Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DEOLINDA DIONÍSIO | ||
Descritores: | PENA ACESSÓRIA PROIBIÇÃO DE CONDUZIR CUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP20161215583/15.0PPPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/15/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC. PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 702, FLS.171-178) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, quando a carta de condução não se encontra apreendida nos autos aquando do transito em julgado da sentença condenatória, apenas se inicia com a entrega voluntária ou com a apreensão do titulo que habilita à condução. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO PENAL n.º 583/15.0PPPRT-A.P1 2ª Secção Criminal CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1. Por sentença proferida, a 11 de Junho de 2015, no processo especial sumário, n.º 583/15.0PPPRT, da Comarca do Porto, Porto – Instância Local - Secção Pequena Criminalidade-J3, foi o arguido B… condenado, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 292º n.º 1 e 69º n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Penal, além do mais e no que ao caso importa, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses. 2. Mais foi advertido que devia entregar a sua carta de condução, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, no tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer em crime de desobediência. 3. Por requerimento apresentado em juízo, a 1 de Setembro de 2015, o arguido informou que não podia entregar a carta por virtude da mesma já se encontrar apreendida junto da ANSR. 4. O arguido foi, então, notificado para juntar aos autos a guia de substituição respectiva mas não o fez invocando tê-la perdido e instruindo o expediente com uma participação de extravio desse documento realizada, na Esquadra da PSP de …, a 8/7/2015. 5. Após diligências várias no sentido de apurar se o arguido solicitara 2ª via do título que o habilitava a conduzir ou da guia de substituição que dera por extraviada e bem assim da comunicação à autoridade policial da área da residência do arguido no sentido de fiscalizar a sua eventual actividade de condução e consequente apreensão de qualquer título que exibisse para o efeito, veio o Comando Metropolitano … da PSP, por ofício junto aos autos a 7/4/2016, informar que a carta de condução do arguido aí se encontrava apreendida, desde 24/3/2014, tendo sido emitida a guia de substituição com o n.º ….., válida até 24/9/2014, nunca tendo sido revalidada ou substituída. 6. Foi então solicitado a esse OPC a remessa da carta de condução aos autos, com vista ao cumprimento da pena acessória fixada, ocorrendo a junção desse documento a 18/5/2016. 7. No dia 24 de Maio de 2016, invocando ter já decorrido o prazo da proibição de conduzir, veio o arguido requerer o levantamento da carta de condução. 8. A sua pretensão foi, porém, indeferida, por despacho datado de 30/6/2016, rectificado a 4/7/2016. 9. Inconformado o arguido B… interpôs recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) 1 - Interpõe-se o presente recurso do de fls.. despacho de fls,..., datado de 30.06.2016, rectificado em 04.07.2016, em que considera o início do cumprimento da pena acessória seja de 18.05.2016 terminado no dia 18.03.2017. 2 - A decisão condenatória foi devidamente comunicada às entidades competentes nos termos do prescrito no art. 50º n.º 1 do CPP. 3 - O arguido, como consta dos autos, desde o trânsito em julgado da decisão (13- 07-2015) que não conduz qualquer veículo motorizado. 4 - O mesmo não entregou a sua carta de condução, pois a mesma se encontrava junta/apreendida junto da ANSR. 5 - Facto que prontamente deu a conhecer aos autos - requerimento de 01.09.2015. 6 - Bem como em 16-09-2015, na sequência de notificação (ref: 356407242), informou que não detinha guia de substituição, por a mesma se ter extraviado - tendo junto a competente participação de fls.... 7 - Conforme consta dos autos o arguido não solicitou qualquer emissão de nova guia. 8 - Nem tão pouco foi visto a conduzir veículo motorizados – cfr. informação prestada pela PSP – fls. 113. 9 - Tal pedido fora formulado pelo MP para verificação do cumprimento da pena a que o arguido fora condenado. 10 - Apenas em 03-03-2016, é que fora promovido que fosse junto aos autos pelo comando da PSP a carta aprendida - procedimento que deveria ter sido tomado logo após o conhecimento da apreensão do título de condução. 11 - Tendo a mesma só sido junta em 18 de Maio de 2016. 12 - E entendimento do arguido que o período da pena acessória de inibição de condução, não se poderá contar a partir de 18 de Maio de 2016, pois o mesmo não dispunha de capacidade/disponibilidade para por si só entregar o título que já se encontrava apreendido. 13 - Mas sim desde a data do trânsito em julgado da decisão – cfr. art. 69º n.º 2 do CP 14 - Pois a não ser assim o arguido terá uma de cumprir uma pena acessória não de dez meses, mas sim de quase dois anos. 15 - E a imposição de cumprimento de novo período da sanção acessória após o trânsito em julgado, por culpa não imputável ao arguido, é profundamente injusta. 16 - O mesmo não poderia, voluntariamente se ter desapossado do título pessoal de condução a que fora condenado, dando assim cumprimento ao prescrito no n.º 2 do art. 500º do CPP. 17 - A manter-se a promoção, o arguido será punido por duas vezes, já que conforme resulta dos autos cumpriu a sanção acessória não tendo conduzindo qualquer viatura automóvel. 18 - Acresce que, a entrega do título, que se frise já estava apreendido, constitui apenas "uma mera natureza cautelar, cujo objectivo é o de permitir tanto quanto possível o melhor controlo da execução da pena." 19 - Controlo este que, se poderá verificar e constatar pelo simples facto de a carta ainda estar junta aos autos e desde a data da sua apreensão, de o arguido nunca ter solicitado qualquer guia de substituição, conforme informação também junta aos autos”. Termina pedindo que seja declarada cumprida a pena acessória e revogado o despacho recorrido. 10. Admitido o recurso, por despacho proferido a fls. 81[1], respondeu o Ministério Público pugnando pela sua improcedência e manutenção do decidido, rematando a motivação com as conclusões que se transcrevem: “1. O que aqui se encontra em causa é o cômputo da pena acessória em que o arguido foi condenado. 2. Tal cômputo, como o de qualquer outra pena pode ser alterado se os autos tiverem conhecimento de factos supervenientes que tal o imponham, como descontos a realizar, de cumprimento de outras penas mais antigas e que por força da lei têm que ser cumpridas em primeiro lugar. O que em nenhum momento se pode considerar, salvo o devido respeito por opinião em contrário, é que a partir do momento em que a sentença transitou em julgado se considere que o arguido iniciou o cumprimento da pena acessória aqui aplicada ou que tal tenha o seu início a partir do momento que o arguido informa que a sua carta de condução se encontra apreendida na P.S.P. – Divisão de Trânsito à ordem de um processo de contraordenação e o arguido opta por não peticionar uma segunda guia de substituição da mesma, por motivos que se desconhecem. 3. A pena acessória de proibição encontra-se rodeada de deveres, devendo-se distinguir-se os condenados que são portadores de licença de condução daqueles outros que o não são. Pois, os primeiros têm a obrigação de entregar a respetiva carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, cfr. artigo 69.º, n.º 3, do Código Penal e artigo 500º, n.º 2, do Código de Processo Penal. 4. O momento em que se inicia o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados ocorrerá com o trânsito em julgado da respetiva sentença, no caso dos arguidos que não possuem título válido que os habilite a conduzir e com a entrega da carta de condução para os arguidos que possuem título que os habilite a conduzir. 5. Ora, nos autos o arguido não procedeu à entrega voluntária da sua carta de condução, nem da guia de substituição da mesma, uma vez que refere que a carta se encontra aprendida à ordem de um processo de contraordenação e não possui a guia de substituição. 6. Recordamos que o arguido veio informar que não possui guia de substituição da carta de condução, mas não existia, nem existe qualquer impedimento para que este se dirigisse ao O.P.C. e peticionasse uma segunda via da guia, não o fez voluntariamente, optando por desrespeitar a sentença que foi proferida e quando tinha sido advertido da prática do crime de desobediência se não cumprisse o determinado. Aliás o arguido foi disso notificado. 7. Nos autos não resulta que o arguido tenha, ainda que sem sucesso, peticionado junto do O.P.C. a emissão de uma guia de substituição da sua carta de condução. 8. Tal somente se deve ao comportamento do arguido. 9. Não resulta da lei, nem é obrigação do Tribunal peticionar o envio dos títulos de condução dos arguidos para cumprimento das penas acessórias. Tal é realizado a fim de agilizar os autos e não porque resulta da lei. 10. Atendendo a que a carta de condução do arguido, único documento válido, pois o arguido optou por não peticionar junto do O.P.C. pela entrega de guia que substitua a sua carta de condução aquando da alegada perda da guia que possuía, cfr. fls. 45, 57, 58, 64, 65, 66, 115, 116, 117, 119, 120, 121, 122, 125, 126 e 127, somente foi junta aos autos em 18 de maio de 2016, somente a partir de tal data se pode considerar como início de cumprimento da pena acessória aplicada ao arguido nestes autos. 11. Nestes termos, considera-se que a douta decisão recorrida deve ser mantida em todos os seus aspetos. 12. Por todo o exposto, deve a decisão recorrida manter-se nos precisos termos e ser improcedente o recurso interposto pelo arguido.” 11. Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de concordância com a tese do Ministério Público da 1ª instância. 12. Cumpriu-se o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo havido resposta. 13. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, que decorreu com observâncias das formalidades legais, nada obstando à decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃOII – 1) Decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica e perfeitamente estabilizada,[2] que as conclusões do recurso delimitam o seu objecto e âmbito de conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. Assim, no caso sub judicio a única questão controvertida é a de saber se o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir se inicia imediatamente com o trânsito em julgado da decisão ou se está dependente da entrega do título que habilita à condução. * II – 2) O teor do despacho recorrido, no que ao caso interessa, é o seguinte:“Veio o arguido requerer, a fls. 130 e 136 a 138 dos autos, o levantamento da carta de condução por considerar cumprida a pena acessória pelo período de dez meses em que foi condenado, uma vez que no dia 1-9-2015 deu conhecimento da impossibilidade de entrega da aludida carta de condução por a mesma se encontrar apreendida junto da ANSR e informou ainda no dia 9-2015 que a guia de substituição tinha sido extraviada, não tendo solicitado qualquer outra, concluindo que o período de inibição em causa deveria ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão. O Ministério Público promoveu que se indeferisse ao requerido - cifrando fls. 132 e 140. Das disposições conjugadas dos artigos 69° do CP e 500° do CPP conclui-se que o início da contagem do período de inibição de conduzir veículos a motor não depende somente do trânsito em julgado da decisão, sendo igualmente necessário que o arguido entregue voluntariamente o seu título de condução ou o mesmo lhe seja apreendido. Conforme referido pelo Ministério Público, nos autos não resulta que o arguido tenha, ainda que sem sucesso, peticionado junto do O.P.C, a emissão de uma guia de substituição da sua carta de condução para que procedesse à junção aos autos de documento válido para cumprimento da pena acessória em que foi condenado. Por esse motivo, foi solicitado ao OPC competente o envio da carta de condução, que se encontra nos autos desde o dia 18 de Maio de 2017. Mais se consigna que se considera a presente situação diferente da invocada no requerimento de fls. 136 a 138 - no citado Acórdão da Relação do Porto datado de 01-04-2002 - pois nesse caso o arguido não pode proceder à entrega do título por factores alheios à sua vontade. Face ao exposto, indefiro ao pretendido a fls. a fls. 130 e 136 a 138 dos autos. Considero como início do cumprimento da pena acessória o dia 18 -5- 2016, terminando no dia 18-3-2017.” *** II – 3) Apreciação de méritoComo ensinam Figueiredo Dias e Germano Marques da Silva,[3] a ciência do direito penal “é o conjunto de conhecimentos e princípios, ordenados metodicamente, de modo a tornar possível a elucidação do conteúdo das normas penais e dos institutos em que elas se agrupam, com vista à sua aplicação aos casos correntes. Em sentido amplo, a ciência penal tem por objecto não apenas as normas do direito penal material mas também as do processo penal …”. E, “todo o direito penal e a sua ciência devem ser perspectivados a partir de valorações político-criminais imanentes ao sistema; as quais, por seu turno, se exprimem por excelência nas consequências jurídicas próprias deste ramo de direito”. Em consequência, importa antes de mais fazer o cotejo das normas e princípios que regem nesta matéria, visto que é na unidade do sistema jurídico-penal que deve buscar-se a solução. Dispõe o citado art. 69º, do Cód. Penal que: “1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º; (…) 2 - A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria. 3 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo. 4 - A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior. 5 - Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro (…) 6 - Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança. 7 - Cessa o disposto no n.º 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de cassação ou de interdição da concessão do título de condução nos termos do artigo 101.º” Por seu turno e no que ao presente caso interessa, consagra o art. 500º, do Cód. Proc. Penal, que: “1 - A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação. 2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo. 3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução. 4 - A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular. (…)”. Com base na leitura conjugada destes normativos e dos princípios imanentes à fixação desta pena acessória – exercício de condução especialmente censurável, prevenção geral de intimidação e recuperação do comportamento estradal do condenado – é jurisprudência uniforme que: i) Se o título de condução se encontra apreendido no processo, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir inicia-se com o trânsito em julgado da decisão que a aplicou[4]; ii) Se o título de condução não se encontra apreendida no processo, o cumprimento da pena acessória apenas se inicia no momento em que o documento, por entrega voluntária ou por apreensão, deixa de estar na posse do condenado e fica à ordem do tribunal – v., entre outros, Acs. desta Relação, de 17/3/2010, 10/2/2010, 10/1/2007, 13/12/2006, 19/7/2006, 14/6/2006, 15/3/2006, 7/12/2005, 23/11/2005 e 10/3/2004, processos n.º 961/05.3GAMAI.P1, 98/09.6GAVLC.P1, 0645759, 0615365, 0612034, 0543630, 0441850, 0514140, 0513930 e 0411048, dos relatores José Piedade, Ricardo Costa e Silva, Maria Elisa Marques, Guerra Banha, Augusto Carvalho, Custódio Silva, Alice Santos, André Silva, Élia São Pedro e Fernando Monterroso, respectivamente; da Relação de Lisboa, de 24/1/2007, Processo n.º 7836/2006-3, da relatora Conceição Gonçalves; da Relação de Évora de 11/3/2010, processo n.º 97/08.5PTEVR.E1, do relator João Luís Antunes, todos disponíveis em dgsi.pt; e ainda da Relação de Guimarães, de 7/4/2003, 18/12/2002 e 8/7/2002, CJ, Anos XXVIII (o primeiro) e XXVII (os dois restantes), Tomos II, V e IV, pág. 294, 293 e 282, respectivamente; e da Relação de Évora de 20/12/2005, CJ, Ano XXX, Tomo V, pág. 282. No mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Ed., pág. 1246, nota 3. Os fundamentos essenciais desta jurisprudência e doutrina, aliás pacificamente estabilizada, são os seguintes: ● A interpretação coerente e harmoniosa dos dispositivos legais referidos inculca que o cumprimento da pena acessória, quando o título que habilita o condenado a conduzir não se mostra apreendido nos autos, apenas se inicia quando o mesmo é entregue; ● A afirmação contida no n.° 2 do artigo 69.°, do Código Penal, de que "A proibição produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão... " não é decisiva em termos de se considerar que a execução da pena se inicia de imediato, após ao trânsito da sentença, até porque tal entendimento colidiria frontalmente com o disposto nos n.ºs 3 e 6 do mesmo preceito legal e ainda com os n.ºs 2, 3 e 4 do art. 500°, do Código de Processo Penal - normas que revelam o dever do tribunal de promover e controlar a efectiva execução da pena (arts. 469.° e 470.°, do Código de Processo Penal) aferida pela data da entrega ou da apreensão da carta de condução, afastando, portanto, a possibilidade de se sustentar a execução automática da proibição a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória nos casos em que a carta de condução não está à ordem do tribunal; ● O trânsito em julgado da sentença não se confunde com a sua exequibilidade e o início de cumprimento da pena: se é certo que a sentença penal condenatória só é exequível - e, portanto, só produz efeitos - após o trânsito em julgado [artigo 467.°, do Código de Processo Penal], não é menos certo que o facto de se tornar exequível não significa que, em todos os casos, a sua execução se inicie de imediato e de forma automática com o cumprimento da pena. Casos há - como o dos autos, onde o arguido não entregou a carta de condução ou documento equivalente no prazo fixado - em que a sentença condenatória transita em julgado e, portanto, produz efeitos e é exequível, mas o cumprimento da pena não se inicia de imediato: o trânsito em julgado e a exequibilidade da sentença não desencadeia, por si, necessária e automaticamente, o início do cumprimento da pena; ● Por último, a vingar a interpretação do recorrente não se vislumbra como seria possível fiscalizar o cumprimento, real e efectivo – que é isso que se pretende – da pena acessória. É que, o condenado, continuaria na posse do documento que o habilita a conduzir e a decisão de aplicação da pena acessória não é, nos termos da lei, comunicada às autoridades policiais mas tão só aos serviços de viação[5]. Assim, omitindo a entrega voluntária e esquivando-se à apreensão do documento, poderia continuar a conduzir, em perfeito desrespeito pela decisão judicial proferida, sem qualquer consequência, uma vez que tal comportamento muito dificilmente seria detectado e a pena acessória seria, sem mais, declarada extinta. Nem se diga, como faz o recorrente, que resulta dos autos que não conduz desde o trânsito da decisão e que a manter-se a decisão será punido por duas vezes, sendo profundamente injusta a imposição de novo período de proibição de conduzir, por culpa que não lhe é imputável. É que, o que patenteiam os autos é bem diverso. A saber: a) O arguido tem a sua carta de condução apreendida à ordem do OPC, desde 24/3/2014, tendo-lhe sido entregue guia de substituição com validade até 24/9/2014; b) Tal guia nunca foi substituída nem o arguido diligenciou pela sua revalidação; c) O arguido não foi visto nem fiscalizado a conduzir o que é bem diferente de não ter voltado a conduzir desde o trânsito em julgado da decisão. Estas circunstâncias permitem concluir que: - À data da prática dos factos que deram origem à proibição de conduzir nos autos principais (28/5/2015) o arguido não estava munido do necessário documento para exercitar a condução na via pública, já que tinha a sua carta de condução apreendida e, há muito, deixara caducar a guia de substituição; - A participação de extravio, a 8/7/2015, dessa guia de substituição caducada quase um ano antes e, consequentemente, sem valor ou utilidade, não faz qualquer sentido que não seja o de criar uma aparência de impossibilidade de entrega do documento por razões que não lhe eram imputáveis; - O pedido de devolução da carta de condução é perfeitamente falacioso já que o arguido sabe perfeitamente que a mesma está apreendida pelo OPC, ao abrigo do disposto no art. 173º, do Cód. Estrada; - O exercício da condução sem que o condutor esteja munido do necessário título viola o disposto no art. 85º, do Cód. da Estrada. Assim sendo, o facto do arguido - segundo diz - não ter conduzido é o resultado normal do seu descuido e omissão na obtenção de nova guia de substituição do documento apreendido ou da resolução da questão que determinou essa apreensão e não a observância da proibição de conduzir judicialmente imposta. Neste conspecto, o incumprimento decorrente da falta de entrega do título que habilitava à condução é-lhe imputável a título culposo, não só por ter deixado caducar a guia de substituição mas também por não ter diligenciado pela sua renovação uma vez notificado da necessidade de entregar o documento aludido. A tudo isto acresce ainda a circunstância do arguido ter induzido o tribunal a quo em erro ao comunicar que a carta estava apreendida na ANSR quando, bem sabia, que a apreensão emanara da PSP (v. cópia da guia junta a fls. 37 deste apenso, assinada pelo arguido). Assim, nenhum sacrifício ou injustiça lhe foi imposto pela decisão recorrida, antes e apenas se evidenciando conduta negligente e dilatória do aqui recorrente. Concluímos, pois, como a jurisprudência anteriormente citada e perfeitamente pacífica, que nos casos em que a carta de condução não se mostra ainda junta aos autos, quando se verifica o trânsito da sentença, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir apenas se inicia com a entrega voluntária ou apreensão do título que habilita à condução, por força e nos termos das disposições conjugadas dos arts. 69°, n.ºs 2, 3, 4 e 6, do Código Penal, e 467°, n.° l e 500°, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal. *** III – DISPOSITIVOEm face do exposto, acordam os Juízes desta Relação negar provimento ao recurso do arguido B… e manter nos precisos termos a decisão recorrida. Custas pelo recorrente com 4 (quatro) UC de taxa de justiça - art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Judiciais. * [Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP] Porto, 15 de Dezembro de 2016 Maria Deolinda Dionísio Jorge Langweg ____ [1] Numeração deste apenso. [2] Cf., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98. [3] V., Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 3 e segs., e Direito Penal Português, Parte Geral I, pág. 17. [4] Solução idêntica merecerá o caso dos condenados que não sejam titulares de habilitação legal para conduzir. [5] Embora nada obste e seja até desejável a comunicação por iniciativa da autoridade judiciária. |