Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
292/12.2TMMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
AUDIÇÃO DO MENOR
Nº do Documento: RP20161122292/12.2TMMTS-A.P1
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 740, FLS.164-171)
Área Temática: .
Sumário: I - Por via de regra, a elencagem dos factos provados em função da sua sequenciação cronológica resulta ser a mais adequada para a adequada análise e compreensão sistemática do conjunto de adquiridos fácticos a ter em conta para a decisão final.
II - Em termos normativos, é hoje assegurada à criança uma ampla e extensiva oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais que lhe digam respeito.
III - O direito de audição da criança surge como expressão do direito à palavra e à expressão da sua vontade mas funciona igualmente como pressuposto de um efectivo direito à participação activa da criança nos processos que lhe digam respeito no âmbito de uma cultura judicial que afirme a criança como sujeito de direitos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Processo 292/12.2TMMTS-A.P1

Recorrente(s): B…;
Recorrido(s): C…
Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Central - Secção Família e Menores

I – Relatório
C…, em representação do menor D…, veio deduzir incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra o seu progenitor, B…, alegando o não cumprimento do regime de visitas provisoriamente estabelecido, e relativo ao período das férias escolares de Natal de 2015.
Realizou-se conferência de pais, com inquirição de pedopsiquiatra que acompanha o menor. O progenitor veio alegar, assentindo que o menor não se deslocou para Inglaterra no período em causa, mas alegando que tal aconteceu por sua vontade, justificando ainda tal facto com o parecer da técnica de saúde que acompanha o menor.
Não foram indicados meios de prova Foi emitido parecer do Ministério Público.
Foi proferida decisão a qual, na sua parte dispositiva, preceituou o que segue:
Em consequência julgo procedente o presente incidente de incumprimento e, em consequência, condeno o requerido pelo incumprimento do regime provisório fixado, no que se refere ao período das férias escolares do Natal de 2015, em multa no montante de quinhentos euros (500,00€), nos termos do artigo 41º, n.º 1 do RGPTC.
Mais condeno o requerido no pagamento à requerente, de indemnização equivalente ao custo por esta suportada da viagem não realizada pelo menor, no valor de duzentos e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos (232,48€).
Custas pelo requerido fixando-se a taxa de justiça em 2 Uc – artigo 7º, n.º 4 do RCP e Tabela Anexa II.
*
O requerente não se conformou com o decidido e deduziu o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida em 27 de Maio de 2016, que julgou procedente o incidente de incumprimento do regime provisório fixado no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, no que concerne ao período de férias escolares de Natal de 2015 e, consequentemente, condenou o ora Recorrente em multa, no montante de €500,00, nos termos do art.º 41º nº 1 do RGPTC e no pagamento à progenitora de indemnização equivalente ao custo por esta suportado da viagem não realizada pelo menor, no valor de €232,48.
II - O aqui Apelante não concorda com a ordem da enunciação dos pontos 10º, 11º e 12º da matéria dada como provada e, bem assim, entende que foram julgados incorrectamente julgados os dois pontos da matéria de facto dada como não provada, com influência na decisão final.
III - O Tribunal a quo não observou a ordem cronológica dos pontos 10º, 11º e 12º da matéria de facto dada como provada, porquanto, tratando-se o ponto 10º do requerimento apresentado pela I. Mandatária da progenitora em 07.12.2015 no qual informa terem sido adquiridos em 05.12.2015 os bilhetes de avião … - … e … - …, as respectivas datas e horários de voo e o preço dos mesmos e, por sua vez, dizendo os pontos 11º e 12º respeito ao requerimento do aqui Apelante, apresentado em 04.12.2015, no qual, além de ter junto cópia do cartão de cidadão do menor – documento de que a progenitora necessitava para a compra dos bilhetes e cuja junção foi ordenada pelo Tribunal ao progenitor - , o Apelante alegou, de forma inequívoca que iria ser respeitada a vontade do menor de não se deslocar a Inglaterra nas férias escolares do Natal, a enumeração feita pelo Tribunal a quo dos referidos factos conduz ao entendimento – erróneo - que só após a progenitora ter adquirido os bilhetes de avião é que o aqui Apelante informou que o menor não iria realizar a viagem, alterando assim todo o sentido da realidade pois quando a progenitora adquiriu os bilhetes de avião já existia informação nos autos prestada pelo aqui Apelante que o menor não iria viajar, pelo que, a progenitora agiu por sua conta e risco, com perfeita consciência e conhecimento que estava a realizar uma despesa sem proveito.
IV - A enunciação correcta dos referidos factos dados como provados deverá ser a seguinte:
10. Por requerimento de 4 de Dezembro veio o progenitor alegar que o menor não iria realizar tal viagem, invocando ser essa a sua vontade, requerendo mesmo nova audição do D…;
11. Alegando ainda quer este tinha mudado de opinião, em relação à data em que fora ouvido em Tribunal;
12. Por requerimento de 7 de Dezembro de 2015 veio a progenitora informar que havia adquirido, em 5 de Dezembro, as viagens avião, de ida e volta – … - … - …, com partida em 20 de Dezembro, pelas 09h55, e regresso dia 29 de Dezembro, pelas 13h00, as quais tiveram o custo de 167,36 libras esterlinas, o que corresponde ao valor de 232,48€, levando em conta a taxa de câmbio de 6 de Dezembro de 2015);
V - No entender do aqui Apelante foram julgados incorrectamente os pontos da matéria de facto dados como não provados, com influência na decisão final, pelo que deveria ter sido dado como provado que:
- o menor não quis ir para Inglaterra passar o período de férias escolares do Natal com a mãe;
- o menor apresenta ansiedade em relação à separação do seu agregado familiar.
VI – O Tribunal a quo deveria ter valorado o Relatório Médico de fls. 432 dos autos em apenso, subscrito em 22.10.2015 pela Ex.ª Sr.ª Dr.ª E…, pedopsiquiatra do Hospital F… que acompanha o menor desde 21.05.2014, que aludia já à vontade do menor de não querer ir a Inglaterra passar as férias de Natal com a progenitora e, bem assim, ao facto de o D… ser um adolescente que tem uma perturbação obsessivo-compulsiva e que apesar de ter vindo a melhorar ainda exibe sintomas desta perturbação que tem sido difícil de controlar, o que é habitual nesta psicopatologia” (…) sendo que, “em situações de stress, o que é comum nestes quadros, manifesta elevado grau de ansiedade o que contribui para agravar a psicopatologia acima mencionada. Acontece que o D… apresenta uma ansiedade de separação em relação ao seu ambiente familiar habitual, surgindo crises de angústia sempre que as suas rotinas são alteradas.”
VII – Tanto mais que o teor do Referido Relatório foi confirmado pela própria subscritora na Conferência de Pais de 19.02.2016.
VIII – Por outro lado, no requerimento do aqui Apelante de 04.12.2015, apelava-se já à necessidade de o menor ser novamente ouvido perante a evidente mudança no que respeita à sua vontade de passar as férias de Natal com a progenitora face ao que ficara estabelecido provisoriamente.
IX - O Tribunal a quo dispensou a presença do menor na Conferência de Pais de 19.02.2016 nem tão pouco determinou a sua audição em momento ulterior, tendo proferido decisão acerca do incumprimento sem o ouvir.
X – A audição do menor revestiria extrema pertinência para a boa decisão do presente incidente de molde a obter deste a confirmação ou refutação quanto à alegada alteração da sua vontade de passar as férias Natal com a progenitora e dos motivos que, alegadamente, a justificaram: a ausência de contactos da progenitora ao menor (um contacto telefónico de 15 em 15 dias) e que teriam potenciado o esmorecimento dos laços entre ambos.
XI - O Tribunal a quo postergou o direito que assiste à criança de ser ouvida, de manifestar a sua opinião, a sua vontade, nos assuntos que lhe digam respeito, consagrado no art.º 5º do RGPTC.
XII - Atendendo à idade, à maturidade e à capacidade de discernimento do menor, que contava já com 13 anos à data da Conferência de Pais, não remanescem dúvidas de que o mesmo detinha compreensão suficiente acerca do assunto em apreço.
XIII – Quando o menor foi ouvido por ocasião da fixação do regime provisório, não foi dado integral cumprimento às condições a que alude o art.º 5º nº 4 do RGPTC, mormente, o disposto na al. b) que impõe que a audição seja efectuada perante operadores judiciários com formação adequada, entendendo-se como tal, outros profissionais – que não os Magistrados Judiciais ou do Ministério Público – com formação na área da psicologia forense, pelo que a opinião do menor colhida aquando da sua audição pelo Tribunal para a fixação do regime provisório, na medida em que o mesmo não foi acompanhado por operador judiciário com formação adequada, não é insusceptível de sofrer alterações, como a decisão recorrida parece querer evidenciar.
XIV – Do mesmo modo que o Tribunal ouviu o menor em 18.05.2015, aquando da fixação do regime provisório, sendo que a vontade que o mesmo expressou nas suas declarações sopesou na fixação desse mesmo regime (vide fls. 9 da Douta Sentença), podia e devia o Tribunal a quo ter ouvido o menor relativamente à matéria do incidente de incumprimento, garantindo-lhe agora as condições que o art.º 5º do RGPTC estabelece para a sua audição.
XV - A Sentença recorrida faz afirmação infundada ao referir que o aqui Apelante não demonstrou tudo ter feito para, de forma activa, promover os contactos do filho com a sua progenitora e que, pelo contrário, nos seus requerimentos continua a demonstrar uma clara oposição a idas do filho para junto da mãe, fora do país, pois à data da prolação da Sentença recorrida os autos continham já elementos relativos às férias escolares da Páscoa que o menor passou na companhia da progenitora, sem qualquer oposição do aqui Apelante.
XVI - A vontade de um pré-adolescente é extremamente volátil, sendo que, o D… não é excepção, daí que, do mesmo modo que o Apelante respeitou a vontade do menor relativamente às férias do Natal, não o tendo arrastado até ao aeroporto e forçado a entrar no avião, sem companhia e rodeado de estranhos, o Apelante demonstrou igual respeito quando o menor manifestou vontade de passar as férias da Páscoa com a progenitora, o que aconteceu num contexto em que a mesma se deslocou a Portugal para intervir n Conferência de Pais, aproveitando para retomar um contacto mais próximo com o D….
XVII - O aqui Apelante não aceita a imputação de incumprimento do regime provisoriamente fixado relativo às responsabilidades parentais pois o seu comportamento norteou-se pelo respeito da vontade do menor, que contava já, à data, com 13 anos de idade e evitar o agravamento do seu quadro clínico, sustentado, aliás, no relatório médico subscrito pela Dr.ª G… e nas declarações que a mesma prestou na Conferência de Pais de 19.02.2016.
XVIII - A progenitora sempre poderia ter-se deslocado a Portugal para passar o Natal com o menor, o que optou por não fazer.
XIX – Na ocasião como, aliás, actualmente, desconhece-se em absoluto a situação em que vive a progenitora em Inglaterra e as condições que seriam proporcionadas ao menor nessa hipotética deslocação, porquanto, não consta ainda dos autos o relatório da Segurança Social inglesa relativo à progenitora.
Sem conceder,
XX - A entender-se que o aqui Apelante incumpriu o regime provisório fixado, sempre se dirá que se afigura excessiva a sua condenação em multa no montante de €500,00.
XXI - O art.º 41º nº 1 do RGPTC não impõe ao Tribunal a condenação em multa do progenitor inadimplente, relegando para o julgador tal decisão, atendendo às circunstâncias do caso concreto, de modo que, no caso vertente, o Tribunal a quo poderia ter optado por não condenar o aqui Apelante, tanto mais que o mesmo procurou justificar o seu comportamento – ainda que a sua motivação não tenha sido valorada favoravelmente – designadamente, através da junção do parecer de um especialista.
Termina peticionando que seja dado provimento ao presente recurso devendo a sentença ser substituída por outra que julgue improcedente o incidente de incumprimento e, por via disso, absolva o apelante da sua condenação em multa e indemnização a favor da progenitora.
Subsidiariamente, caso se entenda que o recorrente incumpriu o regime provisório fixado quanto às férias do menor, deverá contudo ser absolvido da multa ou fixar-se o seu quantitativo em 1 UC, mais devendo ser absolvido do pagamento de qualquer indemnização à progenitora.
Foram produzidas alegações pelo Ministério Público onde se conclui que “o Tribunal a quo deveria ter procedido à audição do menor, atendendo à idade, à maturidade e à sua capacidade de discernimento, com vista à boa decisão da causa e em obediência ao princípio da “audição da criança”, contido no art.º5º do RGPTC, pelo que se entende assistir razão ao recorrente.”

II – Factos Provados
Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 27 de Julho de 2002 nasceu o D…, o qual tem a paternidade e paternidade registadas em nome dos aqui requerido e requerente, respectivamente; (fls. 20 dos autos principais)
2. Por acordo homologado por decisão de 12 de Setembro de 2007, proferida no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento 3530/2007, da 1ª Conservatória do registo Civil de Vila Nova de Gaia, foi fixado o seguinte regime:
● O menor ficou entregue à guarda da mãe, que exerceria o poder paternal;
● Tendo sido fixado regime de visitas e ainda de prestação de alimentos; (fls. 8 a 12 dos autos principais)
3. Já por decisão provisória proferida em 10 de Julho de 2013, no âmbito dos autos em apenso, foi fixado o seguinte regime:
● 1º - O menor D… passará a residir com o pai. As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do menor são exercidas em comum por ambos os progenitores salvo nos casos de manifesta urgência em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho devendo prestar informações ao outro logo que possível.
● O exercício das responsabilidades parentais relativo aos atos da vida corrente do menor caberá ao pai ou à mãe quando com ela se encontre temporariamente, respeitando as orientações educativas mais relevantes definidas pelo pai.
● 2º - A progenitora, uma vez que se vai deslocar a Portugal no período entre 16/08 a 31/08, o menor passará esta quinzena com a mãe.
● 2º.1 - Sempre que a progenitora se deslocar a Portugal, poderá estar com o menor, desde que não prejudique os horários escolares e de descanso do menor e desde que combine previamente com o pai do menor.
● 3º - Não se fixa por hora pensão de alimentos, uma vez que se desconhecem as reais condições económicas da progenitora.
4. Posteriormente, e por decisão de 15 de Maio de 2015 foi concretizado o regime em causa, nos seguintes termos:
1 - O menor passará com a progenitora nas próximas férias de Verão a segunda quinzena do mês de Junho, entre as 12:00 horas do dia 15 de Junho e as 21:30 horas do dia 01 de Julho e a segunda quinzena do mês de Julho, entre as 12:00 horas do dia 16 de Julho e as 21:30 horas do dia 03 de Agosto, sendo as conduções a cargo da progenitora de e para a casa dos avós paternos, sita na Rua …, ..., Matosinhos.
2 – O menor passará, ainda, com a progenitora os fins de semana de 15 a 17 de Maio e de 29 a 31 de Maio entre as 18:00 horas de Sexta-feira e as 18:00 horas de Domingo, sendo as conduções a cargo da progenitora de e para a casa dos avós paternos, sita na Rua …, …, Matosinhos.
3 – Para além disso o menor passará um fim de semana por mês, com os avós maternos, entre as 18:00 horas de Sexta-feira e as 18:00 horas de Domingo, sendo as conduções a cargo dos avós maternos de e para a casa dos avós paternos, sita na Rua …, …, Matosinhos.
4 – No período de férias de Natal o menor passará com a progenitora a 1ª semana de férias com que passará igualmente a véspera e dia de Natal, em Portugal ou em Inglaterra, devendo a progenitora comunicar, até ao mês de Novembro, ao progenitor e ao Tribunal onde irá passar o Natal.
5 – Quanto a alimentos, tendo em conta por um lado os rendimentos do progenitor e os rendimentos declarados pela progenitora, e na falta de elementos mais concretos sobre a situação económica da aqui requerida, fixo, a cargo da progenitora, a prestação de alimentos na quantia de 100,00 € por mês, a pagar através de transferência bancária, até ao último dia de cada mês.
5. Tal regime foi fixado depois de ouvido o menor, o qual manifestou vontade em passar férias com a mãe, quer em Portugal, quer em Inglaterra;
6. Por requerimento de 29 de Setembro de 2015 veio a progenitora alegar que pretendia que o menor passasse consigo o período das férias escolares em Inglaterra;
7. Por requerimentos de 12 e 26 de Outubro de 2015 veio o progenitor alegar que não concorda com a ida do menor a Inglaterra, no período das férias escolares do Natal, pode serem desconhecidas as condições de vida da progenitora naquele país,
8. Bem como que o menor não pretendia efectuar tal viagem para Inglaterra sendo que, por outro lado, a pedopsiquiatra que o acompanha entendia que a imposição de uma tal viagem ao D… era desaconselhável;
9. Por despacho de 26 de Novembro foi decidido que: “conforme se retira do regime provisório fixado em 15 de Maio de 2015 (fls. 380 e 381), e nomeadamente no ponto 4, ficou determinado que “no período de férias de Natal o menor passará com a progenitora a 1ª semana de férias com que passará igualmente a véspera e dia de Natal, em Portugal ou em Inglaterra, devendo a progenitora comunicar, até ao mês de Novembro, ao progenitor e ao Tribunal onde irá passar o Natal.” Assim sendo a questão ora suscitada não carece de nova decisão uma vez que, conforme o referido regime provisório, cabia à mãe informar o país onde estaria com o menor a primeira semana onde férias do Natal, incluído a véspera e o dia de Natal, não sendo necessária qualquer autorização. Em consequência cumpre apenas dizer que mantenho o regime provisório fixado em 15 de Maio de 2015, podendo o menor passar tal período de férias em Inglaterra, com a progenitora, devendo esta vir indicar as datas de partida e regresso do menor
10. Por requerimento de 7 de Dezembro de 2015 veio a progenitora informar que havia adquirido, em 5 de Dezembro, as viagens avião, de ida e volta – … - … - …, com partida em 20 de Dezembro, pelas 09h55, e regresso dia 29 de Dezembro, pelas 13h00, as quais tiveram o custo de 167, 36 libras esterlinas, o que corresponde ao valor de 232,48€, levando em conta a taxa de câmbio de 6 de Dezembro de 2015);
11. Por requerimento de 4 de Dezembro veio o progenitor alegar que o menor não iria realizar tal viagem, invocando ser essa a sua vontade, requerendo mesmo nova audição do D…;
12. Alegando ainda quer este tinha mudado de opinião, em relação à data em que fora ouvido em Tribunal;
13. O menor é seguido em consulta de pedopsiquiatria desde 21 de Maio de 2014; (documento de fls. 432 dos autos em apenso);
14. O requerido aufere um vencimento mensal de 1.272,70€; (fls. relatório social de fls. 203 dos autos em apenso)

III – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações dos recorrentes. Assim, temos em causa nos autos, essencialmente:
I) Da impugnação da matéria de facto;
II) Da audição do menor;
III) Da imputação ao progenitor/apelante do incumprimento do regime do exercício das responsabilidades parentais.

IV -Fundamentação de direito.
I) O apelante cumpriu adequadamente o ónus decorrente do disposto no artigo 640.º do Código do Processo Civil (CPC) pelo que cumpre a este Tribunal proceder à reapreciação da prova relativamente aos factos que foram impugnados em sede de recurso.
Previamente, existe ainda uma impugnação não tanto dos factos mas do modo como os mesmos foram elencados na decisão apelada.
Assim, entende o recorrente que a ordem da enunciação dos pontos 10º, 11º e 12º da matéria dada como provada não é a correcta devendo ser alterada de molde a que figurem os factos 11º e 12º sequencialmente antes do facto 10º.
Pretende ainda que sejam dados como provados dois pontos da matéria de facto dada como não provada, a saber:
- o menor não quis ir para Inglaterra passar o período de férias escolares do Natal com a mãe;
- o menor apresenta ansiedade em relação à separação do seu agregado familiar.
São, por sua vez, os seguintes os factos provados 10º, 11º e 12º:
10. Por requerimento de 7 de Dezembro de 2015 veio a progenitora informar que havia adquirido, em 5 de Dezembro, as viagens avião, de ida e volta – … - … - …, com partida em 20 de Dezembro, pelas 09h55, e regresso dia 29 de Dezembro, pelas 13h00, as quais tiveram o custo de 167, 36 libras esterlinas, o que corresponde ao valor de 232,48€, levando em conta a taxa de câmbio de 6 de Dezembro de 2015).
11. Por requerimento de 4 de Dezembro veio o progenitor alegar que o menor não iria realizar tal viagem, invocando ser essa a sua vontade, requerendo mesmo nova audição do D….
12. Alegando ainda quer este tinha mudado de opinião, em relação à data em que fora ouvido em Tribunal.
Quanto à sequenciação cronológica julgamos fazer, efectivamente, sentido tal pretensão muito embora se admita que o requerimento do pai a comunicar a não realização da viagem pelo D…, ao ter sido feita apenas no dia anterior à compra dos bilhetes de avião …-… (e regresso), possa não ter chegado ao conhecimento em momento útil à mãe, ora requerida.
De todo modo, pese a escassa relevância de tal alteração na medida em que independentemente do modo como estejam elencados os factos na sentença, os mesmos sempre terão que ser analisados harmonicamente e de modo sistémico, tendo em conta, entre outras variáveis, a sua sucessão temporal, não se vislumbra razão para a recusar pelo que deve tal numeração ser alterada passando o facto 12 a ser o 10 e o 10 e 11 os factos 11 e 12 respectivamente.
No que concerne aos factos dados como não provados e que alegadamente devem agora ser tidos como demonstrados, os quais concernem à vontade do menor em não se deslocar a deslocar para passar o período de férias escolares do Natal com a mãe e a uma eventual ansiedade do mesmo em relação à separação do seu agregado familiar, resultariam os mesmos apurados a partir da prova decorrente do Relatório e depoimento da pedopsiquiatra Dra. E…. O tribunal, porém, entendeu ignorar tal relatório e declaração prestada invocando não a poder considerar totalmente imparcial e tendo ainda em conta que o D…, em outras ocasiões anteriores (Julho de 2013 e Maio de 2015), teria manifestado vontade em estar com a mãe, mesmo que fora do pais.
Admitimos como válida a opção do tribunal em não considerar provados tais factos, em especial ao não dar como assente a recusa do menor em viajar para … apenas com base numa declaração, ainda que exarada por perita médica.
Porém, entroncando já na segunda questão a dirimir em sede de recurso, a decisão final nesta matéria - de provado ou não provado – com consequências essenciais, naturalmente, para a decisão sobre o incumprimento do progenitor relativamente ao regime de regulação provisório das responsabilidades parentais teria que, a nosso ver, surgir mais aprofundada e sustentada; ora, essa clarificação do ponto fáctico em apreço implicaria, a nosso ver, necessariamente, a audição do menor.
E a partir desta conclusão, é tempo de apreciar a alínea seguinte do escrutínio a realizar.
II) A audição do menor ou da criança (aceitando a noção de criança prevista no artigo 1.º da Convenção sobre os Direitos da Criança: “Nos termos da presente convenção, Criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”) constitui hoje uma relevante materialização, em sede processual, do princípio do superior interesse da criança.
Como é sabido, a criança deverá ser ouvida sempre que a sua maturidade e idade o permitam, sendo que se poderá afirmar a obrigatoriedade legal da sua audição a partir, pelo menos, dos 12 anos de idade.
Num excurso breve sobre o direito da audição da Criança, atente-se na própria Convenção sobre os Direitos da Criança, acolhida na ordem jurídica nacional pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 8 de Junho de 1990, e pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro, que no seu artigo 12.º estatui “Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”
Atente-se, ainda, nos artigos 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança adoptada em Estrasburgo, em 25 de Janeiro de 1996, acolhida na nossa ordem jurídica pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13 de Dezembro de 2013, e pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27 de janeiro, os quais determinam que: “À Criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: b) ser consultada e exprimir a sua opinião; Nos processos que digam respeito a uma Criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: c) ter devidamente em conta as opiniões expressas da Criança.” A este respeito recenseie-se ainda o Regulamento (CE) N.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, comummente designado “Regulamento Bruxelas II BIS” (desenvolvidamente, sobre o direito da audição da criança, leia-se o artigo publicado na Julgar Digital de Rui Alves Pereira, disponível em julgar.pt).
No que à nossa legislação interna, realce-se o artigo 4.º (princípios orientadores), art. 5.º (audição da Criança) e art.º 3 do artigo 35.º (conferência de Pais) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante RGPTC). Nomeadamente o artigo 5.º do mencionado diploma diz-nos que:
1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
(...)
6 - Se o interesse superior da criança ou do jovem o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos actos processuais posteriores, incluindo o julgamento.
Assim, da conjugação destas disposições legais, a criança tem o direito de ser ouvida e a participar sobre as decisões que lhe digam respeito, sendo esta audição eventualmente acompanhada por assessoria técnica, não de modo obrigatório – até porque bem sabemos que na prática essa possibilidade surge, muitas vezes, de muito difícil, senão impossível, materialização.
Como refere Rui Alves Pereira no citado artigo, “o princípio da audição da criança traduz-se: (i) na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade; (ii) no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração; (iii) numa cultura da Criança enquanto sujeito de direitos.”
No caso concreto, a argumentação do progenitor para justificar a recusa da presença da criança junto da mãe no período de férias de Natal entroncou, em muito, na recusa desta em viajar; essa vontade de não estar com a mãe, alegadamente porque os contactos telefónicos seriam escassos – apenas quinzenais – e por força de uma ansiedade do D… ao quebrar rotinas e hábitos diários, surgindo crises de angústia (citando o Relatório Médico da Dra. E… já referenciado), mais aconselhariam a audição do menor de modo a apurar dessas alegações e ouvir, de viva voz, da expressão da vontade deste.
Sublinhe-se que o menor foi, efectivamente, ouvido na Conferência de 15/05/2015, e foi, por força da sua manifestação de vontade em passar férias com a mãe designadamente em Inglaterra que assim se veio a determinar; donde, como bem refere o Ministério Público, essa circunstância imporia que se procedesse à sua audição na Conferência de 19/02/2016 (cerca de 9 meses depois) para apurar se essa vontade se mantinha ou, em caso contrário, como afirmava o progenitor e o relatório médico indiciava, quais as razões dessa mudança.
A decisão do Tribunal de não proceder a tal audição, sequer em sede da aferição das razoes para um alegado incumprimento, explica a não prova dos factos acima relatados; mas, por assentar na preterição de uma diligência que seria exigível quer à luz do caso concreto quer à luz do que são os ditames mais recentes da lei e da doutrina, teremos que atribuir a essa omissão consequências relevantes em sede de aferição do incumprimento pelo ora recorrente.
III) O Apelante não aceita a imputação de incumprimento do regime provisoriamente fixado relativo às responsabilidades parentais pois o seu comportamento norteou-se pelo respeito da vontade do menor, que contava já, à data, com 13 anos de idade agindo de modo a evitar o agravamento do seu quadro clínico, sustentado no relatório médico subscrito pela Dr.ª E… e nas declarações que a mesma prestou na Conferência de Pais de 19.02.2016.
Admitimos, como resulta da fundamentação exposta, que a inexistência de uma diligência tida como relevante – a audição da criança – não permite concluir por uma conduta incumpridora do recorrente relativamente ao que se lhe impunha em termos da regulação das responsabilidades parentais.
Assim sendo, impõe-se decidir nos moldes constantes do que é peticionado no final das alegações do recurso quanto ao pagamento pelo apelante da multa e indemnização arbitradas.
Em síntese conclusiva, decidir-se-á pela revogação da sentença apelada, substituída por outra que julga improcedente o incidente de incumprimento e, por via disso, determina a absolvição do apelante da sua condenação em multa e indemnização a favor da progenitora.
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Importa sumariar a decisão nos termos do artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
I) Por via de regra, a elencagem dos factos provados em função da sua sequenciação cronológica resulta ser a mais adequada para a adequada análise e compreensão sistemática do conjunto de adquiridos fácticos a ter em conta para a decisão final.
II) Em termos normativos, é hoje assegurada à criança uma ampla e extensiva oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais que lhe digam respeito.
III) O direito de audição da criança surge como expressão do direito à palavra e à expressão da sua vontade mas funciona igualmente como pressuposto de um efectivo direito à participação activa da criança nos processos que lhe digam respeito no âmbito de uma cultura judicial que afirme a criança como sujeito de direitos.
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V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente o recurso formulado, revogando-se a sentença apelada, julgando improcedente o incidente de incumprimento e, por via disso, determinando a absolvição do ora apelante.
Custas pela apelada.

Porto, 22 de Novembro de 2016
José Igreja Matos
Rui Moreira
Fernando Samões