Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
269/10.2TAMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: BORGES MARTINS
Descritores: CUSTAS DE PARTE
PRAZO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP20140219269/10.2tamts-B.P1
Data do Acordão: 02/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A caducidade, se estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente.
II – O pagamento de custas de parte é matéria que está na inteira disponibilidade das partes, excluindo a natureza oficiosa do seu funcionamento.
III – O requerimento, a solicitar o pagamento de custas de parte, deve ser apresentado no prazo previsto no art.º 25º do RCP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 269/10.2TAMTS-B.P1

3.º Juízo Criminal da Comarca de Matosinhos.

Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

Nos presentes autos, foi exarado despacho a fls. 911, no sentido de entender que “nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 2 da Portaria n.º 419-A/09, de 17.4, na redacção introduzida pela Portaria n.º 82/2012, de 29/3, a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. A invocação da caducidade do direito à apresentação da nota de custas de parte é claramente um dos fundamentos da reclamação”. Na sequência de requerimento de reforma deste despacho, foi mantido o respectivo entendimento, em novo despacho de fls. 924.
Inconformada, veio a requerente “B…, SA”, interpor recurso do mesmo, com vista à sua revogação e consideração do requerimento de petição de custas de parte como extemporâneo, alegando em síntese o seguinte:
- o requerimento é manifestamente intempestivo, por ter sido apresentado muito para além do respectivo prazo legal de cinco dias, previsto no art.º 25.º do Regulamento da Custas Processuais;
- o tribunal deve rejeitar liminarmente actos praticados fora do prazo peremptório processualmente fixado para a respectiva prática em juízo;
- sempre configuraria a prática de acto inútil e do conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do disposto no art.º 130.º do CPC;
- acarretando um esforço financeiro incomportável e injustificado para uma parte;
- a recorrente não pretendeu apresentar qualquer reclamação, antes quis arguir tão somente a excepção peremptória de caducidade do direito de apresentação de tal nota; a qual, de resto, é de conhecimento oficioso
- o despacho violou o teor do disposto nos arts. 107.º e 139.º ambos do CPC; e ainda 298.º, n.º2, 303.º ex vi n.º 2 do art.º 333.º, todos do CC.

Respondeu o MP, em síntese, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, no que foi acompanhado pelo Parecer da Exma PGA junto deste Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos, importa decidir.

Fundamentação:

Nos termos do disposto no art.º 298.º, n.º 2 do Código Civil “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
Existe um consenso na presente controvérsia de que as normas aplicáveis à temática em apreço de modo algum invocam expressamente o instituto da prescrição, sendo consequentemente de abordagem necessária as normas da caducidade.
Ora segundo o disposto no art.º 333.º, n.º1 do Código Civil “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes”.
“Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no art.º 303.º” – art.º 333.º, n.º 2 do Código Civil. Esta norma do art.º 303.º implica no seu teor que o tribunal não pode suprir oficiosamente a caducidade; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
A pretensão de pagamento de custas de parte é matéria que está na inteira liberdade das partes.
O seu credor pode reivindicar o seu pagamento da parte contrária ou não o fazer.
Por sua vez, a parte pretensamente devedora poderá conformar-se com o pagamento; poderá renunciar ao direito de invocar a extemporaneidade do pedido, opor-se ao seu pagamento, invocando esta ou qualquer outro motivo.
Esta liberdade exclui forçosamente a natureza oficiosa do funcionamento da caducidade.
Trata-se de matéria que a doutrina sempre qualificou como uma excepção peremptória, de conhecimento a todo o tempo, cuja procedência origina a absolvição do pedido, maxime da pretensão de efectivação de um direito.
A recorrente, por requerimento judicial, inequivocamente arguiu esta excepção – fls. 901-903.
Nos termos do disposto no art.º 25.º, n.º1 do Regulamento das Custas Processuais “até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, conforme os casos, as partes que tenham o direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa”.
O acórdão do TRP que decidiu em definitivo a presente lide processual foi publicado em 6.3.2013, conforme teor de fls. 734- 760; mostrando-se já transitado em 17.4.2013 (fls. 764) quando foi determinada a baixa dos autos à 1.ª instância a título definitivo.
A fls. 841 foi pelos recorridos apresentado requerimento contendo nota discriminativa das custas de parte, remetido também à recorrente em 3 de Outubro de 2013.
Ou seja, esta formulou processualmente a sua pretensão cerca de seis meses depois do termo daquele prazo de cinco dias, de forma, diríamos, exuberantemente extemporânea.
De acordo com o conjunto de normas supra mencionado ocorreu, sem margem para dúvidas a caducidade, porque correctamente arguida pela parte a quem interessava tal arguição.
Nos termos do disposto no art.º 139.º, n.º3 do CPC, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.

Por outro lado, a argumentação contida na decisão judicial, salvo o devido respeito, não pode ser aceitável. Vejamos porquê.
A Portaria n.º 419-A/09, de 17/04 veio determinar que “a reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes” – art.º 33.º, n.º1. O n.º2 deste dispositivo exige como condição de apreciação da reclamação, o depósito, à ordem do tribunal, da totalidade do valor da nota das custas de parte.
Não descriminou o legislador quais os fundamentos que podem ser suportar esta reclamação.
Pode-se então concluir que qualquer motivo juridicamente atendível pode constituir fundamento de oposição, incluindo – porque não? – a extemporaneidade.
Todavia – e aqui se encontra a deficiência argumentativa da decisão recorrida – esta possibilidade não exclui a possibilidade de funcionamento, a todo o tempo, da aludida excepção peremptória, porque adequadamente arguida. Se essa exclusão ocorresse estava a retirar à parte um direito já concedido pelo próprio legislador.

Em comentário ao citado art.º 25.º, n.º1 do seu Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5.ª edição, 2013, Salvador da Costa refere que em determinados casos a obrigação de depósito - que se constata ser meio impeditivo de comportamentos dilatórios - como condição de recebimento da reclamação, pode ser exigência excessiva.
Nesta hipótese dos autos, a parte que reclamou o pagamento das custas foi quem criou a maior dilação imaginável.
Iria ainda ser premiada na sua tardia atitude ao exigir-se da outra parte um ónus severo de depósito prévio de quantia superior 8.000 euros, como condição de reconhecimento da extinção do direito de o fazer. O que realmente não faz qualquer sentido.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto por B…, SA, revogando o despacho recorrido e julgando extemporâneo o pedido de custas de parte formulado pelos arguidos a fls. 842 e ss.
Sem tributação.

Porto, 19 de Fevereiro de 2014.
Borges Martins
Ricardo Costa e Silva