Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1266/14.4T2AVR-L.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
JUSTO RECEIO DE EXTRAVIO OU DISSIPAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RP202106071266/14.4T2AVR-L.P1
Data do Acordão: 06/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O justo receio de o credor perder a garantia patrimonial do seu crédito é o pressuposto fundamental do arresto e, já pelas consequências que esta providência acarreta para o devedor, já porque importa prevenir abusos, a sua verificação tem de ser inequivocamente demonstrada.
II – Não faz essa demonstração o requerente que não logra provar, ainda que indiciariamente, que o imóvel cujo arresto é pedido constitui o único bem conhecido dos requeridos, nem fornece ao tribunal elementos que lhe permitam formar uma ideia, ainda que aproximada, da real situação económico-financeira destes, por forma a avaliar até que ponto será justificado o receio de perda da garantia do seu crédito se for concretizada a anunciada intenção de vender esse imóvel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1266/14.4 T2AVR-C.P1
(Procedimento cautelar de arresto)
Comarca de Aveiro
Juízo Central Cível de Aveiro (J3)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 13.12.2020, B…, Advogado, veio, por apenso ao processo n.º 1266/14.4 T2AVR (acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum), a correr termos pelo Juízo Central Cível de Aveiro, em que figura como autor e no qual demandou C… e D…, intentar procedimento cautelar de arresto de um imóvel, que identifica, alegando, em síntese, que na referida acção formula o pedido de condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de € 24.600,00, de honorários, sendo certo que em laudo proferido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados se indica como valor correcto o montante de € 20.000,00, acrescido de IVA à taxa legal.
Acontece que o imóvel cujo arresto é pedido constitui o único bem conhecido dos requeridos e está à venda.
Estariam, assim, verificados os requisitos do arresto: probabilidade séria do direito de crédito do Requerente e perigo de insatisfação desse direito, pois o único bem conhecido que existe e que podia garanti-lo está para ser vendido e, se tal vier a acontecer, o requerente fica sem qualquer garantia do seu pagamento e, portanto, sem qualquer expectativa de vir a receber, o que quer que seja, pelo seu trabalho forense.
Inquiridas as testemunhas arroladas, por despacho de 20.01.2021[1], foi julgado improcedente o procedimento cautelar instaurado, não sendo decretado o arresto pretendido.
Inconformado com a decisão, o requerente dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«A - O presente recurso vai da douta sentença com ref. 114487781, de 20 de janeiro de 2020, que indeferiu o decretamento da Providência Cautelar de Arresto requerida.
B - No tocante à matéria de facto, tendo o Requerente alegado no art. 5.º da petição inicial que “O bem em causa é o único bem conhecido dos Requeridos”, o que voltou a afirmar em sede de Audiência Final e tendo o Tribunal a quo tomado isso precisamente em consideração ("de facto, limita-se a alegar que o bem em causa é o único bem conhecido dos requeridos") e tendo dado isso como assente, deveria constar dos factos provados:
"8 - O prédio descrito em 6 é o único bem dos Requeridos conhecido pelo requerente".
C - No tocante à matéria de direito, depreende-se que o Tribunal a quo sustenta o indeferimento da providência cautelar nos seguintes argumentos:
a) o crédito ainda está em discussão, pelo que não se pode considerar o valor pedido de 24.600,00€ (que deu valor à acção de honorários) mas o valor estimado pelos RR. de 2.000,00€, ora com todo o respeito tal argumento não pode colher pois os RR. até podiam dizer que não deviam nada, trata-se de um crédito que se encontra a ser reclamado judicialmente, sendo que para a providência de arresto o crédito até poderia não se encontrar vencido (por mero exemplo, Ac. T.R.P. de 18.12.2000, Unanimidade, Proc. Trib Recorrido 182-A/200), mas até se encontra devidamente faturado, com interpelação para pagamento e vencido.
b) é excessivo proceder ao arresto pelo valor de 2.000,00€, ora como se referiu na alínea anterior não se trata do valor de 2.000,00€ por um lado e por outro, mesmo que fosse esse o crédito (que não é) também o arresto sempre teria também de ser decretado, uma vez que não são conhecidos mais nenhuns bens dos Requeridos e não causa qualquer prejuízo.
c) o Requerente não prova que não existem outros bens, ora tal prova é impossível pois por um lado não é possível fazer prova de um facto negativo, por outro lado nunca será possível fazer prova que os Requeridos não têm verbi gratia um relógio de ouro ou um quadro que até valha o valor reclamado, e por último, o Requerente não pode conhecer outros bens (por mais que queira) pois a Autoridade Tributária não presta informações (como assim o disse) por sigilo e cumprimento do Regulamento Geral de Protecção de Dados, a Conservatória do Registo Predial e a Conservatória do Registo Automóvel não prestam informações pelo nome ou cartão do cidadão ou contribuinte, antes ao contrário sabendo o n.º do artigo ou a matrícula do veículo se pode saber o proprietário, e também não se pode ir aos bancos e perguntar se as pessoas têm conta e quais os saldos, mas isto, como todo o devido respeito, é do conhecimento comum, conforme declarações do Requerente transcritas nas alegações.
d) se se realizar a venda, o valor da venda integra o património dos Requeridos, ora este argumento também não colhe, por vários motivos: 1º - não podemos afirmar que o valor da venda vai integrar o património dos Requeridos, pois podem ceder o crédito a um terceiro e o comprador fazer directamente o pagamento a esse terceiro, ou simplesmente pediram ao comprador para depositar o preço na conta de um filho ou de um amigo, ou qualquer outra hipótese que mais não seria do que especular, mas possível, 2º - existe uma diminuição das garantias substituindo-se um bem imóvel (sujeito a registo) por dinheiro, pois o dinheiro é fungível e facilmente dissipável, 3º - O produto da venda pode facilmente ser depositado numa conta off shore ou em qualquer banco estrangeiro dificultando (senão impossibilitando) a acção do credor e criando graves entropias ou óbices na cobrança do crédito, 4º - o valor de venda pode ser inferior ao valor do imóvel e assim, também sempre haveria uma diminuição das garantias, 5º - por essa ordem de ideias, nunca nenhum arresto seria decretado, pois é sempre um bem do devedor que se esta a tentar alienar, 6º - mais, pela mesma ordem de ideias, bastaria uma pessoa colocar uma placa a dizer vende-se no seu imóvel e ficava protegido de um eventual arresto, pois ia (nessa presunção) receber o valor.
D - Salientamos, por último, que se trata de um Advogado que apenas está a tentar receber pelo seu trabalho.»

O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo).
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
O recorrente impugna a decisão, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito.
Em matéria de facto, sustenta que, face ao teor do seu depoimento, se impunha que o tribunal desse como provado o facto supra enunciado:
"8 - O prédio descrito em 6 é o único bem dos Requeridos conhecido pelo requerente".
Em matéria de direito, defende que sempre teria que ser decretada a providência requerida.
São, assim, questões a apreciar e decidir:
- se o tribunal não fez uma correcta apreciação da prova produzida, impondo-se uma alteração da decisão de facto;
- se estão reunidos os pressupostos exigidos para que se decrete o arresto pretendido e, em particular, se é justificado o receio do requerente de perda da garantia patrimonial do seu crédito.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância considerou, indiciariamente, provada:
1 – Corre termos neste juízo o processo 1266/14.4T2AVCR-C.
2 – A esse processo foram, por despacho de 26 de Fevereiro de 2019 proferido nos autos 1266/14.4T2AVR e transitado em julgado, apensados diversos processos com o seguinte fundamento:
“No caso em apreço, estamos perante um conjunto de acções de honorários, instaurados pelo mesmo autor contra réus diversificados e referentes a serviços prestados no âmbito de diversas acções que correram termos no Juízo Central Cível de Aveiro, não podendo, deste modo, afirmar-se, que estamos perante um caso em que se verificam os mencionados pressupostos de admissibilidade.
Contudo, verifica-se que as acções comuns no âmbito das quais foram prestados os serviços dizem respeito ao reconhecimento da propriedade privada de imóveis que, face ao quadro normativo vigente, poderiam integrar o domínio público (hídrico), sendo que os prédios em causa, por sua vez, situam-se todos numa zona que era conhecida por “V…”, localizada no município de ílhavo, comarca de Aveiro, imóveis, aliás, que, até confrontam, no todo ou em parte, uns com os outros.
Por outro lado, o modo de aquisição (da propriedade) que foi invocado em todos os processos onde o ilustre causídico, ora autor, prestou os respectivos serviços decorre de uma série de actos translativos que têm na sua origem o mesmo negócio jurídico, ou seja, como foi alegado – e ficou provado – em todos os litígios que os réus (autores nas correspondentes acções comuns) instauraram contra o Estado Português, o que determinou a constituição (ou aquisição) da propriedade privada referente ao imóvel de onde vieram a ser destacadas as parcelas que deram origem aos prédios dos diversos demandantes foi um contrato de aprazamento (enfiteuse) celebrado no ano de 1860, data a partir da qual – e sensivelmente durante um século – ocorre um conjunto de factos juridicamente relevantes, em particular, sucessivos negócios jurídicos que importaram a divisão do prédio inicial (“V…”) e que vêm culminar, no final do século XX e início do século XXI, com a aquisição, pelos ora réus, dos diversos imóveis a que fizemos referência.
Paralelamente, constata-se que o modelo adoptado pelo ilustre causídico para a propositura das acções tendentes ao reconhecimento da propriedade privada sobre os aludidos imóveis foi, no que diz à factualidade que integra a respectiva causa de pedir, essencialmente o mesmo, divergindo o acervo factual apenas no que diz respeito ao último acto translativo do mencionado direito real (propriedade) e no concerne a algumas características específicas de cada um dos prédios que está em causa (áreas e tipologia/número de divisões).
Há, pois, manifesto interesse na tramitação conjunta do núcleo de acções de honorários que o autor instaurou no Juízo Central Cível de Aveiro com base em serviços prestados nas diversas acções que tem os inúmeros pontos em comum que acabamos de referenciar, tramitação que é viável ao abrigo do princípio da adequação formal consagrado no art. 547º do C.P.C.
Termos em que se deferem os pedidos de apensação formulados”
3 – Encontram-se apensadas as seguintes acções de honorários:
- 1266/14.4T2AVCR – D – Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus E… e F… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1271/14.0 T2AVR, também apensada e com um pedido de 31.666,35 € (trinta e um mil seiscentos e sessenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos),
- 1266/14.4T2AVR -E - Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus G… e H… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1266/14.4T2AVCR, também apensada, e com um pedido 38.030,00 € (trinta e oito mil e trinta euros);
- 1266/14.4T2AVR -F – Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus os aqui requeridos e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1268/14.0T2AVCR, também apensada e com um pedido de 24.600,00 € (vinte e quatro mil e seiscentos euros);
- 1266/14.4T2AVR -G– Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus I… e Herança de J… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1270/14.2T2AVCR, também apensada e com um pedido de 30.731,55 € (trinta mil setecentos e trinta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos);
- 1266/14.4T2AVR -H– Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e ré K… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1272/14.9T2AVCR, também apensada, e com um pedido de 35.091,90 € (trinta e cinco mil e noventa e um euros e noventa cêntimos);
- 1266/14.4T2AVR -I– Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus L…, M… e N… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1273/14.7T2AVCR, também apensada e com um pedido de 31.721,70 € (trinta e um mil setecentos e vinte e um euros e setenta cêntimos);
- 1266/14.4T2AVR -J– Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus O… e P… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1278/14.4T2AVCR, também apensada e com um pedido de 33.302,25 € (trinta e três mil trezentos e dois euros e vinte e cinco cêntimos);
- 1266/14.4T2AVR -K– Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus Q… e S… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1267/14.2T2AVCR, também apensada e com um pedido de 36.839,40 € (trinta e seis mil oitocentos e trinta e nove euros e quarenta cêntimos).
- 1266/14.4T2AVR -C– Acção de Honorários em é autor o aqui requerente e réus T… e U… e que é relativa a honorários alegadamente devidos na acção 1269/14.4T2AVCR, também apensada e com um pedido de 31.488 € (trinta e um mil, quatrocentos e oitenta e oito euros);
4 - No apenso F referido em 3 foi apresentada contestação onde se alega:
- A similitude da situação de facto e de direito de todas as acções apensas, sendo praticamente reproduções integrais umas das outras.
- A apresentação por parte da requerente de uma estimativa de honorários de cerca de 2000,00 €.
- A inverosimilhança e mesmo impossibilidade de o requerente ter despendido todas as horas de trabalho que alega.
- A desconformidade do custo médio da hora de trabalho praticado pelos advogados da comarca de Aveiro e o custo apresentado pelo aqui requerente.
Concluindo-se pela improcedência da acção em tudo quanto exceda 2.000,00 € de honorários.
5 - Foi elaborado Parecer no âmbito do Processo de Laudo 194/2017-CS/L, que conclui serem adequados honorários no valor de 20.000 €
6 – Está inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Ílhavo, com o n.º 5682 e inscrito na matriz urbana da freguesia … com o n.º 2021
7 – O prédio descrito em 6 encontra-se à venda
*
Não foi considerado indiciariamente provado que:
«O prédio descrito em 6 seja o único bem dos Requeridos.»
*
A reapreciação da decisão em matéria de facto tem carácter instrumental, é dizer, só faz sentido se visar reverter a favor do recorrente uma certa decisão jurídica alicerçada em determinada realidade factual que lhe é desfavorável, pois que, de contrário, essa reapreciação torna-se num acto inútil, num mero exercício cognitivo inconsequente.
Como resulta da conclusão B) da motivação do recurso, o recorrente entende que o depoimento por si prestado impõe que se dê como provado que o prédio cujo arresto se pede «é o único bem dos Requeridos conhecido pelo requerente».
Afigura-se-nos, porém, que esse facto não é essencial, sequer relevante, para inverter a decisão proferida que lhe foi desfavorável, pois não permite um juízo de verosimilhança quanto à verificação do justo receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito.
É ponto que não suscita controvérsia na doutrina e na jurisprudência a proposição segundo a qual a avaliação do requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito «não deve assentar em critérios puramente subjectivos do juiz ou do credor, antes em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência e com base num juízo de mera verosimilhança, aconselhem uma decisão cautelar de apreensão imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva de que o procedimento é instrumental»[2].
Nos procedimentos cautelares, toda a prova produzida é meramente indiciária, não se exige prova segura dos factos alegados integradores dos pressupostos da providência requerida, como ocorre na acção de que estão dependentes.
A formação da convicção do juiz e a correspondente decisão assentam na emissão de juízos de mera probabilidade, resultantes da valoração de prova indiciária, quer no que diz respeito à existência do direito (fumus boni juris), quer no que diz respeito à ocorrência de prejuízos graves e dificilmente reparáveis ou à perda de garantias patrimoniais (periculum in mora).
Ora, essa exigência não se satisfaz com a simples afirmação de que o bem indicado para ser arrestado é o único conhecido pelo requerente como pertencente aos requeridos, pois esse limitado conhecimento não permite inferir, com um mínimo de segurança, a probabilidade do periculum in mora. O desconhecimento, pelo requerente, de outros bens valiosos na esfera patrimonial dos requeridos pode significar, muito simplesmente, que não houve o cuidado de averiguar, ainda que sumariamente, qual a real situação patrimonial dos requeridos.
Aliás, esse desconhecimento não deixa de ser algo surpreendente se se tiver em conta que o requerente foi mandatário dos requeridos e os serviços forenses prestados no exercício desse mandato é a fonte do seu crédito.
Se se aceita que o requerente desconheça alguns aspectos da situação patrimonial dos requeridos, designadamente porque cobertos por sigilo (p. ex., a existência de dinheiro em contas de depósitos bancários, a prazo ou à ordem), já não se compreende que desconheça se estes são proprietários de outros imóveis, se têm veículos automóveis, se têm rendimentos certos e periódicos, etc.
Neste contexto, é tão válido o juízo de inferência no sentido de que os requeridos não têm outros bens patrimoniais de valor significativo para além do imóvel cujo arresto foi pedido como o juízo de sentido contrário.
Por isso não se acolhe a pretensão do recorrente de que seja aditado aquele facto.

2. Fundamentos de direito
O inconformismo do recorrente manifesta-se, também, em matéria de direito, alegando que, por um lado, é impossível fazer prova de um facto negativo (o de que não existem outros bens no património dos requeridos) e, por outro, que «existe uma diminuição das garantias substituindo-se um bem imóvel (sujeito a registo) por dinheiro, pois o dinheiro é fungível e facilmente dissipável», além de que «o produto da venda pode facilmente ser depositado numa conta off shore ou em qualquer banco estrangeiro dificultando (senão impossibilitando) a acção do credor e criando graves entropias ou óbices na cobrança do crédito» e, ainda, que «o valor de venda pode ser inferior ao valor do imóvel».
Qualquer providência cautelar pressupõe, por um lado, que o requerente seja titular de um direito, ainda que meramente aparente, e o perigo de insatisfação desse direito aparente, por outro.
O art.º 619.º, n.º 1 do Cód. Civil confere ao credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito o direito de requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.
Por seu turno, o art.º 392.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil estabelece que o requerente do arresto fundado no receio de perda da garantia patrimonial deduzirá os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado.
Assim, para que possa ser decretado o arresto, o requerente terá de demonstrar:
1) que é titular de um direito de crédito sobre o requerido ou, pelo menos, a probabilidade da existência de um crédito;
2) o perigo de insatisfação desse crédito aparente.
Quanto ao primeiro requisito, uma vez que a prova do crédito se há-de fazer na acção principal e não no procedimento cautelar, a lei contenta-se com a prova da mera aparência ou probabilidade da existência do crédito.
Mesmo que se trate de um crédito fundado em responsabilidade civil (contratual ou extracontratual), basta que se demonstre a probabilidade da sua existência.
No caso, é certa a existência do crédito do requerente, mas incerto o respectivo montante, pois há litígio quanto a esse ponto: o requerente reclama a quantia de € 24.600,00 a título de honorários pelos serviços prestados, mas os aqui requeridos consideram esse valor clamorosamente exagerado e entendem que o valor justo da remuneração será de € 2.000,00.
O montante do crédito é importante para aferir do perigo da sua insatisfação, pois é um dado da experiência comum que quanto mais elevado for, maior será a probabilidade de incumprimento.
No entanto, tal como não é correcto invocar aquele valor do crédito reclamado (pelo requerente) para justificar o perigo da sua insatisfação, assim também não pode servir de argumento para indeferir (por manifesta desproporcionalidade) o pedido de arresto do imóvel o facto de os requeridos admitirem (apenas) o montante de € 2.000,00.
Verificado que se mostra o primeiro dos apontados requisitos, a questão a que importa agora responder consiste em saber se é fundado o receio do requerente de perda da garantia patrimonial do seu crédito.
Na decisão recorrida concluiu-se pela negativa e a conclusão está assim justificada:
«(…) o requerente também não fez qualquer prova da verificação do segundo pressuposto, isto é, do justo receio de perda de garantia patrimonial desse crédito.
De facto, limita-se a alegar que o bem em causa é o único bem conhecido dos requeridos.
No entanto, de facto, e como resulta dos depoimentos ouvidos, a situação patrimonial dos requeridos é-lhe de todo desconhecida.
Acresce que, mesmo concretizando-se a venda, o valor recebido passará a integrar o património dos requeridos, não havendo qualquer indício, nem tal sendo alegado, que os mesmos dissiparão a quantia recebida.»
Inexistindo, a par da enunciação de uma cláusula geral de perigo de insatisfação do direito do credor, a tipificação de situações indiciadoras do periculum in mora, a doutrina e a jurisprudência têm identificado situações várias e diversas susceptíveis de integrar essa cláusula geral.
Segundo J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, pág. 144) «Afastada a enunciação legal dos respectivos fundamentos, qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora: pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas) ou o da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prova que está tentando fazê-lo…), ou de qualquer outra atuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito».
Para A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Ousa e P. Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 466), a verificação do requisito «pode decorrer designadamente de um quadro em que se manifestem os seguintes sinais: pré-insolvência, superação grave do passivo em relação ao ativo, alienação ou tentativa de alienação de património com objetivo de evitar a sua execução, encerramento de estabelecimento comercial, transferência para o estrangeiro, atos de simulação, etc.»[3].
Estes mesmos autores (ob. e loc. cit.) defendem que «na ponderação dos diversos interesses, deve privilegiar-se o credor a quem não foi satisfeito o crédito, em detrimento do devedor em situação de inadimplência. Sendo tantos os pontos de fuga dos devedores às suas responsabilidades (dissipação de bens, simulação de negócios, constituição de sociedades de conveniência, transferência de bens para sociedades off shore, etc.), devem os tribunais privilegiar a tutela de quem, aparentemente, dela careça, assegurando, quando tal se justificar, a apreensão dos bens enquanto é tempo (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, 4.ª ed., pp 196-202)».
No caso, não se nos depara uma situação de pura recusa de cumprimento de uma obrigação pecuniária, mas antes uma contestação[4], perfeitamente legítima, do valor dos honorários que o requerente pretende cobrar. Ou seja, nada indica que os requeridos pretendem furtar-se ao cumprimento da obrigação de pagar os serviços que lhe foram prestados pelo ilustre Advogado, aqui requerente, mas tão só que se fixe a justa remuneração desses serviços.
Importa frisar que o receio de insatisfação do direito há-de ser fundado e actual. Ou seja, o receio há-de ser de tal ordem que justifique a providência requerida e só a justifica quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer de que está iminente a lesão do direito.
O perigo de insatisfação do direito existe sempre que o tribunal se convença que, com a expectativa da alienação de determinados bens, mormente bens imóveis, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito.
Está indiciariamente provado que os requeridos estão a diligenciar pela venda do prédio urbano supra identificado no ponto 6 do elenco de factos provados.
Importava saber se se trata da casa de residência dos requeridos e, na afirmativa, por que razão pretendem eles aliená-la. Na negativa, se são proprietários de outro(s) imóveis. Se há da sua parte uma actuação premeditada no sentido de ocultar ou dissipar os bens mais valiosos que integram o seu património.
O requerente alegou que aos requeridos não são conhecidos quaisquer outros bens, mas nem desse facto logrou fazer prova indiciária. Não se tratava de provar um facto negativo, como alega o recorrente, mas antes de fornecer ao tribunal elementos que lhe permitissem formar uma ideia aproximada da real situação económico-financeira dos requeridos (nomeadamente se existem outros credores a exigir o pagamento dos seus créditos e, na afirmativa, se ocorre manifesta insuficiência dos activos para satisfação das dívidas) por forma a avaliar até que ponto seria justificado o receio de perda da garantia do seu crédito.
O justo receio de o credor perder a garantia patrimonial é o pressuposto fundamental do arresto e, já pelas consequências que esta providência acarreta para o devedor, já porque importa prevenir abusos, a sua verificação tem de ser inequivocamente demonstrada.
Como salientou o Professor Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, 4.ª edição, 453), “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas o receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular”.
O requerente não tem, ou, pelo menos, não indicou, razões objectivas para o pretendido arresto do imóvel dos requeridos.
Por isso não merece censura a decisão recorrida.

III - Dispositivo
Pelas razões que ficam expostas, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto por B… e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 07.06.2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_________________
[1] Por manifesto lapso, foi aposta a data de 20.01.2020.
[2] A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, I vol., Almedina, 2019, pág. 465.
Na jurisprudência, pode ver-se, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 25.11.2010, processo n.º 93/10.2TBMAI.P1 («Não são as convicções do credor, nem os seus próprios e meros receios ou as conjecturas que porventura formule, nem os demais juízos subjectivos que sustente, nem a mera recusa de cumprimento da obrigação, nem mesmo os juízos subjectivos do juiz que têm virtualidade para sustentar a existência do justo receio de perda da garantia patrimonial, mas antes a alegação e prova, ainda que indiciária, de factos ou de circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído») e da Relação de Coimbra de 28.06.2017, processo n.º 9070/16.9T8CBR.C1 («1 – No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjecturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há-de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum»).
[3] Na jurisprudência, cfr. o já citado acórdão da Relação de Coimbra de 28.06.2027, no qual se ponderou: «(…)para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes».
[4] Que é comum a todos aqueles que o requerente patrocinou em várias acções idênticas.