Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9720604
Nº Convencional: JTRP00020712
Relator: ARAUJO BARROS
Descritores: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
TRIBUNAL ESTRANGEIRO
RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS EM MATÉRIA CIVI
CITAÇÃO POR VIA POSTAL
CARTA ROGATÓRIA
NOTIFICAÇÃO
SENTENÇA PROFERIDA CONTRA PORTUGUÊS
FALTA
TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS
FORMALIDADES ESSENCIAIS
Nº do Documento: RP199706179720604
Data do Acordão: 06/17/1997
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 9J
Processo no Tribunal Recorrido: 307/96-2
Data Dec. Recorrida: 11/22/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: DL 210/71 DE 1971/05/18.
CPC67 ART139 N1 ART256 ART244 N1 N2 N3.
Referências Internacionais: CONV HAIA DE 1965/11/15 ART5 A B ART7 ART10 A ART15 A B ART20 PAR3.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1994/11/08 IN CJ T5 ANOXIX PAG208.
AC RE DE 1983/02/04 IN CJ T1 ANOVIII PAG292.
AC RE DE 1981/05/21 IN CJ T3 ANOVI PAG275.
Sumário: I - Deve considerar-se regularmente efectuada, sem necessidade de tradução dos documentos que a acompanham, a citação ou a notificação feita por carta rogatória ou por via postal através de carta registada com aviso de recepção, emanada do Tribunal de Commerce de Paris.
II - A falta de tradução desses documentos não constitui preterição de formalidades essenciais nem obsta ao reconhecimento, em tribunal português, da executariedade da sentença estrangeira.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
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" C..., S.A. " requereu contra " P... , S.A. " a declaração de executoriedade da decisão judicial proferida, em 4 de Julho de 1995, pelo Tribunal de Comércio de Paris, que condenou a requerida a pagar-lhe a quantia de 451.200 francos franceses, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados a partir de 2 de Julho de 1995, bem como a de 5.000 francos franceses, nos termos do art. 700º do novo Código de Processo Civil Francês, e ainda as custas liquidadas, designadamente as custas a cobrar pelo escrivão do montante de 135 francos com todas as taxas incluídas ( aprox. 5.25 + estim. despesas correio 22.78 + EMOL 85.80 + IVA 21.17 ).
Juntou com a petição documentos, juntando ainda posteriormente outros julgados essenciais para a decisão a proferir.
Considerando verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, e tendo por inverificada qualquer das circunstâncias impeditivas do reconhecimento, previstas nos arts. 27º e 28º da Convenção de Lugano, de 16/9/88, o M.mo. Juiz atribuiu força executória à sentença em causa.
Inconformada, recorreu a requerida, recurso recebido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Nas alegações que apresentou pretende a revogação da decisão proferida na parte em que deferiu o reconhecimento da executoriedade da sentença estrangeira.
Contra-alegou a requerente, pugnando pela manutenção da sentença em crise.
Cumpre decidir, uma vez que se encontram preenchidos todos os requisitos processuais necessários e foram apostos os vistos legais.
É, em princípio, pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimitam as questões de que o tribunal de recurso há-de conhecer ( arts. 690º, nº 1 e 684, nº 3, do C. Proc. Civil ).
Ora, a agravante formulou, nas respectivas alegações, as conclusões seguintes:
1. A agravante foi citada para os termos da acção que correu termos pelo Tribunal de Commerce de Paris por carta registada com aviso de recepção, embora tanto a nota de citação, como a petição inicial se encontrassem redigidas em língua francesa, não sendo acompanhadas de tradução em português.
2. A agravante foi notificada da sentença proferida pelo Tribunal de Commerce de Paris, por carta rogatória dirigida ao Tribunal do Porto, encontrando-se o conteúdo dessa carta rogatória redigido em língua francesa sem ter sido acompanhado de tradução em língua portuguesa.
3. A prática daqueles actos em língua estrangeira torna-os ininteligíveis para o destinatário e contende com o seu especial direito de defesa.
4. Pelo que, quer na citação para os termos da acção, quer na notificação da sentença proferida pelo tribunal estrangeiro, mostram-se preteridas formalidades essenciais, nomeadamente aquelas que asseguram ao demandado o direito de entender qual a pretensão contra si deduzida, direitos que se encontram consagrados não só no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, como no art. 3º do C. Proc. Civil.
5. Pelo que não poderão deixar de ser reconhecidas as irregularidades dos actos que sustentam a pretensão deduzida pela agravada e, consequentemente, reconhecida a falta dos requisitos essenciais ao deferimento do reconhecimento da executoriedade da sentença estrangeira.
6. Se para o reconhecimento judicial da executoriedade da sentença estrangeira é exigido que os documentos que a suportam sejam traduzidos, por maioria de razão, quer a citação da agravante para os termos da acção, quer a sua notificação do teor da sentença contra si proferida pelo tribunal estrangeiro, atentos os reflexos tidos na sua esfera patrimonial, não podiam igualmente deixar de ter sido traduzidos.
7. Tal requisito sai hoje mais reforçado se se atender que, relativamente à matéria em causa, o reconhecimento da sentença estrangeira não segue a ritologia do art. 1097º do C. Proc. Civil, mas sim a Convenção de Bruxelas, a qual dispensa a notificação do requerido e para a qual nem sequer tem a oportunidade de se pronunciar.
8. Não resultando dos autos que a agravante tivesse sido para os termos da acção que correu termos pela justiça francesa acompanhada de cópia com tradução que a tornasse inteligível em face da sua língua, como ainda não resultando que a sentença proferida lhe tivesse sido notificada acompanhada de cópia traduzida, resulta que se encontram preteridas formalidades essenciais ao reconhecimento e executoriedade desta.
9. Ao reconhecer a executoriedade da sentença estrangeira, a sentença recorrida viola o art. 20º da Constituição da República, os arts. 3º, 194º,
195º e 198º, do C. Proc. Civil, e ainda os arts. 27º, nº 2 e 46º, nº 2, da Convenção de Bruxelas.
Encontra-se assente nos autos, com relevo para a decisão a proferir, que: a) - a requerente " C.... " instaurou em França acção contra a requerida " P... " para dela haver o pagamento de determinada quantia em francos franceses; b) - a " P... " foi citada para tal acção através de carta registada com aviso de recepção, recebida pela destinatária em 5/6/95; c) - em 4/7/95 foi proferida pelo Tribunal de Commerce de Paris a sentença condenatória da " P... ", cuja executoriedade se pretende ver reconhecida; d) - dessa sentença foi a requerida notificada por carta rogatória cujo cumprimento foi requerido pelo Ministério Público e que foi cumprida em 23/1/96; e) - quer a carta registada com aviso de recepção e o respectivo conteúdo, quer a notificação da sentença foram efectuadas em língua francesa, desacompanhadas de qualquer tradução para português.
É sabido que as Repúblicas Francesa e Portuguesa são Estados signatários das Convenções Relativas à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, celebradas em Lugano em 16 de Setembro de 1988 e em Bruxelas em 27 de Setembro de 1968, a que Portugal aderiu através da Convenção de Donostia, de 26 de Maio de 1989, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 34/91 de 30/10/91 e ratificada conforme Aviso nº 95/92, de 10/7/92, aquela com as adaptações posteriores dos Decs.lei nº 51/91 e 52/91 Resolução da Assembleia da República nº 33/91, in DR IS-A, de 30/10/91, em vigor em Portugal desde 1 de Julho de 1992 ( Cfr. Aviso nº 94/92 de 5 de Junho de 1992, in DR IS-A, de 10/7/92 ).
As referidas Convenções, nomeadamente as de Bruxelas e de Lugano, tiveram por fim possibilitar o reconhecimento e a execução de uma sentença proferida por um tribunal europeu ( o tribunal do Estado de origem ) em outro Estado europeu ( Estado requerido ) com um mínimo de formalidades.
É, de facto, expresso o art. 31º da Convenção de Lugano ao estabelecer que " as decisões proferidas num Estado Contratante e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas em outro Estado Contratante depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada ".
Dispondo os arts. 26º e 34º da mesma Convenção que " as decisões proferidas num Estado Contratante são reconhecidas nos outros Estados Contratantes, sem necessidade de recurso a qualquer processo " e que, " as decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito ".
Será, apenas, negado o reconhecimento às decisões: a) - se o reconhecimento for contrário à ordem pública do Estado requerido; b) se o acto que determinou o início da instância ou acto equivalente não tiver sido comunicado ou notificado ao requerente revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir-lhe a defesa; c) se a defesa for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado requerido; d) se o tribunal do Estado de origem, ao proferir a sua decisão, tiver desrespeitado regras de direito internacional privado do Estado requerido na apreciação da questão relativa ao estado ou à capacidade das pessoas singulares, aos regimes matrimoniais, aos testamentos e às sucessões, a não ser que a sua decisão conduza ao mesmo resultado a que se chegaria se tivessem sido aplicadas as regras de direito internacional privado do Estado requerido; e) se a decisão for inconciliável com outra anteriormente proferida num Estado não Contratante entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado requerido ( ver art. 27º da Convenção de Lugano ).
Acrescendo que as decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções III, IV e V do título II ( competência em matéria de seguros, competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores e competências exclusivas ) ou no caso previsto no artigo 59º ( vinculação de reconhecimento por um Estado Contratante perante Estados terceiros ), ou ainda num dos casos previstos no nº 3 do artigo 54-B ( divergência entre a regra de competência com fundamento na qual a decisão foi proferida e a que resulta desta Convenção ) e no nº 4 do art. 57º ( ressalva das Convenções de que os Estados Contratantes sejam ou venham a ser parte ) - Cfr. art. 28º da citada Convenção de Lugano.
Desta forma, e por princípio, se não ocorre qualquer dos casos acima indicados, impeditivos do reconhecimento, a sentença proferida por um Estado Contratante há-de ser sempre reconhecida e revestida de força executória por qualquer outro Estado Contratante.
E foi assim que se entendeu na decisão ora em recurso, a qual, se assim for, não merece qualquer censura.
Sustenta, porém, a agravante que, o facto de não lhe ter sido facultada, nos actos de notificação, quer da citação para a acção, quer da sentença proferida, de que poderia recorrer, a tradução em português dos documentos entregues, se enquadra justamente na previsão do nº 2 do art. 27º, impeditiva do reconhecimento, pois viola o preceituado no art. 46º, nº 2 da mesma Convenção ( tratando-se de decisão proferida à revelia, a parte que invocar o reconhecimento deve apresentar o original ou uma cópia autenticada do documento que certifique que o acto que determinou o início da instância ou um acto equivalente foi comunicado ou notificado
à parte revel ), o art. 139º, nº 1, do C. Proc. Civil ( nos actos judiciais usar-se-á a língua portuguesa ) bem como o art. 20º da Constituição da República Portuguesa ( acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais para defesa dos interesses legítimos ) e o art. 3º do C. Proc. Civil ( princípio do contraditório ).
Desde logo se nos afigura que será através do apelo às normas das Convenções de Bruxelas e de Lugano que se pode decidir da questão suscitada pela agravante.
De facto, quer uma quer outra das Convenções não contém, salvo excepcionalmente, quaisquer regras disciplinadoras das formalidades a observar na citação para as acções ou na notificação das partes de ou para outros actos judiciais.
Refere, no entanto, o art. 20º que, quando o requerido domiciliado no território de um Estado Contratante for demandado perante um tribunal de outro Estado Contratante, o juiz deve suspender a instância enquanto se não verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa ou enquanto se não verificar que para o efeito foram efectuadas todas as diligências ( parágrafos 1º e 2º ). Porém, se o acto que iniciou a instância tiver sido transmitido em execução da Convenção da Haia, de 15 de Novembro de 1965, Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil ou Comercial, o atrás preceituado será substituído pelo disposto no artigo 15º daquela Convenção ( parágrafo 3º ).
Daí que para conhecer da pretensão da agravante se tenha de recorrer às disposições da referida Convenção da Haia, de 15 de Novembro de 1965, à qual Portugal e França são aderentes ( entre nós foi aprovada para ratificação pelo Dec.lei nº 210/71, de 18 de Maio ).
Ora, dispõe o citado art. 15º da Convenção da Haia que " se uma petição inicial ou um acto equivalente foi transmitido para o estrangeiro para citação ou notificação, segundo as disposições da presente Convenção, e o demandado não compareceu, o juiz sobrestará no julgamento enquanto não for determinado: a) ou que o acto foi objecto de citação ou de notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado requerido para a citação ou notificação dos actos emitidos neste país e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território; b) ou que o acto foi efectivamente entregue ao demandado segundo um outro processo previsto pela presente Convenção, e que, em cada um destes casos, quer a citação, quer a notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado tenha podido defender-se ".
Explicita, além disso, o art. 5º, als. a) e b), dessa Convenção, que, " a Autoridade central do Estado requerido procederá ou mandará proceder à citação do destinatário ou à notificação do acto, quer segundo a forma prescrita pela legislação do Estado requerido para as citações ou notificações internas dirigidas às pessoas que se encontram no seu território, quer segundo a forma própria pedida pelo requerente, a menos que a mesma seja incompatível com a lei do Estado requerido "; no caso ultimamente mencionado o acto poderá ser sempre entregue ao destinatário que voluntariamente o aceitar; se o acto dever ser objecto de citação ou de notificação conforme o disposto na alínea 1ª, a Autoridade central pode exigir que o acto seja redigido ou traduzido na língua ou numa das línguas oficiais do país ".
E acrescentada o art. 10º, al. a), que " se o Estado destinatário nada declarar, a presente Convenção não obsta à faculdade de remeter directamente, por via postal, actos judiciais às pessoas que se encontrem no estrangeiro ".
Doutro passo, prescrevem os art. 5º, último parágrafo, e 7º da aludida Convenção que " a parte do pedido feita de acordo com a fórmula anexa
à presente Convenção, contendo os elementos essenciais do acto, será entregue ao destinatário, sendo os termos impressos dessa fórmula anexa obrigatoriamente redigidos em francês ou inglês, podendo, além disso, ser preenchidos na língua ou numa das línguas oficiais do Estado requerido, sendo os espaços em branco preenchidos na língua do Estado requerido, em francês ou em inglês.
Verificado que Portugal não fez qualquer reserva a estas disposições, deve entender-se, aliás na sequência do Parecer da Procuradoria Geral da República nº 46/70, de 31 de Outubro de 1970, acerca de questão idêntica suscitada no âmbito da anterior Convenção da Haia de 1954, que apenas poderá exigir-se que o acto a transmitir esteja redigido em língua portuguesa, ou acompanhado de tradução, quando a entidade rogante ( ou remetente ) haja pedido que a notificação ( ou citação ) seja efectuada pelo processo prescrito internamente pela legislação do Estado requerido ( al. a ) do art. 5º; parágrafo 2º do art. 3º da anterior Convenção ), ou através e qualquer processo especial indicado no pedido feito pelo Estado requerente ( al. b) do mesmo art. 5º; parágrafo 2º do art 3º da Convenção de 1954 ). Em contrapartida, se o Estado rogante ( ou emitente ) se limita a pedir que a citação seja efectuada pela simples entrega do acto ao destinatário, não há necessidade de qualquer tradução, o que bem se compreende porque, em tal caso, o destinatário não pode recusar-se a aceitar o acto ( art. 5º, parágrafo 4º; art. 2º da Convenção anterior ).
Assim, à luz da citada Convenção de Haia, a citação ou notificação feita por carta rogatória ou por via postal através de carta registada com aviso de recepção, deve considerar-se regularmente efectuada, sem necessidade de tradução dos documentos que a acompanham ( Cfr. Ac. RP de 8/11/94, subscrito pelos ora relator e 1º adjunto, in CJ Ano XIV, 5, pag. 208 ).
A tal não obstando o disposto no art. 139º, nº 1, do C. Proc. Civil Português, já que, perante duas leis hierarquicamente diversas, a incompatibilidade entre ambas há-de resolver-se pela prevalência da lei hierarquicamente superior que, sem dúvida, é a resultante da Convenção Internacional ( Cfr.
Baptista Machado, in " Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador ", Coimbra, 1990, pag. 166 ).
Aliás, é este também o regime que a própria lei portuguesa determina para a citação quando o réu resida em país estrangeiro ( e para a notificação de qualquer acto judicial nas mesmas condições - art. 256º do C. Proc. Civil ), quando prescreve no art. 244º do citado código que, nesse caso, " observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais " ( nº 1 ); porém, na falta de estipulação, a citação é feita pelo correio, em carta registada e com aviso de recepção, remetendo-se com ela o duplicado respectivo ( nº 2 ), devendo da carta constar que fica o destinatário citado para os termos da acção a que se refere o duplicado junto e indicar-se-á o juízo ou vara em que o processo corre, o termo prazo até ao qual pode ser oferecida a defesa e que é marcado com a dilação fixada segundo as regras do art. 180º, e a cominação a que fica sujeita a falta de defesa ( nº3 ).
Não se prevê a necessidade de tradução dos documentos ou actos para a língua do citando ou notificando, pelo que, face ao nosso direito processual civil, temos que sustentar que a tradução não constitui, neste caso, elemento ou formalidade essencial da citação ou notificação de um acto judicial, salvo se o país destinatário tiver feito qualquer reserva em contrário ( Cfr. Acs. RE de 4/2/83, in CJ Ano VIII, 1, pag. 292 e de 21/5/81, in CJ Ano VI, 3, pag. 275 ).
Deste modo, até pelo princípio da reciprocidade de tratamento, princípio fundamental de direito internacional, se teria de aceitar que, em condições idênticas àquelas que o nosso processo civil admite para citação de residentes no estrangeiro, devem considerar-se correctamente efectuadas as feitas por entidade estrangeira em residentes em Portugal.
Diz, por último, a agravante que a falta de tradução dos documentos que lhe foram entregues, impediu que ela compreendesse correctamente os actos que lhe foram comunicados e respectivos conteúdos, em frontal violação dos princípios do contraditório e do livre acesso ao direito e aos tribunais.
Certo é que, na ordem constitucional vigoram, consagrados como direitos fundamentais, o que permite aos cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos ( art. 20º ) e o de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser prejudicado ou privado de qualquer direito em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem... ou condição social ( art. 13º ), este último integrando, sem dúvida, o respeito pelo contraditório referido no art. 3º do C. Proc. Civil, verdadeiro direito supraconstitucional e, por isso, sem necessidade, para ter esse valor, de estar concretamente previsto ( art. 8º, nº 1, da Constituição).
Não pode, todavia esquecer-se que o nº 2 do mesmo art. 8º da referida Constituição, ao considerar vigentes na ordem interna, após a sua publicação oficial, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, estabelece, no dizer de Baptista Machado ( ob. cit., pag. 167 ) normas constitucionais mediatas ou por devolução, ou seja, normas constitucionalizadas, que são as normas de direito internacional convencional recebido.
Deste modo, as Convenções acima referidas constituem, elas próprias, direito interno português, de hierarquia equivalente à das próprias normas da Constituição.
Em todo o caso, mesmo considerando despiciendo o ora exposto, as normas da Convenção de Haia a que vimos de nos referir não violam qualquer dos direitos fundamentais acima mencionados.
Desde logo, e quanto ao princípio da igualdade, o regime aplicável é igual para todos os cidadãos portugueses, qualquer que seja a sua situação social, económica, cultural ou linguística, e mais, é também igual para todos os cidadãos de países que, como Portugal, celebraram ou aderiram àquela Convenção. Não ocorre, assim, qualquer discriminação, isenção de direito ou prejuízo decorrente da diversidade de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Por outro lado, parece ridículo que, após o projecto de uma União Europeia em que se visiona até a criação de liberdade de circulação, igualdade de oportunidades e moeda única, se possa considerar alguém prejudicado no acesso ao direito e aos tribunais, pelo simples facto de lhe serem entregues documentos e notificados actos judiciais redigidos em francês, tanto quanto é certo que o processo a que se referem os actos e no qual o destinatário poderá intervir, corre em França, onde naturalmente se fala aquela língua, minimamente conhecida por quem, no nosso país, haja frequentado o 3º ciclo do Ensino Básico.
E é evidente que em Portugal, como em qualquer outro país da Comunidade Europeia, existem delegações e representações diplomáticas em número suficiente para se poder, em poucas horas, na perspectiva de o destinatário ( ou o seu advogado ) não saberem francês, obter a tradução de qualquer documento judicial.
Não nos parece, por isso, que haja qualquer desvio ao princípio do contraditório ou qualquer impedimento do acesso aos tribunais, tão somente porque se não fez a tradução para português um ou vários documentos que, nem a nossa lei ordinária em casos recíprocos, nem a própria Convenção de Haia, exigem que se faça.
Improcede, pois, também, o que neste sentido sustenta a agravante, uma vez que não se verificou aplicação de nenhum preceito inconstitucional.
Pelo exposto, decide-se: a) - negar provimento ao recurso de agravo interposto pela requerida " P..., S.A. "; b) - confirmar a decisão recorrida; c) - condenar a recorrente nas custas do agravo, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Porto, 17 de Junho de 1997
Fernando Jorge F. de Araújo Barros.
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.
Eurico Augusto Ferreira de Seabra.