Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
532/14.3TBMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PROCESSO NEGOCIAL
ADMINISTRADOR JUDICIAL
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP20151008532/14.3TBMCN.P1
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No processo especial de revitalização, o encerramento do processo negocial pelo decurso do prazo para concluir as negociações, sem êxito, não demanda a prévia audição do devedor, pois, sendo ele interveniente principal de um processo gerado por sua iniciativa, deverá naturalmente conhecer todos os termos desse processo.
II - Mas para que o administrador, encerrado esse processo negocial, possa emitir parecer de que o devedor se acha em situação de insolvência, deverá previamente ouvir o mesmo, além dos credores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 532/14.3TBMCN.P1
Comarca do Porto Este
Amarante – Inst. Central – Secção Comércio – J2

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2º Adjunto: Des. Teles de Menezes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. No processo especial de revitalização requerido pelos devedores B… e C…, casados entre si no regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua …, …., ….-… …, Marco de Canavezes, foi, a 17.03.2015, proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que o Sr. AJP deu cumprimento ao despacho, não há lugar à aplicação de qualquer multa.
Face à posição do Sr. AI, determina-se, ao abrigo do art. 17º-G nº 2 do CIRE, o encerramento do processo especial de revitalização com os efeitos previstos na parte final da mesma disposição legal.
Custas pelo devedor.
Valor da acção €30.000,01 (cfr. art. 301º do CIRE)”.
2. Inconformados com essa decisão, dela vieram os devedores interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença recorrida fundamento o encerramento do processo de revitalização no desconhecimento da situação do devedor por não ter sido possível ouvir o mesmo.
2. O devedor (ora Recorrente) nunca foi notificado para se pronunciar.
3. A mandatária constituída do devedor nunca foi notificada para se pronunciar
4. Ora, não tendo sido notificados para o efeito, não se pode basear a douta sentença recorrida na falta de informação sobre a situação concreta dos devedores
5. O artigo 17 G n.º 4 do C.I.R.E., afirma perentoriamente que o parecer tem de ser precedido da audição do devedor
6. A falta de audição do devedor, e do seu mandatário constitui uma nulidade que influi na decisão da causa e uma violação do princípio de defesa
7. não podendo a douta sentença recorrida afirmar que encerra o processo por falta de informação
8. A douta sentença recorrida violou o artigo 17 G do CIRE, vem como do princípio do contraditório
Atento o exposto deve a douta sentença recorrida ser revogado e substituída por outra que ordene ao senhor AIJ para notificar os devedores para os mesmos se pronunciarem se encontram - ou não - em situação de insolvência”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se os recorrentes deviam ter sido ouvidos antes de ser declarado o encerramento do processo especial de revitalização;
- não o sendo, devendo sê-lo, quais as consequências da omissão da sua audição.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São relevantes à apreciação do objecto do recurso, além do narrado no relatório introdutório, os seguintes factos/incidências processuais:
1. Em 20.05.2014, os devedores propuseram processo especial de revitalização, requerendo que se desse início a negociações com vista à sua recuperação.
2. Por despacho de 21.05.2014 foi nomeado administrador judicial provisório.
3. Este a 18.06.2014 apresentou listagem dos créditos reclamados, que foi publicitada.
4. A credora D…, S.A. impugnou a lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório.
5. Notificado este da referida impugnação, não se pronunciou.
6. A 26.08.2014 os devedores requereram a junção aos autos de acordo de prorrogação por mais um mês das negociações com os credores, que celebraram com o Sr. Administrador Judicial Provisório a 18.08.2014.
7. Por requerimento de 16.10.2014 o credor E… declarou opor-se a tal prorrogação, alegando desconhecer a que acordo se referem os devedores e o Sr. Administrador Judicial Provisório, por nunca ter sido contactado por qualquer um deles, e invocando o facto dos 30 dias requeridos já se haverem esgotado, entendendo que o processo especial de revitalização deverá ser encerrado, formula pedido no sentido de ser ordenada a notificação do Sr. Administrador para proceder nessa conformidade.
8. A 17.12.2014 foi proferida decisão judicial determinando o encerramento do processo negocial ao abrigo do disposto no artigo 17º-G, n.º1 do CIRE, por decurso do prazo previsto no n.º 5 do referido dispositivo, ordenando-se a notificação do Sr. Administrador Judicial Provisório para o efeitos o n.º 4 do mencionado artigo 17º-G.
9. A 19.02.2014 foi proferido o seguinte despacho: “Insista-se junto do Sr. AJP para, em 5 dias, dar cumprimento à parte final do despacho proferido em 17.12.2014, sob pena de ser condenado numa multa por falta de colaboração processual e que se fixa já em 2 Ucs.”.
10. Com data de 06.03.2015 o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou nos autos requerimento com o seguinte teor:
“Exima. Senhora Doutora Juíza,
Eu, F…, na qualidade de AJP do processo acima melhor identificado, venho por esta forma, muito respeitosamente, expor o seguinte:
1.Pese embora os esforços efectuados pelos AJP e pela Devedora não se logrou concluir as negociações com a aprovação de um Plano de Revitalização;
2. Resulta da lei, n.º 4 do Art.º 17-G, que o AJP deverá emitir o seu parecer após ouvir os credores e o devedor;
3. Não tendo apresentado nenhum plano, não foi possível conhecer a posição dos credores, expressa no voto, tendo, para poder fazer o presente relatório, solicitado pronuncia aos devedores;
4. Tal pronuncia seria desejável para poder concluir pela declaração de insolvência ou pelo encerramento do processo;
5. Acontece que, na verdade, até à data não obtive qualquer pronuncia, daí o atraso observado.
Desta forma, e face ao exposto,
6. Vejo-me obrigado a concluir que o processo deverá ser encerrado, já que outra informação não obtive e, abnegadamente, tento cumprir com as minhas obrigações de forma cuidadosa e sem prejudicar ninguém.
Da cominação de multa,
7. Não me restando alternativa a pedir o encerramento do processo e, face às justificações apresentadas, que sou a requerer que a multa aplicada seja relevada.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com elevada estima e consideração,
Atentamente,
O Administrador de Insolvência,
(F…)”

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Lei nº 16/2012, de 20/4 veio aditar um Capítulo II ao Título I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto, no qual, aglutinados nos artigos 17º-A a 17º-I, prevê e disciplina o designado “Processo Especial de Revitalização”.
A sua origem emana do programa “Revitalizar”, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, propondo-se constituir solução no âmbito da reestruturação empresarial, permitindo a revitalização de empresas que se achem em situação económica difícil, mas ainda com viabilidade.
De acordo com o nº1 do primeiro daqueles apontados preceitos, “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
Pode a ele recorrer qualquer devedor que “…mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação” – nº2 do mencionado normativo.
Como a própria designação aponta, o processo especial de revitalização consiste num instrumento processual, de índole marcadamente extrajudicial e negocial, criado num contexto económico reconhecidamente problemático, para ser colocado à disposição de todos aqueles que se confrontem com uma situação económica difícil ou na iminência de situação de insolvência, mas ainda passível de recuperação, visando, com a interacção dos seus credores, uma solução negocial que, evitando a concretização da situação efectiva de insolvência do devedor, consiga promover a sua reabilitação.
Refere o acórdão da Relação de Lisboa de 09.05.2013[1] que “o processo especial de revitalização, introduzido no CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril tem por fim a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa e cuja eficácia pressupõe a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos que torne o acordo vinculativo para a generalidade dos credores”, adiantando o mesmo aresto que “a regra é a de privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor”.
E segundo o acórdão da Relação de Coimbra de 24.09.2013[2], “o processo especial de revitalização, representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor, tratando-se de um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual”.
Após reclamação dos créditos pelos credores, na falta de impugnação e reconhecidos os mesmos, é elaborada pelo Administrador Judicial Provisório lista definitiva dos créditos reclamados, fazendo dela constar o valor de cada crédito (capital e juros) e respectiva natureza, identificando, naturalmente, os titulares dos mesmos.
Findo o prazo para impugnações, haverão de prosseguir as negociações já encetadas, que devem estar concluídas no prazo de dois meses, apenas se admitindo prorrogação por uma vez e por um mês, estando essa prorrogação, todavia, condicionada a prévio acordo escrito entre o administrador judicial provisório e o devedor.
No termo das negociações é elaborado pelo administrador judicial provisório plano de revitalização, o qual é submetido à votação dos credores.
Em caso de aprovação unânime em acto em que intervenham todos os credores, “…este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos”.
Não se verificando essa unanimidade, mas tendo o plano sido aprovado[3], o devedor remete o mesmo a tribunal, sendo o mesmo submetido à apreciação do juiz, que o homologará ou recusará essa homologação.
Tal decisão vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, de acordo com o disposto no nº6, 1ª parte do artigo 17º-F do CIRE.
Porém, como determina o n.º1 do artigo 17º-G do CIRE, “caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius” e, estando o devedor já em situação de insolvência, tal implica que essa situação de insolvência seja declarada pelo juiz, no prazo de três dias úteis, contados da recepção pelo tribunal da comunicação a que alude o nº1 do artigo 17º-D do CIRE.
Como explica Fátima Reis Silva[4], “ de acordo com o regime traçado o encerramento do processo negocial dá-se:
- pelo decurso do prazo de negociações (sem aprovação ou decurso do prazo de votação)- n.º1;
- caso o devedor conclua não ser possível alcançar o acordo, a qualquer momento antes de decorrido o prazo de negociações – n.º1;
- caso a maioria dos credores prevista no n.º 3 do art.º 17.º-F (ou seja, dois terços da lista definitiva incluindo metade dos créditos não subordinados ou dois terços da lista provisória acrescida dos créditos impugnados cuja procedência de impugnação é provável – avaliação que sempre terá de ser o juiz a fazer) conclua não ser possível alcançar o acordo, a qualquer momento antes de decorrido o prazo de negociações - n.º1;
- caso o devedor ponha termo às negociações, comunicando tal ao administrador, ao tribunal e a todos os credores – n.º5.
Nos três primeiros casos o administrador deve comunicar o facto ao tribunal, sendo o encerramento publicado, independentemente de decisão ou apreciação.
No último caso cabe ao devedor essa comunicação, devendo o tribunal, de imediato, ordenar a publicação do encerramento das negociações”.
Na situação dos autos configura-se claramente a primeira das hipóteses apontadas, mostrando-se ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE (com o exercício do direito de prorrogação que o mesmo consente) para a conclusão das negociações sem apresentação e aprovação de um plano de recuperação, o que automaticamente conduz ao encerramento do processo negocial, nos termos do n.º1 do artigo 17.º-G do CIRE.
Neste caso, “compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência”[5].
A propósito da norma em causa, esclarece Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[6]: “Desta disposição resulta que, caso o processo de revitalização não conduza à aprovação de um plano de recuperação, seja porque os credores não o aprovaram, seja porque o devedor desistiu do processo, basta para o devedor ser declarado em situação de insolvência que o administrador judicial provisório conclua ser essa a sua situação, sendo a mesma equiparada a insolvência por apresentação do devedor”.
E mais detalhadamente, escrevem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[7]: “(…) caso o administrador judicial provisório conclua que o devedor se encontra insolvente, deverá aquele requerer a insolvência do devedor. À luz da remissão para o artigo 28°, o requerimento do administrador judicial provisório implicará o reconhecimento da situação de insolvência do devedor, cabendo ao tribunal declará-la. O processo especial de revitalização ficará apenso ao processo de insolvência.
Compreende-se o regime legal. Se o devedor está insolvente - sendo isso atestado por alguém especialmente qualificado e conhecedor da situação económica do devedor - então não faz sentido que o devedor, especialmente depois de já ter beneficiado de um ´stand still` generalizado, possa ainda dispor de património até que um credor consiga obter a declaração judicial da insolvência.
Contudo, afigura-se discutível a admissibilidade e até mesmo a constitucionalidade da interpretação segundo a qual o administrador judicial provisório poderá – depois de ouvidos os credores e o devedor – requerer a insolvência do devedor, com os mesmos efeitos que teria se fosse o devedor solvente, mas, por outro lado, o administrador judicial provisório considera, erradamente, todavia, que o devedor está insolvente. Nesta circunstância, será admissível que o administrador judicial provisório requeira a insolvência com os mesmos efeitos (aceitação e reconhecimento da situação da insolvência) que teria se a insolvência fosse requerida elo próprio devedor?
Não existirá uma injustificável restrição ao direito de propriedade e ao direito de liberdade empresarial do devedor, a atribuir-se ao administrador judicial provisório o poder de confessar a situação de insolvência do devedor contra a vontade deste último? Por que motivo ficará a decisão de assumir a situação de insolvência nas mãos do administrador judicial provisório, quando não é o titular do património do devedor?
Para assegurar o legítimo direito de defesa do devedor, e obstar à eventual inconstitucionalidade da norma, ter-se-á de admitir que o devedor possa deduzir embargos contra a sentença ou recorrer da mesma. Essa solução é conciliável com o elemento literal do artigo 17°-G. Assim, o administrador judicial provisório deverá requerer a insolvência do devedor - se concluir, claro está, que este se encontra insolvente -, devendo o tribunal decretá-la sem audição e contraditório do devedor e no prazo legalmente fixado. Porém, o devedor poderá deduzir embargos ou recorrer nos termos do disposto nos artigos 40º e 42º”.
E na mesma linha de entendimento, defende o acórdão da Relação de Lisboa de 14.11.2013[8]: “Ultrapassado que seja o prazo previsto no artigo 17º-D, nº 5 do CIRE ou, caso se conclua antecipadamente não ser possível alcançar acordo entre os credores, o processo especial de revitalização é encerrado pelo administrador judicial provisório, nos termos do artigo 17º-G, nº 1 do CIRE.
Com o encerramento do processo negocial e com o parecer do administrador judicial provisório de que o devedor se encontra em situação de insolvência, sendo a mesma equiparada a insolvência por apresentação, incumbe ao juiz a imediata prolação de decisão, declarando a insolvência do devedor”.
O encerramento do processo negocial, designadamente por decurso do prazo, não pressupõe a prévia audição do devedor: sendo este parte activa nesse processo, por si próprio desencadeado, terá necessariamente de conhecer os seus termos, designadamente prazos e existência ou não de plano e sua aprovação, sabendo, de antemão, porque a lei assim o prescreve, que o decurso do prazo para a conclusão das negociações sem acordo conduzirá inexoravelmente ao seu encerramento.
Determina o n.º 4 do artigo 17.º-G que o administrador judicial provisório “mediante informação de que disponha”, após ouvir o devedor e os credores, emita parecer se aquele se encontra em situação de insolvência, que deverá acompanhar a comunicação a que se refere o n.º1 do referido normativo.
Sendo o seu parecer no sentido de que o devedor se encontra em situação de insolvência, deverá o administrador requerer a insolvência, conforme previsto na última parte do n.º4 do citado artigo 17.º-G. Neste caso, é equiparada a insolvência por apresentação do devedor, devendo o juiz de imediato declará-la.
Do que se deixa exposto, pode, assim, concluir-se:
- O encerramento do processo negocial pelo decurso do prazo para concluir as negociações, sem êxito, não demanda a prévia audição do devedor, pois, sendo ele interveniente principal de um processo gerado por sua iniciativa, deve conhecer todos os seus trâmites;
- Mas para que o administrador, encerrado esse processo negocial, possa emitir parecer de que o devedor se acha em situação de insolvência, deverá previamente ouvir o mesmo, além dos credores.
Compreende-se que, nesta última hipótese, e só nesta, se exija a prévia audição do devedor, pois, concluindo o administrador judicial provisório que o devedor se encontra em situação de insolvência, deverá requerê-la, não sendo a decisão judicial que a declare antecedida de qualquer audição ou contraditório do devedor.
No caso dos autos, não tendo o Sr. administrador judicial provisório concluído pela situação de insolvência dos devedores, ora recorrentes, nem tendo, na sequência do encerramento do processo negocial iniciado com vista à recuperação dos mesmos, requerido a insolvência deles, não se exigia a sua audição.
A falta da mesma não traduz, pois, qualquer nulidade, ou outra irregularidade processual, não ocorrendo, como sustentam os apelantes, qualquer violação do contraditório.
Ao contrário do alegado pelos recorrentes, a sentença recorrida não declara encerrado o processo negocial por falta de informação, sendo a decisão proferida a 17.12.2014 bem clara quanto aos fundamentos que ditam esse encerramento [...determino o encerramento do processo negocial ao abrigo do art. 17º-G, no 1 do CIRE, por decurso do prazo previsto no no 5 do art. 17º-D do CIRE], limitando-se a decisão recorrida, de 17.03.2015, a explicitar que o mesmo tem os efeitos do n.º 2 do artigo 17.º-G [extinção de todos os efeitos do processo especial de revitalização], face à posição entretanto comunicada pelo Sr. administrador judicial provisório.
É, assim, totalmente desprovida de fundamento a crítica formulada pelos recorrentes à decisão recorrida, que, por isso, se mantém, improcedendo a apelação.
*
Síntese conclusiva:
- No processo especial de revitalização, o encerramento do processo negocial pelo decurso do prazo para concluir as negociações, sem êxito, não demanda a prévia audição do devedor, pois, sendo ele interveniente principal de um processo gerado por sua iniciativa, deverá naturalmente conhecer todos os termos desse processo;
- Mas para que o administrador, encerrado esse processo negocial, possa emitir parecer de que o devedor se acha em situação de insolvência, deverá previamente ouvir o mesmo, além dos credores.
*
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Porto, 08 de Outubro de 2015
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Teles de Menezes
__________
[1] Processo nº 1008/12.9TYLSB.L1-8, www.dgsi.pt.
[2] Processo nº 995/12.1TBVNO-C.C1, www.dgsi.pt.
[3] “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º -D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida” – artigo 17º-F, nº3 do CIRE.
[4] “Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, pág. 71.
[5] N.º 4 do artigo 17º-G.
[6] “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina, Coimbra, pág. 64.
[7] “PER – O Processo Especial de Revitalização”, págs. 164 a 166.
[8] Processo n.º 16680/13.4T2SNT-D.L1-2, www.dgsi.pt.