositivo de iluminação e de circulação de água, e de cobertura de plástico deslizante com 5 m x 6 m..
- 4) Pavimento de mosaico de cimento (…)
Mais se consignou que o valor das benfeitorias seria o seguinte: 1) 30 m x 15,00 €/m = 450,00 €; 2) 30 m x 12 €/m= 360,00 €; 3) 9 m x 6 m x 50,00 €/m2 = 2.700,00 €; 4) 63m2 x 10,00 €/m2 = 630,00 € = a um total de 4.140,00 €
Referiu-se ainda de modo expresso que para além das benfeitorias, ao arrendatário tinha direito a ser indemnizado pelos prejuízos resultantes do período de perturbação da sua actividade, pela execução das obras no prédio e que justificaram a expropriação, estimando-se esse prejuízo em 10% da renda anual, ou seja em 400,00 €.
Como já ficou referido só a entidade expropriante veio interpor recurso da decisão arbitral, comprovando-se que a interessada/arrendatária apenas respondeu ao mesmo recurso, pugnando pela improcedência do mesmo (cf. fls.87 e seguintes e 138 e seguintes, respectivamente).
Conclui-se então que a indemnização do encargo autónomo seria, no total, de € 4.440,00.
Sendo assim e atentas as considerações antes aqui deixadas, tem razão a expropriante quando desde logo defende que o valor da sua indemnização não podia em princípio, ser fixado em montante superior ao fixado pelos árbitros e que foi como já vimos de € 4.440,00.
No entanto, nas suas alegações a mesma apelante também defende, logo a seguir, que tal valor se afigura exagerado e não corresponde a uma justa indemnização.

Como já vimos, na sentença recorrida, atribuiu pelas benfeitorias, que vêm descriminadas no ponto 10) dos factos provados, o valor global de 6.440 €.
É sabido que, se o solo for classificado como apto para construção, as benfeitorias nele existentes não podem, em regra, ser consideradas como factor de valorização, pois, ao invés, podem constituir factor de desvalorização da parcela, ponderando os custos de demolição para aí se construir.
Contudo, as mesmas deverão ser ponderadas sob o prisma da desvalorização da parte sobrante do prédio e, assim, a indemnização poderá integrar o seu valor, de modo a compensar aquela depreciação.
A justa indemnização, visando ressarcir o expropriado do prejuízo que lhe advém da expropriação, apresenta-se como uma reposição, em termos de equivalente pecuniário, da posição de proprietário de que era titular.
Constituem benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (art.º 216º, nº 1, do Código Civil).
Podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias, tendo as primeiras (necessárias) por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, constituindo as segundas (úteis) as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor, e as terceiras (voluptuárias) as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante (art.º 216º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
No pressuposto da avaliação do solo como apto para construção, não há que excluir, de forma geral e abstracta, as benfeitorias existentes, mediante a justificação de que seriam, em caso de construção, destruídas, cabendo apurar, casuisticamente, as hipóteses em que a construção ou edificação na parcela expropriada viessem a implicar, e em que medida, a destruição de cada uma das benfeitorias existentes, sob pena de injusto prejuízo para o expropriado.
É que, no cálculo da indemnização, não está prevista a exclusão de qualquer benfeitoria ou de outro elemento do património expropriado, antes impondo a lei (art.º 23º, nº1, parte final do CE) a consideração das circunstâncias e condições de facto existentes, nas quais se incluem, naturalmente, as benfeitorias.
Entendemos, portanto, que a avaliação de um terreno como apto para construção não exclui necessariamente o ressarcimento das benfeitorias existentes, podendo, todavia, não ser de atribuir qualquer indemnização no caso concreto, por a mesma vir a corresponder a um enriquecimento ilegítimo do expropriado.
Critério decisivo para solucionar, caso a caso, a questão de saber se deve ou não atribuir-se indemnização por qualquer benfeitoria existente na parcela expropriada (avaliada como terreno apto para construção) é o da determinação da necessidade ou inevitabilidade da inutilização/destruição da mesma benfeitoria, no caso de a parcela ser aproveitada para construção.
Assim, sendo tal destruição ou inutilização inelutável numa situação de aproveitamento construtivo do prédio, sempre a indemnização pela benfeitoria em caso de expropriação viria a corresponder a uma sobrevalorização do prédio expropriando.
Na situação inversa, mantendo-se ou podendo manter-se a benfeitoria no caso de construção sobre a parcela expropriada, impõe-se a indemnização pelo valor da mesma em caso de expropriação, por ser manifesta a perda para o expropriado da sua utilidade ou valor.
Ora no presente recurso o que está em causa é uma piscina em fibra, pré-fabricada, a qual “na sequência dos trabalhos de expropriação tinha condições para poder ser reaproveitada, por se tratar de uma estrutura pré-fabricada em fibra, com cobertura de plástico deslizante, constituindo uma estrutura amovível, susceptível de ser removida e reinstalada na parte sobrante da parcela, que constitui o actual logradouro do prédio (Factos provados 10 e 12).
Perante tais dados tem pois razão a expropriante ora apelante quando defende que a mesma piscina deve ser qualificada como uma benfeitoria voluptuária, já que não é, nem necessária (não tem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa), nem útil (não aumenta o valor do prédio, por se tratar de uma mera piscina de exposição).
Ou seja, tratando-se de uma mera piscina de exposição, não constitui a mesma um facto de valorização do prédio, o qual e como se provou, tinha potencialidade construtiva.
Também pensa acertadamente ao afirmar que podendo a mesma ser levantada sem detrimento do prédio onde estava instalada, seria de todo irrelevante a existência ou não de boa-fé pelo arrendatário, o qual abaria por não receber qualquer indemnização do proprietário.
Já quanto às despesas com o seu reaproveitamento, o que pode ser dito é o seguinte:
Em tese tais despesas poderiam ser incluídas nas “despesas relativas à nova instalação” previstas no artigo 30º, nº4 do C.E.
No entanto, também nós consideramos que não deve recair sobre a entidade expropriante uma responsabilidade superior àquela que caberia ao proprietário, no caso de cessação do arrendamento, já que ambas não carecem da vontade do arrendatário, podendo mesmo ter lugar em oposição a esta.
Mais, a possibilidade de incluir na indemnização o valor ou as despesas de reinstalação da piscina viola o princípio da igualdade na sua vertente externa (cf. art.º13º da CRP), não podendo um arrendatário expropriado ser beneficiado face a um que não tenha sido objecto de expropriação, recebendo uma indemnização que outro em igualdade de circunstância, não receberia caso ao arrendamento tivesse cessado, não por força da vontade da entidade expropriante, mas por causa da vontade do senhorio.
Merece pois acolhimento a tese da apelante/expropriante segundo a qual é inconstitucional uma interpretação do artigo 30º, nº4 do C.E. que inclua benfeitorias ou despesas que não seriam ressarcidas ao arrendatário pelo proprietário, em caso de cessação do arrendamento.
Em suma, não pode a arrendatária B…, S.A., ser indemnizada tal título.
Concluindo, só devem ser ressarcidas as benfeitorias melhor descritas no Acórdão Arbitral sob os pontos 1), 2) e 4 e às quais corresponde um valor indemnizatório de 1.440,00 €.
Procede assim o recurso aqui interposto pela expropriante EP – Estradas de Portugal.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e, mantendo tudo o mais que ali ficou decidido, altera-se nos seguintes termos a sentença recorrida:
Fixa-se em € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros), o montante da indemnização a pagar pela entidade expropriante EP – Estradas de Portugal S.A., á interessada arrendatária, B….
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Custas do recurso a cargo da interessada/apelada (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 27 de Junho de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço