Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1827/21.5T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
VONTADE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RP202312191827/21.5T8VCD.P1
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a vontade da criança, quando se tenha por livre e esclarecida, é um factor a ter em conta na definição dos termos do exercício das responsabilidades parentais que aos seus pais competem, o passar do tempo tende a maximizar a importância desse factor.
II - É em homenagem ao interesse da criança, que prevalece sobre os dos progenitores, que deve ser determinada a residência daquela, com salvaguarda de um regime de ligação com o progenitor não convivente que assegure o desenvolvimento integral do respectivo relacionamento afectivo e familiar.
III - Uma solução de residência da criança junto da mãe, que foi implementada em razão de circunstâncias de ordem profissional do pai, haverá de ser mantida mesmo quando superadas tais circunstâncias, se entretanto essa solução se consolidou, se é executada com serenidade, sem conflitos, proporcionando à criança uma estabilidade e segurança notáveis, que contribuem para os caracteres muito positivos do seu desenvolvimento, correspondendo ainda à sua vontade expressamente declarada, assim se concluindo ser do seu interesse a não alteração do regime de residência, apesar de outro ser o interesse do pai.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1827/21.5T8VCD.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Competência Genérica de Baião

REL. N.º 815
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Lina Castro Baptista
Fernando Vilares Ferreira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO
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AA, divorciado, residente na Rua ..., ... Porto, em representação de BB, veio propor acção de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais contra CC, divorciada, residente na Rua ... ....
Alegou para tanto que, por acordo homologado no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, foram reguladas as responsabilidades parentais do menor BB, nascido no dia .../.../2013, nos termos do qual os progenitores acordaram que o menor ficava a residir com a mãe; que o exercício das responsabilidades parentais relativo a questões de particular importância caberia a ambos os progenitores; que o progenitor teria direito a ter o menor consigo em fins-de-semana, de quinze em quinze dias, acrescido de um dia por semana, a combinar semanalmente entre ambos os progenitores, que o progenitor contribuiria, a título de pensão de alimentos, com a quantia mensal de €150,00 e metade das despesas de saúde e educação, anualmente actualizado à taxa de 3%.
Mais alegou que as circunstâncias pessoais que justificavam tal solução se alteraram, passando ele a estar colocado na região do Porto, tal como evoluiu a idade do menor.
Entende justificar-se um novo regime de regulação, no sentido da partilha equitativa dos momentos de convívio e da residência, o que não vem merecendo a concordância da progenitora.
Alegou que seria mais vantajoso para a criança que ficasse a residir, em regime de alternância semanal, com cada um dos progenitores, de forma a evitar as sucessivas entregas e recolhas, até porque o menor se adaptou muito bem à residência alternada durante os meses em que os pais implementaram esse regime voluntariamente. Acresce que a progenitora alterou a sua residência de ... para ..., pelo que também a alteração da residência da progenitora não deixa de também uma adaptação que o menor fará na sua vida, razão pela qual entende o progenitor que até seria esta uma boa altura para o BB se adaptar à realidade de viver também com o seu pai de forma mais permanente.
Alegou ainda que a mãe do BB tem potenciado algumas situações de risco para o menor, pois que, no dia 27 de abril de 2020, quando o menor estava aos seus cuidados saiu de sua casa para ir ao ginásio e deixou o menor sozinho a dormir. Na altura, o BB tinha 7 anos de idade e, ao acordar, sonolento e confuso, ficou preocupado quando se apercebeu de que estava sozinho em casa. De seguida, abriu a porta do exterior para sair de casa, tendo sofrido uma queda do 2.º andar.
Dada a gravidade da queda, o menor foi levado ao hospital. Na sequência da queda, o menor foi sujeito a uma TAC que indicou uma lesão na coluna, não tendo sido posta de parte a possibilidade de vir a ser operado. O BB esteve internado durante 11 dias, teve de usar um colete por um período de quatro meses e sofreu desconforto a respirar e a comer, limitações a dormir, a ir à praia.
Acrescentou que a falta de zelo da progenitora já se manifestou noutros aspetos relacionados com a saúde do BB, bem como que, tendo deixado de pagar algumas das prestações de alimentos, por sugestão da progenitora e para compensar uma dívida que esta mantinha para consigo, se vê agora sob a ameaça de uma acção de incumprimento.
Sugeriu um novo clausulado para o regime de exercício de responsabilidades parentais.
Citada, a requerida contestou, dizendo que não existe alteração das circunstâncias que justifique o requerido, pois que o mero decurso do tempo – menos de quatro anos após a regulação – não constitui uma alteração de circunstâncias válida para efeito de enquadramento legal. Impugnou a factualidade alegada, a interpretação de alguns factos e a irrelevância de outros.
Rejeitou a solução de residência alternada e referiu que o próprio menor verbaliza não a pretender, bem como não pretender qualquer alargamento de período de tempo a passar com o pai, apesar de ela própria incentivar esses contactos.
Concluiu pela continuidade do regime em vigor.
Convocada a conferência prevista no art. 35º e 42º, nº 4, do RGPTC, os pais da criança não chegaram a acordo. Os autos foram então suspensos e remetidas as partes para mediação.
Face à impossibilidade de obtenção acordo foi determinada a imediato prosseguimento dos autos e a notificação dos progenitores para em 15 (quinze) dias apresentarem alegações ou arrolarem testemunhas e juntarem documentos ao abrigo no art. 39º, nº 4 do RGPTC.
A requerida apresentou alegações, dando por reproduzidos os requerimentos e alegações anteriormente oferecidos, acrescentando que só durante o período da pandemia é que foi implementada uma solução de residência alternada, da qual a criança não gostou.
O requerido apresentou alegações, repetindo, na essência, os fundamentos expostos no requerimento inicial.
Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que concluiu pela improcedência da acção.
É desta sentença que vem interposto o presente recurso, que o requerente terminou formulando as seguintes conclusões:
“(…)
DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO:
Nulidade por excesso de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil – e nulidade por falta de fundamentação
3. Na decisão recorrida, o Tribunal apreciou o pedido da progenitora vertido num requerimento que esse mesmo Tribunal deu por «não escrito» quando decidiu que «a progenitora pode e deve diligenciar, de resto no uso dos seus poderes de gestão da vida corrente da criança, por levar a criança a consultas de psicologia não necessitando para o efeito do consentimento do progenitor, uma vez que em causa não está um ato de particular importância para a vida do BB e não tendo o Tribunal que ser chamado a decidir tal questão não só porque extravasa o objeto da presente ação mas também porque não constitui qualquer questão de particular importância».
4. Tal decisão é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, o que se invoca.
5. Nestes autos, está em causa um pedido de alteração das responsabilidades parentais, deduzido pelo progenitor, em que este requereu a alteração da residência do menor, para que o menor BB passasse a residir em regime de residência alternada.
6. A questão de saber se o acompanhamento psicológico do BB, na concreta situação dos autos, é ou não uma questão de particular importância não poderia integrar a matéria decisória no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e a exceções.
7. A nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia resulta da violação do disposto no n.º 2 do artigo 660.º do CPC, nos termos do qual o juiz «[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
8. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e o artigo 660.º, n.º 2, do CPC.
9. A sentença padece, ainda, de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam, contendo ainda contradições, ambiguidades e obscuridades.
10. Da sentença recorrida, não é possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente não é possível perceber a apreciação quanto aos meios probatórios, por falta de indicação e exame crítico das provas.
11. O Tribunal a quo limita-se a proferir uma menção genérica aos depoimentos dos autos sem enunciar em que termos valorou cada um deles como meio de prova e em que medida os mesmos contribuíram para o seu convencimento.
12. Refere-se, na sentença recorrida, que «para a formação da convicção quanto à factualidade provada o Tribunal teve em conta ainda os depoimentos de DD (amiga da requerida há 13 anos), EE (amiga da requerida desde 2011), FF (amiga há 20 anos e colega da requerida), GG (amiga da requerida), HH (assistente operacional na escola), II (pai da requerida), JJ (companheiro da requerida), todas depondo quanto à matéria provada sob os pontos 3) e ss. da factualidade provada, e na medida em que relevaram conhecimento da mesma, com isenção e sinceridade».
13. Portanto, de acordo com a decisão, as testemunhas arroladas pela progenitora serviram para fundamentar a convicção do Tribunal quanto ao facto provado de, atualmente, o progenitor, que é professor, se encontrar colocado numa escola que lhe permite manter a sua residência no distrito do Porto e quanto ao facto, não provado, de que, durante todos estes anos os períodos de férias, de natal, páscoa e férias de verão não eram repartidas de forma equitativa tal como previsto no acordo, por não existir vontade do pai em que tal acontecesse.
14. Por outro lado, em sede de “convicção”, o Tribunal consignou o seguinte: «Relativamente aos factos provados em 3) a 5), 7) e 8), 9), 11), 16), 34), 35), 36), 38) a 45), desde logo, no que resultou da análise da documentação junta a fls. 27, 28, 29, 30, 31, 32; fls. 43 a 72, 84; documentos nºs 14 a 19 juntos com as alegações do requerente – e mail`s trocados entre os progenitores; fls. 79 e 83 bem como as informações juntas a fls. – listas de colocações do requerente -; fls. 85 e 86 – declaração do pediatra e radiografia aos pés do BB; documentos nºs 1 a 16 oferecidos e admitidos com o requerimento de 17/01/2023; mensagens trocadas entre os progenitores e juntos a 23/03».
15. O Tribunal “declara” que valorou os documentos relativos a factualidade alegada nos requerimentos de 17/01 e de 23/03 (correspondência trocada pelos progenitores), mas a verdade é que em parte alguma da sentença se reporta a esses factos e documentos (com exceção das fotografias e vídeos juntos no requerimento de 23/03). Além disso, tais documentos não se reportam à factualidade vertida nos pontos aos factos provados em 3) a 5), 7) e 8), 9), 11), 16), 34), 35), 36), 38) a 45) dos factos provados.
16. Assim, a necessidade imposta pela decisão, no que respeita ao apuramento cristalino do completo elenco dos factos provados e não provados, para lá de ser totalmente omissa a fundamentação quanto a eles, consubstancia nulidade nos termos dos artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, o que se invoca.
Da impugnação da matéria de facto: concretos pontos incorretamente dado como provados e não provados
17. Ainda que a matéria de facto dado como provada fosse suficiente para julgar integralmente procedente a pretensão deduzida nos presentes autos, o Recorrente considera incorretamente julgados (por erro, incompletude ou imprecisão) os factos constantes dos artigos 6.º, 7.º, 22.º, 25.º, 28.º e 36.º, dos factos provados e os factos constantes das alíneas a), c), d), h), t) e u) dos factos não provados.
18. Considera, ainda, que deveriam ter sido aditados os seguintes factos à matéria provada:
«59. O BB adaptou-se bem ao período em que viveu em residência alternada, com ambos os progenitores.
60. De outubro a dezembro de 2022, o BB viveu em residência alternada com ambos os progenitores.
61. No dia 10 de dezembro de 2022, a progenitora manifestou e confirmou intenção de continuar a implementar um regime de residência alternada que vinha sendo praticado, tendo-o voltado a fazer no dia 24 de dezembro.
62. No dia 3 de janeiro, a progenitora comunicou ao processo que o regime de residência alternada não acautela o superior interesse do menor sem que, nessa altura, tivesse apontado quaisquer razões para a mudança de posição.
63. No dia 9 de março de 2023, a progenitora apresentou um pedido de alteração urgente, requerendo a tomada de medidas urgentes, a executar sem audição da parte contrária, com vista à suspensão das visitas ao pai até à requerida inquirição do menor. 64. Para sustentar tal pedido, a progenitora descreveu os episódios descritos no requerimento de 9 de março de 2023 que consubstanciam maus-tratos do pai em relação à criança.
65. A criança foi novamente ouvida em sede de audiência de julgamento e não confirmou as situações relatadas pela progenitora.
66. O progenitor encontra-se a adquirir uma moradia na cidade de Vila do Conde.
67. Os progenitores evidenciam estilos educativos que se complementam nas suas diferenças, relativamente à transmissão de conhecimentos e práticas à criança».
19. Note-se que, após a apresentação das alegações dos progenitores, decorreu um período de 3 (três) meses de suspensão em que sucederam factos importantes, desde logo, (i) os progenitores implementaram novo período de residência alternada, (ii) acordaram na continuidade da sua implementação uma vez decorrido o período experimental, (iii) subitamente, a progenitora opôs-se por tal regime não salvaguardar o superior interesse da criança e (iv) mais tarde, veio relatar factos extremamente graves que consubstanciam maus-tratos a menor.
20. O Tribunal a quo, na decisão recorrida, não atribuiu relevância a nenhum destes factos ocorridos após a apresentação das alegações finais.
21. Assim, o Tribunal a quo, pura e simplesmente, ignorou factos extremamente relevantes que não podiam deixar de ser considerados na decisão recorrida, não obstante terem sido carreados para o processo – ainda que após a apresentação das alegações apresentadas ao abrigo do disposto no artigo 42.º, n.º 5 e 39.º, n.º 5 do RGPTC (sendo certo que entre a data da apresentação das alegações e a realização do julgamento decorreram cerca de 10 meses).
22. Assim, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3.º, alínea c), 12.º e 21.º do RGPTC.
23. No artigo 6.º da sentença recorrida, julgou-se provado que: “Entre março e agosto de 2020 o BB residiu com ambos os progenitores de igual forma, em virtude de se ter entrado em confinamento e o pai ter sugerido que o menor, uma vez que se encontrava em regime de aulas online e os progenitores em teletrabalho, ficasse uma semana em cada residência”.
24. O Recorrente considera que este facto deveria ter sido provado nos seguintes termos: «Entre março e agosto de 2020 o BB residiu com ambos os progenitores de igual forma, enquanto decorriam tentativas de alteração formal do acordo pela via extrajudicial, alimentando a progenitora as expetativas de tal se concretizar».
25. Dos autos não resulta que a implementação da residência alternada naquele período tenha correspondido a uma situação meramente circunstancial, como parece indiciar a alusão feita na decisão recorrida quando ressalva que tal sucedeu “em virtude de se ter entrado em confinamento”.
26. Os concretos meios que impõem decisão diversa são os documentos n.ºs 1 e 2 junto com as alegações do progenitor, conjugados com a demais produzida, designadamente do ponto 10. dos factos provados.
27. No artigo 7.º o Tribunal a quo julgou julgado provado que: “Nessas específicas e concretas circunstâncias particulares, a progenitora não se opôs a essa alteração ainda que durante esse período”.
28. O Recorrente, contudo, considera que este facto deveria ter sido provado nos seguintes termos: «A progenitora não se opôs a essa alteração durante esse período».
29. Os concretos meios que impõem decisão diversa são os documentos n.ºs 1 e 2 junto com as alegações do progenitor, conjugados com a demais produzida, designadamente do ponto 10. dos factos provados, bem como o depoimento de KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33), sendo que a concreta passagem consta de 05min38 a 08min50, bem como as declarações prestadas por LL (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 16:00:04; fim da gravação: 16:25:55), sendo que a concreta passagem consta de 09min18 a 10min20.
30. Estas testemunhas explicam que o aqui Recorrente sempre teve a expetativa de usufruir de um regime de residência alternada com o seu filho, que existiram conversas com a progenitora, com esta a responder positivamente à pretensão do progenitor; que existiram tentativas de alteração formal do acordo e que, inclusivamente, chegaram a fazer mediação familiar com vista à alteração do acordo.
31. No artigo 22.º da sentença recorrida, julgou-se provado que: “O BB quando está na companhia do pai tem sempre a companhia da avó paterna e ficam ambos na residência desta, onde o BB tem quarto próprio”.
32. O Recorrente, contudo, considera que este facto deveria ter sido provado nos seguintes termos: «O BB quando está na companhia do pai ficam ambos na residência da avó paterna, onde o BB tem quarto próprio, com carácter de provisoriedade, encontrando-se o progenitor em processo de aquisição de uma moradia em Vila do Conde com a sua companheira, KK».
33. Os concretos meios que impõem decisão diversa são as declarações prestadas por KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33). As concretas passagens constam a 15min45 a 19min00 e 45min40 a 46min33.
34. Como decorre das passagens identificadas, a testemunha KK refere que se encontra, conjuntamente com o progenitor, em processo de aquisição de uma moradia, em Vila do Conde, estando ambos a tratar da legalização do imóvel para fazer o contrato promessa de compra e venda. Refere que escolheram a localização do imóvel, tendo em conta a proximidade à residência do BB. Explica que pretendem proporcionar ao BB a maior estabilidade possível e, por isso, decidiram que o BB continuaria a estar na casa da avó quando estivesse com o pai, para minimizar as mudanças.
35. No artigo 25.º da sentença recorrida julgou-se provado que: “O progenitor namora desde 2020 com KK, apenas residindo na casa desta quando o BB não está na sua companhia”.
36. O Recorrente, contudo, considera que este facto deveria ter sido provado nos seguintes termos: «O progenitor namora desde 2020 com KK, apenas residindo na casa desta quando o BB não está na sua companhia, de forma a evitar que o BB ali resida a título meramente transitório, uma vez que o progenitor se encontra em processo de aquisição de uma moradia em Vila do Conde com a sua companheira, para a qual irão a mudar os três».
37. Os concretos meios que impõem decisão diversa são as declarações prestadas por KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33). As concretas passagens constam a 15min45 a 19min00 e 45min40 a 46min33
38. No artigo 28.º da sentença recorrida julgou-se provado que: “A progenitora alterou a sua residência de ... para ... entre julho 2020 e outubro de 2021”.
39. O Recorrente, contudo, considera que este facto deveria ter sido provado nos seguintes termos: «Em outubro de 2021, a progenitora alterou a sua morada para ..., dando conhecimento ao progenitor em novembro de 2021».
40. O concreto meio que impõe decisão diversa é o documento n.º 8 junto com as alegações do progenitor, onde consta o envio de um recibo datado de outubro de 2021 onde já consta a morada de ..., apesar de a progenitora apenas o ter comunicado por email de 21 de novembro de 2021, conforme decorre do email remetido ao progenitor com a informação da alteração da morada.
41. No artigo 36.º da sentença recorrida julgou-se provado que: “A progenitora agendou consulta de psicologia no Hospital ... e o pai opôs-se a tal escolha, tendo sido desmarcada tal consulta pela entidade hospitalar”.
42. O Recorrente, contudo, considera que este facto deveria ter sido provado nos seguintes termos: «A progenitora agendou consulta de psicologia no Hospital ... e o pai não aceitou ser arredado do acompanhamento psicológico do seu filho, tendo sido desmarcada tal consulta pela entidade hospitalar».
43. Os concretos meios que impõem decisão diversa são as declarações prestadas por KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33). A concreta passagem consta a 28min45 a 29min29, bem como a documentação junta com o requerimento apresentado pelo progenitor no dia 28 de abril de 2022 (ref.ª 42040567), concretamente os documentos juntos como documentos n.ºs 6, 7 e 8 com o referido requerimento.
44. Desta documentação decorre que o progenitor remeteu à progenitora emails com sugestões de vários nomes de psicólogas com base numa análise curricular que desenvolveu, adiantando que, inclusivamente, tinha conseguido marcação para consulta, sugerindo à progenitora que fossem os três.
45. Na alínea a) da sentença recorrida, o Tribunal não deveria ter julgado não provado que: “O menor revela sinais de instrumentalização por parte da sua progenitora”.
46. O Recorrente considera que também este facto deveria ter sido considerado provado.
47. Na alínea c) da sentença recorrida, o Tribunal não deveria ter julgado não provado que: “O BB está a viver alguns conflitos de lealdade com a progenitora”.
48. O Recorrente considera que também este facto deveria ter sido considerado provado.
49. Os concretos meios que impõem decisão diversa quanto a estes dois factos [a) e c] são: as declarações prestadas por KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33), sendo que a concreta passagem consta a 14min30 a 15min45; as declarações prestadas por LL (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 16:00:04; fim da gravação: 16:25:55), sendo que a concreta passagem consta de 12min11 a 13min07; as declarações prestadas pela Professora MM (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 15:16:44; fim da gravação: 15:34:10), sendo que as concretas passagens constam a 03min30 a 06min34; 06min35 a 07min12; 07min40 a 08min20; 07min40 a 08min20 e 9min15 a 13min00; as declarações do menor BB (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:27:03; fim da gravação: 14:37:11), sendo que a concreta passagem consta de 04min00 a 16min00; As declarações do companheiro da progenitora, JJ (depoimento gravado em CD, no dia 2 de maio de 2023, com início da gravação: 15:10:44; fim da gravação: 15:48:26), sendo que as concretas passagens constam de 04min50 a 09min48; 11min15 a 14min17; 19min25 a 24min40; 24min50 a 26min05; 29min25 a 30min09 e 35min18 a 35min45; as declarações do avô materno, BB (depoimento gravado em CD, no dia 2 de maio de 2023, com início da gravação: 12:04:30; fim da gravação: 12:35:23, sendo que as concretas passagens constam de 03min18 a 03min90;07min19 a 9min12; 11min27 a 11min40 e 18min15 a 21min50; as declarações da auxiliar educativa, HH (depoimento gravado em CD, no dia 2 de maio de 2023, com início da gravação: 11:41:08; fim da gravação: 12:00:53, sendo que as concretas passagens constam de 04min19 a 11min20; 11min55 a 14min30 e 15min23 a 18min53; as declarações do pediatra, Dr. NN (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 11:42:47; fim da gravação: 12:05:25), sendo que a concreta passagem consta de 04min53 a 16min30, bem como o relatório médico subscrito pelo Dr. NN e junto aos autos com as alegações da progenitora, e, por fim, o requerimento apresentado pela progenitora no dia 9 de março de 2023.
50. Assim, tais factos (a. e c. dos factos não provados) deveriam ter sido dados como provados.
51. Na alínea u) da sentença recorrida, o Tribunal não deveria ter julgado não provado que: “Acaba por não ter tempo para fazer os trabalhos de casa e estudar”.
52. O Recorrente considera que também este facto deveria ter sido considerado provado.
53. O concreto meio probatório que impõe decisão diferente é a informação social datada 27/07/2022, a Exma. Técnica consignou no seu relatório (cfr. relatório social de 27.07.2022 que se mostra junto aos autos), com as declarações dos progenitores, em que a própria progenitora confirma que “quando regressa a casa, faz a higiene e após o jantar os trabalhos de casa. A mãe alega que os labores letivos são residuais sendo habitualmente efetuados em contexto escolar durante os tempos mortos”.
54. Conforme se referiu, o Recorrente considera, ainda, que deveriam ter sido aditados à matéria provada, alguns factos, tais como: «59. O BB adaptou-se bem ao período em que viveu em residência alternada, com ambos os progenitores».
55. Os concretos meios que impõem este aditamento são os seguintes: as declarações prestadas por KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33), sendo que a concreta passagem consta a 14min30 a 15min45; bem como as declarações prestadas por LL (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 16:00:04; fim da gravação: 16:25:55), sendo que a concreta passagem consta de 12min11 a 13min07. Outro meio que impõe decisão diferente é o documento n.º 8 junto com o requerimento apresentado pelo progenitor no dia 17 de janeiro de 2023 que confirma que o BB obteve excelentes resultados escolares no final do primeiro período (teve a classificação de muito bom a todas as disciplinas, com exceção de cidadania e desenvolvimento, em que obteve a classificação de bom), após período em que viveu em residência alternada, em regime provisório.
56. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «60. De outubro a dezembro de 2022, o BB viveu em residência alternada com ambos os progenitores».
57. O concreto meio que impõe este aditamento é o requerimento apresentado nos autos, subscrito por ambos os progenitores, com subscrição múltipla dos mandatários constituídos, no dia 8 de outubro, relativo a um acordo provisório de alteração das responsabilidades parentais, nos termos do qual acordaram a implementação de um regime de residência alternada, com rotatividade semanal, durante três meses.
58. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «61. No dia 10 de dezembro de 2022, a progenitora manifestou intenção de continuar a implementar um regime de residência alternada que vinha sendo praticado».
59. O concreto meio que impõe este aditamento é o requerimento do pai de 17.01.2023, concretamente os documentos n.º 1 a 4 juntos com o requerimento do pai de 17.01.2023 em resposta ao comunicado da mãe. Note-se que é a própria progenitora que propõe, no dia 10 de dezembro de 2022, a prorrogação do regime de residência alternada. No dia 24 de dezembro de 2022, a progenitora voltou a reiterar a sua pretensão de prolongar a implementação do regime de residência alternada no início do presente ano – cfr. documentos n.º 5 e 6 juntos com o requerimento do pai de 17.01.2023 em resposta ao comunicado da mãe. Considerando o acordo alcançado, o progenitor já tinha adquirido as refeições do BB na escola para este mês de janeiro para “as suas semanas”, conforme combinado com a progenitora (cfr. documento n.º 7 junto com o requerimento do pai de 17.01.2023).
60. Assim, os documentos n.ºs 1 a 7 juntos com o requerimento do pai de 17.01.2023 demonstram que a progenitora manifestou intenção de continuar a implementar um regime de residência alternada que vinha sendo praticado, a título provisório, pelo que se impunha esse aditamento.
61. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «62. No dia 3 de janeiro, a progenitora comunicou ao processo que o regime de residência alternada não acautela o superior interesse do menor sem que, nessa altura, tivesse apontado quaisquer razões para a mudança de posição».
62. O concreto meio que impõe este aditamento é o requerimento apresentado pela progenitora no dia 3 de janeiro de 2023, em que esta, simplesmente, alega que «apesar da sua disponibilidade para experimentar a residência alternada que levou ao acordo provisório e pedido de suspensão dos autos, que tal regime não é o que melhor acautela o superior interesse do menor», não sendo alegados quaisquer factos para justificar a sua posição.
63. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «63. No dia 9 de março de 2023, a progenitora apresentou um pedido de alteração urgente, requerendo a tomada de medidas urgentes, a executar sem audição da parte contrária, com vista à suspensão das visitas ao pai até à requerida inquirição do menor».
64. O concreto meio que impõe este aditamento é o requerimento apresentado pela progenitora no dia 9 de março de 2023, onde consta um pedido de suspensão de visitas, com fundamento em violência psicológica exercida pelo progenitor em relação ao BB.
65. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «64. Para sustentar tal pedido, a progenitora descreveu os episódios descritos no requerimento de 9 de março de 2023 que consubstanciam maus-tratos do pai em relação à criança».
66. O concreto meio que impõe este aditamento é o requerimento apresentado pela progenitora no dia 9 de março de 2023.
67. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «65. A criança foi novamente ouvida em sede de audiência de julgamento e não confirmou as situações relatadas pela progenitora».
68. O concreto meio que impõe este aditamento são a ata da audiência de julgamento de 11 de abril de 2023 e declarações do menor gravadas, nos termos previstos na alínea c) do n.º 7 do artigo 5.º do RGPTC, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (de 10 a 10:20 horas).
69. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «66. O progenitor encontra-se a adquirir uma moradia na cidade de Vila do Conde».
70. O concreto meio que impõe este aditamento são as declarações prestadas por KK (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 14:20:47; fim da gravação: 15:15:33), sendo que as concretas passagens constam a 15min45 a 19min00 e 45min40 a 46min33.
71. Outro facto que deveria ser aditado é o seguinte: «67. Os progenitores evidenciam estilos educativos que se complementam nas suas diferenças, relativamente à transmissão de conhecimentos e práticas à criança».
72. O concreto meio que impõe este aditamento é a informação social datada 27/07/2022 e relatório social de 12/10/2022 que se mostram juntos aos autos, em que a Exma. Técnica conclui que os progenitores se complementam nas suas diferenças, relativamente à transmissão de conhecimentos e práticas à criança, necessitando, contudo, de melhorar a articulação coparental.
Da verificação de uma alteração superveniente das circunstâncias – artigo 42.º do RGPTC
73. A data que releva para efeitos de apreciação da alteração são os factos existentes ou conhecidos na data da regulação do exercício das responsabilidades parentais (no caso, março de 2018 – cfr. ponto 2. dos factos provados) e não o momento da separação de facto dos progenitores (no caso, em julho de 2015 – cfr. ponto 38. dos factos provados).
74. À data do acordo de regulação das responsabilidades parentais, o menor BB tinha apenas 4 anos e o progenitor estava colocado numa escola em Coimbra e a duração previsível da sua colocação seria por 4 anos.
75. Refere o Tribunal que, no ano letivo 2014/2015, o progenitor estava colocado no agrupamento de Escolas ..., Espinho, no ano letivo 2015/2016, 2016/2017, o progenitor ficou colocado no Agrupamento de Escolas do Cerco, Porto, no ano letivo 2018/2019 o progenitor ficou colocado no Agrupamento de Escolas de Fajões – Oliveira de Azeméis, e nada impedia que, estando os progenitores separados desde 2015 o progenitor implementasse o regime de residência alternada desde logo.
76. No âmbito desta ação não se provou (nem tinha pertinência provar-se!) qual foi o regime que os progenitores implementaram desde que se separaram de facto, no ano de 2015.
77. Em março de 2018, quando se divorciaram e, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, regularam as responsabilidades parentais do menor BB, o progenitor estava colocado numa escola em Coimbra (cfr. ponto 42. dos factos provados).
78. Já depois da formalização do acordo de regulação, o Ministério da Educação abriu novo concurso de colocação de docentes (excecional e inesperado), em setembro de 2018, o progenitor conseguiu colocação em ... – Oliveira de Azeméis – cfr. ponto 4. dos factos provados.
79. Atualmente, o BB tem 10 anos e o progenitor está colocado numa escola que lhe permite manter a sua residência no distrito do Porto, encontrando-se, desde 2021, colocado definitivamente no QZP 01, ou seja, na área do Porto, onde se mantém até hoje.
80. Torna-se mais do que evidente existir uma alteração superveniente de circunstâncias que determina a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais acordada e homologada em março de 2018.
81. Portanto, incorreu o Tribunal em erro de raciocínio quando aferiu a existência de uma efetiva alteração superveniente de circunstâncias tendo por referência momentos temporais não coincidentes com o momento da regulação das responsabilidades parentais.
82. Quanto ao facto de o ora Recorrente dispor, naquela altura, de “retaguarda familiar que continua a ter”, não nos afigura que tal facto tenha relevância nas circunstâncias fácticas descritas nos autos.
83. Ainda que dispusesse de “retaguarda familiar”, a verdade é que, por força da sua colocação na cidade de Coimbra, o regime de residência alternada não foi o regime fixado ab initio por não existirem condições para a sua exequibilidade prática.
84. Assim, no início do ano letivo, o progenitor abordou a progenitora no sentido de alterar o regime de residência do BB, no sentido de estar com o pai e com a mãe igual tempo (cfr. ponto 5. dos factos provados).
85. Esta situação, por si só, demonstra que a alteração (superveniente) da colocação do progenitor (no sentido da sua aproximação em relação ao “centro de vida” do BB) esteve na origem da pretendida alteração.
86. E os seus comportamentos foram absolutamente consentâneos com essa pretensão.
87. Em novembro e dezembro de 2019, o BB passou todos os fins-de-semana com o pai, em virtude de a progenitora passar todos os fins-de-semana em formação profissional (cfr. ponto 27. dos factos provados).
88. Os progenitores chegaram inclusive a implementar um regime de residência alternada entre meados de março e agosto de 2020 (cfr. ponto 6. dos factos provados).
89. Inicialmente, a mãe não se opôs aos pedidos do pai, sugerindo apenas que a transição fosse efetuada de modo progressivo.
90. Isso mesmo o demonstra os vários emails e mensagens trocadas, designadamente em que a progenitora, após ter concordado em alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais, no dia 5 de novembro de 2020, chegou mesmo a enviar os elementos solicitados para a concretização e formalização da alteração – cfr. documento n.º 1 junto com as alegações finais do progenitor e ponto 8. dos factos provados)
91. No dia 7 de novembro de 2020, enviou um email ao progenitor em que refere que “não se quer opor à guarda partilhada”, apesar de achar a alteração prematura – cfr. documento n.º 2 junto com as alegações e ponto 9. dos factos provados.
92. Já depois de acordarem a alteração formal do acordo de regulação das responsabilidades – para que ficasse por escrito o regime que, por acordo entre os pais, foi implementado e que de resto, desde o início, foi pretensão do progenitor – a mãe do BB recuou no acordo pretendido.
93. A progenitora não aceitou reduzir a escrito a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais quanto à residência alternada (cfr. ponto 11. dos factos provados) que, apenas informalmente, aceitou implementar.
94. Os progenitores recorreram a serviços de mediação a título particular, entre janeiro e setembro de 2021, tendo em vista a possibilidade de acordo quanto à alteração do regime de regulação (cfr. ponto 10. dos factos provados).
95. A idade do menor BB (não isoladamente, mas em conjugação com as concretas circunstâncias fácticas descritas nos autos) também releva como alteração superveniente de circunstâncias.
96. Não podemos esquecer que, à data da regulação das responsabilidades parentais, o BB tinha apenas 4 anos.
97. Por outro lado, à data da regulação das responsabilidades parentais, o progenitor previa ficar em Coimbra, pelo menos, durante 4 anos (duração previsível do concurso, não fosse a abertura do concurso extraordinário de docentes), sem saber quando conseguiria colocação numa área geográfica que lhe assegurasse maior proximidade em relação ao centro de vida do BB.
98. Era vasta a jurisprudência da altura que entendia que, em caso de crianças de tenra idade, esse equilíbrio não se atingia através da definição do habitual esquema de residência alternada com rotação semanal, porventura adequado para crianças que já passaram a primeira infância
99. Para o progenitor, a solução também passaria em adequar os ritmos da alternância da residência à noção de tempo da criança, compatibilizando-a com a sua fixação profissional numa área geográfica que permitisse ao BB beneficiar de um regime de residência alternada a ser executado pelos progenitores (e não pelos avós).
100. Concluiu o Tribunal a quo que, estando os progenitores separados de facto desde 2015, nada impedia que o progenitor implementasse o regime de residência alternada desde logo, caso o único entrave para a residência alternada fosse a proximidade de casa.
101. Mais uma vez, salvo devido respeito, o raciocínio do Tribunal é temerário.
102. Em primeiro, porque não existem evidências nos autos de que a progenitora estivesse de acordo em implementar um regime de residência alternada numa altura em que o BB tinha, sensivelmente, dois anos. Portanto, a conclusão de que “nada impedia o progenitor” carece de sentido porque, como se sabe, a implementação do regime de residência alternada (e, por maioria de razão, de qualquer regime) tem de ser consensual ou determinada judicialmente, não bastando a “vontade” do pai, ainda que conformada pelo superior interessa da criança, para o implementar.
103. Em segundo, porque nunca o progenitor alegou (bem pelo contrário) que o “único entrave para a residência alternada fosse a proximidade de casa”, bastando uma análise atenta da petição inicial para se constatar que o critério da distância não foi o único fundamento invocado.
104. Em terceiro, mesmo que ignorássemos a colocação do progenitor na cidade de Coimbra (o que não é suscetível de ser ignorada), não podia o Tribunal deixar de considerar a orientação jurisprudencial que existia, à data da regulação das responsabilidades parentais e, por maioria de razão, à data da separação de facto – e que ainda é abundante à data de hoje –, quanto à fixação de regimes de residência partilhada em situações de crianças de tenra idade. Veja-se, por todos, o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 07-05-2019:
105. Como tem sido abundantemente decidido por este Venerando Tribunal da Relação do Porto, «no caso de menores o tempo é um elemento fundamental e preponderante. Em função da idade e à medida do crescimento da criança, e da sua evolução, consoante as várias etapas, - creche, jardim-de-infância, ensino pré-escolar, escola básica, etc - devem as medidas que integram as responsabilidades parentais de que são objeto, ser revistas e adaptadas de molde a uma maior integração no meio familiar de ambos os progenitores, se isso se mostrar relevante para o seu desenvolvimento emocional, se for do seu interesse superior» (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13.07.2022).
106. Neste sentido, vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30.05.2023, onde se refere que: «III – A atual idade da menor – seis anos de idade – não pode ser considerada “tenra idade” para o efeito de obstar, ou sequer desaconselhar, a alteração da residência junto da mãe para um regime de residência alternada, constituindo circunstância superveniente com influência na determinação do regime de responsabilidades parentais».
107. Hoje entende-se que a própria alteração jurisprudencial poderá fundamentar o pedido de alteração das responsabilidades parentais. Veja-se, por todos, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 06-02-2020.
108. Quanto à situação da queda do BB, esta situação ocorreu após a formalização do acordo de regulação das responsabilidades parentais.
109. O Tribunal incorreu, uma vez mais, em erro de raciocínio quando apreciou esta questão.
110. Cumpre começar por esclarecer que o episódio da negligência da progenitora está longe de ter sido o principal fundamento da presente ação.
111. Além disso, nunca o progenitor alegou que a situação verificada era fundamento suficiente para tornar impeditivo o exercício conjunto da parentalidade, ao ponto de “não aceitar a partilha da residência com o BB”, justificando um pedido de atribuição de residência exclusiva junto de si.
112. O que foi alegado pelo ora Recorrente é que a progenitora guardiã já propiciou situações de perigo para o BB que teriam sido evitáveis se esta tivesse cumprido com o seu dever de zelo e vigilância, mas tal situação não a torna, por si só, automaticamente inapta para o exercício da parentalidade, ao ponto de passar a reclamar a residência exclusiva.
113. Portanto, a situação da queda do BB constituiu, efetivamente, uma alteração superveniente de circunstâncias (mais uma) que deve ser ponderada na decisão a tomar, ainda que o progenitor, na concreta situação fáctica descrita nos autos, não tivesse participado a situação à Comissão de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ), na medida em que tal comportamento omissivo não poderá ter qualquer efeito preclusivo ou até mesmo anulatório do comportamento inadimplente da progenitora.
114. Assim, em conclusão: o progenitor alegou e comprovou várias alterações supervenientes de circunstâncias, as quais deveriam ter sido apreciadas por referência à data da regulação das responsabilidades parentais e não por referência à data da separação de facto dos progenitores.
115. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 42.º do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro.
Da residência alternada como a melhor solução
116. Para o progenitor, o melhor para o BB seria a residência alternada com cada um dos progenitores, não existindo, no caso, nenhum fundamento bastante para privar o menor de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe.
117. Apenas a residência alternada irá ao encontro do superior interesse da criança e fará com que a distância paternal se elimine, passando o menor a ter ambas as figuras, materna e paterna, como centrais na sua vida.
118. Atendendo à idade do menor, que já completou 10 anos de idade, rapidamente se adaptará novamente (e dizemos novamente por força das experiências já realizadas) à forma de vida com duas residências, como aliás se adaptou durante o período em que viveu em residência alternada, ainda que sem formalização.
119. Aliás, como se adaptou nos períodos de férias, uma vez que o BB vive em regime de residência alternada nessa altura.
120. Não existe, pois, nenhum fundamento bastante para privar o BB de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe.
121. Nos dias de hoje, pai e mãe assumem em relação aos filhos posições e papéis tendencialmente paritários, um e outro trabalhando fora e ambos cuidando e acompanhando, de forma próxima e diária, o desenvolvimento dos filhos em família e na sociedade.
122. O relatório social dá uma imagem globalmente positiva de ambos os progenitores, dele sobressaindo, e dos mais elementos dos autos, uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores.
123. Refere que os pais, ambos encarregados de educação, têm sido diligentes e próximos da criança, acompanhando de perto o processo educativo e mostrando-se igualmente exigentes.
124. Refere, ainda, que o pai defende um acompanhamento mais exigente nos cuidados pessoais à criança e nos trabalhos da escola, em casa, a estimulação da leitura, da capacidade de concentração/atenção, pelo que fazem tempos de leitura em conjunto, puzzles e autoconstrução de veículos com dimensões adequadas para se locomover. A mãe, por sua vez, proclama a autonomia na higiene, no arranjo do espaço individual, cooperação nas tarefas domésticas e atividades desportivas.
125. No que concerne à “carga” das práticas desportivas, o pai considera que é excessiva em termos de frequência semanal porque diz que não sobra tempo para que a criança possa estudar, descansar, brincar ou simplesmente fazer outras coisas a seu contento nos espaços não preenchidos por obrigações. A mãe contraria, alegando que as atividades conciliam o desejo da criança e a evolução do seu desenvolvimento.
126. A criança tem treinos de futebol (após o termo das aulas), às segundas, terças e quintas até 19 horas, jogos de competição aos sábados e natação às quartas no mesmo horário. Quando regressa a casa da mãe, faz a higiene e após o jantar os trabalhos de casa. A mãe alega que os labores letivos são residuais sendo habitualmente efetuados em contexto escolar durante os tempos mortos.
127. Não por acaso, conclui a Exma. Técnica no depoimento prestado em sede de audiência que apesar das diferenças de estilos educativos (porque o pai prioriza umas atividades e a mãe outras e ambos têm opiniões distintas quanto à carga das atividades extracurriculares e respetiva carga horária), no caso as divergências são complementares e não desagregadoras, com o pai a privilegiar mais os cuidados pessoais à criança e nos trabalhos da escola, em casa, a estimulação da leitura, da capacidade de concentração/atenção e a mãe a proclamar mais a autonomia na higiene, no arranjo do espaço individual, cooperação nas tarefas domésticas e atividades desportivas.
128. Isso mesmo foi confirmado no depoimento da Exma. Técnica, em sede de audiência de julgamento.
129. Portanto, estes estilos educativos não inviabilizam a implementação de uma residência alternada e, mesmo que assim não fosse, está longe de se demonstrar que o estilo educativo da mãe é melhor do que o do pai.
130. A própria Professora MM, ouvida em sede de julgamento, confirmou que ambos os pais são muito presentes e participativos na vida escolar do filho (muito acima da média); atesta uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores, pelo que nem percebe quando o BB vem da casa da mãe ou da casa do pai.
131. Com efeito, nas declarações prestadas pela Professora MM (depoimento gravado em CD, no dia 11 de abril de 2023, com início da gravação: 15:16:44; fim da gravação: 15:34:10), sendo que as concretas passagens constam a 03min30 a 06min34; 06min35 a 07min12; 07min40 a 08min20; 07min40 a 08min20 e 9min15 a 13min00, esta testemunha confirmou que os progenitores são extremamente presentes e dedicados ao filho, sem que percecione qualquer diferença entre os dois. Refere que o pai vai às reuniões, está presente sempre que é necessário e costuma reunir com ele, em média, uma vez por mês.
132. Destacou uma alteração uma alteração comportamental no ano passado, em que o BB chegou a fazer “desabafos”, mas sem continuidade, pelo que nem lhe atribuiu relevância, uma vez que o BB se adaptou ao regime de residência alternada que decorreu, por acordo de ambos os progenitores, no ano passado, tendo as coisas acabado por normalizar.
133. Dúvidas inexistem que o progenitor reúne todas as capacidades e condições para ter o filho ao seu cuidado.
134. A situação profissional do progenitor foi muito bem explicada pela testemunha OO que explicou a progressão da carreira do progenitor que, atualmente, tem a sua colocação definitiva no QZP do Porto.
135. Para além do depoimento da referida testemunha, esta informação é corroborada pelas listas de colocação referentes aos concursos existentes e pelo registo biográfico do ora Recorrente, juntos aos autos no dia 21 de abril de 2023.
136. No confronto das situações profissionais de ambos os progenitores, fica claro que, atualmente, o progenitor é quem dispõe da situação profissional mais estável e ajustada ao cumprimento das suas obrigações parentais.
137. A progenitora nunca pôs em causa as competências parentais do progenitor.
138. Em novembro e dezembro de 2019, o BB passou todos os fins-de-semana com o pai, em virtude de a progenitora passar todos os fins-de-semana em formação profissional (cfr. ponto 27. dos factos provados).
139. Até à propositura da presente ação, a progenitora sempre depositou total confiança nas capacidades do progenitor em cuidar do seu filho.
140. Assume que «temos trabalhado bem com ele e aí não sou modesta e acho que também não deves ser»; «acho que somos exigentes e carinhosos e ele sente que é muito amado, mas que há regras» - cfr. documento n.º 16 junto com as alegações do progenitor.
141. Refere «Não tenho dúvidas que o tratam bem, de que ele gosta de ti e que está feliz aí. Nada disso foi dito, muito pelo contrário» - documento n.º 17 junto com as alegações do progenitor.
142. Bem como «Não quero criar obstáculos, quero que façamos o melhor para ele. E se for isso o melhor não me vou opor. Estou há demasiado tempo com ele. Para mim é muito duro, mas, acima de tudo, tenho conhecimento de demasiados casos negativos para achar que é o melhor, mas como te disse não quero colocar obstáculos. Juro» -documento n.º 18 junto com as alegações do progenitor.
143. Refere «Eu entendo a tua vontade em estar com o BB mais tempo… Mas eu também estou muito habituada a estar com ele e custa-me estar muitos dias»; «só estou muito habituada a estar com ele e estas trocas prolongadas custam-me muito» -documento n.º 19 junto com as alegações do progenitor.
144. E ainda: «Não me quero opor, mas acho que as rotinas têm que ser as mesmas (ou idênticas) num lado e noutro» - documento n.º 20 junto com as alegações do progenitor.
145. Ou seja, sem alguma vez por em causa que o BB gosta muito de estar com o pai e é, em sua casa, muito bem tratado, por vezes a sua opinião é sustentada na alegada resistência do BB… outras na sua dependência emocional do filho… outras nos casos negativos que alegadamente conhece… outras na necessidade de garantir as rotinas…
146. O progenitor acredita que os sentimentos de estabilidade e segurança do menor sairão reforçados com o convívio e partilha de afeto, de forma assídua e paritária, com ambos os progenitores.
147. E que os conflitos de lealdade que o BB atualmente evidencia tenderão a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual presença dos pais na sua vida.
148. Assim diminuindo o conflito parental,
149. E, ao mesmo tempo, potenciando a preservação das relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.
150. Quanto ao argumento da instabilidade que a mudança de residência pode provocar, também já invocado pela progenitora, tal deve ser relativizado já que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas, sendo certo que os benefícios resultantes da alteração pretendida para o menor sobrelevam face a tal “inconveniente”.
151. Além disso, existem igualmente condições logísticas muito favoráveis: o progenitor reside no Porto e encontra-se em processo de aquisição de uma moradia em Vila do Conde; o BB frequenta uma escola em Matosinhos e a progenitora reside em ... e trabalha em Matosinhos.
152. O progenitor acredita também que a mudança de regime poderá contribuir para a mudança de postura da progenitora que, valendo-se dos termos do acordo de regulação em vigor (muito parco quanto a convívios com o pai), acaba por unilateralmente definir os termos do convívio com o progenitor, o que muito prejudica o BB, na medida em que:
153. Sem esquecer a postura da progenitora que não tem qualquer pejo em juntar aos autos o “atestado médico” datado de 9 de junho, em que o médico subscritor atesta que os alegados problemas respiratórios (“falta de ar e intolerância ao exercício” – o que não deixa de ser surpreendente neste contexto em que o BB pratica desporto todos os dias!) se devem à resistência em viver alternadamente com cada um dos progenitores.
154.Note-se que, como resulta do documento n.º 28 junto com as alegações do progenitor, a progenitora avisou que levou o menor ao médico, naquela altura, pelo facto de se ter queixado de “respirar mal”, apresentando a progenitora uma explicação para o sucedido: esteve congestionado e poderia estar a manifestar ansiedade por causa do futebol e da sua vontade de querer ser guarda-redes.
155. Agora, em contexto judicial, vem a progenitora insinuar que tais problemas se devem a uma resistência ao convívio com o pai.
156. O progenitor entende que havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais (e seguramente do pai há), e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a residência alternada é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.
157. As crianças que residem alternadamente com ambos os pais têm uma maior mundividência face às crianças (filhas de pais separados) em regime de residência única, e sentem-se mais seguras, por terem igualmente maior acesso ao convívio com os restantes familiares. As crianças em regime de residência alternada encaram-se como tendo dois lares, em ambos se sentindo “em casa”.
158. A vinculação entre pais e filhos é um laço afetivo que perdura no tempo, caracterizando-se pela tendência a procurar e manter proximidade física e emocional com a figura de vinculação, a qual deve ser percecionada como fonte de segurança, promotora de uma base segura a partir da qual a criança ou o adolescente vai explorando o seu mundo.
159. Analisando a jurisprudência e a doutrina mais recentes, constata-se que, em consonância com as recomendações das instâncias europeias, vem ganhando terreno a tese de que a criança deverá manter com ambos os pais contactos de forma tendencialmente equitativa. Manter contactos regulares e extensos com ambos os pais permite que a criança estabeleça com cada um deles uma relação de vinculação segura. O que se alcança por via da residência alternada, que deverá ser a primeira solução a considerar.
160. Os laços afetivos constroem-se dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins de semana – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que os menores se sintam uma mera “visita” em casa deste, aumentando o risco de alienação parental.
161. A mudança de paradigma, também legal, “impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe”.
162. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
163. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
164. Em concordância com estudos realizados sobre esta matéria as crianças que, desde cedo, vivem em regime de residência alternada possuem melhores indicadores de bem-estar emocional do que as que crescem em modelo de residência única. Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.12.2021, no processo n.º 506/21.8T8CHV-B.G1.
165. No caso concreto, salvo o muito e devido respeito, excetuando a oposição da progenitora por razões não esclarecidas, não se vislumbra que a presente situação se revista de quaisquer peculiaridades que desaconselhem a guarda partilhada.
166. O BB está vinculado afetivamente de forma semelhante a ambos os pais, o quais se revelam atentos, diligentes e preocupados com o bem-estar do menor.
167. Aliás, nada disto foi posto em causa pela mãe que a única coisa que refere é que o BB não desempenha tarefas domésticas em casa do pai.
168. Nada que mereça relevância, para além naturalmente da relevância positiva que merece a forma, carinhosa e dedicada, como trata o filho.
169. Reúne as necessárias condições económicas: tem um trabalho estável e vínculo à função pública.
170. Tem condições de habitabilidade: quando não tem o BB, o pai vive com a sua companheira, KK, na casa desta, estando em processo de compra de um imóvel em Vila do Conde para facilitar a execução do regime de residência alternada que se pretende que venha a ser decretado por este Venerando Tribunal da Relação.
171. Como foi muito bem explicado pela KK, a ideia de o BB não viver na casa na sua casa, onde habitualmente reside o progenitor quando o filho não está consigo, deve-se ao facto de o BB estar adaptado ao seu espaço, ao seu quarto, que nos últimos anos foi em casa da avó, e não se pretender introduzir uma mudança na vida desta criança, especialmente quando ambos se encontram em processo de compra de um imóvel, pelo que a “mudança” do BB para a sua casa sempre seria uma solução intermédia e provisória que ambos entenderam não se justificar.
172. Isto demonstra a preocupação pela estabilidade, pelas rotinas da criança.
173. Demonstra que este pai vive a parentalidade de um modo altruísta porque inclusivamente prescinde da vivência com a sua companheira, nos termos normais e que constitui o projeto de ambos, privilegiando as rotinas e a estabilidade do BB na casa a que foi habituado nos últimos anos.
174. A existência de conflitualidade entre os progenitores, por si só, não pode impedir o decretamento da residência alternada. Se assim fosse, estaria encontrada a forma de potenciar conflitos objetivamente infundados, visando evitar a residência alternada e favorecendo a alienação parental que, no caso, se encontra em curso.
175. A alienação parental é um flagelo. Se não houver intervenção rápida terá efeitos irreversíveis na estrutura do “self” do menor, que mais tarde, tornará, o mesmo frustrado, numa vivência de “mentira” e de “culpabilização” pelos conflitos interparentais, que em nada combinam com a evolução saudável do menor.
176. Sendo certo que, no caso em apreço, como os principais momentos de conflito têm incidido precisamente nas divergências quanto à divisão dos tempos de cada um deles com o filho BB, o regime de residência alternada semanal pode inclusivamente ser benéfico para diminuir os conflitos entre ambos, já que não precisam de estar sempre em contacto para esse efeito e cada um deverá articular os seus tempos com a criança e a sua família alargada na semana em que o filho está consigo,
177. Afigurando-se que, na situação em apreço, não só será este o regime que melhor serve os interesses da criança, potenciando a possibilidade de uma vivência equilibrada com cada um dos progenitores, como será o regime que melhor poderá potenciar uma diminuição da litigiosidade que tem estado associada à questão da partilha da residência.
178. É manifesto que o atual regime de convívios nem sequer se revela exequível, na medida em que prevê que o progenitor tem direito a ter o menor consigo em fins de semana, de quinze em quinze dias, acrescido de um dia por semana, a combinar semanalmente entre ambos os progenitores.
179. Esta deficiência do acordo de regulação, no que respeita à fixação da pernoita semanal, que tem estado na origem de vários conflitos (desde logo, porque o progenitor entende que a possibilidade de combinar semanalmente a referida pernoita permite-lhe optar por estar com o BB num dia em que dispõe de mais tempo de qualidade com o seu filho, ao passo que a progenitora impõe que seja sempre à quinta-feira) seria ultrapassada com a fixação de um regime de residência alternada semanal, já que não precisam de estar sempre em contacto para esse efeito.
180. A inquestionável relação afetiva forte da criança com o pai e com a mãe, com vínculos fortes, investidos e gratificantes (que se demonstrou até pela audição do BB), as competências de cada um, necessárias ao exercício das responsabilidades parentais, a complementaridade das intervenções, tudo aconselha o regime da residência alternada como adequado,
181. Pelo que é forçoso concluir que o melhor para o BB é residir alternadamente com cada um dos progenitores, não existindo, no caso, nenhum fundamento bastante para privar o menor de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe.
182. Assim, perante a inexistência de qualquer facto demonstrado que justifique ou desaconselhe um contacto de maior intensidade do menor com qualquer dos progenitores, deverá ser revogada a decisão recorrida, fixando o modelo de guarda partilhada e de residência alternada relativamente ao menor BB, regime esse que, por sua vez, promove, essencialmente, e como nenhum outro, o superior interesse da menor, de ver consolidada a sua estabilidade familiar e emocional.
183. Assim, a decisão recorrida, cuja bondade se impugna, viola o n.º 6 e 7 do artigo 1906.º do Código Civil, pois que o regime de residência alternada se afigura – concretamente – como o mais indicado a acautelar o superior interesse da menor, garantindo a conservação igualitária dos laços afetivos com ambos os progenitores, dos quais o menor muito gosta.
Da vontade do menor BB
184. A vontade e opinião da criança terá como limite o seu superior interesse.
185. No caso em apreço, não obstante o BB ter apenas 8 anos à data da propositura da presente ação, o Tribunal procedeu à sua audição aquando da realização da conferência de pais, tendo o menor verbalizado que preferia ficar como está.
186. Não podemos desde logo deixar de ter presente que se trata de uma criança, à data da sua primeira audição, com apenas 8 anos, não sendo seguro que possua o discernimento para ajuizar o valor de tais afirmações, bem como a maturidade suficiente para saber o que é melhor para si.
187. Por outro lado, e como desde logo foi alegado no requerimento inicial, os autos evidenciam uma tentativa de manipulação por parte da progenitora, não se coibindo de instrumentalizar o menor para obter uma decisão que vá ao encontro dos seus interesses egoísticos.
188. Donde decorre, logicamente, que o Tribunal não pode nem deve estar vinculado à “opinião” e “vontade” do menor, pois o superior interesse deste colide, variadas vezes, com a sua vontade e desejo extravasados, não devendo por isso o Tribunal ser um mero recetáculo daquela vontade, desejo ou opinião, limitando-se a recolhê-la, a observá-la e a cumpri-la acriticamente.
189. A opinião da criança não é vinculativa para o Tribunal, pois a ser assim a criança seria juiz em causa própria, o que é especialmente grave num caso em se demonstra à
aciedade que é a mãe que, de forma mais ou menos consciente, adota comportamentos que contribuem para a formação dessa vontade.
190. Trata-se de uma criança que vive em regime de residência alternada nas férias; que viveu largos meses, em período letivo, em residência alternada com o pai (março a setembro de 2020 e, mais recentemente, julho a dezembro de 2022) e que está perfeitamente integrada no agregado familiar paterno por força do contacto regular que vai mantendo.
191. Apesar de tudo isto, foram carreados para os autos acontecimentos (posteriores à propositura da ação) (i) episódios de ansiedade que determinou que o menor fosse assistido no hospital (dia 6 de outubro de 2021) que a mãe faz crer que se devia ao pedido de alteração do regime de regulação – olvidando que a alteração do regime se verificou durante longo período de tempo, com sucesso, e aparentemente apenas no momento da “formalização” veio a ser geradora de suposta ansiedade… (ii) retrocessos no desenvolvimento do BB que a mãe igualmente comunicou aos autos (nervos, choro fácil, agressividade, xixi na cama, faltas de ar na escola, ao ponto de ter sido retirado da sala de aula, como referido pela testemunha HH.
192. Estes comportamentos só acontecem quando o menor está na companhia da mãe.
193. Quando está com o pai, o BB é descrito como um menino feliz, sendo que nenhuma testemunha arrolada pelo progenitor revê o BB neste tipo de descrição.
194. E isto é assim por uma simples razão: porque em casa do pai o BB é um menino liberto de pressões e chantagens.
195. Os nervos, irritabilidade, choro fácil, ansiedade e até agressividade do BB são motivados pela constante pressão que lhe colocam e pelo seu envolvimento neste processo judicial.
196. O BB está a viver conflitos de lealdade.
197. Os alegados retrocessos do BB, que se verificam apenas quando o BB está com a mãe, devem-se exclusivamente ao facto de a progenitora o colocar indevidamente no epicentro de um conflito a que, qualquer pai/mãe responsável, deveria poupar o filho, atribuindo-lhe o poder de decisão neste processo.
198. E isso ficou claro do depoimento da auxiliar educativa HH quando referiu que o BB, “um adulto em ponto pequenino” como a própria testemunha o qualificou, lhe confidenciou, depois da última sessão em que foi ouvido, que “estava tudo resolvido”; “estou aliviado”, “falei com a juíza e ela percebeu o que eu queria”; “até tenho um alívio nas costas”.
199. É assim que esta criança se sente: esta criança veio a Tribunal cumprir uma missão porque lhe vem sendo incutido pela mãe que ele tem poder de decisão, ao ponto de ter veiculado na escola que o processo ficou “resolvido” aquando a sua audição!
200. A propósito das audições do BB: o pai acedeu ao seu teor e não ignora que o BB verbalizou que queria que ficasse tudo como está.
201. Não podemos dissociar do momento temporal em que tais declarações do BB foram proferidas, já que, nos dias antecedentes o BB fica sempre com a mãe.
202. Aquando da primeira audição, na semana antecedente à sua audição, a pretexto de estar em isolamento profilático, o BB foi privado de estar com o pai, permanecendo com a mãe durante vários dias, 24 sobre 24 horas, acreditando o progenitor que ele esteve, durante toda a semana, a ser preparado e manipulado pela mãe para que confirmasse a vontade que a progenitora já havia anunciado a este Tribunal nas suas alegações iniciais.
203. Da gravação da audição do menor, são claros os sinais de manipulação do menor que, confirmando que “adora o pai e a mãe”, não apresentou qualquer justificação para preferir que fique como está (quando ele não soube explicar corretamente como era o regime porque ignorou a pernoita semanal) – especialmente num contexto em que o menor se adaptou muito bem ao regime de residência alternada que, durante alguns meses, por acordo entre os pais, foi informalmente implementado, para além de ser o regime aplicado em todas as férias – Natal, Páscoa e de Verão.
204. O mesmo sucedeu em véspera de julgamento no dia 23.02.2023 – em que o BB iria ser ouvido e não foi por causa da greve dos Senhores Oficiais de Justiça – já que, uma vez mais, a progenitora fez questão de comunicar que o menor passaria esse dia consigo (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento apresentado pelo pai no dia 23.03.2023) quando comunica simplesmente que “o dia 22 é passado comigo”. O BB estava de férias. Não existia nenhuma imposição de que a véspera fosse passada consigo.
205. E fez o mesmo em relação ao julgamento do dia 11 de abril em que o BB foi ouvido, decidindo unilateralmente que o menor estaria consigo a partir do dia 9 de abril, mais uma vez se tratando de uma situação de férias (cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento apresentado pelo pai no dia 23.03.2023).
206. Já é um modus operandi da progenitora e um estratagema usado para habilmente preparar/manipular a criança.
207. A verdade é que, pouco tempo antes da última audição, concretamente no dia 9 de março de 2023, tinha sido carreada informação extremamente grave para o processo pela progenitora, descrevendo esta uma situação de maus-tratos porquanto o progenitor “intimidaria, ameaçaria, amedrontaria o próprio filho para que decida no sentido da guarda partilhada” (cfr. requerimento apresentado pela progenitora no dia 9 de março de 2023).
208. Este pedido, apenas apresentado no dia 9 de março, mas referente a factos tão graves alegadamente ocorridos no dia 22 de fevereiro, motivou um pedido de alteração urgente, a efetuar sem contraditório do progenitor, pretendendo a progenitora fazer um julgamento à sua revelia, tendo sido requerido que, no mínimo e até se apurarem cabalmente os factos, fosse decretada a suspensão das visitas ao pai, pelo menos até inquirição do menor.
209. Isto é extremamente grave e, na decisão recorrida, tal situação foi pura e simplesmente (e dizemos também inexplicavelmente) ignorada!
210. O BB foi ouvido, no dia 11 de abril de 2023, em sede de julgamento.
211. Ficou claro que o pai nunca proferiu quaisquer das expressões que vêm relatadas no requerimento ou ameaçou que deixaria de ser seu filho, sendo certo que, quando questionado pela Mma. Juiz apenas referiu que o pai lhe disse foi que “o pai dizia que se não tivesse mais tempo com o pai que a nossa relação ia piorar” e que “tens de ficar mais tempo com connosco porque até a KK gosta mais de ti do que das sobrinhas”.
212. Nunca o menor BB referiu que o pai falava mal da progenitora, do seu companheiro ou de qualquer outro familiar materno. Só aludiu ao suposto negativismo do progenitor e deu um exemplo de uma coisa que não aconteceu, relacionado com o treino de futebol.
213. Nunca o progenitor gritou com o menor ou exerceu qualquer tipo de pressão. Aliás, o BB referiu em Tribunal que o pai é muito querido com ele.
214. Portanto, é lamentável o facto de a progenitora procurar assacar ao BB a autoria de expressões que não lhe pertencem e são dificilmente apreensíveis para uma criança da sua idade.
215. No entanto, como se referiu, o Tribunal não relevou tais factos que são extremamente graves já que, inexplicavelmente, em toda a sentença, não foi feita qualquer alusão ao sucedido!
216. Desde o início deste processo, o progenitor vem alertando que a forma como as dinâmicas e vivências do BB têm sido conduzidas, por parte da progenitora, configura uma forma de abuso emocional, sendo certo que a ser verdade que o BB transmitiu à sua mãe que se sente “ameaçado” e “aterrorizado” pelo seu pai, tal apenas se deve à influência dos adultos, sob a forma de instrumentalização direta e/ou indireta.
217. A progenitora nunca comunicou qualquer tipo de preocupação com os alegados maus-tratos que o menor sofre aos cuidados do pai ou, sequer, procurou esclarecer junto do pai a gravidade do que vem relatado.
218. Nunca apresentou qualquer queixa de maus-tratos contra o progenitor.
219. Quanto a esta conduta omissiva, nenhuma ilação tirou o Tribunal que, aparentemente, apenas achou “estranho” que o progenitor não tivesse participado a situação da queda do BB à CPCJ!
220. O menor, felizmente, não é filho único de um só progenitor: tem um pai que o ama, e cujas competências parentais não se questionam.
221. A verdade é que os conflitos de lealdade que o BB tem vindo a evidenciar têm criado níveis de ansiedade generalizada supostamente com somatização, ou seja, desencadeando sintomas físicos, nos termos do relatório médico junto com as alegações da progenitora.
222. No entanto, tal situação não pode ser resolvida com recurso à “amputação” do progenitor, nos termos pretendidos pela progenitora, relegando-o para um papel secundário de progenitor-pagador.
223. Deste modo, concluindo-se que a recusa da criança em relação ao regime de residência alternada não é atribuível ao comportamento do progenitor e, sobretudo, a importância da participação efetiva e paritária do pai na vida da filha, afigura-se que a solução encontrada é aquela que poderá garantir que ambos os progenitores terão uma relação de proximidade com o BB, conforme é do seu superior interesse (cfr. n.ºs 5 e 8 do citado artigo 1906.º do Código Civil).
224. Foi por se entender que estaremos perante uma situação de alienação parental em curso que, depois do requerimento do dia 9 de março (a propósito dos hipotéticos maus tratos), o progenitor requereu que a audição do menor decorresse na presença de um assessor técnico com formação específica.
225. Não por pôr em causa as capacidades do Tribunal, que obviamente nunca pôs, mas por se considerar que esta audição teria de ser executada com os maiores cuidados, pelo Tribunal, com a colaboração de técnicos com formação específica, por forma a perscrutar qual é vontade genuína da criança e identificar que parte, da vontade manifestada, é manipulada ou instrumentalizada.
226. Ainda que o apoio de assessoria técnica ao Tribunal não seja obrigatório, entende-se que os fortes indícios de manipulação do BB justificam que sejam tomadas todas as providências para se perceber a instrumentalização a que o menor tem vindo a ser sujeito.
227. O Tribunal consigna que “as partes aceitaram” a desnecessidade de ter presente técnico especializado. O Tribunal entendeu que não se justificava e indeferiu tal pedido, o que fez por despacho judicial. Portanto, não se trata propriamente de uma “aceitação” das partes, mas sim de uma decisão judicial.
228. Conforme decorre da audição do BB em sede de julgamento, o menor foi ouvido na ausência dos mandatários, sendo que as suas declarações foram gravadas e disponibilizadas, no final do dia, às partes.
229. É vasta a jurisprudência que refere que, no que respeita ao regime aplicável à audição da criança e jovem, nos termos do artigo 5.º, n.º 7, alínea b) do RGPTC, ou seja quando a audição da criança se assuma como uma diligência probatória, essa audição deverá efetuar-se na presença dos mandatários dos progenitores, sob pena de nulidade.
230. Tal é determinado pelo disposto no mencionado artigo 5.º, n.º 7, mas sempre seria pela aplicação das regras do Código de Processo Civil que regulam o princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3, do CPC, ev xi do art.º 549º, nº 1, do CPC) – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 25.09.2018.
231. Certo é que, aqui chegados, das duas uma: ou a progenitora fabricou uma situação de maus-tratos, com o propósito de condicionar o desfecho deste processo ou, a ser verdade que o menor relatou factos falsos à sua progenitora, tal é demonstrativo da interferência emocional que a mãe exerce em relação ao filho, ao ponto de o BB apresentar um discurso confabulatório como mecanismo de resposta ao conflito parental que lhe é passado pela sua progenitora, decifrando o ambiente emocional que o rodeia, dizendo aquilo que a mãe “quer ouvir”.
232. A verdade é que, em qualquer um dos cenários, terá necessariamente de se concluir que o BB é uma criança em risco por residir com uma progenitora que o expõe continuadamente a este tipo de pressão e manipulação que urge reverter.
233. E isto até é fácil de perceber que assim seja. Basta atentar no discurso de algumas testemunhas.
234. Concretamente a testemunha JJ, atual companheiro da progenitora, que referiu que o BB quando vai para o pai fica sempre mais caído e que lhe dizem: “vai lá, é só um fim de semana”; “deixa lá, passa num instante”; “faz de conta que vais para um hotel”.
235. A progenitora destabiliza emocionalmente a criança sempre que tem de separar da mesma, como exemplificativamente resulta do email e mensagens que se junta como documento n.º 4 e 5 juntos com as alegações, em que a progenitora anuncia que «O BB está e vai ficar triste por não estar presente neste dia porque temos um compromisso em que gostava que ele estivesse» ou que «Está há dois dias em sofrimento. Ele não quer ir hoje para aí e custa-me vê-lo assim».
236. Conforme já se referiu, a testemunha JJ confirmou que a recusa da mãe é unicamente sustentada na vontade do BB. Vontade esta que a testemunha justifica com o facto de “em casa do pai ser um clima mais parado; mais pessimista; não recebem visitas em casa”. Vontade que está relacionada com o facto de o BB ter medo que o pai faça mal à mãe. Refere que deu consultas de psicologia e notou tendência do BB de proteção da mãe e do casal.
237. Esta parte do depoimento é extremamente relevante: a tendência de proteção da mãe pelo BB. Há claramente uma inversão de papéis em que em que é o filho que sente a obrigação de cuidar da mãe, porque tem noção do sofrimento desta em estar separada dele.
238. A progenitora tem uma grande dependência em relação ao filho (o que fomenta o instinto de proteção que bem refere a testemunha JJ, aliás, aparentemente com conhecimentos técnicos porque refere ter dado “consultas de psicologia”), tendo uma necessidade de o ter junto de si e sofrendo quando não está (foi descrita pelas suas próprias testemunhas como uma “mãe galinha”, que acha que “o filho só está bem consigo”, que lhe “custa horrores a separação”).
239. Tendo a criança noção desse seu sofrimento, sente necessidade de cuidar da mãe, o que lhe causa ansiedade e lhe cria uma angústia relacionada com o “abandono” da mãe.
240. Daí a necessidade de a criança justificar a “vontade” de querer estar com o pai com as supostas pressões, com a alegada promessa de compra da casa feita pelo pai que nem sequer é coerente (o BB foi ouvido e, na mesma conversa, disse que queria experimentar uma residência alternada com o pai porque este lhe prometeu que iria mudar-se para uma casa maior, com jardim, e na mesma audição disse que “a casa não interessa para nada e isso não lhe traz felicidade”), tudo isto para corresponder à expetativa de fidelização à mãe.
241. E isto é ainda mais compreensível porque o BB é descrito como uma criança muito madura para a idade, um mini adulto, o que facilita a perceção que ele tem da realidade.
242. Com a sua atuação, ao invés de estar a fazer bem ao filho, está a provocar-lhe danos psicológicos, causando-lhes uma pressão, uma ansiedade e um sentimento de responsabilidade, em tudo incompatíveis com a idade do mesmo.
243. Isso explica os ataques de ansiedade, o choro fácil, a irritabilidade, as faltas de ar, por oposição ao que se passa com o pai, em que a criança acaba por exibir um comportamento emocional e psíquico mais “descomprimido”, mais natural e espontâneo e significativamente menos tenso e ansioso.
244. Quando o BB está com o pai, sabe que a mãe está triste e em sofrimento.
245. Logo, muito dificilmente a criança poderá estar bem, porque sente que abandonou a mãe, uma pessoa frágil, que dele precisa.

246. Esta conduta, tem a mãe que perceber, é um mau trato que está a infligir ao filho e que não pode continuar.
247. Tanta é a “rejeição” do BB em relação à residência alternada que, como se referiu supra, os progenitores acordaram em voltar a implementar um regime de residência alternada, a título provisório, e, portanto, o BB viveu alternadamente com ambos os pais entre julho e dezembro de 2022 (cfr. requerimento com subscrição múltipla de ambos os mandatários apresentado nos autos no dia 8 de outubro de 2022).
248. No dia 3 de janeiro, a progenitora veio apresentar um requerimento em que referiu que este regime não é o que melhor acautela o superior interesse do menor.
249. Foi com muita surpresa que o progenitor tomou conhecimento desta posição.
250. Esta “experiência” de residência alternada – que de “experimental” só tem o nome – decorreu sem incidentes e sobressaltos e revelou-se muito proveitosa para o menor BB.
251. Nunca a mãe deu conta de qualquer insatisfação ao pai ou ao Tribunal, bem pelo contrário!
252. Pior: não por acaso, no dia 10 de dezembro de 2022, os progenitores acordaram que o regime de residência alternada seria convertido em definitivo, continuando a ser implementado no início deste ano – cfr. documentos n.º 1 a 4 juntos com o requerimento do pai de 17.01.2023 em resposta ao comunicado da mãe.
253. Note-se que é a própria progenitora que propõe, no dia 10 de dezembro de 2022, a prorrogação do regime de residência alternada.
254. No dia 24 de dezembro de 2022, a progenitora voltou a reiterar a sua pretensão de prolongar a implementação do regime de residência alternada no início do presente ano – cfr. documentos n.º 5 e 6 juntos com o requerimento do pai de 17.01.2023 em resposta ao comunicado da mãe.
255. Como poderia ter a progenitora equacionado a possibilidade de converter em definitivo um regime que, agora, alegadamente não acautela o superior interesse do menor? E que, supostamente, não correspondia à “vontade” do BB?
256. A imprevisibilidade foi tanta que o próprio progenitor já tinha adquirido as refeições do BB na escola para este mês de janeiro para “as suas semanas”, conforme combinado com a progenitora (cfr. documento n.º 7 junto com o requerimento do pai de 17.01.2023 em resposta ao comunicado da mãe).
257. Nada disto foi problematizado pelo Tribunal.
258. E não é o facto de todas as testemunhas da mãe ouvidas em sede de julgamento alegarem desconhecimento destes emails (ou até de terem negado) que se eles desaparecem.
259. Depois, só mais tarde, é que surgiu nos autos a situação das “pressões”.
260. Alega a progenitora que o BB estava a ser muito pressionado pelo pai.
261. Mas pressões para quê? Por que razão o pai haveria de pressionar o BB se ele estava convicto que este regime seria convertido em definitivo, seja por ter decorrido sem incidentes, seja porque esta confirmação lhe foi dada, pela via escrita, pela mãe de que este regime seria convertido em definitivo?!
262. O BB gostou muito de repartir a residência entre ambos os progenitores, tendo verbalizado que gostaria de ter este regime de residência alternada como definitivo.
263. Isso mesmo foi confirmado pela companheira KK, pela avó paterna, pela prima LL. Todas pessoas próximas do BB e que acompanharam a execução do regime.
264. O BB teve excelente aproveitamento escolar (cfr. documento n.º 8 junto com o requerimento do pai de 17.01.2023 em resposta ao comunicado da mãe).
265. Foi eleito delegado de turma, como confirmou a professora, ainda que tenha transmitido que o cargo é rotativo. Mas, sendo rotativo, a verdade é que foi apenas nesta altura que ele foi eleito.
266. articular relevância assume o depoimento da auxiliar educativa HH que referiu, em sede de audiência julgamento, que, no início do ano de 2022, o menor BB andava mais nervoso, relatando a situação de um alegado arrufo entre crianças, em que os pais foram chamados à escola (1 de abril de 2022), referindo também que o menor chegou a ter faltas de ar, mas que, depois, melhorou.
267. Referiu que o BB estava melhor no 1.º período deste ano, que parecia mais crescido e nunca mais evidenciou os problemas que teve no início do ano.
268. No início do ano, quando os pais foram chamados à escola (1 de abril de 2022), o BB vivia com a mãe. No 1.º primeiro deste ano letivo (setembro a dezembro de 2022), o BB vivia em residência alternada.
269. Portanto, apesar desta testemunha ter referido que o BB andava “mais reprimido quando ia para o pai”, que via “na carinha dele quando vai para o pai”, que lhe chegou a dizer que “não gostava de ir para o pai”, é a mesma que, sem saber, confirma que o período de mais estabilidade e serenidade para o BB foi o tempo em que viveu mais tempo com o pai, em regime de residência alternada.
270. Na verdade, a postura mais “reprimida” do BB (se é que ela se verificou) apenas ocorreu porque a progenitora proporciona vértices constrangedores no filho, ao ponto de o BB ter episódios de ansiedade e “falta de ar”, inserindo-os numa posição de equipa, com vínculos de censura relativos ao pai, da qual, deveria a progenitora tê-lo preservado.
271. Quando a mãe decidiu recuar em relação ao regime de residência alternada, tal recuo acontece sem qualquer explicação, para além do simples “considero que a residência alternada não é, de facto, o melhor regime para o BB”.
272. Fê-lo sem conversar com o pai, sem trocar opiniões, de forma completamente inesperada e unilateral. E ao tribunal “justifica-se” exatamente da mesma forma.
273. Só mais tarde é que surgiu a história (no sentido literal do termo) das supostas “pressões” a que o BB vinha sendo sujeito, das “promessas” da compra da casa que aliciava o menor a querer estar com o pai ou as ameaças.
274. Uma vez mais se conclui que a postura da progenitora ao longo deste processo não se mostra minimamente congruente com as preocupações que invoca, nem se demonstram verosímeis as alegadas resistências do BB em relação ao regime de residência alternada que levaram o Tribunal a verter na sentença que «a hipótese de o BB vir a residir alternadamente com o pai e com a mãe provocar-lhe-á instabilidade emocional, ansiedade e inquietação, dado a mãe ter sido sempre esta a figura securizante pelo que nos parece prematura qualquer alteração do regime no sentido pretendido pelo progenitor».
275. Na verdade, se a alteração do regime das responsabilidades parentais se mostra “prematura” numa altura em que o menor já completou 10 anos, resta saber com que idade o menor reunirá condições para que seja dado o passo em frente, no sentido da residência alternada.
276. É que o Tribunal a quo não explica a conclusão da “prematuridade”, quando, por outro lado, fundamenta a sua decisão na maturidade do BB.
277. No caso, o BB tinha 8 anos no momento em que o progenitor propôs a presente ação e, atualmente, já tem 10 anos.
278. Até seria lógico que o Tribunal considerasse uma altura adequada para fazer esta transição, uma vez que, mais tarde, nomeadamente para os adolescentes, a sua casa, o seu quarto (que representa o seu refúgio), a escola em que andam, os seus amigos, ganham uma importância acrescida, que poderá dificultar ou criar resistência às mudanças de espaço físico que possam envolver a opção da residência alternada.
279. Concluindo: a idade do menor (10 anos de idade) não poderá surgir como fator impeditivo ou que desaconselhe a opção pela residência alternada, de modo a que a alteração seja considerada prematura.
280. Assim, o superior interesse da criança não deve ser apreciado segundo critérios subjetivos da vontade dos pais ou da própria criança, nomeadamente numa lógica de obtenção de gratificação imediata da criança.
281. Por isso, a jurisprudência maioritária tem vindo a considerar que os tribunais devem ser muito cautelosos no peso a atribuir à preferência manifestada, devido ao perigo de esta ter sido induzida por pressão de um dos pais ou de uma terceira pessoa.
282. À criança não compete decidir o seu destino.
283. E bem sabemos que esse risco é bem maior tratando-se de «uma criança muito concisa, com atitude, expressão verbal e maturidade acima da média para o grupo etário», como vem descrito o BB na decisão recorrida.
284. No caso, a opinião do BB não foi, de modo algum, o produto de uma vontade livre e esclarecida, mas sim o fruto de um conjunto de atos da mãe, e/ou eventualmente do seu companheiro, para exercer uma contínua pressão sobre o menor de modo a que ele viesse a dizer o que disse.
285. Pelo que, nestas condições, a opinião do BB, nesta parte, não tem valor.
286. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil e artigo 5.º do RGPTC, na medida em que não atendeu ao superior interesse da criança e não ponderou e apreciou todas as circunstâncias relevantes para proferir a decisão de alterar a residência da menor.
Da decisão quanto às custas – fixação da ação como sendo de especial complexidade
287. Na sentença recorrida, foi proferida a seguinte decisão quanto a custas: «As custas da presente ação serão a suportar pelo progenitor por ter decaído na totalidade, fixando-se a presente ação como sendo de especial complexidade face ao número de testemunhas inquiridas, às sessões realizadas, aos requerimentos e às questões a decidir, pelo a taxa de Justiça é fixada no valor equivalente a 9 (nove) Uc`s (cfr. arts. 527º, 530º, nº 7, 535º, 607º, todos do C.P.C. por referência à tabela anexa I C e arts. 6º, nº 5 e 13º, nº 3 do RCP, e art. 33º do RGPTC)».
288. Com este segmento da decisão também não se conforma o Recorrente.
289. O número de sessões está dentro dos limites de razoabilidade, uma vez que não implicou a audição de número de testemunhas superior ao limite legal, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas,
290. Pelo que não se descortina que tenha servido de critério para aumento do valor da taxa de justiça.
291. Quanto aos requerimentos apresentados e as questões a decidir, da sentença ressalta que muitas das questões suscitadas foram pura e simplesmente ignoradas.
292. Por outro lado, o Tribunal apreciou uma questão que constava de um requerimento que o Tribunal considerou não escrito, quando, salvo devido respeito, não tinha de o fazer…
293. Portanto, não se compreende a qualificação do processo como “de especial complexidade”.
294. Não existem questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
295. Salvo devido respeito, o Tribunal não fez uma aprofundada análise documental e testemunhal que permita afirmar a existência de relevante complexidade.
296. A conclusão formulada na decisão recorrida quanto à atribuição de natureza complexa é manifestamente simplista, não sendo suficiente para que a taxa de justiça não seja cobrada apenas por apelo à regra basilar e essencial do valor da causa.
297. A decisão neste sentido tem de ser fundamentada por elementos que, inequivocamente, apontem no sentido da postergação da regra, sob pena de ser manifestamente desproporcional, como é o caso dos autos.
298. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.12.2016: «1- O critério primeiro e basilar para o cálculo do montante da taxa de justiça é o valor da causa - artº 6º nº1 e 11º do RCP. 2 - Tal critério apenas pode ser complementado, para o seu aumento, diminuição ou isenção, se se provar, naquele caso, a especial complexidade do processo; e, nestes, a especial simplicidade do mesmo com economia de meios e custos, maxime se tal decorrer do contributo das partes – artº 6º, nºs 5 e 7 RCP».
299. Do teor de tais normativos pode concluir-se que o elemento liminar, basilar e primordial para fixação da taxa de justiça, é o valor da causa – artigo 6.º n.º1 e artigo 11º do RCP.
300. Só quando o montante da taxa de justiça dimanante da simples consideração deste valor se revele intoleravelmente desadequado/desproporcionado por reporte à quantidade e qualidade dos serviços prestados no âmbito do processo e ao trabalho, intelectual e material, exigido aos diversos intervenientes processuais – juiz, funcionários e outros – ele pode ser «retificado» por apelo à maior ou menor complexidade da causa (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.12.2016).
301. Note-se que estamos perante um processo que, legalmente, tem um valor de ação elevado [€ 30.000,01].
302. Assim, urge ter presente que, sendo o valor da causa o ponto de partida e a regra para o cálculo da taxa de justiça, os desvios a tal regra, quer para a aumentar pela complexidade do processo, quer para a diminuir ou isentar, devem ser cabalmente fundamentados.
303. No caso, inexiste qualquer fundamentação, para além da referência vaga e algo difusa ao «número de testemunhas inquiridas, às sessões realizadas, aos requerimentos e às questões a decidir».
304. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 5 e artigo 11.º do RCP, impondo-se a sua revogação nesta parte.
305. Impõe-se, assim, a revogação da decisão recorrida.”
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A requerida apresentou resposta, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida, sem prejuízo de defender a rejeição do recurso, dada a prolixidade das alegações e das conclusões formuladas.
O MºPº apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se igualmente pela impertinência dos argumentos do apelante e pela confirmação da decisão recorrida.
*
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos. Olvidou o tribunal a quo fixar-lhe o efeito, mas este é obviamente devolutivo, nos termos do nº 4 do art. 32º do RGPTC.
A prolixidade das conclusões, para além da da própria alegação do apelante, é óbvia, sendo certo que acima se transcreveram as mesmas para que isso mesmo fique evidenciado. E isso porquanto, o tratamento já antes dado a essa prolixidade é uma das questões suscitadas neste recurso a propósito da tributação inerente à causa.
Tal solução, que é uma opção técnica do subscritor, apesar de inadequada, não pode ter-se por equivalente à ausência de conclusões, em ordem à rejeição do recurso, pois que conclusões foram efectivamente apresentadas.
Poderia determinar-se ao apelante o aperfeiçoamento de tal segmento do recurso, como sugere a apelada. Todavia, o que é certo é que quer ela própria, quer o MºPº surpreenderam com facilidade as questões concretamente colocadas.
Por outro lado, nãos e justifica conferir ao apelante, em função da impropriedade da sua opção, uma nova oportunidade para vir salientar as questões e as razões em função das quais defende a reversão do decidido.
Correrá, por isso, o próprio apelante o risco de que se possa deixar perdida no meio da sua exposição, alguma questão que nem a apelada, nem o MºPº nem este Tribunal possam acabar por não identificar, o que, todavia, se não prefigura.
Cumpre, pois, conhecer do recurso apresentado.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Assim, cumpre decidir:
A) Nulidade por excesso de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil – e nulidade por falta de fundamentação
A) Se a sentença é nula, por excesso de pronúncia, ao afirmar que «a progenitora pode e deve diligenciar, de resto no uso dos seus poderes de gestão da vida corrente da criança, por levar a criança a consultas de psicologia não necessitando para o efeito do consentimento do progenitor, uma vez que em causa não está um ato de particular importância para a vida do BB».
B) Se a sentença é nula por falta de fundamentação por não ser “… possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente não é possível perceber a apreciação quanto aos meios probatórios, por falta de indicação e exame crítico das provas.”
C) Se deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto
- quanto aos itens 6.º, 7.º, 22.º, 25.º, 28.º e 36.º, dos factos provados
- quanto às alíneas a), c), d), h), t) e u) dos factos não provados.
- com a adição do seguinte elenco de asserções:
«59. O BB adaptou-se bem ao período em que viveu em residência alternada, com ambos os progenitores.
60. De outubro a dezembro de 2022, o BB viveu em residência alternada com ambos os progenitores.
61. No dia 10 de dezembro de 2022, a progenitora manifestou e confirmou intenção de continuar a implementar um regime de residência alternada que vinha sendo praticado, tendo-o voltado a fazer no dia 24 de dezembro.
62. No dia 3 de janeiro, a progenitora comunicou ao processo que o regime de residência alternada não acautela o superior interesse do menor sem que, nessa altura, tivesse apontado quaisquer razões para a mudança de posição.
63. No dia 9 de março de 2023, a progenitora apresentou um pedido de alteração urgente, requerendo a tomada de medidas urgentes, a executar sem audição da parte contrária, com vista à suspensão das visitas ao pai até à requerida inquirição do menor. 64. Para sustentar tal pedido, a progenitora descreveu os episódios descritos no requerimento de 9 de março de 2023 que consubstanciam maus-tratos do pai em relação à criança.
65. A criança foi novamente ouvida em sede de audiência de julgamento e não confirmou as situações relatadas pela progenitora.
66. O progenitor encontra-se a adquirir uma moradia na cidade de Vila do Conde.
67. Os progenitores evidenciam estilos educativos que se complementam nas suas diferenças, relativamente à transmissão de conhecimentos e práticas à criança».
D) Se se verificou uma alteração superveniente das circunstâncias que deve determinar a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais previamente fixado (art. 42º do RGPTC)
E) Se as circunstâncias do caso apontam o regime de residência alternada como a melhor solução para o BB, designadamente com ponderação da vontade da criança;
F) Se se justifica a classificação desta causa como de especial complexidade, para efeitos de tributação.
*
A apreciação da pretensão do apelante impõe que se atente na decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que se passa a transcrever:
1. BB, nascido a .../.../2013, é filho do requerente, AA, residente no Porto, e da requerida, CC, residente no ....
2. Por decisão datada de 29 de março de 2018, transitada em julgado, proferida no âmbito da regulação das responsabilidades parentais que correu termos na Conservatória de Registo Civil de Oliveira de Azeméis, foi fixado o seguinte regime:
a) O menor fica a residir com a progenitora, sendo as responsabilidades parentais quanto às questões de particular para a vida criança exercidas por ambos os progenitores;
b) o pai poderá estar com o menor em fins de semana alternados e um dia por semana a combinar semanalmente entre ambos os pais podendo o menor dormir em casa do pai;
c) Relativamente às férias escolares o menor passará metade de tais férias com cada um dos progenitores período esse a combinar entre ambos
d) o menor passará a véspera de Natal dos anos pares e a véspera de ano novo dos anos impares com o pia e o dia de Natal nos anos impares e o dia de ano Novo nos anos pares com o pai;
e) o menor passará o domingo de Páscoa nos anos impares com o pai; no dia de aniversário o menor almoçará ou jantará alternadamente com o pai;
f) o menor passará o dia de aniversário do pai e o dia do pai com este; o progenitor contribuirá, a título de pensão de alimentos, com a quantia mensal de €150,00 e metade das despesas de saúde e educação, anualmente atualizado à taxa de 3%.
3. Atualmente, o progenitor, que é professor, encontra-se colocado numa escola que lhe permite manter a sua residência no distrito do Porto.
4. Após a formalização do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais o Ministério da Educação abriu novo concurso de colocação de docentes (excecional), e em 2018, o progenitor conseguiu colocação em ....
5. O requerente abordou a requerida para alterar o regime de residência do BB no sentido de estar com o pai e com a mãe igual tempo.
6. Entre Março e Agosto de 2020 o BB residiu com ambos os progenitores de igual forma., em virtude de se ter entrado em confinamento e o pai ter sugerido que o menor, uma vez que se encontrava em regime de aulas online e os progenitores em teletrabalho, ficasse uma semana em cada residência.
7. Nessas especificas e concretas circunstância particulares, a progenitora não se opôs a essa alteração ainda que durante esse período.
8. No dia 5 de novembro de 2020 a progenitora enviou uma SMS ao progenitor referindo o seguinte: “Boa tarde AA ontem fui apanhada de surpresa com a tua proposta.
Embora não concorde e ache sinceramente que o BB está bem e que esta mudança é apenas uma vontade tua não me vou opor porque é um direito teu… Quero apenas duas coisas que a mudança seja progressiva (…), cfr. teor de fls. 27 e 28 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9. No dia 7 de novembro de 2020, enviou mensagem ao progenitor em que refere o seguinte: “Como já falamos não me quero opor à guarda partilhada nem colocar entraves à mesma embora não concorde que seja o melhor para o BB.
Relativamente a avançar com as coisas acho prematuro que se avance já pois estamos a meio do ano lectivo e a meio de uma pandemia. Penso que não seria a melhor altura. No entanto, não me oponho a que alarguemos os dias em que o BB tem contigo (…). O registo de guarda partilhada que fizemos foi por causa da pandemia e da entrada no confinamento. No entanto, como falamos pelo telefone estou disponível analisar a minuta e chegarmos a um entendimento”, cfr. teor de fls. 29 junto aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10. Recorreram, a título particular, aos serviços de mediação, entre janeiro e setembro de 2021, tendo em vista a possibilidade de acordo quanto à alteração do regime de regulação no que respeita à residência alternada da criança.
11. A progenitora não aceitou reduzir a escrito a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais quanto à residência alternada.
12. A progenitora enviou o email de 17 de novembro de 2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
13. A 27 de abril de 2020, quando o menor estava aos cuidados da mãe, a progenitora saiu de sua casa para ir ao ginásio e deixou o menor sozinho a dormir.
14. O BB na sequência da queda, foi sujeito a uma TAC que indicou uma lesão na coluna, não tendo sido posta de parte a possibilidade de vir a ser operado.
15. Só após uma ressonância magnética, decidiram os médicos que a utilização de um colete ortopédico seria suficiente para imobilizar a coluna e, assim acautelar a lesão provocada pela queda.
16. O BB esteve internado durante 11 dias, esteve a soro e chegou a ter de ser algaliado, teve de usar o colete por um período de quatro meses, o que lhe causou desconforto a respirar e a comer, limitações a dormir, a ir à praia.
17. A progenitora enviou ao progenitor uma mensagem na qual relata o sucedido cfr. teor do documento 10 junto pelo progenitor cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
18. No dia 6 de outubro de 2021, a progenitora levou o menor ao hospital por sentir que o BB se sentia ansioso.
19. O progenitor é afetuoso e dedicado ao seu filho, acompanha-o no seu percurso escolar e divide com a progenitora o cargo de encarregado de educação.
20. O progenitor leva o BB às consultas no dentista.
21. Quando o BB está na companhia do progenitor este corta-lhe as unhas e ensina-o nos cuidados de higiene íntima e pessoal, bem como o leva a cortar o cabelo.
22. O BB quando está na companhia do pai tem sempre a companhia da avó paterna e ficam ambos na residência desta, onde o BB tem quarto próprio.
23. O progenitor tem as roupas e calçado para o BB na casa da avó paterna, bem como brinquedos e livros.
24. O progenitor beneficia de retaguarda familiar, designadamente da sua mãe, que lhe permite assegurar o cumprimento de todas as obrigações do BB (escolares e extracurriculares);
25. O progenitor namora desde 2020 com KK, apenas residindo na casa desta quando o BB não está na sua companhia.
26. O BB tem com a KK uma excelente relação.
27. Em novembro e dezembro de 2019, o BB esteve todos os fins-de-semana na companhia do pai em virtude da progenitora ter aos fins-de-semana formação profissional.
28. A progenitora alterou a sua residência de ... para ... entre Julho 2020 e outubro de 2021.
29. O progenitor reside no Porto, o BB frequenta uma escola em Matosinhos e a progenitora reside em ... e trabalha em Matosinhos.
Das alegações da requerida
30. Quando o BB se magoou nas circunstâncias mencionadas em 12) a 15), a progenitora tinha-se deslocado ao ginásio que a mesma explora e onde dá aulas – que se encontrava encerrado em virtude da pandemia - e que se situava no rés-do-chão do prédio onde se situava o apartamento que mãe e filho habitavam por breves instantes.
31. O BB apresenta um desenvolvimento adequado, revela uma maturidade e consciência da realidade muito superior à media.
32. No dia 18/02/2022, perante o Tribunal e o Ministério Público, o BB prestou as seguintes declarações: “Anda no 3.º ano da escola 1..., que fica em .... Vive no ..., à beira da praia, com a Mãe e o namorado desta, chamado JJ, de quem gosta muito e é muito amigo dele, fazendo muitas brincadeiras juntas. A Mãe, que é professora de educação física, vive com o JJ, que é osteopata, há cerca de um ano. O seu melhor amigo é o namorado da Mãe e o seu melhor amigo da escola é o PP. Está com o Pai aos fins de semana de quinze em quinze dias desde Sexta a Segunda feira de manhã. O Pai vive no Porto com a Avó, que cozinha muito bem, e também brinca muito com ele, jogam muito à bola. Quando vai para casa do Pai vai feliz e contente e costuma telefonar à Mãe; quando está com a Mãe o Pai, por vezes, telefona-lhe, mas sabe que o Pai tem o tempo muito ocupado por ser professor de educação física. Gosta muito de tudo como está agora. E mais não disse”, cfr. Gravação junta aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
33. No dia 11/04/2023, perante o Tribunal e o Ministério Público, o BB prestou as seguintes declarações: ”Que frequenta a escola 1... e que está no 4º ano. Tem 10 anos feitos no passado dia 9 de Abril. Disse que está com a mãe durante a semana, mas que no período da Páscoa repartiu as suas férias entre pai e mãe.
Durante a semana está com a mãe, e à sexta-feira o pai vai busca-lo e entrega na segunda feira na escola. Refere que gosta muito de estar com o pai e a avó paterna e que também gosta do namorado da mãe. Gostaria que tudo continuasse como está a nível de visitas, não quer a guarda partilhada, houve uma fase que queria e o seu pai pressionou-o disse-lhe que a relação deles ia-se alterar se não quisesse. A namorada do pai chama-se KK, e é muito boa pessoa, Foi à Escócia com o pai, a KK e as suas sobrinhas, e o pai até disse que a KK gostava mais dele do que das sobrinhas.
Antes do Natal o pai estava sempre a dizer para ficar com ele, que ia ter uma casa nova. Refere que o pai e a avó paterna estão sempre na pensar de forma negativa. Na casa do pai gosta muito dos cozinhados da avó e de jogar à bola com o pai. Na casa da mãe brinca com ela e com o JJ, o namorado da mãe, e tem também primos para brincar. Na casa da mãe as pessoas são mais positivas e que falam com ele sobre as coisas, na casa do pai não é assim e não se sente à vontade. Refere que é bom aluno e que gosta de matemática e que pratica desporto, futebol no ....
Esta semana está com a mãe e quando está com o pai está na casa da avó, e às vezes na casa da KK, mas é raro. E mais não disse”, cfr. gravação que se encontra disponível e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
34. No dia 11/04/2023, já na presença do Requerente, da Requerida e dos Srs. Advogados foi-lhes dado conhecimento das declarações prestadas pelo jovem, sendo que pelos Srs. Advogados foi dito que não pretendiam formular quaisquer perguntas adicionais, tendo o Tribunal determinado que face à espontaneidade das declarações da criança não se vislumbra necessário requisitar acessória técnica.
35. O BB, nas circunstâncias mencionadas em 17), foi a uma consulta médica com o seu Pediatra Dr. NN, que na sequência de consulta em 08.10.2021 referiu na declaração datada de 9.006.2022 o seguinte: “O BB, observado na penúltima consulta em 08.10.2021, manifestou desagrado e oposição à alteração do poder paternal, em curso. Este facto condiciona, nele manifestações de ansiedade e perturbação psicossomática, traduzida em “falta de ar” e intolerância ao exercício. Tais sintomas conduziram a uma investigação clinica de foro respiratório e cardiovascular, comprovando normalidade destes sistemas, e sugerindo etiologia psicossomática. Apraz reforçar que o BB é uma criança muito concisa, com atitude, expressão verbal e maturidade acima da média para o grupo etário, o que torna muito verosímil e credível esta sua atitude. Foi aconselhada consulta de psicologia para acompanhamento”, cfr. teor do documento 1 junto com as alegações cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
36. A progenitora agendou consulta de psicologia no Hospital ... e o pai opôs-se a tal escolha, tendo sido desmarcada tal consulta pela entidade hospitalar.
37. Foi realizado estudo radiológico os pés face a “dor a nível do médio pé” tendo sido concluído pelo desenvolvimento ósseo simétrico bilateral, sem desalinhamentos articulares, ausência valorizável de esporão calcâneo, sem outras lesões visíveis, cfr. teor do relatório datado de 12.10.2020 junto a fls. 86 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 38. A separação de facto entre requerente e requerida ocorreu em Julho de 2015.
39. No ano lectivo 2014/2015 o progenitor estava colocado no agrupamento de Escolas ..., Espinho, cfr. teor de fls. 79 junto aos autos que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
40. No ano letivo 2015/2016 o progenitor ficou colocado no Agrupamento de Escolas do Cerco, Porto, cfr. teor de fls. 80 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
41. No ano letivo de 20/6/2017 o progenitor consta da lista de retirados por ter componente letiva e ficou colocado no Agrupamento de Escolas do Cerco do Porto.
42. No ano lectivo 2017 e 2018 o requerente esteve colocado na escola básica e secundária Quinta ... em Coimbra cfr. teor de fls. 81 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
43. No ano letivo 2018/2019 o progenitor ficou colocado no Agrupamento de Escolas de Fajões – Oliveira de Azemeis, cfr. teor de fls. 82 cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
44. No ano lectivo de 2021/2022 que o requerente se encontra colocado no QZP 01, ou seja, na área do Porto onde se mantém até hoje.
45. Desde agosto de 2020, a progenitora passou a residir com o seu atual companheiro, com o qual o menor tem uma relação afetiva excecional, sendo este carinhoso, afetuoso e dedicado ao menor.
Mais se provou que:
46. O núcleo familiar da progenitora é constituído por esta, pelo BB e pelo companheiro da progenitora com quem esta vive em economia de vida há 3 anos, residindo em moradia V3, adquirida recentemente por recurso a crédito bancário, auferindo a progenitora a quantia mensal de 704,02€ como professora de educação física, €335,02/mês de uma exploração de mirtilos, auferindo o companheiro como osteopata a quantia de 3000,00€ e beneficiando a criança da pensão de alimentos de 168,00€ e da prestação familiar de 37,80€
47. A requerida é licenciada em educação física, lecionando nos Estabelecimentos Escolares do 1º ciclo do Ensino Básico desde 2007/setembro por contratos de trabalho a termo com o Município de Matosinhos, sendo que o seu horário laboral estende-se das 9h às 17h, sendo proprietária de “Ginásio” na Rua ..., ..., atualmente em remodelação e com reabertura prevista no próximo mês de setembro;
48. Despendem com a prestação de casa e seguros 764,00€/mês, com a alimentação da criança 150,00€, água/luz 200,00€ por mês; vestuário e calçado 60,00€; telecomunicações 104,00€; cantina Escolar 29,20€; combustível automóvel 200,00€; atividades extracurriculares (Futebol) 15,00€ e natação 24,00€;
49. O requerente é licenciado em educação física, e professor do Quadro de Zona Pedagógica desde 2000, estando colocado na “Escola Secundária ...”, Porto, auferindo 1328,68€.
50. O progenitor quando está na companhia do filho reside na casa da avó paterna deste onde a criança tem quarto próprio, tratando-se de um andar de tipologia 3 sito na Rua ..., ..., Porto.
51. Do relatório consta que o progenitor tem uma relação amorosa sem vivência conjunta.
52. Despende com renda de casa 350,00€, com pensão de alimentos 168,00€, água/luz/gás 80,00€; actividades extracurriculares (Futebol) 15,00€; combustível automóvel 120,00€, natação 15,00€, alimentação 200,00€
53. BB, completou 10 anos de idade a 9.04.2022., frequenta o 5º ano de ensino, é um aluno brilhante, detentor de uma cultura geral muito vasta, adquirida fundamentalmente no seio familiar, segundo a professora, exibindo boas regras de educação, uma personalidade forte, quando tem dúvidas pede ajuda e quando chamado à atenção, tenta controlar-se, reconhece a culpa e pede desculpa.
54. Os pais, encarregados de educação, têm sido diligentes e próximos da criança, acompanhando de perto o processo educativo e mostrando-se igualmente exigentes.
55. Evidenciou no ano letivo transato, alguma irrequietude e reatividade na interação com os pares, facto que a sua professora atribui ao litígio coparental e põe de parte eventuais adversidades no contexto escolar.
56. Ao nível de atividades extracurriculares a criança integra a “classe infantil de futebol” da ... na posição de guarda-redes, realizando treinos à segunda-feira, terça e quinta-feira das 18h às 19h e jogos de competição ao sábado.
57. Frequenta ainda natação em regime de banhos livres com a mãe, à quarta-feira das 18h. às 19h e também com o pai em estrutura congénere na área de residência paterna.
58. A presente acção foi proposta em 13/12/2021.
59. O BB adaptou-se bem ao período em que viveu em residência alternada, com ambos os progenitores (facto aditado conforme infra determinado).
60. De outubro a dezembro de 2022, o BB viveu em residência alternada com ambos os progenitores (facto aditado conforme infra determinado).
***
Factos não provados:
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
Das alegações do requerente:
a. O menor revela sinais de instrumentalização por parte da sua progenitora.
b. O BB está mais apático, chegando inclusive a dizer ao pai «aquilo que tu e a mãe falaram eu não quero» e questionado sobre o teor do que pai e mãe falaram, o menor refere desconhecer, acabando por admitir que é a mãe que lhe pede para transmitir o “recado”, servindo de seu mensageiro.
c. O BB está a viver alguns conflitos de lealdade com a progenitora.
d. O BB esteve, durante toda a semana, a ser preparado e manipulado pela mãe para que confirmasse a vontade que a progenitora já havia anunciado a este Tribunal nas suas alegações iniciais.
e. Nunca o progenitor instrumentalizou o seu filho.
f. Nunca falou ao filho da ida a tribunal, antes desta acontecer.
g. O progenitor preocupa-se em transmitir serenidade, equilíbrio emocional e estabilidade ao BB.
h. A Requerida destabiliza emocionalmente a criança sempre que tem de separar da mesma.
i. Em dezembro de 2021 os episódios de ansiedade do BB naquela altura, deviam-se ao facto de o menor ter mudado de residência e lhe ter sido pedido para “não dizer nada ao pai”.
j. A progenitora decidiu levar o menor a uma consulta à revelia do pai, inicialmente agendando para o dia 29 de março (sem lhe dar qualquer conhecimento) e, na sequência do seu reagendamento, para dia 8 de abril, facto que comunicou a estes autos, após ser confrontada com tal informação na reunião com a professora em que ambos os progenitores participaram.
k. Bem sabia a progenitora que no dia e horário da consulta o progenitor não poderia comparecer, atento o facto de estar a lecionar, bem conhecendo a progenitora o seu horário.
l. No dia 27 de Abri de 2020 a progenitora deixou o BB sozinho durante um longo período de tempo, sendo certo que a entrada do ginásio fica do outro lado do quarteirão, na extremidade oposta à da entrada das residências.
m. Ao acordar, o menor estava sonolento, tendo ficado preocupado quando se apercebeu de que estava sozinho em casa.
n. De seguida, de acordo com o que foi comunicado pela própria mãe, o menor abriu a porta do exterior para sair de casa, tendo sofrido uma queda do 2.º andar.
o. Toda esta situação teria sido evitada se a progenitora tivesse cumprido o seu dever de cuidado e vigilância, o que a própria admite.
p. O BB demonstrou desalento durante o tempo em que teve de o usar, não querendo sair de casa por sentir vergonha do colete.
q. Em outubro de 2020, após o BB permanecer com dores no pé ao longo de vários dias (a progenitora referia que tinha “umas bolhas” no pé provocadas por umas sapatilhas), o progenitor pediu à progenitora que consentisse que este o levasse a uma consulta de ortopedia para despiste, pedido em relação ao qual, depois de uma semana de muita contestação (entre 25 de setembro e 2 de outubro), a mãe acedeu e o pai levou o menor à consulta, vindo a descobrir que o BB tinha uma inflamação do tendão tibial posterior do pé esquerdo que poderia vir a afetar o desenvolvimento do pé.
r. Já sucedeu a progenitora faltar a consultas médicas com a criança, por esquecimento o que nunca sucedeu com o progenitor.
s. As opções da progenitora quanto às atividades extracurriculares são totalmente inexequíveis e quase violentas, dados os sacrifícios que lhe impõe ao seu direito de descansar, de brincar e de nada fazer.
t. O BB tem treinos de futebol às segundas, terças, quintas (que acabam depois das 19h; alguns acabam às 20h30) e jogos ao sábado, acrescido de natação às quartas e sextas (nos dias em que está com a mãe),
u. Acaba por não ter tempo para fazer os trabalhos de casa e estudar.
v. Dada a violenta carga horária das suas atividades extracurriculares (que determinam que o menor nunca esteja em casa antes das 20h), a acrescer às rotinas diárias de banho e jantar, não raras vezes o BB faz os trabalhos de casa à pressa ou simplesmente não faz.
w. Já sucedeu o progenitor não ter levado a criança a um treino num dia em que estava aos seus cuidados e, no jogo seguinte, o BB não ter sido titular desde o início do jogo, o que levou a progenitora a dizer ao BB que tal se deveu ao facto de o progenitor não o ter levado ao treino,
x. Olvidando que o progenitor apenas não o faz de modo a não comprometer os trabalhos de casa, estudos e descanso do BB
y. No passado dia 28 de maio de 2022, considerando que o progenitor estava do cartão de cidadão devido a compromissos previamente agendados e a progenitora não o entregou (a propósito de estar a longa distância).
z. Acompanha sempre o seu filho nas restantes consultas médicas (com exceção das consultas de psicologia que o BB teve à sua revelia, por decisão da progenitora).
aa. Sistematicamente, a progenitora impede o BB de estar com o pai, entregando-o aos cuidados dos avós (pessoas de idade avançada, com problemas de mobilidade, sendo que aos cuidados do avô materno o BB já teve um que lhe provocou uma cicatriz no rosto).
bb. A progenitora altera sistematicamente o combinado quanto às férias decide que o menor não pode estar na Páscoa com o pai preferindo compensar a ausência de convívio num outro dia, não festivo e sem se preocupar em proporcionar previsibilidade ao pai e ao filho.
cc. O progenitor efetuou todos os pagamentos relativamente a 2018, procurando sempre cumprir rigorosamente com as suas obrigações.
dd. Com a formalização do divórcio, o progenitor constitui-se credor da progenitora em relação a um investimento que este teria feito – com bens próprios seus – num projeto da progenitora requerida.
ee. Considerando o reconhecimento da dívida, por várias vezes, por iniciativa da própria requerida, foi-lhe sugerido que o pagamento da pensão de alimentos não fosse efetuado para compensação do seu direito de crédito
Das alegações da Requerida:
ff. Foi por causa da mãe do menor ter refeito sua vida com um companheiro, de seu nome JJ, com o qual o menor se dá bem, é que surge o pedido de alteração da residência;
gg. Após exigência formal da mãe, voltou a pagar mensalmente a pensão alimentar devida, a partir de Dezembro de 2020 e posteriormente pagou parte do atrasado, nomeadamente todo o ano de 2019 e o restante de 2020, vindo requerer a residência alternada.
hh. Apenas no ano de 2018 – até Novembro – o requerente efectuou o pagamento pontual da prestação mensal relativa ao filho, vindo a retomar tais pagamentos apenas em Dezembro de 2020.
ii. O menor não é incentivado a vestir-se e tomar banho sozinho, a arrumar as suas coisas e a fazer parte das tarefas domésticas simples.
jj. Quando o menor vem de casa do progenitor nota-se uma clara alteração de comportamentos em relação a estas tarefas do dia a dia, para as quais não é incentivado nos períodos em que está com o progenitor e com a avó paterna
kk. O menor BB encontrava-se no ensino pré escolar (Centro Social ...) e apesar do progenitor saber que a progenitora, colocada na Escola EB1 ... saía sempre as 17.30 (hora a que o podia ir buscar) e que também era proprietária de um ginásio em ... para onde se deslocava após ir buscar o menor, o progenitor nunca manifestou qualquer interesse em ir buscá-lo e passar tempo com ele nesses períodos.
ll. Nunca o fez, apesar de saber que seria uma ótima ajuda para a progenitora, que nessa altura residia sozinha com o menor e que essa ajuda impedia que a progenitora tivesse que levar o menor consigo para o local de trabalho (ginásio da qual era proprietária) por não ter outra opção, e … permitiria ao pai estar mais tempo com o filho….
mm. Nessa altura o menor passava um fim de semana de 15 em 15 dias, indo o progenitor busca-lo à sexta e trazendo o menor ao domingo.
nn. Apesar de não haver acordo a progenitora nunca se opôs, tal como agora, ao convívio do menor com o progenitor.
oo. No ano lectivo 2017/2018 apesar de ficar definido formalmente o regime de visitas, o progenitor continuou a não usufruir da pernoita que estava estabelecida continuando o menor a pernoitar em casa da avó com o pai de sexta a domingo e ocasionalmente de sexta a segunda (levando-o à Escola).
pp. O regime de visitas manteve-se o mesmo sem que o progenitor manifestasse, em momento nenhum, vontade de passar mais tempo com o menor.
qq. O requerente deu aulas por algum período de tempo, deslocando-se com colegas, que partilhavam boleias.
rr. Nesse ano, o progenitor esteve a maior parte do ano de baixa médica.
ss. Durante todos estes anos os períodos de férias, de natal, pascoa e ferias de verão não eram repartidas de forma equitativa tal como previsto no acordo, por não existir vontade do pai em que tal acontecesse.
tt. O menor passava sempre cerca de 12 dias com o pai nas férias e com a mãe passava a maior parte do tempo restante indo pernoitar ao pai algumas noites mas nunca ficando por períodos longos.
uu. Em Outubro de 2019 o progenitor após ter conhecimento de que a progenitora tinha um companheiro, nesse mesmo mês manifestou a vontade de ter residência alternada.
vv. Ainda assim o regime de visitas permaneceu inalterado até Março de 2020.
ww. No período de confinamento em que o BB este em igual tempo com cada um dos progenitores, o menor gostar de estar com o progenitor, tenha mostrado desagrado com o período de permanência e referiu várias vezes que “Gostava de estar com o pai mas preferia ir como antes… só ao fim de semana de vez em quando”.
*
A primeira questão a decidir respeita a uma alegada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, na medida em que, sem que tal tenha sido objecto do processo (designadamente por não se incluir no pedido) o tribunal acabou por declarar, relativamente a uma questão controversa entre as partes, o seu entendimento.
Ao descrever o regime de exercício das responsabilidades parentais em relação ao BB, o tribunal enunciou a regra em vigor, nos termos da qual o exercício das responsabilidades parentais relativo a questões de particular importância cabe a ambos os progenitores.
Depois, e porquanto tal foi alegado e discutido, o tribunal incluiu nos factos provados que, tendo sido aconselhado por médico que o BB obtivesse acompanhamento psicológico, a progenitora agendou consulta de psicologia no Hospital ... e o pai opôs-se a tal escolha, tendo sido desmarcada tal consulta pela entidade hospitalar (item 36).
Por fim, a esse propósito, o tribunal declarou: “… foi aconselhado o acompanhamento psicológico do BB, que se impõe. Nessa sequência a progenitora, pode e deve diligenciar, de resto no uso dos seus poderes de gestão da vida corrente da criança, por levar a criança a consultas de psicologia não necessitando para o efeito do consentimento do progenitor, uma vez que em causa não está um acto de particular importância para a vida do BB e não tendo o Tribunal que ser chamado a decidir tal questão não só porque extravasa o objecto da presente acção mas também porque não constitui qualquer questão de particular importância.”
Defendem quer a requerida, quer o MºPº, nas respostas oferecidas ao recurso, que se não verifica a nulidade invocada, já que o tribunal não chegou a incluir aquela matéria no dispositivo da sentença.
É óbvio que a pronúncia sobre se levar o BB a uma consulta de psicologia configura uma questão de particular importância, perante o regime de exercício de responsabilidades parentais em vigor, não foi pedida ao tribunal.
No entanto, a natureza de jurisdição voluntária em que o presente processo se desenvolve (art. 12º do RGPTC) não excluiria frontalmente que o tribunal pudesse apreciar a questão, no âmbito da fixação de um novo regime de exercício de responsabilidades parentais. Sem que se torne oportuno justificar esta afirmação, como infra se perceberá, veja-se a este propósito, o decidido no ac. do STJ proferido no processo nº 1281/19.1T8VCD.P1.S1 (relator Manuel Capelo), em 10-01-2023: “I. É admissível nos processos de jurisdição voluntária a decisão mais conveniente e oportuna que o Tribunal entenda dever proferir ainda que não seja aquela decisão que foi pedida, importando, no entanto, que haja uma conexão ao nível da decisão entre o que se decidiu e o que se pediu. II. Nos processos de jurisdição voluntária não é absoluta a regra do artigo 609 nº1 do CPC tendo sido já admitida (desde há muito) a condenação ultra petitum designadamente no âmbito de processo tutelares cíveis embora essa possibilidade de não restrinja aos que tenham esse objeto. (…)”
Acontece, porém, que o próprio tribunal declarou expressamente que não haveria de emitir decisão sobre a questão. E, no dispositivo da sentença, limitou-se a declarar o indeferimento da pretensão do requerente, sem mais.
Nestas circunstâncias, a enunciação do entendimento do tribunal quanto à classificação da decisão de obter acompanhamento psicológico para o BB como sendo ordinária e não de particular importância não passou de mera e inconsequente consideração subjectiva que, assim, por ser inútil, se torna impertinente na sentença.
Porém, por isso mesmo, por desprovida de conteúdo decisório, como o tribunal expressamente declara e a requerida e o M.P. compreenderam, tem de concluir-se que a referida afirmação jamais poderia consubstanciar um excesso de pronúncia, por não constituir sequer uma pronúncia. Fica, por isso, prejudicada a discussão sobre se, a ter sido proferida tal decisão, ela extravasaria, ou não, o objecto do processo e a legitimidade do tribunal.
*
Importa, de seguida, decidir se a sentença é nula por falta de fundamentação, por não ser “… possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente não é possível perceber a apreciação quanto aos meios probatórios, por falta de indicação e exame crítico das provas.”
É óbvia a falta de razão da apelante. Como se repete na jurisprudência, a nulidade prevista no art. 615º, nº1, al b) do CPC ocorre quando se verifica uma total falta de justificação para o decidido, por não se elencarem os fundamentos de facto ou de direito. Pelo contrário, não ocorre tal nulidade se a fundamentação apresentada é deficiente, incompleta, incongruente. Nestas hipóteses, o que está em causa é a qualidade da decisão, a sindicar em sede de apreciação de mérito, e não a sua validade formal, como é pressuposto na norma que prevê a hipótese da sua nulidade.
No caso em apreço é densa a motivação de facto e de direito da sentença, tal como está descrita a apreciação operada pelo tribunal sobre os meios de prova produzidos. É perfeitamente perceptível o iter decisório do tribunal.
Em qualquer caso, o apelante aponta especificamente a falta de fundamentação da decisão de comprovação quanto aos factos 3) a 5), 7) e 8), 9), 11), 16), 34), 35), 36), 38) a 45). Mas admite que o tribunal apontou, quanto a eles, as razões da sua convicção. Estas, tal como constam da sentença, são “documentação junta a fls. 27, 28, 29, 30, 31, 32; fls. 43 a 72, 84; documentos nºs 14 a 19 juntos com as alegações do requerente – email`s trocados entre os progenitores; fls. 79 e 83 bem como as informações juntas a fls. – listas de colocações do requerente -; fls. 85 e 86 – declaração do pediatra e radiografia aos pés do BB; documentos nºs 1 a 16 oferecidos e admitidos com o requerimento de 17/01/2023; mensagens trocadas entre os progenitores e juntos a 23/03.”
Nestas condições, é óbvio que não ocorre a invocada falta de fundamentação. Diferentemente, saber se os elementos probatórios indicados são aptos a demonstrar a matéria enunciada, tal como ajuizou o tribunal recorrido, é operação a desenvolver noutra sede, designadamente no âmbito da apreciação do mérito da decisão sobre a matéria de facto, sendo caso disso.
Improcede, por isso, também este fundamento da apelação.
*
De seguida, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto, em relação a concretos pontos.
Todavia, outra questão que coloca sucessivamente, pode, por simplicidade, resolver-se de imediato.
Alega o apelante que, entre a data em que foi estabelecido o regime actual de exercício das responsabilidades parentais relativas ao seu filho, se verificou uma alteração de circunstâncias que justifica a alteração desse regime. Tais circunstâncias referem-se quer às suas condições sociais e profissionais, quer à própria criança, cuja idade naturalmente evoluiu.
O Tribunal, depois de analisar vários dos fundamentos invocados pelo ora apelante para justificar a alteração do referido regime, acabou por concluir: “Logo, não se verifica qualquer superveniência como o progenitor quer fazer crer.”
E, previamente, afirmara o tribunal que uma mudança de colocação do progenitor, bem como o crescimento do BB (de 4 para 8 anos) não constituíam circunstâncias supervenientes “…pois, se assim fosse, não haveria necessidade de se prever a necessidade de alteração das circunstâncias pois bastaria o mero decurso do tempo – com as naturais alterações daí decorrentes - para se justificar e requerer uma alteração.”
Trata-se esta, no mínimo, de uma afirmação incompleta, pois é certo que o decurso do tempo, por si mesmo, pode determinar uma alteração de circunstâncias a exigir um resposta diferente no tocante ao regime de exercício de responsabilidades parentais. E isso desde que no regime pré-fixado não tenham sido, ab initio, previstas as evoluções a ocorrer em todas as suas vertentes. Por exemplo, no caso dos autos, foi prevista a evolução da prestação de alimentos, a cargo do progenitor, anualmente, ou seja, por via do mero decurso do tempo. Mas nada foi previsto em relação a outras circunstâncias que naturalmente haveriam de evoluir, como a própria idade da criança e qualquer efeito disso para o regime estabelecido.
É facto notório, por exemplo, que as exigências escolares e de socialização da criança, no convívio com os seus pares e com adultos, se alteram significativamente com o avançar da idade. Por outro lado, a autonomia da criança e a necessidade de consideração e respeito pela sua vontade, também evolui positivamente com o decurso dos anos. Esta realidade é apta a gerar o surgimento de novas circunstâncias na vida da criança ou jovem, que poderão demandar, ou não, uma alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido.
No caso em apreço, o regime em vigor foi fixado quando o BB tinha 4 anos.
Entretanto, muitas circunstâncias da sua vida e da vida dos seus progenitores se alteraram: ele tem mais do dobro da idade e a dependência em relação à progenitora, a quem antes foi confiado, não terá deixado de diminuir, atento o que se apurou sobre a sua personalidade, desenvolvimento intelectual, psicológico e sócio-familiar. Habituou-se a integrar dois agregados diferentes e sente-se bem em ambos e adquiriu autononia. Vivenciou uma situação de residência alternada, implementada voluntariamente pelos pais, designadamente em resposta à situação de pandemia e confinamento gerado. Os próprios progenitores alteraram as suas condições de vida, mantendo relacionamentos pessoais e afectivos com novos parceiros, em situações com que o menor convive e que aprecia. E o local de exercício da profissão do requerente, entre 2018 e a actualidade, também se alterou: Coimbra, Oliveira de Azeméis e Porto. Esta aproximação ao local onde o BB frequenta o ensino, bem como ao local de domicílio da mãe, com quem o menor vem residindo, são também circunstâncias novas, inexistentes e não previstas- pelo menos nada em contrário se conhece - ao tempo da fixação do regime inicial, e são, à semelhança das anteriormente referidas, inequivocamente relevantes para a apreciação da pretensão do requerente, de alteração da solução de guarda do BB.
Nestes termos, com base nesta análise perfunctória de diversas componentes do elenco de factos provados, mesmo sem antes se analisar a pretensão do apelante quanto à alteração de alguns desses factos, podemos afirmar sem reserva que se verifica a alteração de um quadro alargado de circunstâncias que, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 42º do RGPTC legitimam uma nova análise das soluções que devem integrar o regime de exercício das responsabilidades parentais em causa, maxime quanto à guarda ou fixação da residência do BB, com um ou com ambos os progenitores.
Assim, com base neste novo quadro de circunstâncias, quanto a essa vertente do regime de exercício das responsabilidades parentais, pois que só ela está em causa, importará decidir se deve continuar a ser mantida solução implementada e em execução, ou se é mais adequado a solução pretendida pelo requerente, de residência alternada com cada um dos progenitores.
Rejeita-se, pois, a conclusão constante da sentença recorrida, traduzida na não identificação de uma alteração de circunstâncias, por comparação para com aquelas que constituíram o pressuposto do anterior regime de exercício de responsabilidades parentais relativas ao BB.
Diferente será, ainda assim, a questão de saber se, em face das novas circunstâncias, se continua a revelar mais adequada a solução de residência do menor apenas com a mãe, ou uma nova solução de residência alternada com cada um dos progenitores.
Isso se discutirá de seguida.
Procedem, pois, quanto a esta questão, as razões do apelante, sem prejuízo da sua natureza meramente instrumental em relação àquela que é a questão essencial do processo.
*
Importa, então, passar à apreciação da pretensão do apelante, de alteração da decisão da matéria de facto - quanto aos itens 6.º, 7.º, 22.º, 25.º, 28.º e 36.º, dos factos provados; quanto às alíneas a), c), d), h), t) e u) dos factos não provados; quanto á adição à matéria provada de uma série de 8 novos factos, que indica.
Neste âmbito, cumpre verificar que o apelante cumpriu o ónus processual imposto à pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto: especificou os factos objecto dessa pretensão, o sentido pretendido para a decisão e os meios de prova que, sob outra avaliação, impõe, na sua perspectiva outra decisão. Observou, pois, o regime prescrito pelo art. 640º do CPC, cabendo apreciar o recurso também nesta parte.
Em qualquer caso, dada a profusão dos factos enunciados pelo tribunal e a já afirmada prolixidade das alegações do apelante, afirma-se desde já que a apreciação deste segmento do recurso será reservada aos factos provados ou não provados e sugeridos pelo apelante na medida em que se revelem úteis para a decisão a proferir. Com efeito, verificando-se a indiferença das alterações pretendidas para a decisão a proferir, a sindicância do juízo do tribunal recorrido redundaria numa actividade estéril, desprovida de qualquer efeito. E, por isso, a evitar, pois que é tarefa do tribunal prevenir a prática de actos inúteis ( cfr. ac. do TRP de 12/7/2023, proc. nº 4836/21.0T8PRT.P2, relator Ramos Lopes: “(…) VI - Se a matéria objecto da impugnação não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as soluções plausíveis da questão de direito), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril.”
Começa o apelante por se insurgir contra o juízo positivo sobre os factos 6º e 7º, isto é, que entre Março e Agosto de 2020, o BB residiu com ambos os progenitores de igual forma., em virtude de se ter entrado em confinamento e o pai ter sugerido que o menor, uma vez que se encontrava em regime de aulas online e os progenitores em teletrabalho, ficasse uma semana em cada residência, tendo sido em função dessas especificas circunstâncias que a progenitora não se opôs a essa alteração, durante esse período.
Defende o apelante que outra foi a motivação subjacente à residência alternada então implementada por acordo, pelo que pretende que se dê por provado que “Entre março e agosto de 2020 o BB residiu com ambos os progenitores de igual forma, enquanto decorriam tentativas de alteração formal do acordo pela via extrajudicial, alimentando a progenitora as expetativas de tal se concretizar”.
Em coerência com esta versão, pretende o apelante que se exclua do item 7º a referência à motivação da concordância da requerida para a implementação desse regime, pelo que apenas se deveria dar por provado que “A progenitora não se opôs a essa alteração durante esse período”.
Constata-se que a discordância do apelante se dirige às razões que terão constituído o pressuposto da implementação de um regime de residência partilhada, entre Março e Agosto de 2020. O tribunal deu por provado que a progenitora apenas o admitiu por causa da pandemia e suas circunstâncias; o apelante defende que isso aconteceu no âmbito da preparação para a alteração do regime de residência do BB nesse sentido.
Recorde-se que o que está em causa nesta acção não é o aferimento da prevalência da razão ou dos interesses de cada um dos progenitores; não importa qual deles tenha razão em relação a cada um dos pontos de discórdia entre ambos.
Diferentemente, nesta concreta causa, tudo se ordena em função da decisão sobre qual será a solução de residência que melhor sirva os interesses do BB.
Nesta medida, o conhecimento do ocorrido naquele período só será relevante para se poderem antever as vantagens e/ou inconvenientes da solução, se implementada futuramente, face à experiência já ocorrida e cujo resultado se admite nada ter tido de negativo, pois que nada vem referido contra a harmonia dos ambientes em que a criança se insere quando esteve e está em cada um dos agregados, materno ou paterno.
Pelo contrário, indiferente para a situação são as razões que cada um dos progenitores entende, ou as circunstâncias que o tribunal enunciou como presentes aquando da vivência da criança em condições de residência alternada. Isso nada de útil traz para a decisão que ao caso compete: saber o que, de futuro, será melhor para o BB. Tal decisão não terá por referência as expectativas de cada um dos progenitores, designadamente em função do que anteriormente possam ter acordado, admitido ou implementado, o que salienta a impertinência da matéria visada pelo apelante.
Pelo exposto, não se introduzirá qualquer alteração em relação à matéria em questão.
*
Sob o item 22, o tribunal deu por provado que “O BB quando está na companhia do pai tem sempre a companhia da avó paterna e ficam ambos na residência desta, onde o BB tem quarto próprio.”
Defende o apelante que se deve dar por provado que tal situação é provisória e que se encontra em processo de aquisição de uma moradia em Vila do Conde com a sua companheira, KK».
Ouvidas as declarações de KK, esta refere que estão a conversar com o dono de um casa que ponderam adquirir, mas que ainda não fizeram contrato-promessa pois ainda será preciso legalizar a casa, aludindo à problemática relativa à idade da construção e à isenção de licença de habitação para imóveis anteriores a 1951.
Face a tais declarações, não obstante a intenção que manifesta firmemente de ela e o apelante virem a adquirir uma casa, não se identifica que tal projecto esteja já num tal grau de consolidação que se justifique referi-lo no elenco dos factos provados. Acresce que, mesmo nas condições identificadas, nada há de desabono nas condições de residência proporcionadas ao BB quando está com o pai e com a avó, ou também com KK, que justifiquem uma especial importância quanto à consideração desse facto.
Pelo exposto, indefere-se também nesta parte a apelação.

No item 25º, o tribunal deu por provado que “O progenitor namora desde 2020 com KK, apenas residindo na casa desta quando o BB não está na sua companhia”, pretendendo o apelante que se acrescente que isso acontece “…de forma a evitar que o BB ali resida a título meramente transitório, uma vez que o progenitor se encontra em processo de aquisição de uma moradia em Vila do Conde com a sua companheira, para a qual irão a mudar os três”.
Este acréscimo é injustificado quer em função da não aquisição da factualidade inerente à solidez do processo de aquisição da moradia, como antes se referiu, quer pela natureza absolutamente especulativa e pela irrelevância da motivação alegada pelo apelante para a solução em questão.
Também, nesta parte se indefere a apelação.
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No item 28º da sentença, o tribunal deu por provado que “A progenitora alterou a sua residência de ... para ... entre julho 2020 e outubro de 2021”, entendendo o apelante que se deveria dar por provado que essa mudança ocorreu precisamente em Outubro, bem como que disso só lhe deu conhecimento em Novembro.
A matéria é totalmente irrelevante para a decisão a proferir pelo que, com o fundamento supra enunciado quanto à não apreciação de factos estéreis, se rejeita qualquer alteração ao item em questão.
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O mesmo se dia, de resto, em relação á matéria do item 36º, em que o tribunal deu por provado que “A progenitora agendou consulta de psicologia no Hospital ... e o pai opôs-se a tal escolha, tendo sido desmarcada tal consulta pela entidade hospitalar”. Pretende apelante que, complementarmente, se enuncie: “A progenitora agendou consulta de psicologia no Hospital ... e o pai não aceitou ser arredado do acompanhamento psicológico do seu filho, tendo sido desmarcada tal consulta pela entidade hospitalar”.
Já acima se desvalorizou, para os fins desta acção, a polémica que se instalou sobre este tema, bem como a consideração que o tribunal entendeu fazer a tal propósito.
Como acima também se referiu, este processo não se destina a dar razão a qualquer dos progenitores sobre as controvérsias que acabam por instalar ou deixar que se instalem, a propósito da necessária assistência ao BB. Destina-se a sindicar a decisão proferida sobre a melhor solução sobre os termos da sua residência com a mãe ou alternadamente com a mãe e com o pai, nas actuais circunstâncias das suas vidas. E, para esse fim, a matéria em questão nada traz de útil.
Por isso, nada se alterará a este propósito, na factualidade ajuizada.
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Entende, depois, o apelante que o tribunal deveria ter dado por provado que “O menor revela sinais de instrumentalização por parte da sua progenitora” e que “O BB está a viver alguns conflitos de lealdade com a progenitora”. (als. a) e c) dos factos não provados, respectivamente).
Para o efeito, o apelante cita depoimentos de várias testemunhas, a partir dos quais desenvolve considerações no termo das quais chega às conclusões enunciadas sob tais alíneas a) e c).
Acontece que de forma alguma os depoimentos em questão, bem como o relatório social, facultam tais conclusões, sendo, pelo contrário, tendentes a induzir a conclusão de que a criança se sente bem quando inserido em qualquer dos ambientes proporcionados por cada um dos progenitores, embora apresente algum desconforto e ansiedade em função da divergência que este processo corporiza e às mudanças que ele poderá importar para a sua vivência diária.
O que se constata é que o apelante perpassa por diversos depoimentos para deles inferir uma interpretação favorável à sua tese, nos termos da qual a criança se mostra instrumentalizada pela mãe em ordem a rejeitar a bondade da solução que representaria a residência alternada. Ouvidos, porém, os segmentos que descreve, de entre vários depoimentos, não se coincide na extrapolação das conclusões feitas pelo apelante.
Rejeita-se, pois, que sem mais - porquanto nenhuma avaliação psicológica (no âmbito de uma perícia médico-legal) foi feita, ou sequer requerida, que permita aceitar com um grau mínimo de certeza a invocada instrumentalização, nem sequer as declarações do BB fizeram surgir tal avaliação como necessária – se possa dar por assente a pretensão do apelante, quanto à comprovação de tais factos.
Acresce que muito menos significado tem, para a aferição da realidade da matéria em questão, um acto processual da própria requerida, nos presentes autos, para o qual o próprio apelante também apresenta uma interpretação a favor da sua tese, mas que não tem tal significado. Com efeito, não se admite que da apresentação de um requerimento, pela progenitora, a denunciar o que descreveu como sendo actos de condicionamento da criança, pelo pai, em ordem a que ela em tribunal, viesse a admitir querer viver alternadamente com o pai, possa relevar como meio de prova apto à demonstração dos factos ajuizados negativamente sob a s al.s a) e c).
O que acaba de se referir é aplicável nos seus precisos termos à impugnação relativa ao juízo negativo quanto à matéria das als. d) e h)
*
Mais pretende o apelante que se dê por provado que, como consta das als. t) e u) se afirme que, com as actividades extra-curriculares em que está envolvido, o BB acaba por não ter tempo para fazer os trabalhos de casa e estudar.
Trata-se de um juízo conclusivo, que revela uma diferente perspectiva do pai e da mãe do BB, quanto ao peso a conferir a diversas actividades e tarefas da vida escolar, social e familiar do BB. Tal juízo é impertinente para o destino do processo, pelo que se indefere tal pretensão do apelante.
*
Em complemento aos factos provados, o requerente pretende que se dê por provado:
«59. O BB adaptou-se bem ao período em que viveu em residência alternada, com ambos os progenitores».
«60. De outubro a dezembro de 2022, o BB viveu em residência alternada com ambos os progenitores».
Esta matéria surge declarada de forma isenta, convincente e credível por KK, que mostrou conhecer esse período de vivência do BB e seus pais. Já LL, prima do apelante, apenas demonstrou acompanhar a situação indirectamente, pelo que lhe iam contando, designadamente quanto à quebra de consenso quanto à solução de guarda partilhada, sendo seu depoimento irrelevante para este efeito.
Por outro lado, a matéria apontada sob o nº 60, resulta dos próprios termos do processo, que revelam a implementação experimental e consensual de um regime de residência alternada naquele período, com assentimento do MºPº, conforme sua promoção de 12/10/2022.
Esta matéria é útil, pois revela a exequibilidade de um tal regime, conforme foi efectivamente posto em prática.
A matéria assim descrita será, pois, acrescentada ao elenco dos factos provados, o que se opera de imediato, mo lugar próprio, com cota de referência a esta decisão.
Procederá a apelação quanto a este segmento.
*
Mais requer o apelante o aditamento de matéria assim descrita:
61. No dia 10 de dezembro de 2022, a progenitora manifestou e confirmou intenção de continuar a implementar um regime de residência alternada que vinha sendo praticado, tendo-o voltado a fazer no dia 24 de dezembro»
62. No dia 3 de janeiro, a progenitora comunicou ao processo que o regime de residência alternada não acautela o superior interesse do menor sem que, nessa altura, tivesse apontado quaisquer razões para a mudança de posição.
63. No dia 9 de março de 2023, a progenitora apresentou um pedido de alteração urgente, requerendo a tomada de medidas urgentes, a executar sem audição da parte contrária, com vista à suspensão das visitas ao pai até à requerida inquirição do menor.
64. Para sustentar tal pedido, a progenitora descreveu os episódios descritos no requerimento de 9 de março de 2023 que consubstanciam maus-tratos do pai em relação à criança.
65. A criança foi novamente ouvida em sede de audiência de julgamento e não confirmou as situações relatadas pela progenitora.
66. O progenitor encontra-se a adquirir uma moradia na cidade de Vila do Conde.
67. Os progenitores evidenciam estilos educativos que se complementam nas suas diferenças, relativamente à transmissão de conhecimentos e práticas à criança».
A matéria do ponto 61, apesar de resultar demonstrada pelo email junto com o requerimento do apelante, de 17/1/2023, é inócua para os fins da causa.
A matéria apresentada sob os pontos 62, 63, 64 e na primeira parte do 65 integra os termos do próprio processo, pelo que não carece de ser integrada no elenco de factos provados, constituindo uma realidade processual aproveitável se necessário (o que não se admite).
A segunda parte do ponto 65 é conclusiva, pois que resulta da interpretação das declarações prestadas, documentadas na própria sentença, sendo impertinente a sua inclusão como se de um facto natural
Já se justificou a não comprovação da matéria proposta sob o ponto 66.
A matéria do ponto 67 é uma mera afirmação subjectiva e conclusiva que, sendo caso disso, só ao tribunal pode ser pedida, desde que assente em premissas devidamente identificadas, jamais devendo ser enunciada como se de um facto se tratasse.
Não se justifica, pois, qualquer outra alteração à decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto controvertida e útil para a decisão do mérito da causa.
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Chegamos, assim, àquele que é o elemento fulcral do objecto do recurso e que, a nosso ver, é insusceptível de autonomização em duas questões autónomas, como o faz o apelante. Importa decidir se as circunstâncias do caso apontam o regime de residência alternada como a melhor solução para o BB, designadamente com ponderação da sua própria vontade.
Diversamente, pretendendo contornar o obstáculo que a vontade do BB consubstancia, o apelante separa o que entende ser o interesse do BB daquilo que tem de admitir ser a sua vontade, desvalorizando esta sob a afirmação de que “a vontade e opinião da criança terá como limite o seu superior interesse”.
Em ordem a sustentar a sua pretensão, o apelante alega que, à data da sua primeira declaração em juízo, o BB apenas tinha 8 anos “… não sendo seguro que possua o discernimento para ajuizar o valor de tais afirmações, bem como a maturidade suficiente para saber o que é melhor para si.” Tais afirmações, note-se, são as que constam do item 32 dos factos provados.
Acresce que tais afirmações foram reforçadas pelas prestadas em 11/4/2023 (cfr. item 33), quando o BB completara já 10 anos, e onde afirmou, além do mais ali descrito, que “(…) Durante a semana está com a mãe, e à sexta-feira o pai vai buscá-lo e entrega na segunda feira na escola. Refere que gosta muito de estar com o pai e a avó paterna e que também gosta do namorado da mãe. Gostaria que tudo continuasse como está a nível de visitas, não quer a guarda partilhada (…)”.
É ainda muito relevante constatar o que o tribunal descreveu sobre a análise feita por ambos os progenitores quanto a tais declarações: na presença do Requerente, da Requerida e dos Srs. Advogados foi-lhes dado conhecimento das declarações prestadas pelo jovem, sendo que pelos Srs. Advogados foi dito que não pretendiam formular quaisquer perguntas adicionais, tendo o Tribunal determinado que face à espontaneidade das declarações da criança não se vislumbra necessário requisitar assessoria técnica.”
Tais declarações são também perfeitamente congruentes com as colhidas, noutro ambiente, pelo pediatra NN, conforme por este relatado (cfr. item 35), que disso deu conta em juízo.
Para ponderar o valor destas proposições do BB, é ainda útil ter presente aquilo que é incontroverso a seu respeito: é uma criança muito concisa, com atitude, expressão verbal e maturidade acima da média para o grupo etário, o que torna muito verosímil e credível a sua atitude (designadamente na interacção com o pediatra Dr. NN e aquilo que lhe transmitiu).
Nenhuma credibilidade tem, pois, a alegação do apelante, para tentar excluir o valor da manifestação da vontade do BB, nos termos da qual a sua prestação estaria sujeita à manipulação constante da mãe, em ordem à rejeição da solução da residência alternada. Regista-se, em sentido contrário, que em momento próprio o ora apelante não pretendeu a indagação sobre a qualidade dessa prestação, através da apresentação do BB a uma perícia médico-legal ou sequer a intervenção de uma assessoria técnica que pudesse redundar numa diferente avaliação daquela que correspondia a um simples acolhimento das manifestações do BB como expressão real e sincera da sua própria vontade.
Contra isto resulta claramente ineficaz o exercício argumentativo do apelante, tendente a demonstrar que sucessivos episódios, como o da rejeição da progenitora à continuidade da experiência da residência alternada, o da queda da criança quando se encontrava em casa da mãe, tendo-se esta ausentado, o da marcação e desmarcação da consulta de psicologia ou a ansiedade que BB apresentou em alguns momentos, traduziam um condicionamento dessa vontade, aliás como acima já se recusou.
De resto, é impertinente a descrição, a esse propósito e já nessa sede, da interpretação do apelante sobre o teor de vários depoimentos testemunhais, bem como a repetição de argumentos anteriormente usados em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que em momento próprio se ponderaram.
Compreende-se a razão subjacente ao esforço do apelante tendente a excluir ou, pelo menos, a diminuir o valor da vontade do seu filho, como lhe convém já que é de sinal contrário á sua, alertando para que o tribunal não está vinculado “a decidir em sentido coincidente com a opinião/vontade/desejo manifestado pela criança” e acabando por afirmar que “nestas condições [sob a alegada influência da mãe] a opinião do BB, nesta parte, não tem valor.
Todavia, diremos simplesmente que, tal como se estabelece como princípio fundamental no nº 1 do art. 5º do RGPTC, a audição da criança assume um valor imprescindível na averiguação daquilo que consubstancie o seu superior interesse, não devendo deixar de se reconhecer à sua vontade um valor significativo, ainda que não vinculativo, quando se constate que ela apresenta esclarecimento e maturidade suficientes para a estruturação sólida dessa mesma vontade. Ao que acresce, como neste caso, que nada sustenta a convicção que é só do apelante, sobre o condicionamento dessa mesma vontade pela progenitora.
A atenção à vontade da criança é mesmo um pressuposto exigido no processo de decisão sobre questões que lhe respeitem, nos termos do art. 12º da Convenção Sobre os Direitos da Criança[1] que estabelece: “1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade. 2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”
Incontornável é, por todo o exposto, a consideração da vontade manifestada pelo BB, adversa à substituição do regime de exercício de responsabilidades parentais em vigor por um outro conformado por uma solução de guarda partilhada.
Diferentemente da construção erigida pelo apelante, não deixará de se analisar o sentido dessa vontade – que ele pretende simplesmente descartar, desvalorizando-a – em conjugação com todos os demais elementos pertinentes para determinar a solução adequada à questão essencial deste processo: deve manter-se o regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor e em efectiva execução, ou deve este ser substituído por outro que seja essencialmente informado por uma fórmula de residência alternada semanalmente, junto de cada um dos progenitores.
O regime em execução, no que à vivência do menor e à sua convivência com cada um dos progenitores compete, implementado por anterior acordo entre ambos, mas em circunstâncias que já se admitiu não serem as mesmas, consta do seguinte:
a) O BB reside com a mãe, sendo as responsabilidades parentais quanto às questões de particular para a vida criança exercidas por ambos os progenitores;
b) O pai está com o BB em fins de semana alternados, bem como num dia por semana, a combinar semanalmente entre ambos os pais e podendo ficar a dormir em casa do pai;
c) O BB passa metade do seu tempo de férias com cada um dos progenitores;
d) Passa a véspera de Natal dos anos pares e a véspera de ano novo dos anos impares com o pai e vice versa;
e) Passa o domingo de Páscoa nos anos ímpares com o pai; no dia de aniversário, almoçará ou jantará alternadamente com o pai;
f) Passa o dia de aniversário do pai e o dia do pai com este.
Apurou-se que já ocorreram períodos em que o BB esteve em semanas alternadas, vivendo em casa do pai e da mãe, bem como que ambos os pais dedicam ao BB toda a atenção e cuidado. Assim, quanto ao apelante, que não mantem convívio diário com o seu filho, provou-se que é afetuoso e dedicado, que o acompanha no percurso escolar, que divide com a progenitora o cargo de encarregado de educação, que leva o BB às consultas no dentista; que lhe assegura e ensina no cumprimento de exigências de higiene íntima e pessoal, bem como o leva a cortar o cabelo. Provou-se ainda que o progenitor mantém condições sócio-familiares vistas pelo BB positivamente, como acontece com o relacionamento mantido com a avó paterna, que constitui uma real e vantajosa rectaguarda familiar, bem como uma relação afectiva do progenitor com KK, que é igualmente factor de estabilidade e afecto para com a criança.
Não se duvida, ainda, de que, quando entregue ao pai, este lhe proporciona todas as condições de habitabilidade e conforto necessárias, mantendo até roupas e calçado, brinquedos e livros na casa onde ficam, que actualmente é a da avó.
Mas também se provou, em resultado das suas próprias palavras, que vive com a mãe e o namorado desta, chamado JJ, de quem gosta muito e é muito amigo dele, fazendo muitas brincadeiras juntos; que o seu melhor amigo é o namorado da mãe e o seu melhor amigo da escola é o PP; que está com o pai aos fins de semana de quinze em quinze dias, desde sexta até segunda; que o pai vive no Porto com a avó, que cozinha muito bem, e também brinca muito com ele, jogam muito à bola; que quando vai para casa do pai vai feliz e contente e que gosta muito de tudo como está agora; que gosta muito de estar com o pai e a avó paterna, bem como da KK, namorada do pai e que gosta de si. E que gostaria que tudo continuasse como está a nível de visitas, não querendo guarda partilhada.
Por outro lado, é muito positivo outro elemento que os autos evidenciam: o respeito que cada um dos progenitores observa relativamente ao regime estabelecido, sem denúncias de incumprimentos ou deixando que conflitos se instalem em relação a esse cumprimento, designadamente no que respeita à guarda da criança, prevenindo assim situações de ansiedade e tensão para esta, aquando das suas mudanças entre cada um dos agregados.
Não será pois por necessidade de reacção a situações de incumprimento por parte do progenitor a quem a criança está confiada que se justifica a alteração do regime estabelecido.
Para além disso, não pode deixar de ser tido em consideração que se a vontade da criança, quando se tenha por livre e esclarecida, como acontece no caso em apreço, é um factor a ter em conta na definição dos termos do exercício das responsabilidades parentais que aos seus pais competem, o passar do tempo tende a maximizar a importância desse factor. Com efeito, é facto notório que, com o aumento da idade e com o desenvolvimento físico e intelectual da criança, cada vez mais essa vontade, os seus interesses, os seus compromissos escolares e sociais para com a família e os seus pares se irão impor ao próprio regime estabelecido, condicionando crescentemente o termos e os momentos das intervenções dos progenitores, em ordem à satisfação desses interesses e compromissos. Cada vez mais eles terão de ser tolerantes em relação aos desvios do regime pré-fixado, em ordem à satisfação das necessidades e interesses do próprio BB, que naturalmente evoluirão e se irão impondo aos dos seus pais, quando por estes sejam tidos por positivos e dignos de consideração.
Tem-se presente, em suma, que com o crescimento do BB, atentas as características de personalidade, capacidade intelectual e integração sócio-familiar que revela, cada vez mais será a sua vontade de estar com o pai e com a mãe e com os amigos e familiares, a par das necessidades escolares e compromissos com os amigos e as actividades em que se envolva que, irão condicionar a sua vivência, os tempos e oportunidades de estar em cada agregado, assim impondo os seus interesses e vontade aos ditames de um regime de residência pré-determinado, que jamais poderá prever todas os desvios que não deixarão de se justificar, com a compreensão dos próprios progenitores. Se isso se sente ainda pouco aos 10 anos de idade, tem-se por certo – porque a experiência e as regras da vida o demonstram - que em pouco tempo, aos 14 ou 15 anos, que muito depressa chegarão, uma tal realidade se irá naturalmente impor.
No caso, é inequívoca a vontade do BB, na manutenção da solução de residência em vigor.
No quadro de circunstâncias que se verifica, outra realidade se impõe como marcante: independentemente das razões que o motivaram, o que é certo é que o BB vem crescendo e apresentando um desenvolvimento físico, psicológico e emocional muito positivo sob o regime de residência anteriormente fixado. É certo que a confiança da criança à mãe, quando os progenitores se separaram, foi tida como a resposta adequada em razão dos condicionamentos profissionais do pai. Porém, o tempo vem passando e essa solução consolidou-se e vem sendo executada com serenidade, sem conflitos, proporcionando ao BB uma estabilidade e segurança notáveis, que não serão alheias aos caracteres muito positivos do seu desenvolvimento, como acima se referiu.
Os próprios pais souberam adaptar essa solução às necessidades trazidas pelo período de pandemia, tal como souberam adaptá-la a um período em que a requerida, por necessidades de formação, ficou impedida numa séria de fins de semana.
E tudo vem decorrendo em termos que o BB tem por bons e que não pretende que se mude. Com efeito, a única ansiedade que manifestou não foi em razão de qualquer tensão que a observância do actual regime de residência venha facultando, mas sim perante a possibilidade de a situação ser alterada.
Nas concretas circunstâncias do caso, tem de se concluir que uma mudança no regime de residência do BB não viria responder à satisfação de qualquer interesse seu, mas satisfazer unicamente um interesse do próprio apelante em ter o filho mais tempo consigo. Com isto, não se pretende afirmar que este interesse do pai do BB seja puramente egoístico ou caprichoso; bem pelo contrário, revela um sentido de responsabilidade paternal e uma dedicação dignos de nota e que sempre tenderão a manifestar-se em benefício da criança.
Porém, como resulta do disposto nos nºs 5 e 6 do art. 1906º do C. Civil, é em homenagem ao interesse da criança, que prevalece sobre os dos progenitores, que deve ser determinada a residência daquela, com salvaguarda de um regime de ligação com o progenitor não convivente que assegure o desenvolvimento integral do respectivo relacionamento afectivo e familiar.
A evolução da sociedade, das condições de vida, da facilitação da mobilidade e dos contactos, do quadro axiológico da comunidade, vem conduzindo a que, crescentemente, soluções de residência alternada sejam implementadas em casos de separação dos progenitores, facultando até o Código Civil, no nº 6 do já citado art. 1906º, a sua aplicação em casos em que não se verifique o consenso destes.
Em abstracto, admite-se o acerto das proposições constantes do Ac. do TRG de 2/11/2017 (proc. nº 996/16.0T8BCL-C.G, relatora Eugénia Cunha, em dgsi.pt), nos termos das quais “O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias;(…) É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afetivas, materiais, culturais e sócio-económicas de ambos os progenitores.”
Todavia, a definição do superior interesse da criança tem de ocorrer em concreto; tem de se encontrar e observar o interesse de cada criança, no específico quadro das circunstâncias da sua existência, com a sua história, com a sua personalidade, com os termos do seu relacionamento com os progenitores, com as suas condições de vida familiares e de socialização.
No caso, importa identificar qual seja o superior interesse do BB, face ao conjunto das circunstâncias que envolvem a sua existência e que acima profusamente se discutiram e apuraram.
Tudo ponderado, não nos restam dúvidas que o superior interesse do BB é o de que se mantenham as condições dessa sua existência, designadamente no que ao regime de residência respeita, tendo-se por injustificada, à luz do respeito por esse interesse que se sobrepõe a qualquer outro, v.g. ao do seu pai e ao da sua mãe, a sua alteração para um regime de residência alternada, junto de cada um destes.
Improcederá, pois, a apelação nesta parte.
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Por fim, insurge-se o apelante quanto à classificação da presente acção como de elevada complexidade, para efeitos da respectiva tributação.
A este respeito, o tribunal decidiu: “As custas da presente acção serão a suportar pelo progenitor por ter decaído na totalidade, fixando-se a presente acção como sendo de especial complexidade face ao número de testemunhas inquiridas, às sessões realizadas, aos requerimentos e às questões a decidir, pelo que a taxa de Justiça é fixada no valor equivalente a 9 (nove) Uc`s (cfr. arts. 527º, 530º, nº 7, 535º, 607º, todos do C.P.C. por referência à tabela anexa I C e arts. 6º, nº 5 e 13º, nº 3 do RCP, e art. 33º do RGPTC).”
Estabelece o art. 530º do CPC, no seu nº 7, os caracteres de determinação da especial complexidade de uma acção: “7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações (…) que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
No caso, quer durante a acção, quer nesta fase de recurso (embora, obviamente, a decisão sindicada não se estenda à ponderação dos termos do recurso) as intervenções do autor, ora apelante, foram inequivocamente prolixas. Porém, não tendo sido esse o fundamento da qualificação da causa como de excepcional complexidade, não se justifica analisar este problema.
Assim, a decisão da sentença limitou-se a justificar a solução tributária por referência ao número de testemunhas inquiridas, às sessões realizadas, aos requerimentos e às questões a decidir. Mas nada especifica a este propósito.
De forma mais correcta, o MºPº, na resposta ao recurso, vem densificar tais afirmações, descrevendo:
“Além da criança BB, foram inquiridas 15 testemunhas, das quais 9 foram apresentadas pelo autor/recorrente, e ambas as partes prestaram declarações.
Foram realizadas três sessões de audiência de discussão e julgamento: no dia 11.04.2023, entre as 09:00 e as 12:20 horas e entre as 13:45 e as 16:43 horas, no dia 02.05.2023, entre as 09:30 e as 12:35horas e entre as 15:10 e as 15:50 horas, e o dia 12.05.2023, entre as 09:30 e as 13:23 horas.
Ao longo do processado foram sendo juntos vários requerimentos, tendo inclusive sido necessário advertir os progenitores, no despacho que agendou a audiência de julgamento, de que deveriam evitar o arrastamento dos autos com a entrega sucessiva de requerimentos. Basta atentar no início da acta de audiência de julgamento de 11.04.2023, para constatar que não foi acatada tal sugestão.

Em concreto estão verificadas as alíneas a) e c) do n.º 7 do artigo 530.º do Código de Processo Civil.
Diga-se, ainda que, tratando-se – como alega o próprio recorrente – de um processo onde “não existem questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso” também não vislumbramos motivo para que as alegações apresentadas pelo recorrente tivessem tido 247. factos articulados, para que alegações orais da sua Mandatária no final da audiência de julgamento tivessem ultrapassado os 30 minutos, nem para que se tenha apresentado um recurso da sentença com 222 páginas e 305. conclusões.”
Desta alegação, no entanto, tem de se retirar a referência à al. a) do art. 530º do CPC, pois que não foi em função da prolixidade dos articulados do autor que o tribunal justificou a sua decisão, tal como a esta foi necessariamente alheia o teor do recurso oferecido, que lhe foi ulterior.
Excluída esta, também a complexidade da questão, como fundamento da complexidade da causa: trata-se de uma matéria difícil de decidir em função das concretas circunstâncias do caso, mas tecnicamente simples, como apelante e MºPº admitem.
Assim, a motivação da decisão, que de todo falha na decisão recorrida, só poderia derivar do número de testemunhas inquiridas, das sessões realizadas, dos requerimentos.
Todavia, o numero de testemunhas, sendo significativo por comparação com processos do mesmo género, não pode chegar a qualificar-se como justificativo da qualificação da acção como especialmente complexa: além da criança e dos pais, o autor arrolou 9 testemunhas e a requerida arrolou 6.
Quanto ao número de sessões, também não se pode considerar ser esse o fundamento da complexidade afirmada: 3 sessões, com um volume de horas normal.
Quanto ao fundamento respeitante ao número ou qualidade de requerimentos, também se não pode aproveitar a decisão do tribunal, pois que não os identifica, não os quantifica, nem os qualifica, prejudicando assim a sindicabilidade do seu juízo.
Pelo exposto, cumpre reconhecer razão ao apelante, devendo revogar-se a decisão neste segmento.
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Em conclusão, cabe conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão no respeitante à qualificação da presente acção como de especial complexidade, para efeitos de tributação.
Em tudo o mais se confirma a decisão recorrida, concluindo-se pela improcedência da apelação.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão no respeitante à qualificação da presente acção como de especial complexidade, para efeitos de tributação. Em tudo o mais, confirmam a decisão recorrida, concluindo-se pela improcedência da apelação.

Custas, nesta sede de recurso, por apelante e apelada, na proporção de 9/10 e de 1/10, respectivamente.

Registe e notifique.
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Porto, 19 de Dezembro de 2023
Rui Moreira
Lina Castro Baptista
Fernando Vilares Ferreira
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[1] Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990