Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | DEPOIMENTO DE PARTE PROVA TESTEMUNHAL ADQUIRENTE DE COISA LITIGIOSA NOÇÃO DE PARTE PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | RP202509111030/21.4T8PVZ-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No que toca à admissão da prova testemunhal, o despacho que decide tabelarmente “admitir o rol de testemunhas oferecido”, não forma caso julgado formal para efeitos do art.º 620º do CPC. Desde logo porque na altura dessa admissão, o juiz não sabe qual a verdadeira qualidade das pessoas indicadas como testemunhas nem se ocorre alguma inabilidade ou impedimento de qualquer delas (art.º 495º e 496º do CPC), o que só poderá decidir em sede de julgamento e após a respetiva identificação. II - No que toca ao depoimento de parte, há que fazer a distinção entre os requisitos da sua admissibilidade e a sua eficácia probatória. A posição do depoente no processo ou a matéria a que é pretendido, contendem com os requisitos da admissibilidade. III - Já quanto à eficácia probatória do depoimento de parte, como resulta do art.º 358º do CC, ele só adquire força probatória plena quando acarreta confissão (o reconhecimento de factos pessoais que lhe são desfavoráveis e que favorecem a parte contrária). Não ocorrendo confissão, o depoimento de parte fica sujeita ao princípio da livre convicção do tribunal. IV - O adquirente de coisa litigiosa (incidente de habilitação de adquirente) só passa a ocupar a posição de parte, depois de transitada em julgado a decisão que o julgue habilitado. VI - É nulo o despacho que considerou um adquirente impedido de depor como testemunha e que determinou oficiosamente a sua prestação a título de depoimento de parte. Da mesma feita que é nula a assentada que se lavrou. VII - Estando o depoimento prestado, e gravado, e não sendo de configurar que a sua substância possa ser alterada, independentemente de o ter sido a um título ou outro, não é de ordenar a repetição; o que há a fazer é retirar ao depoimento prestado a eficácia confessória e proceder à sua apreciação/valoração livremente pelo Tribunal, nos mesmos termos que os depoimentos das testemunhas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1030/21.4T8PVZ-B.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – Resenha do processado 1. Correndo termos um inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, falecido em 28/04/2008, veio a herdeira BB deduzir incidente de habilitação [[1]], em 25/07/2024, pretendendo habilitar como adquirentes do seu quinhão hereditário, que alegou ter-lhes cedido CC, e mulher, DD. Juntou escritura pública de cessão de quinhão hereditário outorgada em 24/07/2024. Citados os demais cointeressados no inventário, foi deduzida contestação pela interessada EE que invocou, para além do mais, a nulidade da cedência, por simulação, já que, ao invés duma cedência de quinhão se tratou duma venda de imóveis. Mais invocou a preterição do direito legal de preferência. Igualmente contestou a cabeça de casal FF, com os mesmos fundamentos da interessada EE. Na sua contestação, a interessada EE indicou como meio de prova, para além de outros, o seguinte: “Prova Testemunhal, em depoimento de parte – requer a inquirição da Cedente e do cessionário aos factos constantes nos artigos 16, 20, 26, 27, 38, 40, 56 e 57 da contestação”. Já a contestante FF indicou como testemunha, para além de outras, o referido CC. A cedente respondeu às contestações. A Mmª Juíza designou data “para inquirição das testemunhas” (despacho de 22/11/2024) para decisão do incidente. Na Ata de inquirição das testemunhas (07/02(2025), ficou consignado o seguinte (com interesse para esta apelação): «À hora marcada, a Mmª Juíza de Direito declarou aberta a audiência e o Ilustre Mandatário Dr. GG [[2]] pediu a palavra para prescindir do depoimento enquanto testemunha de CC e requerer o seu depoimento de parte. (…) Após, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário, Dr. HH [[3]], para igualmente se pronunciar, tendo o mesmo dito que considera ter ficado precludido o exercício do direito de preferência, não podendo tal direito ser exercido, não constituindo, em suma, motivo causa prejudicial à presente acção. Relativamente ao requerido pela interveniente II, referiu o valor dos presentes autos tem de ser 1/12 do valor da herança que é o que consta da escritura pública, não havendo motivo para alterar o valor da acção. Finalmente, foi ada a palavra ao Ilustre Mandatário Dr. GG, que, no uso da mesma, referiu que, caso a ação venha a ser declarada procedente, a parte que representa - EE – passe a ser testemunha, não podendo ser ouvida em depoimento de parte, considerando, assim, que é também causa prejudicial destes autos. (…) neste momento, quando se preparava para iniciar a produção de prova, pela Mmª Juíza de Direito foi proferido o seguinte DESPACHO De forma genérica, foram admitidas as testemunhas arroladas na contestação, no despacho em que se designou data para realização de julgamento. Por lapso de que o tribunal se penitencia, não se atentou que, entre estas testemunhas, figurava CC que é um dos requeridos no presente incidente de habilitação por ser o cessionário do quinhão. Assim sendo, declaro impedido CC de depor como testemunha nos termos do disposto no art.º 496 do CPC e, ao abrigo do disposto no art.º 452 n.º 1 do CPC, determino oficiosamente a prestação de depoimento de parte por parte de CC por se afigurar que tal depoimento é essencial para o apuramento da verdade material e a boa decisão da causa. De seguida, após se ouvir o referido CC em depoimento de parte, fez-se consignar a seguinte assentada: No depoimento de CC foi afirmado o seguinte: - Desconhece o que é um quinhão hereditário, assim como desconhecia, no caso concreto, quem eram os inventariados do processo a que estes autos se encontram apensos e os bens que compunham a herança dos mesmos; - Desconhece, designadamente, se, para além do imóvel que pretendeu adquirir pelo valor de €142.000,00, a herança era composta de mais algum bem; - Aquilo que pretendeu com o negócio celebrado em 24-07-2024 no Cartório ..., foi adquirir um bem concreto cujo anúncio de venda havia visto afixado - Desconhece os valores dos impostos que pagou e se, na sequência duma escritura a realizar a posteriori, haveria mais impostos a pagar.»
2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Requerente cedente BB, formulando as seguintes conclusões: A) O recurso tem por objecto o despacho proferido em 07/02/2025, no qual, o Tribunal a quo, determinou oficiosamente a prestação de depoimento de parte de CC, indicado como testemunha, apesar de ser Requerido no incidente de Habilitação deduzido pela Recorrente com fundamento na escritura pública outorgada em 24/07/2024; B) Em 22/11/2024 a Exma. Sra. Juiz a quo admitiu as contestações das Intervenientes Principais contestantes EE e FF e os meios de prova por estas arrolados; C) Na audiência de julgamento a Recorrente opôs-se à inquirição daquele CC como testemunha; D) Sem que nada o fizesse prever, e ainda antes da inquirição de qualquer outra das testemunhas indicadas pelas Contestantes, a Exma. Sra. Juiz a quo decidiu interferir, oficiosamente, nos meios de prova e, sem mais determinou a tomada de depoimento de parte daquele CC, ficando assim prejudicada a sua audição enquanto testemunha, por se lhe afigurar que tal depoimento era essencial para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa, e fez a assentada de confissão sobre factos não alegados; E) Este despacho é desprovido de qualquer lógica e fundamento de facto ou de direito, na medida em que viola o despacho anteriormente proferido em 22/11/2024, já há muito transitado em julgado, sem qualquer reclamação ou recurso; F) O Tribunal a quo provocou uma alteração na prova anteriormente admitida, sem que tenha ocorrido qualquer facto ou circunstância plausível que o motivasse, e sem que nenhuma prova tivesse ainda sido produzida nos autos, já que foi proferido antes de as testemunhas terem prestado o seu depoimento, e sem que fosse por isso motivada a necessidade de ouvir o Requerido em depoimento de parte, para efeitos confessórios; G) Não se alcança como é que o Tribunal a quo decidiu tomar o depoimento do Sr. CC, para efeitos confessórios, sem que nas contestações apresentadas existam quaisquer factos (alegados) susceptíveis de serem confessados; H) O despacho recorrido só pode ser NULO e de nenhum efeito e, em consequência disso, deve o depoimento daquele CC prestado na audiência de 07/02/2025 ser dado sem efeito, porque carecido de qualquer valor legal, devendo ser ordenada a sua repetição, na qualidade de testemunha, por manifesta violação do despacho transitado em julgado de 22/11/2024, nos termos dos arts.º 620.º e seguintes e 629.º, todos do Cód. de Processo Civil; I) O do depoimento de parte do Sr. CC ordenado e obtido ilegalmente, que por ser manifestamente ilegal não pode ser considerada para efeitos probatórios, uma vez que não existem quaisquer factos alegados pela Recorrente que estejam em desconformidade com o título autêntico para efeitos de obtenção de confissão face à natureza do documento autêntico, cuja presunção de autenticidade não foi ilidida, nem arguida a sua falsidade; J) Pelo que, não tendo ocorrido a arguição de falsidade de documento autêntico, nenhum facto existe para que tivesse sido ordenado oficiosamente o depoimento de parte sobre o teor do documento autêntico (escritura pública). Nestes Termos e nos mais de direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos deve o presente recurso ser recebido, admitido e julgado totalmente procedente e, em consequência, ser declaro NULO e sem efeito o depoimento de parte do Sr. CC, prestado na audiência de 07/02/2025, por violação de despacho transitado em julgado, devendo por isso ser ordenada a sua repetição, assim como ser declarada NULA e sem efeito a assentada que foi reproduzida em acta, que por ser manifestamente ILEGAL – porque decorre de um meio de prova nulo – não pode ser considerada para efeitos de prova. Assim decidindo, farão como sempre V.ªs Ex.ªs, inteira JUSTIÇA!
3. A interessada EE apresentou contra-alegações, sustentando a sua improcedência. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 4. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). No caso, trata-se de decidir se foi correta a audição do cessionário a título de depoimento de parte, ao invés de como testemunha. Decidindo: § 1º - No que toca à violação do caso julgado formal (art.º 620º do CPC) relativamente ao despacho de 22/11/2024, em que a Mmª Juíza, após as contestações se limitou a designar data “para inquirição das testemunhas arroladas pelas contestantes”. Subentendido deste despacho está a pronúncia sobre os meios probatórios indicados pelas partes, no sentido de terem sido admitidas as testemunhas arroladas. O caso julgado formal opera sobre decisões/despachos que incidam apenas sobre a relação processual, circunscrevendo a sua força obrigatória à questão processual concreta que foi apreciada: art.º 620º nº 1 do CPC. Constituindo o processo um encadeamento de atos dirigidos à obtenção de uma sentença/decisão que irá decidir os termos do litígio entre as partes, pretende-se com o caso julgado formal que as questões intercalares vão sendo decididas de forma definitiva para que se obtenha o dito resultado. Porém, no que toca à admissão dos meios de prova, designadamente prova testemunhal, o despacho que decide tabelarmente “admitir o rol de testemunhas oferecido”, não forma caso julgado para efeitos do art.º 620º do CPC. Desde logo porque na altura da admissão, o juiz não sabe qual a verdadeira qualidade das pessoas indicadas como testemunhas nem se ocorre alguma inabilidade ou impedimento de qualquer delas (art.º 495º e 496º do CPC), o que só poderá decidir em sede de julgamento e após a respetiva identificação. Neste sentido, acórdão do STJ, de 06/07/2000: «I- Para haver caso julgado formal é indispensável a existência de uma decisão, de um julgamento. II- O juiz só tem de pronunciar-se, verdadeiramente, sobre a admissibilidade dos meios probatórios no momento ou no acto da produção da prova, que é a fase essencial do procedimento próprio das provas constituendas. III- Assim, se, em momento anterior, o juiz se limita a admitir o depoimento de parte, sem aduzir qualquer tipo de fundamentação, após inspecção superficial e ligeira do requerimento, não se segue daí que haja necessariamente de se admitir a produção desse depoimento, se ilegal.» [[4]]
§ 2º - Também não se trata de uma questão de ausência de lógica ou de fundamento de direito. Além de competir ao juiz verificar a qualidade das pessoas arroladas para depor e indeferir/alterar essa qualidade quando considere ocorrer alguma inabilidade ou impedimento, também está no âmbito dos seus poderes/deveres funcionais ordenar oficiosamente o depoimento de parte: art.º 452º e 411º do CPC.
§ 3º - Sobre o depoimento de parte em concreto nos autos O depoimento de parte visa a confissão das partes. Por outro lado, só há lugar a confissão, quando a parte vem a reconhecer factos pessoais que lhe são desfavoráveis e que favorecem a parte contrária: art.º 352.º do Código Civil (CC). Daí que o depoimento de parte só possa ser exigido às partes, ou seja, aos sujeitos da relação processual ou, dito de outra forma, aos titulares da situação jurídica em litígio. As regras probatórias são as seguintes: ● Só pode ser feita, e é eficaz, por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira: nº 1 do art.º 353º do CC. ● Pode ser judicial ou extrajudicial, sendo aquela a “feita em juízo” (nº 1 e 2 do art.º 355º do CC), por via espontânea (nos articulados), ou de forma provocada, concretizando-se pelo depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal: art.º 356º do CC. ● A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente: nº 1 do art.º 358º do CC. ● Em caso de litisconsórcio necessário, a confissão feita pelo litisconsorte não é eficaz: nº 2 do art.º 353º do CC. ● A confissão feita por um substituto processual não é eficaz contra o substituído: nº 3 do art.º 353º do CC. ● O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente: art.º 361º do CC. Daqui decorre que no que toca ao depoimento de parte, há que fazer a distinção entre os requisitos da sua admissibilidade e a sua eficácia probatória. A título de exemplo, a capacidade judiciária, a posição do depoente no processo ou a matéria a que é pretendido, contendem com os requisitos da admissibilidade [[5]]; noutra vertente, a força probatória plena e/ou a livre apreciação do depoimento prestado já se reportam à eficácia probatória do depoimento prestado. Já quanto à eficácia probatória do depoimento de parte, como resulta do art.º 358º do CC, a confissão só tem força probatória plena (prova vinculada) quando tem a modalidade de judicial, e se escrita ou reduzida a escrito (nº 1) [[6]]; nas outras modalidades ou formas, fica sujeita ao princípio da livre convicção do tribunal (nº 4). Daqui se extrai que, apesar de admitido, o depoimento de parte pode não conter qualquer declaração confessória, como acontece, aliás, em muitos casos. Nessa situação nada fica a constar da ata, para além dos elementos de identificação do depoente. «Na maior parte das vezes, o objetivo fundamental tendente à obtenção de declaração com valor confessório (prova plena) não se consuma, mas nem por isso as declarações deverão ser desvalorizadas. O depoimento de parte, naquilo que não apresente valor confessório, constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal (…). Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, são reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que, a par da prova tarifada, existem meios de prova sujeitos a livre apreciação (…).» [[7]] No mesmo sentido, a seguinte jurisprudência: «V - A confissão e o depoimento de parte são realidades distintas, sendo este mais abrangente do que aquela: pode haver depoimento sem haver confissão, do mesmo modo que pode haver reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, a que não possa atribuir-se eficácia confessória específica, valendo, então, como meio probatório que o tribunal apreciará livremente – cf. art. 361.º do CC.» [[8]]
§ 4º - Qual, então, a posição processual do adquirente num incidente de habilitação de adquirente (art.º 356º do CPC)? Estamos habituados a tratar das questões de legitimidade no âmbito dum processo comum de declaração, reportada ao conceito de partes. E, aí, sabemos que o critério para aferir a legitimidade é o interesse direto; o autor e o réu têm que ter um interesse direto no processo (art.º 30º do CPC). A questão está relacionada com a modificação subjetiva da instância. Como refere Salvador da Costa, «Alienada a coisa objeto do litígio, embora já sem interesse na ação por ter deixado de ser o sujeito ativo da relação substantiva, o transmitente continua a ter legitimidade ad causam até ao seu termo, configurando-se a sua posição como a de substituto processual do adquirente até que ocorra a sua habilitação. (…) Mas importa ter em conta que este incidente apenas visa a modificação dos sujeitos na lide, pelo que os seus efeitos são de natureza meramente processual, ou seja, não comporta a discussão e a decisão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa, designadamente sobre a existência, a validade ou o âmbito de garantias de direito de crédito.» [[9]] No mesmo sentido do fenómeno da substituição processual, o art.º 263º do CPC: no caso de transmissão por ato entre vivos da coisa litigiosa, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa até o adquirente ser admitido a substituí-lo. Daqui decorre que o adquirente de coisa litigiosa só passa a ocupar a posição de parte, depois de transitada em julgado a decisão proferida no incidente e que o julgou habilitado a prosseguir a ação. «I – O art.º 263º, do Cód. de Processo Civil prevê uma excepção à regra da coincidência entre a legitimidade processual e a substantiva, pois, apesar da coisa ou direito em litígio ser transmitida para terceiro, por acto entre vivos – ocorre transferência na titularidade ou disponibilidade do objecto do litígio -, enquanto não ocorrer a habilitação do adquirente ou transmissário, a legitimidade processual continua a pertencer ao cedente ou transmitente; 2 - nesta situação, o cedente ou transmitente mantém-se como litigante em nome próprio, ainda que prosseguindo um interesse que apenas de forma indirecta é seu; 3 - decorre de tal normativo uma situação de legitimidade extraordinária, indirecta, própria ou ad hoc, a qual não decorre já da titularidade da relação material em litígio que foi transmitida, mas antes da própria lei; 4 – assumindo-se, assim, o transmitente como substituto processual do adquirente ou transmissário (actual titular da situação jurídica transmitida), ainda que não tenha interesse na acção, em virtude de ter deixado de ser o sujeito activo da relação substantiva, da qual já não é parte; 5 - apesar de tal substituição, por natureza facultativa, pois vigora até que o transmissário ou adquirente seja habilitado, a sentença que venha a ser prolatada produz, em regra, relativamente àquele, efeitos de caso julgado, mesmo que não venha a habilitar-se; 6 - ou seja, a actuação processual do transmitente ou substituto produz e repercute os seus efeitos materiais na esfera jurídica do transmissário ou substituído, daí decorrendo a vinculação deste ao caso julgado que venha a produzir-se; 7 - efectivamente, o adquirente ou transmissário (detentor de uma legitimidade directa), para além do evidente interesse em que seja proferida decisão de mérito favorável a quem lhe transmitiu a posição jurídica em litígio, pode ter interesse em, de forma directa, dirigir o processo após tal transmissão, fazendo operar a habilitação e passando então a litigar como parte principal e verdadeiro sujeito processual do litígio relativo à coisa ou direito transmitido; 8 - assim, e até que se opere a legal habilitação, nos termos do artº. 356º, do Cód. de Processo Civil, ocorre uma distonia entre os sujeitos da relação material ou substantiva – adquirente ou transmissário e a parte estranha à transmissão – e os sujeitos da relação processual ou adjectiva – cedente ou transmitente e parte estranha à transmissão; 9 – isto é, até que ocorra legal habilitação, determinante de uma modificação subjectiva da instância, a parte principal continua a ser o cedente ou transmitente, apesar de não ser o sujeito da relação material litigada;» [[10]] Concluindo, enquanto não transitar em julgado a decisão no incidente que julgue um adquirente habilitado a prosseguir a ação principal, o adquirente de coisa litigiosa não detém a posição processual de parte. Quanto à eficácia confessória de um depoimento desprovido de legitimação, refere o art.º 353º do CC que a confissão feita por um substituto processual não é eficaz contra o substituído.
§ 5º - No caso, o adquirente CC foi ouvido (no âmbito do próprio incidente) quando ainda não tinha havido sentença. Nessa medida, sem escamotear o interesse direto que ele tinha na decisão do incidente, e, após, na prossecução do inventário, o certo é que não é considerado “parte”, pelo que não podia ser ouvido a título de depoimento de parte. Estamos, portanto, perante uma questão de inadmissibilidade dum meio de prova. Numa situação em que se pretendia o contrário (a pessoa foi ouvida na qualidade de testemunha, considerando o Recorrente que devia tê-lo sido como depoimento de parte), decidiu-se: «II - No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso (artigo 263.º, nº 1 do CPCivil), aquele interesse no prosseguimento da lide, que aqui se compagina com a questão da legitimidade, continua a existir na pessoa do transmitente. III - Este normativo cria uma situação de legitimidade ad hoc extraordinária, sendo fundamentalmente os interesses da parte estranha à transmissão que justificam a permanência do transmitente enquanto parte legítima na acção que só cessará com a eventual habilitação do transmissário. IV - Desde que a pessoa, posto que tenha interesse directo na causa, não ocupa nela a posição que permita o seu depoimento como parte (artigo 452.º do CPCivil), pode depor como testemunha, podendo, como é evidente, tal depoimento ser apreciado tendo em conta aquele interesse.» [[11]] Por outro lado, não tendo o depoimento prestado pelo adquirente CC o valor de depoimento de parte, também não lhe pode ser atribuída a eficácia probatória de confissão como força probatória plena.
§ 6º - As consequências Pugna a Recorrente que não sendo admissível o depoimento de parte, nem lhe podendo ser atribuída eficácia confessória, o despacho que o ordenou é nulo, devendo o depoimento de CC ser dado sem efeito e ordenada a sua repetição na qualidade de testemunha. Há que distinguir essas vertentes. No que toca ao despacho que considerou impedido CC de depor como testemunha e que determinou oficiosamente a sua prestação a título de depoimento de parte, efetivamente o mesmo deve ser considerado nulo e de nenhum efeito, por violação das regras provatórias de direito material, no caso a inadmissibilidade de tal meio probatório. E o mesmo se diga relativamente à assentada que se lavrou. Como já se disse, a redação da assentada tem já subjacente uma valoração do depoimento por parte do juiz, no sentido de considerar a declaração como confessória. Sendo inadmissível o depoimento, ele não tem qualquer eficácia confessória, pelo que a assentada é nula. Já no que toca à pretensão de o depoimento de CC ser dado sem efeito e ordenada a sua repetição na qualidade de testemunha, não se concorda com a Recorrente. Na verdade, o depoimento está prestado, e gravado, pelo que não é de configurar que a substância do depoimento possa ser alterada, independentemente de o ter sido a um título ou outro. O que há a fazer é retirar ao depoimento prestado a eficácia confessória e proceder à sua valoração nos mesmos termos que os depoimentos das testemunhas, ou seja, o depoimento será apreciado livremente pelo Tribunal: art.º 396º do CC e 607º nº 5 do CPC. [[12]]
5. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ………………………………
III. DECISÃO 6. Pelo que fica exposto, no parcial provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em: Custas da apelação na proporção de 80% para a Recorrida e 20% para a Recorrente. |