Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
430/14.0TAAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADO
PROIBIÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RP20181207430/14.0TAAMT.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 782, FLS 59-79)
Área Temática: .
Sumário: I – O segredo profissional traduz-se, em geral, na reserva que um profissional deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço prestado ou à sua profissão.
II – O fundamento ético-jurídico do dever de sigilo profissional do advogado não está confinado à relação contratual estabelecida entre este e o seu cliente, sendo o bem jurídico que ilumina a tutela desse segredo a necessidade social da confiança nos advogados em geral.
III – Por esse motivo, não poderá ser o mandante/cliente a desvincular o mandatário/advogado desse dever de sigilo.
IV – Constitui prova proibida a valoração do depoimento testemunhal de um advogado com violação do respetivo dever de sigilo profissional.
V- Enferma de nulidade por omissão de pronúncia a sentença que considera uma prova proibida sem tratar a questão dessa proibição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 430/14.0TAAMT.P1
Comarca do Porto Este
Juízo Local Criminal de Amarante

Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO
Por sentença proferida no Juízo Local Criminal de Amarante, da Comarca do Porto Este, processo comum com intervenção do Tribunal Singular nº 430/14.0TAAMT, foi decidido absolver a arguida B... do cometimento de factos que consubstanciem a prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelo art.º 348.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, por referência ao art.º 375.º do Código de Processo Civil, do qual estava pronunciada.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio o assistente C... interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. O Recorrente discorda da decisão proferida no âmbito dos presentes autos, na medida em que decidiu julgar improcedente a acusação contra si formulada, absolvendo-a, em conformidade, da prática do crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.º, nºs 1 e 2 do C.P., por referência ao disposto no artigo 375.º do C.P.C. (anterior 391.°).
II. Num primeiro prisma, dizer que divergimos da forma como a Senhora Juiz de 1.a instância concretiza o julgamento da matéria de facto, considerando, como se irá melhor explicitar, que o mesmo contém em si vícios que, embora de forma parcial, permitem questionar a bondade da decisão assim havida.
III. De imediato, é nula a sentença impugnada, por omissão de pronúncia, uma vez que não apreciou, nem decidiu, o incidente que foi formulado pelo Assistente em audiência de julgamento, quanto à validade do depoimento da testemunha D... (depoimento prestado no dia 02 de junho de 2017, com início pelas 14h28m52s e termo pelas 15h02m58s, devidamente gravado).
IV. Efetivamente, findo o mesmo, por requerimento datado para a ata (gravado nessa data em suporte magnético com início pelas 15h02m58s e termo pelas 15h07m51s) foi suscitada a questão de, uma vez que aquela testemunha fora, de forma contemporânea aos factos imputados à Arguida, seu Mandatário, e os factos por si narrados terem sido por si conhecidos no exercício da sua profissão de Advogado, o seu depoimento constituir meio proibido de prova, nos termos dos artigos 92.º, n.º 5 do E.O.A., 126.º e 135.º do C.P.P.
V. Ocorre que essa questão, devida e tempestivamente colocada, não foi objeto de decisão pelo Tribunal recorrido, quando impunha dela ter conhecido, melhor não fora, oficiosamente.
VI. Mas mais grave do que o omitir, é a circunstância de o Tribunal ter, em seu lugar, valorado esse depoimento na formação da sua convicção quanto à matéria de facto assente (vide, a propósito, o quadro da motivação estribada e a redação conferida, p.e., ao ponto 9 do elenco de factos provados).
VII. Ora, em conformidade com o artigo 92.º do E.O.A, o advogado está vinculado a uma obrigação de guardar segredo de factos cujo conhecimento tenha por fonte o exercício das suas funções a prestação de serviços; trata-se esta, sobretudo, de uma «obrigação instituída no interesse da profissão, destinada a proteger os segredos cuja divulgação poderia prejudicar o desenvolvimento normal da profissão».
VIII. Nessa medida, o dever de discrição que integra o dever geral de sigilo impõe-se a todos os advogados e exclui a divulgação de factos, informações, documentos ou coisas das quais o advogado tomou conhecimento no exercício ou por ocasião do exercício das suas funções, só podendo cessar nos termos e nas condições previstas nos artigos 92.º, n.º 5 do E.O.A. e do artigo 135.º do C.P.P.
IX. No caso em apreço, resulta do depoimento citado, e bem assim do documento junto aos autos pelo Conselho Distrital do Porto, que o mesmo não formulou pedido de dispensa de segredo profissional (cfr. ofício junto aos autos em 09 de fevereiro de 2017, com referência 3329451); mais não resulta dos autos que a quebra do dever de segredo a que estava adstrito se revelasse «absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente», nem tal foi alegado pelo próprio.
X. Nesta situação específica um eventual consentimento da Arguida, no caso, Cliente, em nada releva para dispensar o obrigado do cumprimento do dever de sigilo.
XI. Consequentemente, se a violação do dever de reserva acarreta consequências do ponto de vista estatutário, também coenvolve consequências processuais, que passam por considerar que os atos praticados em violação desse dever são cominados com uma proibição de prova, sendo ilícita, não servindo, pois, para fazer prova em juízo (n.º 5 do artigo 92.º do E.O.A, e artigo 126.º do C.P.P.).
XII. Consequência essa que, a não proceder a omissão aludida, sempre se imporá, com a inerente anulação do julgado para reformulação do julgamento da matéria de facto, e inerente adequação da motivação à proibição assim reconhecida.
XIII. Sem prescindir, continuando a apreciação do julgamento neste segmento, dizer que nos merece as maiores críticas a redação conferida ao ponto 10 dos factos provados. Efetivamente, para dá-lo por demonstrado o Tribunal a quo foi particularmente permeável ao teor das declarações prestadas pela Arguida.
XIV. Porém, este posicionamento do Tribunal é errático porque branqueia a existência de mais prova produzida não só em audiência, que se mostra validamente obtida, e que não poderia ter sido omitida na formação da convicção do Julgador.
XV. Na verdade, reportada à factualidade ali versada, a prova documental nos autos é abundante, sendo que se demonstra, tanto mais, particularmente relevante para a verificação dos elementos de que depende a prática do ilícito criminal.
XVI. Sobre eles, todavia, o Tribunal não se pronuncia, nem os valora, como se impunha, dado que estavam, como os demais meios de prova produzidos, sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do C.P.P.).
XVII. Tomando-os em devida atenção, como ocorrido por via do despacho de pronúncia, percebemos que do teor de fls. 35 a 55 e 77 a 106 dos autos, consta o requerimento inicial da providência cautelar de arrolamento apresentada pela Arguida, a decisão de decretamento e, ademais, a respetiva notificação à então Requerente, aqui Arguida.
XVIII. De tais elementos se extrai que a providência de arrolamento foi concretizado com a extensão que a Arguida pretendeu, ou seja, o Tribunal, em sede cautelar, mandou vincular, entre o mais, todas as contas bancárias, depósitos e afins, tituladas ou co tituladas pelo Assistente, independentemente de as mesmas terem outros titulares, ficando os respetivos saldos à ordem do Tribunal que tramitou a providência.
XIX. Mais, de tais elementos se retira a ideia de que se as partes foram conhecedoras dessa decisão judicial, também o foram todas as instituições bancárias que, após ofício remetido ao Banco de Portugal para concretização do arrolamento, vieram dar nota de que os bens ficariam arrolados à ordem dos autos.
XX. No caso específico dos autos, o Banco onde se encontrava domiciliada a conta indicada sob o ponto 7 dos factos provados deu nota disso mesmo, como concretamente o identifica o documento n.º 2 junto com a queixa-crime, vertido de fls. 8 a 15, e de 24 a 31 dos autos, mas também, em momento ulterior na tramitação dos autos, os ofícios daquela instituição juntos a fls. 293 e 378 dos autos.
XXI. paralelamente, se os saldos foram arrolados pelo Banco, com data que remonta a 13 de julho de 2011, ulteriormente, no decurso desses autos cautelares, embora numa fase avançada dos mesmos, é o próprio Banco que indaga junto do Tribunal sobre se deveria haver disponibilização de capital, tendo-lhe sido dirigido despacho judicial dando nota de que «(…), não pode[ria] haver movimentação das contas, mantendo assim a indisponibilidade das mesmas» - referimo-nos a fls. 56 e 57 dos autos.
XXII. Naturalmente que se o arrolamento desta conta não se mantivesse, não teria a dita instituição indagado junto do Tribunal a propósito.
XXIII. Consequentemente, os elementos probatórios coligidos não foram valorados pelo Tribunal recorrido, sem que se perceba, concretamente, o motivo para que tal tenha acontecido; tratam-se de meios de prova produzidos de forma válida e que, independentemente do mais, deixam ver à saciedade que a Arguida faltou à verdade nas declarações que prestou perante o Tribunal recorrido, facto que não foi sancionado por aquele, tendo-as valorado na formação da sua decisão.
XXIV. Nesta senda, apelando especificamente a tais elementos probatórios, parece-nos ser de eliminar o ponto indicado do acervo factual e, em seu lugar, ao invés, impor-se-á isso sim dar como demonstrado algo distinto, cuja redação, baseada nos elementos enunciados, se propõe, pelo modo seguinte:
«Pese embora a Arguida tenha produzido várias operações bancárias por referência ao período referido em 7, a conta também aí identificada estava arrolada, desde pelo menos 13 de julho de 2011, à ordem dos autos cautelares identificados em 1.»
XXV. Por similitude de princípio, diga-se que é errado o julgamento realizado pelo Tribunal a quo, em relação à primeira parte do ponto 12 dos factos provados. De facto, neste particular, a Senhora Juiz volta a incorrer no vício de apartar do quadro da formação da sua convicção o manancial da prova documental existente, especialmente numa matéria, como esta, em que a sua demonstração se faz, pese embora não de forma exclusiva, mas em termos relevantes, por via documental (já que falamos do saldo de uma conta bancária).
XXVI. Não se percebe, uma vez mais, como é que não haja sido considerada em sede de fundamentação da decisão a miríade de extratos bancários juntos de fls. 78 a 106 dos autos, elementos dos quais se extrai que no período compreendido no ponto 7 dos factos provados o saldo da conta nunca foi superior a € 45.918,29, tendo vindo, por via da atuação da Arguida, vindo a decrescer.
XXVII. Conjugando esse elemento, com o teor de fls. 293 dos autos, por se tratar de documento elaborado pela instituição bancária onde estaria a conta movimentada, deste se extrai aquele que seria o valor real que existia à data indicada, valor esse que, devidamente apurado, se quantificaria em € 794.349,94 (setecentos e noventa e quatro mil, trezentos e quarenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos).
XXVIII. Ora, a partir do momento em que ocorre o arrolamento a conta não mais foi, até à data dos factos narrados na acusação, movimentada, pelo que a oscilação que a mesma pudesse sofrer adviria apenas da modificação do valor unitário das participações e ações, nunca a níveis tais que incrementassem com segurança a conclusão que extrai, inopinadamente, o Tribunal recorrido no ponto sindicado.
XXIX. De resto, muito nos espanta que tenha a Senhora Juiz de 1.a instância apelado ao depoimento do Assistente para fundar a sua convicção neste conspecto, sendo que esse apelo é revelador de um juízo de errada valoração dos meios de prova, pois que é manifesto que o mesmo, neste conspecto se revelou dúbio e titubeante, fruto da incerteza assim evidenciada.
XXX. Aliás, essa circunstância é visível se se atentar na gravação do mesmo especificamente, no depoimento prestado em audiência de julgamento tida lugar no dia 02 de junho de 2017, com início pelas 15h08m44s e termo pelas 15h22m26s (em especial no que flui do minuto 04m00s a 06m19s, e ulteriormente), e ulteriormente em audiência tida lugar no dia 23 de junho de 2017, com início pelas 11h09m35s e termo pelas 11h50m51s (com ênfase para a gravação entre o minuto 06m56 e o minuto 08m30s), e início pelas 12h05m02s e termo pelas 12h46m56s (especificamente, no período compreendido entre o minuto 00m00s ao minuto 01m38s)
XXXI. Consequentemente, ancorados nos elementos aludidos, importa peticionar a eliminação da primeira parte da redação atribuída ao ponto 12 dos factos provados e, no sentido de manter a referência feita no mais, urge alterar igualmente a sua redação, o que, baseado nos elementos documentais supra citados, se propõe pelo modo seguinte:
«Em 08 de maio de 2014, a conta bancária em causa tinha um saldo à ordem de € 45.918, 29, sendo que os valores que a Arguida foi levantando, entre aquela data e o dia 26 de maio, reportaram-se a esse saldo e a depósitos a prazo que entretanto esta mobilizou, sendo todos os ulteriores referentes a dividendos de seguros e juros»
XXXII. Paralelamente, dizer que dissentimos da opinião da Senhora Juiz de 1.a instância, quando dá por provada a factualidade consignada na segunda parte do ponto 15.º dos factos provados, a qual deverá, pelas razões que passamos a explicitar, ser eliminada.
XXXIII. Fazendo um esforço para, em sede de motivação, encontrarmos o referente em que ancorou a Senhora juíza recorrida esse seu posicionamento, dizer que não o encontramos; apenas existe, isso sim, uma remissão em bloco para a globalidade dos depoimentos prestados, sem especificar de que forma cada um, ou todos eles, se apresentaram relevantes para que concluísse, dando por provada a factualidade aqui sindicada.
XXXIV. Esta circunstância configura uma deficiência da sentença, por insuficiente fundamentação, facto que determina, em conformidade com a corrente citada, e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, com referência ao artigo 374.º, ambos do C.P.P., a nulidade da sentença, que aqui urge ver declarada.
XXXV. Independentemente dessa circunstância, procurando fazer um esforço exegético, diremos que do cotejo da prova produzida em julgamento a realidade que alcançamos é totalmente díspar da assumida.
XXXVI. De imediato, as declarações da Arguida explicitam, quando questionada a propósito da pensão de alimentos, que, se existiu em tempo um (e não vários) processo executivo para cobrança de quantias em dívida, sempre acrescenta que esse valor foi pago, embora para conta não por si titulada, mas pela Mandatária por si constituída, conforme instruções desta nos autos.
XXXVII. No mais, acrescenta também que a pensão de alimentos fixada entre as partes, no decurso do processo de divórcio, se encontra a ser paga diretamente a si desde março de 2015, pensão essa no valor que a Senhora Juiz recorrida deu, como vimos, por devidamente demonstrado (nesse concreto aspeto, tome-se em devida atenção ao teor das suas declarações prestadas, em audiência de julgamento tida lugar no dia 02 de junho de 2017, com início pelo minuto 54m45s e termo pelo minuto 59m44s).
XXXVIII. A elas acresce, o depoimento de C..., Assistente nos autos, que asseverou que a Arguida, em momento contemporâneo com a prática dos factos que lhe vêm imputados, recebeu alimentos conforme foram judicialmente fixados, numa primeira fase por intermédio da sua Mandatária, que indicara, por ter poderes para o efeito, o IBAN nos autos executivos que instaurara para cobrança daqueles, e num momento subsequente, diretamente, para IBAN que a Arguida indicara, e de que era beneficiária.
XXXIX. Este depoimento foi, tal como as declarações prestadas pela Arguida, valorado pelo Tribunal recorrido, não se percebendo, assim, porque é que o fez de modo parcial, abandonando-os no que a esta matéria respeita (neste conspecto, vide o teor do depoimento prestado em audiência tida lugar no dia 02 de junho de 2017, com início pelas 15h08m44s e termo pelas 15h22m26s – especificamente, atente-se no depoimento gravado com início no minuto 07m25s e termo pelas 09m10s –, e ulteriormente, no dia 23 de junho de 2017, com início pelas 10h44m40s e termo pelas 11h09m34 – neste caso, com realce atente-se ao teor da gravação registada entre o minuto 12m05s e termo pelas 15m35s – e a instâncias do seu Mandatário, estas registadas naquele dia, em suporte magnético, com início pelas 12h05m02s e termo pelas 12h46m56s, e das quais se destaca, em síntese, o depoimento gravado entre o minuto 00m00s e o minuto 01m25s.
XL. Por fim, tal factualidade é posta em crise pela existência de comprovativos de entrega de quantias pecuniárias à Arguida, produzidos no âmbito do (aludido) processo de execução para pagamento de quantia certa no hiato temporal circunscrito entre os dias 03 de janeiro e 03 de maio de 2014, no valor global de € 18.295,11, e que estão juntos aos autos como documentos nºs 1 a 6 com o requerimento apresentado pelo Assistente no dia 12 de junho de 2017, com referência 3649616.
XLI. Conjugando, pois, estes elementos probatórios, importa concluir no sentido de eliminar-se o citado segmento do ponto 15 do acervo fático e, concomitantemente, em sua substituição, propõe-se a sua reformulação pelo modo seguinte:
«A arguida recebe pensão de alimentos do marido, no valor mensal de 750,00, sendo que entre os dias 23 de janeiro e 03 de maio de 2014, à Arguida foi paga, no âmbito do processo de execução por alimentos que ela moveu ao Assistente, através de conta titulada pela sua então Mandatária, a quantia de € 18.295,11».
XLII. Finalmente, quanto ao julgamento da matéria de facto, dizer que não acompanhamos a posição expressa pela Mma. Juiz a quo, ao dar como não provada a factualidade constante dos pontos A) e B).
XLIII. Cotejando a motivação estribada pela Senhora Juiz de 1.a instância, é manifesto que o Tribunal recorrido convoca para esta fase um conjunto de considerações especificamente concernentes à culpa e à ilicitude que, ressalvado o devido respeito, apenas deveriam ser suscitadas noutra sede, a da fundamentação jurídica da decisão, pois que produz ali, no imediato, um juízo conclusivo e eminentemente jurídico quanto à (in)existência do preenchimento dos elementos que compõem o tipo legal que vem imputado à Arguida, quando naquela sede apenas interessava apurar da factualidade relevante para a sua verificação.
XLIV. Esta circunstância configura um vício substancial ao nível da fundamentação, vício que conduz, claro está, à nulidade da sentença, tudo nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), tendo por referência o disposto no artigo 374.º, ambos do C.P.P.
XLV. De todo o modo, antevendo a possibilidade de tal não vir a ocorrer, sempre urge demonstrar que o julgamento realizado se mostra errado, começando de imediato, quanto ao primeiro segmento do citado item A) dos factos não provados.
XLVI. A partir do momento em que o Tribunal recorrido dá por demonstrado o teor dos pontos 5, 6 e 8 dos factos provados, não vemos verdadeiramente como se dê como não demonstrado que a Arguida, ao atuar pelo modo descrito sob o ponto 7.° dos factos provados, não tenha agido de forma voluntária e consciente.
XLVII. É que se a Arguida solicitou a concessão de uma providência de arrolamento, bem sabia qual era o fito que a mesma visava; mais, tendo tomado conhecimento, ao longo de toda a tramitação desses autos, de todos os atos e decisões havidas, claramente soube e percecionou a normal evolução daqueles.
XLVIII. Dúvidas não existem de que a Arguida bem sabia o que se propunha fazer e que veio a fazer, e que ao realizá-lo fazia-o de forma consciente e livre; é a própria que o indica, no âmbito das suas declarações, por nós já aludidas, com ênfase para as gravadas entre o minuto 18m27s e o minuto 23m02s, e mais adiante, entre o minuto 38m15s e o minuto 40m50s e entre o minuto 01h07m45s e o minuto 01h08m20s.
XLIX. Ademais, as operações bancárias desenvolvidas pela Arguida, como bem se extrai do ponto 7 dos factos provados, não se cingiram a uma única data, tendo-se prolongado no tempo, por mais de 5 meses, sendo que em relação a cada uma delas, porque configuram condutas isoladas que compõem um só crime, a Arguida voltou a definir, nas datas em que as mesmas se produziram, a sua vontade, de tal forma que é a própria quem destaca qual a motivação que a justificou, motivação essa distinta da inicialmente assumida (vide a mesma gravação, desta feita, registada entre o minuto 10m47s e o minuto 11m39s e, adiante, entre o minuto 14m14s e o minuto 15m06s).
L. Da conjugação dos pontos 5.° a 8.° do elenco de factos provados, da prova documental existente nos autos (com ênfase para fls. 8 a 15, 24 a 31, 34 a 74, e 227 dos autos) e das declarações da Arguida extrai-se a conclusão de que esta, nas diferentes ocasiões a que se reporta o teor do despacho de pronúncia, agiu plenamente consciente de que no momento em que concretizou as operações bancárias tendo por referência a conta identificada nos autos, o pedido de arrolamento de bens que formulara se encontrava vigente, e plenamente eficaz.
LI. Há, pois, em suma, no conjunto destes elementos probatórios, matéria bastante que permite concluir que houve uma conduta voluntária e consciente, previamente determinada e que em acréscimo se revelava, pois, contrária ao fito que a providência cautelar que a própria requerera visava concretizar, facto que, nesta parte, é mesmo aceite na motivação espraiada pelo Tribunal recorrido.
LII. Em qualquer circunstância, e melhor não fora, a própria Arguida movimentou bem mais do que seria a parte que, em teoria, lhe pertenceria, do saldo daquela conta (vide a prova documental supra citada, com destaque para fls. 99 a 104, 293, 294 e 378 dos autos), sendo que, nessa medida, sempre frustraria, manifestamente o alcance ou o efeito jurídico da providência, pois que previamente cuidou de analisar os produtos e as quantias naquela existentes, bem sabendo da existência de outros cotitulares.
LIII. Esta constatação, tanto mais, é suficiente para que se invalide a conclusão também espraiada quanto ao ponto B), justificando, na forma descrita, o desacerto do julgamento realizado quanto à factualidade não provada.
LIV. De qualquer forma, neste conspecto, não podemos, por mero dever de patrocínio, deixar de rebater no mais os argumentos que antecipa em sede de motivação ao julgamento da matéria de facto a Senhora Juíza recorrida embora nos pareça, como supra evidenciado, que aquela não seria o seu local próprio.
LV. Primeiramente, a natureza jurídica da providência cautelar de arrolamento e bem assim as circunstâncias processuais que a envolveram não abonam de forma alguma, no sentido de ter-se a matéria consignada sob os pontos A) e B) por não provada.
LVI. No caso específico os autos de arrolamento não tiveram quaisquer especificidades na sua tramitação para além daquelas que decorrem da sua (normal) pendência, pois que aos articulados das partes, sucedeu uma decisão, que foi por sua vez sindicada em recurso.
LVII. Aliás, no caso específico, desde que o momento em que foi decretado, em 04 de julho de 2011, até à prolação do acórdão em 17 de dezembro de 2014 (pontos 1 a 4 dos factos provados), o arrolamento manteve-se vigente e eficaz, pois que a decisão que ordenara o levantamento em 1.a instância não chegou a produzir efeitos.
LVIII. Não nos parece, assim razoável aceitar-se a ideia de que o facto da Arguida ter um nível de formação académica de nível médio (ponto 22.0 dos factos provados) seja causa para justificar um suposto desconhecimento da lei, e por isso, a impossibilidade da mesma conformar a sua conduta de acordo com ela.
LIX. Relembre-se que é a própria quem admite conhecer toda a tramitação daqueles autos, facto que não foi alheio a ter-se por provada a factualidade vertida sob os pontos 5.º, 6.º e 8.º dos factos provados, abonando nessa circunstância o disposto no artigo 6.º do C.C.
LX. Imbricado com essa circunstância, dizer que surge concomitantemente incompreensível o apelo ao comportamento desenvolvido pelo Assistente, e ao efeito de “consentimento presumido” que o mesmo poderia configurar em relação à pessoa da Arguida, enquanto causa de exclusão da ilicitude.
LXI. A circunstância da parte apresentar um articulado processual, no exercício de um direito legalmente consagrado, não titula direitos ou sequer legitima expectativas à parte contrária, as quais apenas podem ser criadas por via de uma decisão judicial, devidamente transitada em julgado.
LXII. Mais, a afirmação tal qual vai feita na sentença recorrida configura, evidentemente, um erro de direito, já que afronta o próprio conceito jurídico de consentimento presumido (artigo 39.º do C.P.), pois que para esse fim «Essencial é que se verifique, por uma parte, a necessidade de uma decisão que não pode ser retardada (porque o atraso eliminaria a possibilidade de escolha ou a ele estariam ligados riscos desrazoáveis) e, por outra, a impossibilidade de ela ser tomada pelo interessado(13)
LXIII. Sendo estes os elementos essenciais que compõem o conceito jurídico de consentimento presumido, mister é concluir que nenhuma situação existia que justificasse que a Arguida atuasse em nome e no interesse do Assistente (pois que a própria atuou em interesse próprio, apenas e só pecuniário), de forma urgente, tendo em vista a acautelar um interesse próprio deste que de outra forma, em tempo útil, não poderia sê-lo.
LXIV. Circunstância que justificaria que ela pudesse fazê-lo violando a lei, atuação essa que seria justificada pelos motivos que presidiram à sua atuação.
LXV. De todo o exposto se retira, pois, que não existe a causa de exclusão de ilicitude a que alude a alínea d) do n.º 2 do artigo 31.º do C.P., porque inaplicável ao caso específico, tendo, também nesta parte, o Tribunal recorrido errado na apreciação jurídica da questão decidenda, que se mostra pois eivada, justificando em conformidade a sua alteração.
LXVI. Por outro lado, o alcance do conselho que terá sido atribuído à Arguida pelos seus Mandatários e/ou de qualquer Advogado, em ocasião do primeiro facto que vem narrado no ponto 7 dos factos assentes, e a circunstância de atuar ao abrigo de conselho jurídico não afasta, de per si, a sua responsabilidade criminal, designadamente servindo de causa de exclusão da ilicitude.
LXVII. É que não se olvide que à Arguida fora notificada, em devido tempo, as decisões proferidas em 1.a instância no procedimento cautelar de arrolamento, cumprindo-se as formalidades de notificação a que alude o artigo 247.º do C.P.C., ali aplicável (vide fls. 227 dos autos e pontos 5.º e 8.º dos factos provados).
LXVIII. Ora, como vem apontando a jurisprudência que se debruçou já sobre situações similares, «Entre a ordem do tribunal que lhe foi devidamente notificada e a orientação do advogado em contrário daquela com vista a inutilizar aquela ordem, devia o arguido ter-se pautado pela observância da ordem e ao não o fazer revelou uma atitude ético-pessoal de indiferença perante o bem jurídico em causa. Nestas circunstâncias o aconselhamento do advogado não constitui causa de exclusão da culpa por erro sobre a ilicitude».
LXIX. Em suma, com apoio no que vem referido, urge concluir, pois, que a fundamentação estribada na decisão de 1.a instância não é apta a excluir do acervo factual assente o leque de factos não provados, e, além disso, a concluir que não tenha a arguida agido com dolo, ainda que eventual, ou mesmo com erro sobre a ilicitude, nos termos do artigo 17.º do C.P.
LXX. Pelo que importa revogar a decisão sindicada, nos exatos moldes proposto, permitindo-nos assim entrar, desta feita, no rol dos factos assentes a matéria consignada sob os pontos A) e B) dos factos não provados.
LXXI. No mais, ponderando o enquadramento jurídico-penal, é incontestável que no crime de desobediência, a ação típica deste ilícito consiste numa conduta de incumprimento, tanto por ação, como por omissão, face a uma ordem ou mandado legais emanados por quem tem a correspondente competência funcional para o fazer e previamente comunicado.
LXXII. Por via do seu sancionamento pretende, assim, tutelar-se a autonomia intencional do Estado, na vertente de subordinação às ordens legalmente emanadas pelas autoridades estaduais ou pelos seus agentes, existindo, a par do interesse particular do requerente da providência, um interesse geral e mediato de todos os cidadãos na vigência das normas e da efetividade das decisões judiciais.
LXXIII. Uma qualquer decisão judicial que se pronuncie sobre qualquer questão que lhe haja sido colocada pelas partes em contenda produz efeitos não apenas a uma delas, mas em relação a ambas, definindo a concreta situação jurídica; consequentemente, qualquer uma das partes é suscetível de desrespeitar a ordem consubstanciada na decisão aí produzida.
LXXIV. Pelo reconhecimento do bem jurídico que lhe subjaz e pelo carácter eminentemente público que preside ao estabelecimento da garantia da efetividade das decisões, surge a atribuição ao Ministério Público da promoção da ação penal, atento o carácter público do tipo legal da desobediência qualificada.
LXXV. Donde, por isso mesmo não acompanhamos a conclusão do Tribunal recorrido quando aceita que a decisão de arrolamento aludida sob os pontos 1 a 4 dos factos provados não vinculou a Arguida a qualquer comportamento, ativo ou omissivo, crendo, inclusivamente que o mesmo contraria aquele que é o elemento linguístico expresso nos artigos 348.º do C.P. e 375.º do C.P.C.
LXXVI. Em nosso ver, a Arguida violou conscientemente uma decisão que sabia procurava evitar a disseminação do património (eventualmente) a partilhar num momento subsequente, em proveito próprio, contrariando assim, voluntária e conscientemente, os efeitos da decisão proferida a seu pedido; não estivesse a própria imbuída da ideia de afrontar a decisão assim produzida, e teria, por certo tido o cuidado de informar o Tribunal onde pendiam os autos cautelares, de que afinal esse concreto bem não estaria arrolado, garantindo assim o fim último da providência.
LXXVII. É manifesto, pois, que a Arguida podia ter sido responsabilizada pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 2 do C.P., por referência ao disposto no artigo 391.º do C.P.C. (atualmente, 375.°), estando verificados os respetivos elementos do tipo, sendo desacertada a conclusão extraída na decisão de 1.a instância que a afasta.
LXXVIII. Efetivamente, no entender da Senhora Juiz de 1.a instância, se a conduta da Arguida é censurável, ela deveria sê-lo por apelo a outros tipos legais que não este; porém, adita, porque a acusação ou pronúncia não continham os factos necessários ao preenchimento dos elementos do tipo (máxime, do crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 205.º do C.P.), não pode convolar a mesma, tendo em vista julgar o seu comportamento.
LXXIX. Pese embora a divergência de princípio, dizer-se que a proceder essa posição, que não é a nossa, ainda assim ela está viciada, dado que à Senhora Juiz se impunha que oficiosamente tivesse dado cumprimento ao disposto no artigo 359.º do C.P.C., ou seja, que promovesse uma alteração substancial dos factos descritos, ainda que essa alteração possa ter efeitos jurídicos distintos, consoante se verifique o estatuído nos nºs 2 e 3 do preceito citado.
LXXX. Não o fazendo, a Mma. Juiz premiou o comportamento censurável ou reprovável da Arguida, violando, pois, o estatuído no artigo 359.º do C.P.P., circunstância que é de per si causa para que se verifique o vício de nulidade da sentença proferida, por omissão de pronúncia sobre questão que oficiosamente lhe importava conhecer, em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P.
LXXXI. Em qualquer circunstância, parece-nos que considerando o bem jurídico protegido e o fim último do tipo legal, para a verificação dos respetivos elementos não seria necessária uma alteração substancial, mas tão-somente uma alteração da qualificação jurídica dos factos, ao abrigo do n.º 3 do artigo 358.º do C.P.P.
LXXXII. Os factos narrados na acusação, e a prova entretanto obtida, são de per si suficientes a demonstrar que a Arguida apropriou-se de um conjunto de valores monetários, louvando-se na circunstância de ter acesso a uma conta que era, conjuntamente com outros, por si co titulada, bem sabendo que por via dessa conduta era capaz de por em crise o poder público que se materializara previamente, arrolando todos os bens de que o seu ex-marido era titular, concretizando por essa via uma dissipação de parte desse património, que esta descaminhou.
LXXXIII. Ao não tê-lo feito, o Tribunal violou uma obrigação que sobre si impendia, pois que oficiosamente lhe competia dela conhecer, e nessa senda, também por aqui se mostra nula a sentença sindicada, nulidade essa que importa ver declarada, tudo em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P.
LXXXIV. Por último, urge, numa breve palavra, abordar a questão da (in)verificação do elemento subjetivo do tipo legal, já que o Tribunal recorrido entendeu, pois, não resultar verificado, por considerar que existiriam elementos que excluiriam a ilicitude e/ou a culpa da Arguida, nos termos dos artigos 17.º e 31.º do C.P.
LXXXV. Ora, pelas razões que supra antecipamos – em virtude da forma como elas foram convocadas pela Senhora Juiz na decisão – é manifesto concluir que também aqui labora em erro a decisão de 1.ª instância, tudo conforme melhor expendido sob as conclusões L e LIV e seguintes, que aqui damos por reproduzidas.
(13) Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 455.
Termina dizendo dever ser julgado procedente o recurso e como tal anular-se a sentença proferida em 1.ª instância, de forma a, que a final, venha a decidir-se pela condenação da Arguida pela prática do crime de desobediência pelo qual vinha pronunciada, nos termos do disposto nos artigos 348.º do C.P., por referência ao atual artigo 375.º do C.P.C.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo[1].

O MºPº junto do Juízo Local Criminal de Amarante apresentou resposta, em que concluiu dever ser negado provimento ao recurso, pois:
-- a decisão da matéria de facto do Tribunal recorrido é insuscetível de crítica;
-- a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, mormente por omissão de pronúncia;
-- não se fez prova que a arguida tenha agido dolosamente.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual se pronunciou pela procedência parcial do recurso, devendo anular-se a sentença recorrida e ordenar-se o reenvio do processo ao tribunal recorrido para reapreciação da prova produzida, expurgada do depoimento da testemunha D..., e prolação de nova sentença, referindo o seguinte:
Corno resulta da sua motivação e das conclusões III a XII, o assistente/recorrente suscita, antes de mais, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia acerca de requerimento por si apresentado na ata da sessão de julgamento do dia 02.06.2017 (cfr. fls. 666 e 667) quanto à não verificação dos pressupostos legais de que dependia a possibilidade de prestação de depoimento pela testemunha D..., que havia sido advogado da arguida à data dos factos por que aqui foi inquirido e relacionados com aquele patrocínio, sem que para tanto tivesse requerido ou sido dispensado pela Ordem dos Advogados (OA) ou por tribunal superior do dever de sigilo profissional a que se encontrava adstrito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 92º, n.º 5. do EOA e 135° do CPP, tão pouco respeitando o que ai também consignara, requerendo, quanto à não valoração desse depoimento, por se tratar em tais circunstâncias de prova proibida, nos termos das disposições conjugadas daqueles artigos com o 126° do mesmo CPP.
Ora, pese embora a tese contrária sustentada na resposta do MP na 1ª instância, crê-se assistir razão ao assistente nessa questão prévia, sendo insuficiente a dispensa de sigilo que a arguida conferiu ao depoente em plena audiência, uma vez que o dito sigilo está instituído acima de tudo em função de valores de interesse e ordem pública.
Nesse sentido podem ver-se os vários acórdãos dos nossos tribunais superiores referenciados nas anotações ao artigo 135° do CPP disponíveis no sítio http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei, nomeadamente nas notas 19, 35, 39 e 40, dentre os quais se destaca o deste TRP, de 23.02.2011, proferido no processo n.º 552/06.1TAPGR.P1, relatado pela Desembargadora Élia São Pedro, cujo sumário «O segredo profissional de advogado é de interesse público, não sendo por isso suficiente para o afastar a vontade do cliente», a par da sua versão integral, pode consultar-se no sítio http://www.dgsi.pt/trp.nsf/.
Essa valoração proibida da prova resultante do questionado depoimento, que a juiz a quo teve em consideração juntamente com os demais elementos probatórios produzidos e reproduzidos em audiência, configura igualmente, a meu ver, o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410°, n.º 2, ai. c), do CPP, pelo que a sua verificação e declaração deverá implicar anulação da sentença e o reenvio do processo para o tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 426º e 426º-A do mesmo diploma legal, na linha da orientação perfilhada pelo acórdão do TRC de 27.11.2012. proferido no processo n. 319/06.7TASPS.C1, relatado pela Desembargadora Maria Pilar de Oliveira, com o sumário «Quando o meio de prova proibido é o único que permite a prova de determinado facto, o Tribunal da Relação, conhecendo de recurso interposto, pode/deve sanar a nulidade. II. Mas sempre que o tribunal da 1.ª instância funda a sua convicção, conjuntamente, em meios de prova proibidos e em meios de prova válidos, só ele está em condições de voltar a decidir com base nos meios de prova legais, de refazer o seu juízo critico sobre a prova e expô-lo para eventual nova sindicância em função de novo recurso que venha a ser interposto), o qual, seguido do texto integral, pode consultar-se no sítio http://www.dgsi.pt/i trc.nsf/.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apresentando o assistente requerimento em que se pronuncia-se no sentido de que, anulando-se a sentença de 1ª instância, sejam desde já conhecidos todos os vícios da sentença invocados no recurso interposto, para que a nova sentença a proferir em 1ª instância o tenha em consideração e não seja necessário voltar a invocá-los em recurso posterior.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Conforme têm considerado a doutrina e a jurisprudência, à luz do disposto no art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Assim, se as conclusões ficam aquém da motivação, a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões; se as conclusões vão além da motivação também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente [2].
No caso em apreço, as questões postas pelo recorrente, que importa apreciar e decidir são saber se:
i) a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, porque não apreciou, nem decidiu, o requerimento apresentado pelo assistente em audiência de julgamento, quanto à validade do depoimento da testemunha D..., Advogado mandatário da arguida na altura dos factos imputados à arguida;
ii) o tribunal a quo não podia ter valorado o depoimento da testemunha D..., Advogado mandatário da arguida na altura dos factos imputados à arguida;
iii) a sentença é nula por insuficiente fundamentação (arts. 379º, nº 1, al. a) e art.º 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), devendo ser alterada a redação dos pontos 10 e 12 dos factos assentes (cfr. conclusões XXIV e XXXI) e devendo ser eliminada a segunda parte do ponto 15 dos factos assentes, e devem ser considerados provados os pontos A e B que ficaram a constar dos factos não provados;
iv) a arguida incorreu na prática do crime pelo qual estava pronunciada, verificando-se o elemento subjetivo.

A primeira questão enunciada passa por saber se era admissível o depoimento do Advogado, mandatário da arguida à data dos factos, pelo que as questões i) e ii) estão intimamente ligadas (como se verá melhor infra), impondo-se a sua análise em conjunto, o que se passa a fazer.
Para o efeito importa ter presente o desenvolvimento processual relevante, que se alcança compulsando o processo, e que é o seguinte:

Em 18 de outubro de 2016 a testemunha D... apresentou requerimento no processo com o seguinte teor:
«1. O subscritor foi Advogado.
2. É um facto, aliás, conhecido dos próprios autos (em que foi constituído Defensor), que o subscritor patrocinou a Arguida B....
3. Ora, conhecendo o objeto dos presentes autos, o subscritor pode antever que os factos sobre os quais se pretende que incida o seu depoimento são relacionados com o exercício daquele patrocínio e poderão, eventualmente, estar sujeitos a segredo profissional.
4. O art.º 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015) impõe aos Advogados um dever de guarda do sigilo profissional.
5. Nos termos do n.º 4 do referido art.º 92º do EOA “O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.”
6. O subscritor pauta a sua vida por valores de retidão, honestidade e transparência e está, naturalmente, disposto a colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade material.
7. Aceitará, portanto, prestar o seu depoimento, desde que devidamente autorizado pelo Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, por poder estar em causa matéria abrangida pelo segredo profissional.
8. Contudo, e porque o requerimento a dirigir ao Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados “deve identificar de modo objetivo, concreto e exato, qual o facto ou factos sobre os quais a desvinculação é pretendida” – art.º 3º, n.º 1, do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional (Regulamento n.º 94/2006 OA de 25 de Maio de 2006) – terá o subscritor que saber, em concreto, os factos sobre os quais incidirá o seu depoimento para poder formular tal pedido de dispensa à Ordem dos Advogados.
9. Acresce ainda que “A decisão do Presidente do Conselho Distrital, nos termos do EOA e do presente regulamento, aferirá da essencialidade, atualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, considerando e apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa” – art.º 4º, n.º 3, do referido Regulamento.
10. Ora, porque se avizinha a data designada para a sua inquirição, o subscritor sugere que, na referida data - se não antes - lhe sejam dados a conhecer os factos sobre os quais se pretende que incida o seu depoimento.
11. Aproveita ainda para requerer a sua inquirição, para os efeitos previstos no parágrafo anterior, no dia 24-10-2016, pelas 09h15m, através de videoconferência a requisitar ao Centro de Estudos Judiciários, sito no ..., em Lisboa, onde tomou posse como Auditor de Justiça e onde está centralizada, atualmente, a sua vida.
12. Sem prejuízo de, uma vez autorizado a prestar depoimento, procurar deslocar-se a Amarante, privilegiando a presença física nesse Tribunal.

Determinada a notificação do defensor da arguida para “vir aos autos indicar qual a matéria sobre a qual irá responder a testemunha Dr. D...”, em 21 de outubro de 2016 foi apresentado requerimento dizendo que “indica que a mesma se contém no item 6 da contestação ao pedido cível ou seja:
6
As movimentações operadas nas contas pela Arguida/Demandada foram legítimas, legais e até aconselhadas, porquanto grande parte do património - valores mobiliários comum do casal, foi também ele, objeto de movimentação pelo Assistente que lhe deu descaminho para evitar a sua eventual partilha com a sua, ainda então, mulher.”

Em 22 de outubro de 2016 a arguida requereu, além do mais e subsidiariamente, que os autos se mantenham suspensos até à decisão do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados sobre a autorização ou não da prestação do depoimento do Sr. Dr. D....

Por despacho proferido em 24.10.2016, consignado na ata de julgamento, foi decidido o seguinte:
(…)
Por sua vez, no que respeita ao pedido de levantamento da autorização do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, neste ponto, o Tribunal entende que a estratégia da arguida e os pressupostos da defesa que pretende levar a cabo nesta audiência, e antevendo-se alguma litigiosidade neste julgamento, considerando a natureza dos factos aqui em questão, o Tribunal entende que não se pode impor à arguida que a mesma se remeta ao silêncio no início da audiência de discussão e julgamento, se ela pretende fazer logo de início. Nessa medida, e sem o Tribunal conhecer qual é essa estratégia, não se deve cortar a possibilidade de a arguida o fazer no início da audiência, e de tomar a sua posição em função da autorização da Ordem dos Advogados, relativamente ao depoimento a prestar pelo Dr. D....
Nessa medida, o Tribunal decide deferir, nesta parte, o requerido, dando sem efeito a audiência de discussão e julgamento para hoje designada, mas designando-se desde já uma data, a fim de não se protelar indevidamente o início do julgamento, o que se fará de seguida.
(…)

Em 09 de fevereiro de 2017 deu entrada no processo email proveniente de Secretaria – Conselho Regional do Porto [da Ordem dos Advogados], respondendo a ofício de 18/01/2017 remetido pelo Tribunal, em que é referido «até esta data, não deu entrada neste Conselho Regional do Porto qualquer pedido de dispensa de segredo profissional formulado pelo Sr. Dr. D..., titular da cédula profissional nº ......».

Na sessão de julgamento que teve lugar dia 02 de junho de 2017 foi ouvida a testemunha D..., Auditor de Justiça, que aos costumes referiu ter sido Advogado da arguida, ficando consignado em ata que: «por ordem da M.ma Juiz, que pela testemunha foi dito que foi autorizado pela arguida a prestar declarações quanto a um especifico facto que eventualmente poderia contender com o segredo profissional enquanto advogado o que foi confirmado pela arguida no presente momento».
Ficou ainda consignado na ata da audiência de julgamento realizada nesse dia o seguinte:
«De seguida, o mandatário da assistente pediu a palavra e no uso da mesma proferiu requerimento gravado a 15.03, que se consigna na íntegra por ordem da M.ma Juiz:
Considerando o teor do despacho acabado de prestar em audiência de julgamento do Dr. D..., considerando ainda que a testemunha à data dos factos pelos quais foi inquirido em julgamento exercia atividade profissional de advogado constituído pela arguida e considerando ainda que o mesmo não requereu dispensa de segredo profissional, conforme oficio junto aos autos pelo conselho regional do Porto da Ordem dos Advogados de 09-02-2017, crê o assistente justificar-se que seja mandada extrair certidão do teor do depoimento prestado tendo em vista o apuramento de eventuais responsabilidades do depoente.
Ademais, considerando os artigos 135º e seguintes do CPP e bem assim, o consignado sob o art.º 126º do mesmo diploma, não deverá ser valorado o depoimento prestado por constituir, pelo menos por ora, meio proibido de prova. Pede deferimento.
§
De seguida a M.ma Juiz proferiu DESPACHO gravado a 15.07, que se consigna na íntegra conforme ordenado pela M.ma Juiz:
Extraia e entregue ao ilustre mandatário do assistente a requerida certidão. Notifique».

Na sessão de julgamento que teve lugar dia 13 de julho de 2017 foi proferido despacho (em ata) decidindo, entre o mais o seguinte:
(…)
Nas duas sessões de julgamento realizadas foram ouvidos apenas a arguida e o assistente, tendo a discussão principal tido o enfoque na existência, ou inexistência, de bens do extinto casal designadamente na existência, ou não, de contas bancárias conjuntas e quais os seus valores.
Da prova até aqui produzida constata-se que o extinto casal ainda não procedeu à partilha dos seus bens. Da audiência resulta que tal partilha é notoriamente litigiosa e não pode o Tribunal Criminal, até porque é incompetente nessa matéria, discutir ou proceder à partilha dos bens do casal. Foi alegado em sede de contestação que foi legítimo o levantamento em causa e que constituiu por se tratar de um bem comum do casal.
Acresce que o pedido cível formulado, considerando o contra-alegado em contestação, está intrincado com os termos da partilha do casal ainda não efetuada, tornando muito complexa e demorada a análise do processo cível enxertado.
Por outro lado, verifica-se, pelo teor dos depoimentos e pelo rol de requerimentos efetuados após a primeira sessão de julgamento, acima elencados, que a questão cível enxertada está a atrasar a análise do objeto criminal deste processo e irá seguramente retardar de forma intolerável o desfecho do processo crime.
Estando em causa, nos presentes autos, a prossecução da ação penal, entendemos que esta não pode contemplar demoras excessivas, em prol das garantias dos direitos dos diversos intervenientes, mormente dos direitos da arguida a uma justiça penal célere, e independentemente de ter sido liminarmente admitido o processo cível, certo é que a sua análise, pela complexidade que lhe é inerente e que se revelou também em sede de audiência de julgamento, está a atrasar de forma irremediável a discussão principal destes autos.
Ora, de acordo com o disposto no art.º 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.”, verificando-se no caso em análise esta última circunstância.
No caso sub judice, para se julgar o pedido de indemnização civil teria que se proceder à discussão daquilo que será a titularidade dos bens comuns do casal, o que, apesar da posição hoje assumida pelo assistente ser atendível no que toca ao nexo de causalidade entre o facto ilícito criminal e os danos alegados, também é certo que à luz do alegado em contestação, a análise do pedido também passa irremediavelmente pelo escrutínio básico daquilo que são os bens comuns do casal e dele não poderão ser dissociados na discussão.
Por outro lado, para se aplicar o art.º 82.º, n.º 1, do CPP, conforme alega o assistente, impunha-se que se esgotasse os meios de prova para se liquidar tais quantias, o que, no contexto deste processo e do acervo patrimonial da arguida e do assistente, constituiria uma demora excessiva e injustificada da produção de prova do processo criminal.
Assim sendo, impõe-se que se dê aplicação ao supra citado preceito legal.
Em conformidade com todo o exposto, ao abrigo do disposto no citado art.º 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, decide-se remeter as partes para os meios comuns ordenando-se que a presente ação prossiga os seus devidos termos exclusivamente em matéria penal.
(…)

Em 22 de setembro de 2017 foi proferida sentença (a sentença recorrida), sendo os seguintes os factos provados e não provados:
«FACTOS PROVADOS
1.º No âmbito do Procedimento cautelar sob o proc. 1130/11.9TBAMT, do extinto 3º juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em que a arguida era a requerente, a 4 de Julho de 2011, foi decretado o arrolamento, além do mais, de todas as contas bancárias e eventuais títulos nelas depositadas pertencentes ao requerido, aqui assistente, C... e a sua disponibilização à ordem do processo (tribunal).
2.º Por sentença datada de 19 de Fevereiro de 2014, na sequência de oposição deduzida por C... ao arrolamento decretado, foi declarado sem efeito e revogado o arrolamento e, por essa via, ordenando o seu levantamento sobre todos os bens, imóveis e contas bancárias, à exceção do prédio rústico que era exclusiva propriedade do requerido.
3.º Desta sentença foi pela arguida, enquanto requerente, interposto recurso com pedido de efeito suspensivo, para o Tribunal da Relação do Porto, no dia 12 de Março de 2014, o qual foi admitido 04 de Junho de 2014, com efeito suspensivo.
4.º O recurso foi julgado procedente por acórdão datado de 17 de Dezembro de 2014, tendo-se revogado a decisão que ordenou o levantamento do arrolamento, em conformidade com a pretensão da requerente/arguida.
5.º Em todos estes atos processuais, a arguida teve intervenção e conhecimento direto, pois naqueles autos interveio, como parte, mais precisamente, como requerente.
6.º Não obstante essa atuação e conhecimento, a arguida:
7.º No período compreendido entre os dias 8 de maio de 2014 e 27 de Outubro de 2014, efetuou as seguintes operações bancárias tendo por referência a conta de depósitos à ordem n.º ..............., por si co titulada, conjuntamente com o assistente C... e irmão, E..., no F...:
- em 08 de maio de 2014 procedeu a um levantamento em numerário no valor de €7.000,00, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (3,95euros) e de imposto de selo (0,16euros), tudo no total de € 7.004,11;
- em 09 de Maio de 2014 realizou uma ordem de transferência de € 684.349,50, a favor de G...;
- no dia 26 de Maio de 2014 determinou a realização de ordem de transferência da quantia de € 1.198,58 a favor de G...;
- em 27 de Junho de 2014 efetuou um levantamento em numerário no valor de € 1.285,00, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (€ 4,35) e de imposto de selo (€ 0,17), tudo no total de € 1.289,52;
- em 25 de Julho de 2014 realizou um levantamento no valor de € 1.215,00 tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (€ 4,35) e de imposto de selo (€ 0.17), tudo no total de € 1.219,52;
- em 25 de Agosto de 2014 procedeu a um levantamento em numerário no valor de € 1.214,00, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (€ 4,35) e de imposto de selo (€ 0,17), tudo no total de € 1.218,52;
- no dia 25 de Setembro de 2014 realizou um levantamento em numerário da mesma conta no valor de € 1.211,89, tendo esse movimento determinado o pagamento de comissão de levantamento em numerário (€ 4,35) e de imposto de selo (€ 0,17), tudo no total de € 1,261,41; e
- em 27 de Outubro de 2014 efetuou um levantamento em numerário no valor de € 1.303,94;
8.º A arguida sabia que a sentença que havia determinado sem efeito e revogado o arrolamento não havia transitado em julgado, pois desta interpôs recurso, que foi admitido com efeito suspensivo, o que veio a ser deferido.
9.º A arguida antes de proceder ao levantamento das quantias em causa aconselhou-se com o seu advogado e com um sobrinho tendo obtido, por parte destes, uma resposta no sentido de que poderia movimentar as contas bancárias.
10.º À data dos factos a conta bancária onde foram efetuados os supra referidos levantamentos estava desbloqueada, tendo o Banco assentido no levantamento.
11.º À data dos factos, a arguida estava a vivenciar uma situação de restrição económica que antes da separação não vivenciava.
12.º À data dos factos, a conta bancária em causa estava provisionada com uma quantia superior a um milhão de euros e os valores que a arguida foi levantando a partir de 26 de maio de 2014 eram dividendos dos seguros e juros.
13.º À data dos factos, existiam outras contas bancárias em nome do extinto casal e em nome do irmão do assistente, E..., com elevados montantes em dinheiro e aplicações.
14.º A arguida e o assistente estão divorciados mas ainda não efetuaram a partilha dos bens comuns do casal, estando a correr termos um inventário.
15.º A arguida recebe pensão de alimentos do marido, no valor mensal de € 750, estando em curso processos de execução para recebimento de prestações anteriores a título de pensão de alimentos.
Das condições sócio económicas da arguida:
16.º A arguida vive sozinha com o filho maior, que abriu a sua própria empresa há cerca de dois anos.
17.º A arguida tem outras duas filhas maiores que vivem com o pai. 18.º A arguida é doméstica e paga a título de renda a quantia de € 250 e e 100 pelas demais despesas com a habitação.
19.º A arguida gasta mensalmente cerca de € 30 em medicamentos para a depressão.
20.º a arguida recebe pensão de alimentos do ex-marido no valor mensal de € 750 e o filho contribui com € 500 para as despesas da casa.
21.º é dona d um veículo automóvel, de marca Nissan ..., do ano de 2011 que está em nome da empresa do ex-marido.
22.º A arguida concluiu o 12.º ano de escolaridade.
23.º Nada consta do registo criminal da arguida.
FACTOS NÃO PROVADOS
Da contestação, resultaram não provados os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa:
A) Ao atuar pelo modo descrito, portanto, em função do conhecimento que a mesma evidenciava, a arguida fê-lo com uma conduta voluntária e consciente, bem sabendo que a mesma era proibida por lei, e que a mesma consubstanciava desobediência a uma decisão judicial por si requerida, que lhe havia sido notificada e era do seu conhecimento.
B) Assim, a arguida sabia que aquela conduta era apta a produzir, entre outros, na pessoa do assistente um dano, que a concessão da providência que aquela solicitara, em concreto, visava evitar, a saber, a dissipação e ocultação de património.

E sendo o seguinte o teor da MOTIVAÇÃO:
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento e valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
A arguida quis prestar declarações e explicou os motivos que a levaram a entender que poderia proceder ao levantamento das quantias em causa. Assumiu frontalmente que as levantou e que as distribuiu pelos filhos, tendo ficado uma parte consigo.
A arguida não é tão ingénua como quis fazer transparecer, pois que resultou dos depoimentos da arguida, do assistente e dos advogados da arguida na providência cautelar, que ela ia tendo conhecimento das decisões e estava a par do que ia acontecendo.
Acontece, porém, que não obstante ela saber o sentido das decisões, temos que ponderar em seu favor a circunstância de esta providência cautelar não ter tido um rumo estreito. Na verdade, existem várias circunstâncias que nos levam a concluir que a arguida não agiu com dolo. Desde logo, porque ela intentou a providência de arrolamento, que foi deferida. Depois, o assistente deduziu oposição ao arrolamento (que nos leva a concluir que em seu entender esse arrolamento não tinha que ser efetuado e por via disso as contas bancárias deviam permanecer desbloqueadas, o que nos leva a concluir que na sua atuação processual existe um consentimento presumido por parte do assistente). Depois, a oposição foi procedente e a arguida, através dos seus advogados H... e I..., testemunhas nos autos, interpôs recurso em que foi requerido o efeito suspensivo. Logo aqui, após o provimento da oposição (19/02/2014) e antes da admissão do recurso (04/06/2014) a arguida procedeu a alguns levantamentos. Mas, com o efeito suspensivo, o arrolamento manteve-se em vigor. Ora, estas constituem intercorrências técnicos que se subtraem e confundem o homem médio que não tem conhecimentos jurídicos. Ainda que ela acompanhasse os seus advogados, com tanta reviravolta, é compreensível e aceitável que a arguida se convencesse que poderia levantar o dinheiro. Aliás, esse convencimento foi reforçado pela consulta que fez aos seus advogados, que a própria diz que eles lhe disseram que estava autorizada a fazê-lo, como pela consulta que fez a um sobrinho, advogado, que também lhe disse que o poderia fazer. Ora, não estamos perante um linear arrolamento em que após a decisão, de seguida, se levanta o dinheiro. Tratou-se, na verdade, de um intrincado desenvolvimento processual ao longo do tempo – veja-se que o arrolamento foi decretado em 2011 e só após o levantamento do arrolamento, em 2014, na sequência da oposição ao mesmo, se demonstrou que a arguida fez levantamentos.
Acresce que estas circunstâncias e o modo como ocorreram e, bem assim, a sua conjugação crítica, não permitem ao cidadão comum, homem com entendimento médio (a arguida tem o 12.º ano), perceber com a clareza suficiente o significado das decisões e os efeitos que as mesmas obtêm, considerando as reviravoltas processuais que no caso se verificaram. Ademais, a arguida disse que foi informada no Banco que aquela conta não estava bloqueada e que poderia levantar o dinheiro.
Ora, todos estes fatores reforçam no julgador a convicção de que, neste caso em concreto, existem muitas dúvidas sobre se a arguida tinha consciência de estar a desobedecer a uma ordem emanada pelo tribunal e de que essa ordem se lhe era dirigida de forma que, se não a acatasse cometeria um crime de desobediência. Cremos mesmo que essa advertência com a prática do crime não lhe foi realmente efetuada.
A arguida admitiu que tomou conhecimento das notificações, mas que achou que poderia proceder ao levantamento, até porque entendia que parte daquele dinheiro lhe pertencia de direito (referiu a arguida que levantou metade da provisão por achar que a ela tinha direito, tanto assim que a conta não estava bloqueada).
Por seu turno, o assistente C... veio depor em tribunal e admitiu que a conta estava desbloqueada e que continha mais de um milhão de euros, mas disse que esse dinheiro pertencia em partes iguais a si e ao seu irmão. Ora, independentemente de quem se venha a provar nas partilhas a quem pertence o dinheiro, certo é que não se provou, nem o assistente logrou demonstrar nas suas declarações que assim foi, que a arguida atuou, pelas razões que acima expusemos, com dolo e com intenção de desobedecer a qualquer ordem emanada, tanto mais que ela era a requerente da providência e existiam indícios (tanto que a providência foi inicialmente decretada) de que o marido poderia estar a dissipar ou a ocultar bens.
Temos que consignar que da audiência de julgamento transpareceu que existe, já há bastantes anos, uma grande litigiosidade entre o assistente e a arguida, resultante dos bens e de muito dinheiro que está depositado em várias contas bancárias a eles pertencente, ou a cada um deles pertencente. Este facto desviou, em vários momentos do julgamento, a atenção para pormenores e circunstâncias que ao caso não cabia discutir uma vez que o pedido de indemnização civil foi remetido para os meios comuns.
Portanto, e sem prejuízo do que infra se escreverá quanto ao nosso entendimento e enquadramento jurídico dos factos, o que se apurou ficou desde logo esclarecido com os depoimentos prestados pela arguida e pelo assistente.
Ainda assim, o tribunal atendeu aos depoimentos dos filhos da arguida e do assistente J..., K... e G... que confirmaram a diminuição drástica de rendimentos que a mãe sofreu quando saiu de casa e o surgimento da necessidade de levantar dinheiro. Também atestaram, com pouco relevo para esta causa (terá noutras, certamente), que a mãe sempre foi doméstica e nunca trabalhou para cuidar dos filhos e da casa e que com a separação, sentiu as dificuldades inevitáveis de não ser ela a gerar os rendimentos e de estar em conflito severo com o ex-marido.
A arguida admitiu os levantamentos, que foram confirmados pelos documentos juntos aos autos, designadamente, todos os extratos bancários arrolados como prova e pela demais documentação existente, como a cópia/certidão das sentenças de arrolamento, da que julgou procedente a oposição ao arrolamento e do requerimento junto com a interposição do recurso que gerou o efeito suspensivo do processo.
Veio depor o sobrinho da arguida, L... que confirmou e descreveu as circunstâncias em que a tia lhe pediu aconselhamento para levantar o dinheiro das contas e a resposta que o mesmo lhe deu, bem como a testemunha H... confirmou a sua intervenção na qualidade de advogado na providência cautelar e no aconselhamento jurídico prestado à data à arguida. Explicou esta testemunha que quando foi questionado pela tia, estudou as diferenças entre o regime do arresto e do arrolamento e que concluiu que a maioria da jurisprudência, pelo menos à data, tinha o entendimento de que no arrolamento as contas bancárias podiam ser movimentadas e, por isso, aconselhou a tia a fazê-lo.
Refira-se ainda que a atuação processual do arguido pode ser interpretada como um consentimento presumido do lesado e, por isso, ser excludente da ilicitude da atuação da arguida. No meio da voragem processual, a oposição do assistente ao arrolamento, juntamente com o facto de a conta bancária estar desbloqueada e ter tido o aval do Banco para os levantamentos (para além do aval dos advogados e do sobrinho) tiveram um peso na prova de a arguida estava convencida que poderia levantar o dinheiro sem que assim estivesse a desobedecer a qualquer ordem (assim o afirmamos sem prejuízo do entendimento que abaixo assumiremos quanto ao enquadramento jurídico).
A testemunha I..., advogada também da providência cautelar, recusou-se a responder a algumas perguntas invocando sigilo profissional, tendo apenas confirmado que a arguida sempre teve conhecimento das decisões que iam sendo tomadas nos processos, quer da providência, quer da ação de alimentos instaurada contra o ex-marido.
Nestes termos, a prova que se fez não nos permite afirmar que a arguida agiu com dolo, nem sequer eventual, pois, nada foi demonstrado nos autos que infirme que aquele convencimento era verdadeiro (ainda que saibamos que a arguida não é uma pessoa ingénua, nem inexperiente e que se encontra num braço de ferro com o ex-marido).
Na falta de prova destes elementos, designadamente, que a arguida agiu com dolo, entendemos que não se provaram os factos enumerados em A) e B),
Na verdade, consideramos ainda que a arguida agiu com erro sobre a ilicitude nos termos do art.º 17.º, n.º 1, do C.P., que pelo conjunto das circunstâncias que acima apontamos, constitui um erro não censurável.
Os demais factos provados resultam dos depoimentos que foram sendo prestados e que foram, na sua generalidade credíveis, mas reveladores de uma intensa e grave litigiosidade entre arguida e assistente.
Quanto aos factos relacionados com a situação sócio económica da arguida o tribunal considerou as suas declarações, que foram confirmadas pelos depoimentos dos filhos e do próprio assistente.
A ausência de antecedentes criminais assenta no CRC junto aos autos

Apreciemos então as questões i) e ii).
É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – art.º 379º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, como consta do acima transcrito, o mandatário do assistente na sessão de julgamento que teve lugar em 02.06.2017, na qual foi ouvida a testemunha D..., e após a inquirição desta testemunha, solicitou a palavra e no seu uso disse, entre o mais, considerando os artigos 135º e seguintes do CPP e bem assim, o consignado sob o art.º 126º do mesmo diploma, não deverá ser valorado o depoimento prestado por constituir, pelo menos por ora, meio proibido de prova. Pede deferimento.
Como se vê, embora não fosse solicitada a verificação de nulidade, foi expressamente solicitado que o depoimento da testemunha não fosse valorado, e não houve em ata ou na sentença pronúncia expressa sobre esta questão.
Todavia, como decorre da “motivação” da sentença o tribunal a quo valorou o depoimento dessa testemunha, porquanto na motivação é dito que a testemunha H... confirmou a sua intervenção na qualidade de advogado na providência cautelar e no aconselhamento jurídico prestado à data à arguida (4º parágrafo da pág. 7), estando claramente a referir-se à testemunha D..., já que não se alcança que outra testemunha se chame M..., e nenhuma se chama H....
É certo que imediatamente a seguir é Explicou esta testemunha que quando foi questionado pela tia, estudou as diferenças entre o regime do arresto e do arrolamento e que concluiu que a maioria da jurisprudência, pelo menos à data, tinha o entendimento de que no arrolamento as contas bancárias podiam ser movimentadas e, por isso, aconselhou a tia a fazê-lo, e tal já não se reportará a “esta testemunha” mas “àquela testemunha” (L..., referida no início do parágrafo), essa sim Advogado e sobrinho da arguida.
De todo o modo, o depoimento da testemunha D... foi valorado [ainda que no requerimento da arguida de 21.10.2016, acima transcrito, fosse referido que o depoimento incidiria sobre a resposta ao pedido de indemnização civil, e por despacho de 13.07.2017 fossem os interessados remetidos para os meios comuns na discussão do pedido de indemnização civil], ou seja, implicitamente foi indeferido o requerido pelo assistente, pelo que importa ver se efetivamente esse depoimento pode ser valorado, já que é pacífico que à data dos factos que foram objeto de julgamento neste processo essa testemunha era Advogado e mandatário constituído pela aqui arguida [a própria testemunha confirma no depoimento que no início deste processo ainda era mandatário da aqui arguida].
Vejamos, então, a questão sob este prisma.

Ouvindo o depoimento da testemunha, constata-se que ao depor não invocou segredo profissional, tendo no início do depoimento referido como “ponto prévio” o requerimento que antes dirigiu ao processo (o requerimento de 18.10.2016 supra transcrito) e que na sequência do informado pela arguida (o requerimento de 21.10.2016 acima transcrito) entendeu que não iria falar sobre factos que conheceu por via do exercício da profissão, mas, no entanto, solicitou que ficasse a constar que a arguida autorizava que falasse sobre a conversa que tiveram.

Dispõe o art.º 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), sob a epígrafe «segredo profissional», o seguinte:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) a factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) a factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) a factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) a factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) a factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) a factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
(…)

O segredo profissional traduz-se, em geral, na reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço prestado ou à sua profissão.
Ora, no caso a testemunha D... não falou como cidadão (ainda que com conhecimentos jurídicos) que falou com a aqui arguida, mas claramente como Advogado, mais propriamente como mandatário na altura constituído pela aqui arguida, falando sobre questão que a aqui arguida lhe colocou (sendo irrelevante que fosse por telefone, e o mesmo estivesse no funeral de avó, pois foi questionado e respondeu como Advogado).
Ou seja, estão em causa conhecimentos ou informações suportados no exercício da advocacia, está em causa falar sobre questão colocada pela mandante (a aqui arguida) ao Advogado no exercício da sua profissão, pelo que está implícito estar abrangido pelo segredo profissional.
De notar que não está agora em causa, ou melhor não pode agora estar em causa, apreciar se havia condições (materiais) para ser dispensado o dever de segredo profissional, mas tão só fazer uma operação de triagem, de saber se estamos perante situação em que deveria ter sido desencadeado o mecanismo apropriado a avaliar essa dispensa.
Sucede que no caso, por solicitação da testemunha foi questionada a arguida sobre se autorizava que a testemunha falasse sobre a conversa mantida, o que a mesma autorizou (como ficou consignado em ata).
O segredo profissional não é um segredo absoluto que não possa ser afastado, mas a razão de ser da sua existência impõe que só em casos excecionais o Advogado o possa quebrar.
Só que, não se nos afigura que possa ser o mandante/cliente a desvincular o mandatário (Advogado) do segredo profissional, não estando tal previsto de forma expressa[3] (até porque se pode em tese equacionar que o cliente se aconselhe sobre isso com o seu Advogado, e afinal tal se viesse a traduzir numa auto desvinculação).
É que o segredo profissional do Advogado não é estabelecido apenas no interesse dos profissionais que recebem as confidências, nem tão só no interesse daqueles que as desvendam.
Na verdade, o fundamento ético-jurídico deste dever não está confinado à relação contratual estabelecida entre o Advogado e o seu cliente, sendo o bem jurídico que ilumina a tutela do segredo profissional a necessidade social da confiança no profissional, estando na base desta tutela um inegável interesse social e comunitário.
Como se escreveu no Ac. deste TRP de 23.11.2011[4], o entendimento dominante sobre a natureza jurídica do segredo profissional do advogado é a de se trata de um segredo imposto por razões de ordem pública e, portanto, não pode ser dispensado pela parte.
“Trata-se de um manifesto interesse público, diretamente ligado à função de Advogado como servidor da Justiça. Ao reconhecer a honra, dignidade e eminente função social da Advocacia (cfr., designadamente, os arts. 3º, 22º, 76º e 78º do E.O.A), a lei reconhece, do mesmo modo, a natureza pública da profissão. Daí que, por conseguinte, tal dever não possa ser, afastável por “vontade ou autorização do cliente”; a desvinculação depende do preenchimento dos pressupostos do art.º 81º, n.º 4 do E.O.A.. Nesse sentido, o Acórdão do Conselho Geral de 3 de Junho de 1965, in R.O.A., 25, 274: “O segredo profissional tem carácter social ou de ordem pública e não natureza contratual: para a sua desvinculação não basta a vontade ou autorização do cliente” – cfr. MARIA CARLOS, o segredo profissional do advogado, Setembro 2004, pág.5.
Neste mesmo sentido decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, proferido no processo 436/08.9YRCBR: “o dever de sigilo dos advogados tem subjacentes razões de natureza pública, porquanto a rigorosa tutela a que se acha submetido tem por base um interesse social e não o interesse dos profissionais que recebem confidências, nem o interesse daqueles que revelam as suas confidências, correspondendo a sua preservação ainda a uma exigência de proteção da privacidade do defensor, dos seus demais clientes, e por via disso, da própria liberdade do exercício da profissão”.
Também neste sentido podemos ver o Parecer n.º 110/566, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2000, publicado in CJ/STJ, tomo I, pág. 85.
“O exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços, exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica. Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância coletiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis atividades, um alto interesse público”.
Note-se finalmente que a lei não prevê a dispensa do segredo profissional por parte do cliente, nem mesmo que essa dispensa se possa presumir, pelo simples facto de o advogado ter sido indicado como testemunha – como acontece, por exemplo, com o sigilo bancário - cfr. art.º 79,1, do DL 298/92, de 31/12, segundo o qual “os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida á instituição”.

Sendo assim, afastado que está que o Advogado deixe de estar sujeito ao segredo profissional por desvinculação operada pelo cliente, temos que a dispensa do segredo profissional será alcançada por uma de duas vias:
1) por requerimento do Advogado ao Presidente do Conselho Distrital respetivo, que autorizará – o procedimento previsto no nº 4 do art.º 92º do EOA;
2) por via do incidente processual de quebra do segredo profissional regulado no art.º 135º do Código de Processo Penal.
E no caso em apreço nenhuma dessas vias foi seguida.
É, então, forçoso concluir que, de acordo com o nº 5 do art.º 92º do EOA, o depoimento da testemunha G... não pode ser considerado.
Tendo a sentença recorrida, como se viu supra, considerado esse depoimento, pergunta-se qual a consequência que daí advém.
Ora, estamos perante a consideração na sentença recorrida de uma “prova proibida”, sem ter sido expressamente tratada a questão dessa proibição, pelo que a questão se equipara à situação prevista na primeira parte da al. c) do art.º 379º do Código de Processo Penal, ou seja, uma situação em que “o tribunal deixa de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar”, e como tal gera a nulidade da sentença[5].
Tendo o recorrente apresentado recurso da matéria de facto, e conhecendo este Tribunal da Relação da matéria de facto e da matéria de direito (art.º 428.º do Código Processo Penal), dir-se-ia que se se imporia prosseguir apreciando o recurso da matéria de facto desconsiderando o referido depoimento.
Todavia, a impugnação da matéria de facto não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, isto é, não pressupõe uma reapreciação total dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, ou seja, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados [6] [sem prejuízo da audição da prova no seu todo para contextualizar o alegado – art.º 412º, nº 6 do Código de Processo Penal].
Acresce que o tribunal decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção [dispõe o art.º 127º do Código Processo Penal, com a epígrafe «livre apreciação da prova», que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”].
Com efeito, rege o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal.
Sendo assim, nunca se poderá dizer que a decisão do tribunal a quo seria a mesma, sem o contributo do depoimento da testemunha que se considerou “prova ilegal”.
Dito de outra forma, formando-se a convicção do juiz, em regra [e, no caso, assim sucedeu, como se pode verificar da fundamentação da decisão de facto – logo no início da motivação é referido o Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento e valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente], sobre o conjunto das provas (de livre apreciação) que lhe foram presentes, como se pode afirmar que o juiz manteria a mesma convicção, se, do conjunto das provas, não fizesse parte o testemunho agora posto de lado, porque ilegal?
Na sentença recorrida não está dito que o depoimento da testemunha em caso fosse a prova mais influente, mas também não está dito o contrário, ainda que não lhe seja dado grande destaque.
De resto, na motivação não é justificado cada ponto de facto com certo meio de prova, pelo que nada pode levar a dizer que algum, ou todos, dos concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente não sejam alterados com “nova livre apreciação da prova” sem considerar o depoimento da testemunha G....
Como se escreveu no Ac. do TRC de 27.11.2013, expurgar a decisão do meio de prova significa que o tribunal deve refazer o raciocínio lógico-dedutivo e baseado nas regras da experiência que o levou a decidir no sentido em que decidiu e eventualmente até a reformular a sua convicção consoante a importância que tenha ou não dado ao depoimento valorado e que não o podia ser, o que apenas está ao alcance de quem beneficiou da oralidade e imediação.
Ou seja, cabe ao tribunal recorrido sanar a nulidade da decisão que proferiu, e caso haja recurso dessa outra (nova) decisão, caberá então a este mesmo tribunal apreciá-lo (cfr. art.º 379º, nº 3 do Código de Processo Penal), ficando prejudicado agora o conhecimento das questões enunciadas supra em iii) e iv).
Em resumo, não podendo o depoimento da testemunha S... ser considerado/valorado como foi pelo tribunal a quo, e não cabendo a este Tribunal da Relação realizar um segundo julgamento da matéria de facto, o que se impõe no imediato é declarar nula a sentença recorrida por valoração de meio de prova proibido, devendo ser proferida nova sentença pela Mmª Juiz que proferiu a primeira sentença, agora expurgada de tal vício (não considerando o depoimento daquela testemunha).
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em declarar nula a sentença recorrida por valoração de meio de prova proibido, devendo ser proferida nova sentença pela Mmª Juiz que proferiu a primeira, expurgada de tal vício.
Sem tributação.
*
Notifique.
(texto processado pelo relator, revisto por relator e adjunto, impresso em frentes e versos)

Porto, 07 de dezembro de 2018
António Luís Carvalhão
Borges Martins
___________
[1] é o que se conclui das normas legais citadas no despacho que admitiu o recurso, apesar de por manifesto lapso de escrita constar “suspensivo meramente devolutivo”.
[2] vd. Germano Marques da Silva, “Direito Processual Penal Português”, vol. III, Verbo, 2015, págs. 335 e 336.
[3] de resto, o Regulamento nº 94/2006, de 12 de junho , do Conselho Geral da Ordem dos Advogados (Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional) prevê que a dispensa de segredo profissional tem caráter de excecionalidade (art.º 4º, nº 1).
[4] consultável em www.dgsi.pt processo nº 552/06.1TAPGR.P1 (atual, apesar de se reportar ao EOA aprovado pela Lei nº 15/2005, de 16 de janeiro, pois as normas citadas têm equivalentes no atual, designadamente o seu art.º 87º é equivalente ao art.º 92º do EOA aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09 de setembro).
[5] a propósito, vd. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Portuguesa, notas 24 a 26 ao art.º 126º, nota 13 ao art.º 129º e nota 4 ao art.º 130º, págs. 344, 364 e 365.
[6] cfr. a propósito os Acórdãos do STJ de 29.10.2008 e de 20.11.2008, consultáveis em www.dgsi.pt, proc. nº 07P1016 e proc. nº 08P3269.